sexta-feira, 26 de setembro de 2014

SENTENÇA CIVEL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA DE EX-PREFEITO. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS AO TCE.

Proc. 680-03.2009.8.10.0038
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO
RÉU: FRANCISCO ALVES DE HOLANDA


SENTENÇA


O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL propôs a presente ação de improbidade administrativa contra FRANCISCO ALVES DE HOLANDA porque, em tese, este teria praticado durante o exercício financeiro de 2003 atos de improbidade administrativa consistentes em:
1. Aplicação de percentual a menor na manutenção e desenvolvimento do ensino
2. Ausência de processo licitatório;
2. Fragmentação indevida de despesas;
3. Ausência de comprovantes de despesas;
4. Ausência de comprovante de despesas.

Sustenta suas afirmações em procedimento administrativo do Tribunal de Contas do Estado (autos n. 9565/2004) e Relatório de Informação Técnica nº 448/2005 – UTCOG/NACOG, e Relatório de Informação Técnica Conclusivo nº 192/2006 – NACOG/UTCOG, onde o referido gestor de contas públicas teve suas contas referentes ao exercício 2003 recebido PARECER PRÉVIO PL-TCE Nº 409/2006 (fls. 86) pela desaprovação e Acórdão PL-TCE nº 792/2006 (fls. 84-85) pela desaprovação das contas do exercício 2003 e aplicação de multa no valor de R$ 2.000,00 (em razão de irregularidades apontadas no Relatório de Informações Técnicas Conclusivo nº 192/2006 – UTCOG),  transitado em julgado após improvimento do Recurso de Reconsideração (fls. 105-106 e 109).

Ao final requer a concessão de medida cautelar de indisponibilidade dos bens do réu e sequestro de valores até o montante de R$ 1.624.283,49 atualizados monetariamente, que corresponderia ao menor valor que o requerido teria que devolver aos cofres públicos, correspondente ao somatório dos valores por si incorporados com dispêndio de dinheiro público sem licitação e com fragmentação de despesas; e a procedência da ação para condená-lo a devolver ao Município de João Lisboa/MA, a importância de R$ 1.624.283,49 atualizados monetariamente, bem como a condenação do requerido nos termos do art. 9º, XI (uma vez), 10, VIII (duas vezes) e 11, I (uma vez), aplicando-lhe as cominações descritas no art. 12, I, II e III da Lei nº 8429/92 e o ônus da sucumbência.

Às fls. 244, este juízo determinou a notificação do réu apresentação de sua defesa preliminar, restando infrutífera, motivo pelo qual foi determinada a expedição de precatória para a comarca de Itinga/MA.
O Requerido foi devidamente notificado às fls. 254, tendo apresentado defesa preliminar às fls. 257-265, oportunidade em que sustentou no mérito, afirma que não é razoável a responsabilização do agente político por improbidade administrativa com base apenas nas informações do TCE; que o requerido não possuía nenhuma experiência anterior com prestação de contas; que eventuais vícios devem ser imputados à equipe contábil que assessorava o requerido; que quanto à suposta aplicação de percentual a menor na manutenção e desenvolvimento do ensino,  requerido afirma que não ocorreu tal prática e que a diferença evidenciada de R$ 640.255,07 deve-se ao fato do TCE/MA não ter admitido tais valores a título de contribuição previdenciária patronal; que quanto à alegação de ausência de licitação, fragmentação de despesas e ausência de comprovantes de despesas, tais se devem pela ausência de instrução adequada dos procedimentos licitatórios, mas isso não significaria que o requerido teria se apoderado ou malversado os valores; que nenhum dos atos imputados ao requerido foram praticados com dolo ou má-fé, de forma que não configuram improbidade administrativa; finaliza requerendo o indeferimento das medidas cautelares pleiteadas e a improcedência da ação.

