Processo nº 1734-57.2016.8.10.0038
Ação Popular
Requerente:
JOSÉ AUGUSTO DE OLIVEIRA DA SILVA
Requerido:
JAIRO MADEIRA DE COIMBRA, RAIMUNDO DE SOUSA SOARES NETO e MUNICÍPIO DE JOÃO
LISBOA
SENTENÇA
I - RELATÓRIO
Trata-se
de AÇÃO POPULAR ajuizada por JOSÉ AUGUSTO DE
OLIVEIRA DA SILVA em
face do JAIRO MADEIRA DE COIMBRA, RAIMUNDO
DE SOUSA SOARES NETO e MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA, todos devidamente
qualificados na inicial.
Alegou
o autor que na condição de cidadão tomou conhecimento que no ano de 2014 foram
instaurados diversos processos administrativos para fins de exoneração de
servidores municipais em situação de acumulo de cargos indevidamente, em
cumprimento a um TAC Nº 06/2013, firmado em 07.01.2014.
Afirma
que o requerido RAIMUNDO DE SOUSA SOARES
NETO,
mesmo ocupando os cargos de VIGIA DO MUNICÍPIO e VEREADOR, não foi abarcado
pelo referido procedimento.
Sustenta
que o requerido JAIRO MADEIRA, na condição de prefeito, tinha pleno conhecimento
do fato e manteve-se inerte e, ainda, que RAIMUNDO NETO não pediu licença do
cargo de vigia e venha recebendo sem trabalhar, motivo pelo qual deve ser
condenado solidariamente à devolução dos valores indevidamente percebidos por RAIMUNDO
NETO, afirmando ainda que tal ato configura improbidade administrativa.
Finaliza
requerendo a procedência da demanda com a anulação do ato de contratação de RAIMUNDO DE SOUSA SOARES NETO do
cargo de VIGIA e suspensão dos pagamentos com condenação dos requeridos ao
ressarcimento ao Erário Público do valor equivalente àqueles pagos indevidamente
ao requerido RAIMUNDO NETO.
Às
fls. 35, postergou-se a análise do pedido de liminar para depois das respostas
e determinou-se a citação dos requeridos.
ÀS
fls. 38, o município de João Lisboa informa que o requerido RAIMUNDO DE SOUSA SOARES NETO ocupa cargo efetivo de
VIGILANTE no município desde 10.12.2013 e que encontra-se de licença sem
vencimento, conforme Portaria nº 77/2016.
Às fls. 42 consta a portaria de concessão da
licença sem vencimentos ao requerido RAIMUNDO DE SOUSA SOARES NETO, pelo prazo
de 01 ano a contar de 24.06.2016.
O
MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA (fls. 43-54), RAIMUNDO
DE SOUSA SOARES NETO (fls. 55-62) e JAIRO MADEIRA DE COIMBRA (FLS. 64-71) apresentaram
contestação de idêntico conteúdo, oportunidade em que sustentam que a inicial
imputa acumulação indevida de cargos, mas não alega incompatibilidade de
horários; que nos termos do art. 38, III da CF é possível a acumulação do cargo
de vereador com outro cargo público; que trata-se de uma ação temerária, pois o
autor tem ciência da possibilidade de cumulação dos cargos; que o autor deve
ser condenado por litigância de má-fé; que não estão presentes os requisitos
para a concessão da liminar; finalizam requerendo a improcedência da ação.
Às
fls. 73, consta certidão informando que as três contestações foram apresentadas
de forma intempestiva.
Às
fls. 74 foi decretada a revelia dos três réus e determinou-se a expedição de
novo oficio ao município para que seja informada a carga horária do requerido
RAIMUNDO NETO no cargo de VIGIA e eventual compatibilidade de horários com o
cargo de vereador.
Às
fls. 76-77, o município encaminhou ofício informando que o servidor desenvolvia
sua “jornada
de trabalho no município de 8h às 13h em trabalhos administrativos à disposição
da titular da pasta, no âmbito de programas sociais, exceto nos dias/horários
em que o servidor estava no exercício da vereança, já que detentor de mandato
eletivo”
Às
fls. 80-81, o Ministério Público manifesta-se pela expedição de ofício à Câmara
Municipal para que seja informado há quantas legislaturas RAIMUNDO NETO exerce
o cargo de vereador, bem como a carga horária com especificação dos dias e
horários das sessões, o que foi deferido por este juízo às fls. 82.