A inicial foi recebida e foi determinada a citação do requerido às fls. 267. Determinou-se, ainda, a citação do município para, querendo, integrar a lide.
Devidamente citado, o réu não apresentou contestação e o município não se manifestou (fls. 274).
Às fs. 274-v, o Ministério Público requereu a decretação da revelia do réu e a apreciação das medidas cautelares requeridas.
Às fls. 280-282-v, foram deferidas as medidas cautelares de sequestro e indisponibilidade dos bens do requerido, bem como foi decretada a revelia do réu.
Às fls. 303-304, o Ministério Público pleiteou a produção de prova testemunhal, o que foi deferido por este juízo e determinado a expedição de carta precatória para a comarca de São Luís para a oitiva das testemunhas arroladas na denúncia; pleiteou, ainda, a juntada de certidão de antecedentes criminais e cíveis do requerido.
Às fls. 395, o MP desistiu da oitiva da testemunha DOURIVAN NEPOMUCENO MARINHO.
ÀS FLS. 399-399-v, o MP requer que seja deferida a prova emprestada dos autos da ação penal nº 678-33.2009.8.10.0038, o que foi deferido por este juízo às fls. 400.
Às fls. 401-406, os depoimentos foram anexados aos autos.
Às fls. 410, o requerido manifesta-se favoravelmente à juntada da prova emprestado dos autos da ação penal nº 678-33.2009.8.10.0038.
Às fls. 412, o requerido pleiteou que se tomasse por termo seu depoimento pessoal, o que foi indeferido por este juízo o pedido de depoimento pessoal é inerente à parte contrária, exatamente porque, mediante depoimento deseja-se obter a confissão do depoente (CPC, art. 343)

Às fls. 413-416, o Ministério Público apresentou alegações finais oportunidade em que no mérito pleiteou a procedência da demanda nos termos da inicial condenando-se o réu ao ressarcimento do valor atualizado de R$ 2.876.461,86.

Às fls. 420-447, o requerido apresentou alegações finais oportunidade em que sustenta em preliminar nulidade decorrente da ausência de fundamentação da decisão que recebeu a inicial; no mérito, nega as imputações que recaem contra si; sustenta a imprestabilidade do Relatório de Informações Técnicas nº 448/2005, bem como do próprio PARECER PRÉVIO do TCE/MA para fins de exercício do Controle Externo das Contas do Município uma vez que a competência constitucional para tal julgamento seria, exclusivamente, da Câmara Municipal; que para a configuração de ato de improbidade administrativa que atentam contra os princípio da administração pública faz-se necessário a demonstração do dano ou do perigo de dano, além da necessidade de ação ou omissão dolosa do agente; quanto à alegação de aplicação de percentual a menor na educação, o requerido afirma que em verdade aplicou R$ 4.306.941,85 o que corresponderia a 40,80% do total da receita do município que teria sido de R$ 10.555.353,28, percentual que é superior à obrigação constitucional do art. 212 da CF (25%); quanto à alegação de ausência de processo licitatório em relação às despesas apontadas pelo MP, foi juntado aos autos cópia de 27 procedimentos licitatórios – em que pese se referir a 29 procedimento, observo que as Cartas Convite nº 130 e 160 estão repetidas na tabela de fls. 430 - das diversas licitações apontadas como ausentes (fl. 598-1190) comprovando a regularidade das despesas, aplicadas em favor da comunidade além disso não estaria demonstrado o dolo do agente; quanto a alegação de fragmentação de despesas mediante dispensa indevida de licitação, afirma que também está ausente o dolo, uma vez que este não teria restado demonstrado e eventual culpa não seria suficiente para a configuração do tipo do art. 10, VIII da Lei nº 8429/92 e que não há prova nos autos de que tais despesas teriam sido fraudulentamente realizadas mediante dispensa indevida de licitação com fracionamento de despesas, pois nos casos apontados respeitou-se o limite legal de dispensa; quanto à alegação de ausência de comprovantes de despesas sustenta que inexiste dolo na conduta do agente; que não há prova de que as mercadorias adquiridas não tenham sido efetivamente utilizadas em favor da coletividade de forma que não se pode falar em apropriação de bens ou rendas e muito menos em desvio ou proveito próprio ou alheio; que improcede o pedido de restituição dos valores ao erário municipal uma vez que o requerido não cometeu atos de improbidade. Finaliza requerendo o acolhimento da nulidade arguida e a improcedência da ação.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. DECIDO

FUNDAMENTAÇÃO

QUANTO À PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO QUE RECEBEU A INICIAL

Em sede de alegações finais, sustenta o requerido a ausência de fundamentação da decisão que recebeu a inicial às fls. 267.
Sem razão.
Com efeito, cumpre observar que a referida decisão é datada de 29.09.2010, tendo derivado de uma análise, em juízo de mera prelibação, porém, cuidadosa, verificando o magistrado que não seria caso de rejeição da ação por não ter se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.(art. 17, §8º, LIA).
Ademais, devidamente intimado da referida decisão, o requeiro manteve-se inerte, não tendo sequer apresentado contestação, motivo pelo qual foi declarado revel.
Destaco que o próprio art. 17, §10 da LIA, prevê a possibilidade de recurso por parte do requerido relativamente a decisão de recebimento da inicial, de forma que não o tendo exercido à época própria, o caso é de preclusão temporal:

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.
(...)
§ 10. Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento.

Portanto, tendo a decisão de recebimento da denúncia como devidamente fundamentada, motivo pela qual afasto a nulidade suscitada.

DO MÉRITO

                                   A Improbidade administrativa tem fundamento no art. 37, parágrafo 4º da Constituição Federal tendo sido regulamentada pela Lei nº 8.429/92 legislação essa que tipificou em numerus apertus várias condutas que constituem atos de improbidade administrativa dividindo-as em três grandes grupos.
                                   O primeiro grupo é previsto no art. 9º e engloba os atos que causam enriquecimento ilícito.
                                   O segundo grupo está previsto no art. 10 e refere-se aos atos que causam prejuízo ao erário.
                                   O terceiro, por sua vez, está previsto no art. 11 e diz respeito aos atos que atentam contra os princípios da administração pública.
                                   O Ministério Público imputa ao réu a prática de atos de improbidade administrativa descritos nos artigos 9º, XI (uma vez); art. 10, VIII (duas vezes); art. 11, I (uma vez) do referido diploma legal.

APLICAÇÃO DE PERCENTUAL A MENOR NA EDUCAÇÃO

Sustenta o Ministério Público que o requerido durante a sua gestão no ano de 2003 deixou de aplicar o percentual mínimo constitucionalmente previsto para a área da educação, uma vez que deveria ter aplicado o percentual mínimo naquele exercício financeiro de 25% quando na verdade foi aplicado tão-somente 19,48%, violando assim, o art. 212 da Constituição Federal.

Afirma que tal conduta gerou graves prejuízos para a população de João Lisboa que ficou alijada de um maior número de vagas , de profissionais da educação, reforma de escolas e outros serviços educacionais.

Em sede de alegações finais, o requerido limitou-se a informar que na verdade gastou 40,80% do Orçamento, sem qualquer prova nesse sentido.

Dispõe o art. 212 da CF:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Analisando os autos e as provas, observo que de fato o requerido não cumpriu com a sua obrigação constitucional tendo aplicado na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino o valor de R$ 1.136.720,20 (19,48%) quando em verdade deveria ter aplicado, no mínimo, R$ 1.458.218,27 (25% da receita de impostos e transferências que naquele ano atingiu o montante de R$ 5.832.873,08).
Como se não bastasse o município somente aplicou somente 7,12% dos recursos destinados à educação com o Ensino Fundamental quando deferia ter gasto, no mínimo, 15%, nos termos do art. 60 do ADCT.
Também os recursos do FUNDEF foram gastos de maneira ilegal uma vez que devendo gastar 60% com magistério e 40% com outras despesas, o fez somente no percentual respectivo de 46% com remuneração de profissionais do magistério, descumprindo o art. 60, §5º do ADCT e art. 7º da Lei nº 9394/96.
Portanto, aqui restou exaustivamente demonstrada a ilegalidade na gestão do orçamento público. Ilegalidade essa que se revela de forma qualificada já que ao deixar de empregar os recursos na educação da forma preconizada pela lei, abriu possibilidade de desviá-lo para outras despesas obscuras e de mais difícil fiscalização, o que revela a má-fé do agente público ordenador de despesas.
Quanto ao elemento subjetivo, este restou evidenciado pelo dolo, consistente na vontade livre de deixar de cumprir as determinações legais e constitucionais, com o fim de desviar verbas originalmente destinadas à educação em prejuízo do desenvolvimento em sede municipal de tal serviço essencial.
Quanto à tese de defesa de que teria havido um erro contábil pelos técnicos do TCE que não teriam levado em consideração os não teriam sido levado em consideração os gastos efetuados pelo município referentes à obrigação patronal (INSS EMPRESA) num total de 640.255,07, observo às fls. 58 que o relatório de informações técnicas do recurso complementar nº 05/2008 UTCOG-NACOG constata que “não há comprovação de que tais valores retidos referem-se à educação especificamente, ou seja, falta comprovação material dos valores das obrigações patronais referentes à educação como um todo (....)”.
Por tais, razões tenho por configurado o ato improbo imputado ao requerido, previsto no art. 11, caput, da Lei nº 8429/92.
                                  