Às
fls. 84 e 93, através de OFÍCIO Nº 112/2017 E OFÍCIO Nº 169/2017, o Presidente
da Câmara Municipal de João Lisboa informa que: RAIMUNDO NETO está em sua
terceira legislatura; que não há carga horária de vereador e que os dias de
sessões ordinárias são segundas e quartas, iniciando-se às 10h da manhã, com
duração de duas horas (art. 148, caput, do Regimento Interno).
O
Ministério Público apresentou parecer às fls. 95-98, manifestando-se pela
procedência da ação diante da incompatibilidade de horários e devolução dos
valores recebidos no cargo de vigia, desde a sua nomeação até a presente data,
exceto quanto ao período em que RAIMUNDO NETO esteve afastado em virtude de
licença sem vencimento.
Vieram
os autos conclusos.
É
o relatório. DECIDO.
II –
FUNDAMENTAÇÃO
DO
JULGAMENTO ANTECIPADO DO LIDE
Cumpre
observar que o ordenamento jurídico brasileiro permite que o juiz conheça
diretamente do pedido, proferindo sentença, nos casos em que a controvérsia
gravite em torno de questão eminentemente de direito ou sendo de direito e de
fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência ou ainda no caso de
revelia dos réus.
Desse
modo, cabível é o julgamento antecipado da lide (CPC, art. 355, II), em atenção
aos princípios da economia e da celeridade processuais.
MÉRITO
A Ação Popular é um meio do qual se pode valer
qualquer cidadão do povo, para comparecer perante o Estado-Juiz, referindo-lhe
a existência de ato lesivo ao patrimônio público, onde quer que esteja e
independentemente de quem o detenha, estendendo-se ao ataque à imoralidade
administrativa ou que fira qualquer outro bem entre os que pertencem ao grupo
dos interesses sociais ou individuais indisponíveis.
Tal ação tem as mesmas características de todas
aquelas com que alguém se volve ao Poder Judiciário, em busca do reconhecimento
da detenção de um direito, ou da tutela de qualquer dos bens assim
juridicamente considerados. Toda ação tem como pressuposto, que seu autor tenha
interesse e legitimidade para agir. No caso desta, apenas uma condição é
requerida da parte de quem a quiser ajuizar e cuja comprovação é exigida no
ato: que seja eleitor.
Os
atos atacáveis via ação popular, se classificam em ATOS NULOS quando são
lesivos ao patrimônio público ou quando praticados ou celebrados sem
observância legal (art. 2º, § único da Lei nº 4717/65). A nulidade pode se dar
por motivo de INCOMPETÊNCIA,
ou seja, quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o
praticou; pelo vício de
FORMA e consiste na omissão ou na observância incompleta ou
irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato; por ILEGALIDADE DO OBJETO cuja
ocorrência se dá, quando o resultado do ato importa em violação de lei,
regulamento ou outro ato normativo; ainda, por inexistência dos MOTIVOS e se verifica quando
a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente
inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido; e finalmente, por desvio da FINALIDADE o
que se verifica, quando o agente pratica o ato visando fim diverso daquele
previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.
No
presente caso o autor impugna o não afastamento do corréu RAIMUNDO NETO do
cargo de VIGIA municipal para o exercício do cargo eletivo de vereador sob o
fundamento de sua ILEGALIDADE.
A acumulação remunerada
de cargos é a situação em que o servidor ocupa mais de um cargo, emprego ou
função pública, conforme previsão na Constituição Federal.
São considerados cargos, empregos ou funções
públicas todos aqueles exercidos na administração direta, em autarquias,
empresas públicas, sociedade de economia mista ou fundações da União, Estados
ou Municípios, quer seja no regime estatutário ou no regime da Consolidação das
Leis do Trabalho – CLT.
A regra geral da
acumulação remunerada de cargos, funções e empregos públicos é a sua proibição.
A acumulação remunerada é
uma exceção à regra geral e somente é permitida para determinados cargos,
funções e empregos públicos, previamente definidos na Constituição Federal
e desde que haja compatibilidade de horários.
A acumulação de cargos,
funções e empregos públicos encontra-se assim disciplinada na Constituição
Federal:
I) Artigo 37, incisos XVI e XVII (com redação dada
pela EC 19/98 e EC 34/01):
“XVI – é vedada a
acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade
de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro,
técnico ou científico;
c) a de dois cargos
ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões
regulamentadas;
XVII – a proibição
de acumular estende‑se a empregos e
funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de
economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou
indiretamente, pelo Poder Público;”
II) Artigo 38, III;
“Art. 38. Ao servidor público
da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício de mandato
eletivo, aplicam‑se as seguintes disposições:
I – tratando‑se de mandato
eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado de seu cargo, emprego
ou função;
II – investido no
mandato de Prefeito será afastado do cargo, emprego ou função, sendo‑lhe facultado optar pela sua remuneração;
III – investido no mandato de Vereador, havendo
compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou
função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo
compatibilidade, será aplicada a norma do inciso anterior;”
III) Artigo 95, parágrafo único, I (com redação
dada pela EC 19/98);
“Art. 95. Os juízes gozam das
seguintes garantias:
(...)
Parágrafo único.
Aos juízes é vedado:
I – exercer, ainda
que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;”
IV) Artigo 128, §5º, II, letra d) - (com redação
dada pela EC 19/98);
“Art. 128. O Ministério
Público abrange:
(...)
§ 5o Leis
complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos
respectivos Procuradores‑Gerais,
estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério
Público, observadas, relativamente a seus membros:
(...)
II – as seguintes
vedações:
(...)
d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública,
salvo uma de magistério;”
V) Artigo 142, §3º, II e III (com redação dada pela
EC 19/98);
Ҥ 3o Os membros
das Forças Armadas são denominados militares, aplicando‑se‑lhes, além das que vierem a ser fixadas em
lei, as seguintes disposições:
(...)
II – o militar em atividade que tomar posse
em cargo ou emprego público civil permanente será transferido para a reserva,
nos termos da lei;
III – o militar da
ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública
civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ficará
agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa
situação, ser promovido por antiguidade, contando‑se‑lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para
a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não,
transferido para a reserva, nos termos da lei;”
Os Atos das Disposições
Constitucionais Transitórias também regulamentam dois casos de acumulações de
cargos públicos:
I) Artigo 17, §§ 1º e 2º;
“Art. 17. Os vencimentos, a
remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de
aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição
serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo,
neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer
título.
§ 1o É assegurado o
exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de médico que
estejam sendo exercidos por médico militar na administração pública direta ou
indireta.
§ 2o É assegurado o
exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de
saúde que estejam sendo exercidos na administração pública direta ou indireta.”
Deve restar claro que as
possibilidades de acumulação de cargos públicos, funções públicas e empregos
públicos abrangem a Administração Direta, Autarquias, Fundações, Empresas
Públicas, Sociedades de Economia Mista, suas subsidiárias, e Sociedades
controladas, direta e indiretamente, pelo Poder Público.
Assim, qualquer situação
não abrangida nas exceções acima configura caso de acumulação ilegal de cargos
públicos.
ANALISE
DA ACUMULAÇÃO DE CARGOS DO CORRÉU RAIMUNDO DE SOUSA SOARES NETO
No
caso em análise, observo a partir dos documentos de fls. 67-68 que o requerido RAIMUNDO DE SOUSA SOARES NETO
ocupa junto ao município de João Lisboa o cargo de VIGIA, no turno matutino,
junto à Secretaria de Assistência Social (cuja titular da pasta é esposa do
referido corréu), no horário de 08h às 13h, exceto nos dias em que o servidor
estava no exercício da vereança.
Observo,
ainda, a partir do OFÍCIO Nº 112/2017 (fls. 84) e do OFÍCIO Nº 169/2017
(fls.93), oriundos da GABINENTE DA PRESIDENCIA DA CAMARA MUNICIPAL, que o
referido servidor ocupa um cargo eletivo
de VEREADOR, cujas sessões ordinárias ocorrem nas SEGUNDAS E QUARTAS
com início às 10h e previsão de duração de 2h.
Portanto,
o corréu RAIMUNDO DE SOUSA SOARES
NETO
ocupa dois cargos públicos acumuláveis, porém, está evidente a incompatibilidade
de horários uma vez que o horários de comparecimento para as sessões ordinárias
e extraordinárias da Câmara Municipal (SEGUNDAS
E QUARTAS das 10h às 12h, conforme ofícios nº 169/2017, fls. 93) coincide
com o horário de trabalho ordinário do corréu no seu cargo de VIGIA junto à
SECRETARIA MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (jornada laboral de 08h às 13h, conforme OFÍCIO Nº 23/2017,
fls. 76-77), o que atrai a aplicação da parte final da regra constante do art.
38, III da CF, ou seja, o afastamento do cargo de VIGIA, facultando-lhe optar
pela remuneração do cargo de VEREADOR OU VIGIA.
QUANTO
AO PEDIDO DE RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO MUNICIPAL DOS VALORES PAGOS
INDEVIDAMENTE PARA RAIMUNDO DE SOUSA SOARES NETO
Pretende o autor, ainda,
que os requeridos sejam obrigados a ressacir os valores vertidos para o
pagamento do salário de RAIMUNDO DE SOUSA SOARES NETO desde 10.12.2013, em
função do acúmulo ilegal de cargos públicos.