DA AUSÊNCIA DE PROCESSO LICITATÓRIO

                                   O art. 10, VIII da Lei nº 8429/92 dispõe que constitui ato de improbidade administrativa que causa prejuízo ao Erário frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá­lo indevidamente:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
(...)
 VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá­lo indevidamente;

                                   Analisando os autos verifico que em que pese a revelia do réu, o mesmo veio para os autos e juntou farta documentação infirmando em parte as imputações do Ministério Público relativas à inexistência de prévia licitação para a aquisição dos produtos descritos às fls. 04/06.
                                   Os documentos juntados aos autos às fls. 448-1190, demonstram que, ao contrario do que alegado pelo Ministério Público, houve sim licitação, na modalidade CONVITE e TOMADA DE PREÇOS, para a aquisição da maioria dos produtos listados às fls. 04-06 da inicial, de forma que do total de 43 (quarenta e três) contratos de compra de bens e serviços, restaram demonstrados nos autos 33 (trinta e três) licitações.
Por conseguinte, restaram 10 (dez) compras sem demonstração de realização de procedimento licitatório. Passo a lista-los: a) Modefarma (R$ 49.180,00); b) Elizeu José da Rocha (R$ 26.400,00); c) Marinho e Palhares Ltda (R$ 13.948,00); d) R.N. Gomes Materiais Hospitalares (R$ 10.753,28); e) Comercial Cortes (R$ 11.809,10); f) J. R. Nogueira Materiais de Construção (R$ 11.131,50); g) Auto Posto João Lisboa (R$ 70.000,00); h) J. Gomes de Araújo Pré-moldados (R$ 49.200,00); i) Construtura Guarimã LTDA (R$ 25.000,00).
Fixados tais pontos, passo a aferição da ocorrência ou não de dispensa indevida de licitação.
No presente caso, restou evidenciado que o requerido procedeu a 10 (dez) compras que superam em muito àquele limite de dispensa de licitação (R$ 8.000,00) de forma que, diante da inexistência de prévio processo licitatório, tal omissão encontra subsunção no art. 10, VIII da Lei nº 8429/92.

Portanto, restou evidenciado nos autos que a municipalidade de João Lisboa foi lesada no valor de R$ 267.421,88 (duzentos e sessenta e sete mil, quatrocentos e vinte e um reais e oitenta e oito centavos), correspondente ao somatório das 10 (dez) despesas efetuadas com dispensa indevida de licitação.

                                   O elemento subjetivo do tipo também restou demonstrado uma vez que agindo como agiu, restou evidenciado o dolo do agente, caracterizado pela livre e consciente vontade de dispensar indevidamente a licitação, mesmo ciente ilegalidade de sua conduta. Ou, no mínimo, sua culpa in eligendo, culpa grave, ao escolher mal as pessoas que colocou em cargos vitais da administração relativamente à análise jurídica do procedimento de licitação.

Observe-se que nos termos do art. 10, caput,  da Lei nº 8429/92, o elemento subjetivo do tipo satisfaz-se tanto com o dolo quanto com a culpa.

Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TIPIFICAÇÃO. INDISPENSABILIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO (DOLO, NAS HIPÓTESES DOS ARTIGOS 9º E 11 DA LEI 8.429/92 E CULPA, PELO MENOS, NAS HIPÓTESES DO ART. 10). PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA 1ª SEÇÃO. RECURSO PROVIDO.

(STJ - EREsp: 479812 SP 2007/0294026-8, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Julgamento: 25/08/2010, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 27/09/2010)

Quanto a alegação da defesa de que foram efetuados todos os procedimentos de licitação indicados na inicial, explicito que a documentação apresentada junto com as alegações finais não trouxe os procedimentos licitatórios descritos acima, omissão que também constou da prestação de contas do exercício 2003 do requerido junto ao TCE/MA conforme se verifica do Relatório de Informações Técnicas de fls. 41-42.

                                   Por tais motivos, tenho como demonstrada parcialmente nos autos a primeira imputação relativa a realização de despesas sem o correspondente procedimento licitatório, configurando o ato ímprobo imputado ao requerido, previsto no art. 10, VIII, da Lei nº 8429/92.


QUANTO À ALEGAÇÃO DE FRAGMENTAÇÃO DE DESPESAS E DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO

                                   Sustenta o Ministério Público que o requerido, durante a sua gestão no ano de 2003, teria fracionado despesas que, em verdade, deveriam ter sido feitas em conjunto e concomitantemente, como é o caso de aquisição de peças de reposição para veículos, material para a construção civil, material impresso de informática, gêneros alimentícios e material de limpeza, material escolar, material de expediente e medicamentos, tendo listado às fls. 08-15, todas as despesas com dispensa indevida de licitação, de forma que com o referido fracionamento os valores individuais de cada contrato não ultrapassem os limites da licitação dispensada (R$ 8.000,00).
                                   O art. 10, VIII da Lei nº 8429/92 dispõe que constitui ato de improbidade administrativa que causa prejuízo ao Erário frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá­lo indevidamente:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
(...)
 VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá­lo indevidamente;

                                   No presente caso, o Ministério Público lista um total de 100 (cem) contratações que teriam sido levadas a efeito no exercício financeiro de 2003, pelo requerido, com dispensa indevida de licitação através de fragmentação de despesas, o que teria gerado um desvio orçamentário de R$ 321.612,57 (trezentos e vinte e um mil, seiscentos e doze reais e cinquenta e sete centavos).

                                   Fixados tais pontos, passo a aferição da ocorrência ou não de dispensa indevida de licitação.
A Lei nº 8.666, de 1993, em seu art. 23, § 5º, veda o fracionamento de despesa.
Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigo anterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista o valor estimado da contratação:
(...)
§ 5o É vedada a utilização da modalidade “convite” ou “tomada de preços”, conforme o caso, para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de “tomada de preços” ou “concorrência”, respectivamente, nos termos deste artigo, exceto para as parcelas de natureza específica que possam ser executadas por pessoas ou empresas de especialidade diversa daquela do executor da obra ou serviço.

O fracionamento se caracteriza quando se divide a despesa para utilizar modalidade de licitação inferior à recomendada pela legislação para o total da despesa, ou para efetuar contratação direta.
Por exemplo, a lei impede a utilização da modalidade convite para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços de idêntica natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempre que o somatório de seus valores caracterizar o caso de tomada de preços. Da mesma forma, a utilização de várias tomadas de preços para se abster de realizar concorrência.
Em outras palavras, é vedada a utilização de modalidade inferior de licitação ou da dispensa de licitação quando o somatório do valor a ser licitado caracterizar modalidade superior ou despesa superior ao limite de R$ 8000,00 (Lei nº 8666/92, art. 24, I e II).

No presente caso, restou evidenciado que o requerido procedeu a dispensa de licitação relativamente à aquisição de produtos que individualmente não superam o limite de dispensa previsto no art. 24, II da Lei nº 8666/93, mas que no conjunto com todas as aquisições de produtos idênticos ou de mesma natureza, superam em muito àquele limite de forma que estar-se diante de fracionamento ou fragmentação de despesas com vistas a obter dispensa indevida de licitação, fato que encontra subsunção no art. 10, VIII da Lei nº 8429/92.

Colho dos autos que relativamente à aquisição de produtos de Materiais de Expediente, o requerido dispensou licitação em 34 (trinta e quatro) contratações listadas às fls. 08-10, sendo 06 no mês março,/03, 12 no mês de maio/03, 3 no mês de junho/03, 13 no mês de agosto/03, num total de R$ 99.896,38, valor que supera em muito o limite de dispensa do art. 24, II da Lei nº 8.666/93.

Relativamente à aquisição de produtos de limpeza, o requerido dispensou licitação em 34 (trinta e quatro) contratações listadas às fls. 10-12, sendo 08 no mês março,/03, 17 no mês de maio/03, 09 no mês de junho/03, num total de R$ 121.633,15, valor que supera em muito o limite de dispensa do art. 24, II da Lei nº 8.666/93.