Nesse ponto merece análise a
jurisprudência brasileira para casos de acumulação irregular de cargos.
Para
a mais recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em matéria de
acumulação irregular de cargos públicos, uma vez comprovada a efetiva prestação
dos serviços e a boa-fé do servidor, estaria afastada a aplicação da Lei de
Improbidade Administrativa por se tratar de mera irregularidade. Isso é o que
se pode concluir da análise do julgamento de Agravo Regimental no Recurso
Especial 1.245.622 – RS:
ADMINISTRATIVO.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ACUMULAÇÃO DE CARGOSPÚBLICOS. AUSÊNCIA DE DOLO OU
MÁ-FÉ. PRESTAÇÃO EFETIVA DE SERVIÇOPÚBLICO. MODICIDADE DA CONTRAPRESTAÇÃO PAGA
AO PROFISSIONALCONTRATADO. INEXISTÊNCIA DE DESVIO ÉTICO OU DE INABILITAÇÃO
MORALPARA O EXERCÍCIO DO MUNUS PÚBLICO. CONFIGURAÇÃO DE MERAIRREGULARIDADE
ADMINISTRATIVA. 1. "A Lei n. 8.429/92 visa a resguardar os princípios da
administração pública sob o prisma do combate à corrupção, da imoralidade
qualificada e da grave desonestidade funcional, não se coadunando com a punição
de meras irregularidades administrativas ou transgressões disciplinares, as
quais possuem foro disciplinar adequado para processo e julgamento."
(Nesse sentido: REsp1.089.911/PE, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma,
julgado em17.11.2009, DJe 25.11.2009.) 2. Na hipótese de acumulação de
cargos, se consignada a efetiva prestação de serviço público, o valor irrisório
da contraprestação paga ao profissional e a boa-fé do contratado, há de se
afastar a violação do art. 11 da Lei n. 8.429/1992, sobretudo quando as
premissas fáticas do acórdão recorrido evidenciam a ocorrência de simples
irregularidade e inexistência de desvio ético ou inabilitação moral para o
exercício do múnus público. (Precedente: REsp 996.791/PR, Rel. Min. Herman
Benjamin, Segunda Turma, julgado em 8.6.2010, DJe 27.4.2011.) Agravo regimental
improvido. (STJ - AgRg no REsp: 1245622 RS 2011/0046726-8, Relator: Ministro
HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 16/06/2011, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de
Publicação: DJe 24/06/2011)
Assim,
verifica-se que, segundo a jurisprudência do STJ, a acumulação de cargos
irregular não configura necessariamente um ato de improbidade administrativa,
devendo ser considerada uma série de elementos no caso concreto.
O
primeiro aspecto a se analisar é se houve ou não a efetiva prestação dos
serviços e se a mesma se deu de forma satisfatória, sem trazer prejuízo aos
órgãos envolvidos.
No
caso dos autos, não houve alegação de descumprimento da carga horária, entretanto,
o ofício nº 23/2017,
subscrito pelo Prefeito Municipal (fls. 76-77) e o ofício nº 169/2017, subscrito pelo Presidente da Câmara
Municipal de João Lisboa (fls. 93) revelam, ao contrário, que existiu prejuízo decorrente
do exercício concomitante dos cargos de VIGIA e VEREADOR.
A
partir das referidas provas, concluo que, no
mínimo por dois dos cinco dias úteis da semana, totalizando pelo menos quatro
horas semanais, sendo 02 horas nas segundas-feiras e 02 horas nas
quartas-feiras, o correu RAIMUNDO NETO era obrigado a ausentar-se do
seu posto de trabalho de VIGIA na SECRETARIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL, durante a sua jornada laboral,
para participar de sessões legislativas na Câmara Municipal, onde exerce o
cargo de vereador.
Com relação à boa-fé do servidor, entendo que
a mesma é específica, ou seja, refere-se apenas à vontade de exercer as
atividades de maneira eficiente e não causar prejuízo, mesmo estando o servidor
ciente de que se trata de uma acumulação irregular de cargos públicos.
Nesse
sentido:
ADMINISTRATIVO.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MÉDICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. INCOMPATIBILIDADE DE
HORÁRIOS. I - A acumulação lícita de cargos exige que se atenda ao requisito da
compatibilidade de horários, a teor do art. 119 da Lei 8.112/90. II - As
sanções do art. 12, da Lei 8.429/92 não são necessariamente cumulativas,
cabendo ao magistrado a sua dosimetria. III - Não é devida a devolução dos
valores percebidos a título de salários quando verificado que o trabalho foi
efetivamente prestado, ainda que as nomeações tenham sido irregulares, visto
que seria o mesmo que admitir enriquecimento sem causa da União. IV -
Apelação provida em parte. Sentença reformada. (AC 2003.41.00.005421-8/RO, Rel.