Relativamente à aquisição de Carteira Escolar, o requerido dispensou licitação em 03 (três) contratações listadas às fls. 12, sendo 03 no mês março,/03, num total de R$ 23.204,00, valor que supera em muito o limite de dispensa do art. 24, II da Lei nº 8.666/93.
Relativamente à aquisição de peças de automóveis, o requerido dispensou licitação em 02 (duas) contratações listadas às fls. 12, sendo 02 no mês março,/03 num total de R$ 10.881,04, valor que supera o limite de dispensa do art. 24, II da Lei nº 8.666/93.

Relativamente à aquisição de produtos de material escolar, o requerido dispensou licitação em 12 (doze) contratações listadas às fls. 12-13, sendo, 07 no mês de abril/03, 02 no mês de maio/03 e 03 no mês de junho/03, num total de R$ 40.888,00, valor que supera em muito o limite de dispensa do art. 24, II da Lei nº 8.666/93.

Relativamente à aquisição de equipamentos, o requerido dispensou licitação em 15 (quinze) contratações listadas às fls. 13-15, sendo 04 no mês abril,/03, 08 no mês de maio/03, 03 no mês de junho/03, num total de R$ 25.100,00, valor que supera em muito o limite de dispensa do art. 24, II da Lei nº 8.666/93.

Portanto, restou evidenciado nos autos que a municipalidade de João Lisboa foi lesada no valor de R$ 321.612,57 (trezentos e vinte e um mil, seiscentos e doze reais e cinquenta e sete centavos), correspondente ao somatório das despesas efetuadas com dispensa indevida de licitação.

                     O elemento subjetivo do tipo também restou demonstrado uma vez que agindo como agiu, restou evidenciado o dolo do agente, caracterizado pela livre e consciente vontade de dispensar indevidamente a licitação, mediante fragmentação de despesas com vistas à obter a contratação direta. Ou, no mínimo, sua culpa in eligendo, culpa grave, ao escolher mal as pessoas que colocou em cargos vitais da administração relativamente à análise jurídica do procedimento de dispensa de licitação.

Observe-se que nos termos do art. 10, caput,  da Lei nº 8429/92, o elemento subjetivo do tipo satisfaz-se tanto com o dolo quanto com a culpa.

Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TIPIFICAÇÃO. INDISPENSABILIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO (DOLO, NAS HIPÓTESES DOS ARTIGOS 9º E 11 DA LEI 8.429/92 E CULPA, PELO MENOS, NAS HIPÓTESES DO ART. 10). PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA 1ª SEÇÃO. RECURSO PROVIDO.

(STJ - EREsp: 479812 SP 2007/0294026-8, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Julgamento: 25/08/2010, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 27/09/2010)

Por tais razões, tenho por configurado o ato ímprobo imputado ao requerido, previsto no art. 10, VIII, da Lei nº 8429/92.

DA AUSÊNCIA DE COMPROVANTES DE DESPESAS


                                   Em sua inicial, imputa o representante ministerial ao réu a conduta de apropriação de recursos públicos referentes ao exercício financeiro do ano de 2003 num total de R$ 237.399,10 (duzentos e trinta e sete mil, trezentos e trinta e nove reais e dez centavos) uma vez que teria prestado contas junto ao TCE/MA de 24 (vinte e quatro) compras, enumerando as pessoas jurídicas que receberam recursos públicos, sem providenciar as respectivas comprovações de despesas (notas fiscais).
                                  
                                   O art. 9º, XI, da Lei nº 8429/92 dispõe que constitui ato de improbidade administrativa que gera enriquecimento ilícito a incorporação ao próprio patrimônio de valores ou verbas públicas:

Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
(...)
XI – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei;

                                   Encontra-se devidamente demonstrada nos autos a partir do Relatório de Informação Técnica nº 448/2005 – UTCOG-NACOG e Relatório de Informação Técnica Conclusivo nº 192/2006 – NACOG/UTCOG, que o referido gestor de contas públicas teve suas contas referentes ao exercício 2003 recebido PARECER PRÉVIO PL-TCE Nº 409/2006 (fls. 86) pela desaprovação e Acórdão PL-TCE nº 792/2006 (fls. 84-85) pela desaprovação das contas do exercício 2003, onde todos esses documentos atestam a inexistência de documentos fiscais que comprovem a regularidade das despesas alegadas e não demonstradas pelo réu. Portanto, não consta dos autos, as notas fiscais que comprovem a origem de tais despesas.

                                   Merece relevo as inúmeras oportunidades conferidas ao requerido de fazer prova dessas despesas tanto no curso do processo administrativo nº 9565/2005 onde foi deferido pedido de prorrogação de prazo efetuado pelo requerido, bem como improvido recurso de reconsideração quanto no curso do presente processo judicial onde o requerido teve oportunidade de fazer a juntada da referida documentação em sua defesa prévia, resposta escrita e no curso da instrução, porém, não o fez.

Portanto, a prova anexada aos autos é robusta quanto à ausência de documentos que comprovem as despesas individualizadas na inicial, num total de R$ 237.399,10 (duzentos e trinta e sete mil, trezentos e trinta e nove reais e dez centavos), efetivadas com recursos públicos, de forma que inexistindo tal comprovação concluo pelo  desvio e incorporação de tais valores, em proveito próprio pelo requerido, destacando-se que o mesmo os possuía sob sua guarda e responsabilidade em decorrência de ocupar o cargo de prefeito, ordenador de despesas, no exercício de 2003.

A autoria, por sua vez, também restou evidenciada uma vez que a prestação de contas do exercício financeiro de 2003 do município de João Lisboa/MA foi feita pelo requerido que à época ocupava o cargo de prefeito municipal e ordenador de despesas, conforme se verifica do Relatório de Informação Técnica nº 448/05 (fls. 32-48).

                                   O elemento subjetivo do tipo também restou demonstrado uma vez que agindo como agiu, restou evidenciado o dolo do agente, caracterizado pela livre e consciente vontade de incorporar ao seu patrimônio verbas públicas, mediante o apossamento de tais verbas e sua posterior alegação de gastos em despesas que não foram comprovadas nos autos e nem na prestação de conta do requerido junto ao TCE/MA.

Quanto a tese de defesa de que não haveria prova de que tais mercadorias não tenham sido aplicadas em prol da comunidade e que os Relatório de Informação Técnica nº 448/2005 – UTCOG-NACOG e Relatório de Informação Técnica Conclusivo nº 192/2006 – NACOG/UTCOG, onde o referido gestor de contas públicas teve suas contas referentes ao exercício 2003 recebido PARECER PRÉVIO PL-TCE Nº 409/2006 (fls. 86) pela desaprovação e Acórdão PL-TCE nº 792/2006 (fls. 84-85) pela desaprovação das contas do exercício 2003, seriam imprestáveis para fins de controle externo, pois a competência para julgamento das Contas seria da Câmara Municipal, tal fundamentação é imprestável para afastar eventual subsunção da conduta do requerido ao tipo; quanto a alegação de que não houve aplicação regular dos recursos públicos, as provas dos autos apontam em sentido contrário já que as referidas despesas não foram justificadas e nem comprovadas junto ao TCE ou nos presentes autos; quanto ao elemento subjetivo do tipo, o mesmo já fora explicitado nas razões supra.

Destaco, ainda, que o requerido fora recentemente condenado em crime de responsabilidade pelos mesmos fatos que aqui lhes são imputados em sede de improbidade administrativa.