Desembargador Federal Cândido Ribeiro.Terceira Turma. TRF1. Publicado em 21 de
setembro de 2007).
Destaque-se,
ainda, que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao julgar acumulação
irregular de cargos em municípios distintos, reforça que a boa-fé do servidor é
sempre presumida, uma vez que deve ser comprovada a má-fé de maneira
inequívoca:
EMENTA:
Remessa oficial e apelação cível voluntária. Ação civil pública. Acumulação
indevida de cargos públicos. Má-fé ausente. Direito de opção. Falta de
oportunidade para ser exercido. Improbidade administrativa não caracterizada.
Sentença confirmada. 1. Rejeitada a petição inicial da ação civil pública na
qual foi veiculada pretensão de ressarcimento do erário público, está presente
o duplo grau de jurisdição obrigatório. A remessa deve ser, de ofício,
conhecida. 2. A boa-fé sempre é
presumida. Assim, a má-fé desafia comprovação. 3. O funcionário público
que esteja acumulando mais de um cargo público de forma irregular tem o direito
de optar por apenas um deles. 4. Ausente
a prova da má-fé na acumulação indevida de cargos e não tendo sido ensejada
oportunidade para a opção, resta afastada a suposta improbidade administrativa.
Revela-se, portanto, correta a sentença que deixou de receber a petição
inicial. 5. Remessa oficial conhecida de ofício. 6. Apelação cível voluntária
conhecida. 7. Sentença que deixou de receber a petição inicial confirmada no
reexame necessário, prejudicado o recurso voluntário. (Apelação Cível N°
1.0439.08.086621-3/001. Rel. Desembargador Caetano Levi Lopes. 2ª Câmara Cível.
TJ-MG. Publicado em 05 de novembro de 2009.
Portanto,
havendo prova nos autos de que, em que pese a indevida acumulação de cargos
públicos pelo requerido, houve a efetiva prestação de serviços, entendo que a
Administração Pública não pode se locupletar da força de trabalho do réu, sob
pena de configuração de enriquecimento sem causa da municipalidade, motivo pelo
qual entendo indevido o pleito de ressarcimento dos salários pagos à RAIMUNDO
DE SOUSA SOARES NETO, até a presente data, motivo pelo qual indefiro o pleito.
III
- DISPOSITIVO
ANTE
O EXPOSTO, neste momento concedo a liminar requerida por reconhecer o fumus boni iuris consubstanciado no
acúmulo de cargos públicos indevidamente, por incompatibilidade de horários, e
o periculum in mora na medida em que a manutenção do status quo obrigaria o
município a permanecer pagando salários ao requerido, para determinar a imediata suspensão de RAIMUNDO DE SOUSA SOARES
NETO das atividades que exerce como VIGIA DA SECRETARIA MUNICIPAL DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) sobre o
patrimônio pessoal do prefeito
municipal, nos termos do art. 5º, §4º da Lei nº 4717/65 c/c art. 536,
§1º do CPC e julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação popular para DETERMINAR
O AFASTAMENTO DE RAIMUNDO DE SOUSA
SOARES NETO DO CARGO DE VIGIA DA SECRETARIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DO MUNICÍPIO
DE JOÃO LISBOA, mediante a concessão de licença para exercício de
mandato eletivo com duração até o fim da presente legislatura,
facultando-lhe optar pelo recebimento da remuneração de qualquer dos cargos,
sem possibilidade de recebimento cumulativo, com efeitos ex nunc, tendo em vista a sua flagrante ilegalidade com fundamento
no art. 2º, “c” da Lei nº 4717/65.
Deixo
de condenar os requeridos JAIRO MADEIRA DE COIMBRA, RAIMUNDO DE SOUSA SOARES
NETO E MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA ao ressarcimento dos salários de VIGIA, por
reconhecer a boa-fé na sua percepção já que houve efetiva prestação dos
serviços e o prejuízo ao Erário Municipal foi de pequena monta, nos termos da
fundamentação supra.
Condeno
os réus JAIRO MADEIRA DE COIMBRA e RAIMUNDO SOARES NETO, solidariamente, em
custas e despesas processuais e honorários advocatícios os quais, fixo desde
logo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do art. 85, §8º do CPC.
Dispensada
a remessa necessária no termos do art. 496, §3º, II do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
João Lisboa/MA, 05 de
setembro de 2017.
Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa
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