Colaciono precedente em situação análoga:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECURSOS PÚBLICOS FEDERAIS (FUNDEF). COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. APLICABILIDADE DA LEI Nº 8.429/92 AOS PREFEITOS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. INOBSERVÂNCIA DO PERCENTUAL PREVISTO NO ARTIGO 7º, DA LEI Nº 9.424/96. EMPREGO DE PARCELA DA VERBA PARA O CUSTEIO DE DESPESAS NÃO COMPATÍVEIS COM A SUA DESTINAÇÃO ESPECÍFICA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA NATUREZA DE OUTRAS DESPESAS. DEMAIS IRREGULARIDADES. DOLO/CULPA. DOSIMETRIA DAS SANÇÕES. AJUSTE. 1. A Justiça Federal é competente para apreciar a demanda em que se atribui ao réu a prática de improbidade na aplicação de recursos públicos federais (do FUNDEF). 2. Ficou pacificado, na jurisprudência pátria, que a Lei nº 8.429/92 se aplica aos prefeitos, havendo alusão expressa àqueles que exercem mandatos. A mesma só foi afastada quanto às autoridades elencadas no artigo 102, I, c, da Carta Magna, enquadradas entre os destinatários da Lei nº 1.079/50. A responsabilização, na esfera criminal, não se confunde com a de natureza político-administrativa, que motivou a criação do instituto da Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa. 3. Houve a comprovação da autoria e da materialidade de atos de improbidade, enquadrados nos artigos 10, XI, e 11, "caput", da Lei nº 8.429/92. 4. Confessadamente, não ocorreu a aplicação do percentual mínimo de 60% (sessenta por cento) do Fundo, na forma do artigo 7º, da Lei nº 9.424/96. Não se comprovou em que foi utilizada uma parte dos valores repassados, outra parcela não foi empregada para a finalidade a que se destina o mencionado Fundo e ocorreram outras irregularidades de menor relevância (recursos alusivos ao exercício de 2000 serviram para quitar restos a pagar de 1999 e remanesceu saldo, quanto ao mencionado exercício, em contrariedade à anualidade do Fundo). 5. Restou patente o dolo, mesmo que eventual, na conduta do gestor, ainda que não haja prova de que ele tenha se locupletado do valor desviado. De qualquer sorte, o aludido artigo 10 contempla a possibilidade da condenação, também, quando o agente labora com culpa. 6. A dosimetria da pena merece ajustes, diante do reconhecimento da significativa redução do dano causado ao erário. Ressarcimento limitado aos gastos sem qualquer comprovação (R$ 22.516,77), excluindo-se os valores referentes aos dispêndios irregulares, em desacordo com as normas do FUNDEF, mas constatados. Redução da multa civil para R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Afastamento da perda da função pública e da suspensão dos direitos políticos. 7. Apelação parcialmente provida (TRF-5 - AC: 200983020017628  , Relator: Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, Data de Julgamento: 25/04/2013, Terceira Turma, Data de Publicação: 03/05/2013)

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE. DEFESA. CONVÊNIO. NÃO COMPROVAÇÃO DAS DESPESAS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. GRADAÇÃO NA APLICAÇÃO DAS SANÇÕES. 1. Apresentando o réu manifestação, antes do recebimento da inicial, na segunda instância e contestação na primeira, não há que se falar em cerceamento de defesa. 2. Convênio da Prefeitura com o FNDE.Não comprovação das despesas efetuadas. 2. No nosso ordenamento jurídico, a exigência da culpa, é a regra. A culpa normalmente é exigida para a configuração da responsabilidade. A responsabilidade objetiva se observa em alguns casos, como os previstos na Constituição Federal, arts. 37, § 6º, 225, § 3º, Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.1990), artigo 14, Código Civil, arts. 927, parágrafo único, 932 e 936. 3. Deve haver uma gradação na aplicação das sanções, levando-se em conta a gravidade do ilícito, a extensão do dano e o proveito patrimonial obtido. Pode-se, assim, aplicar uma ou mais sanções. (TRF-1 - AC: 878 PA 2001.39.01.000878-8, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO, Data de Julgamento: 11/03/2008, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 28/03/2008 e-DJF1 p.218)


No presente caso, porém, a destinação de relevante quantia de verba pública do exercício financeiro de 2003 teve destinação ignorada, uma vez que inexistem comprovantes de despesas, fazendo-se presumir sua indevida incorporação pelo ordenador de despesas.
Por tais razões, tenho por configurado o ato ímprobo imputado ao requerido, previsto no art. 9º, XI, da Lei nº 8429/92.

DISPOSITIVO


Em razão do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação de improbidade administrativa, por ter o réu praticado atos descritos nos artigos 11, caput (1x); art. 10, VIII (2x); art. 9º, XI (1x), todos da Lei 8.429/1992, condenando-o nas seguintes penas:

a)     Pelos atos descritos no art. 11, caput, da Lei 8.429/1992, referentes a APLICAÇÃO DE PERCENTUAL A MENOR NA MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO, CONDENO-O a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos, pela gravidade do ato uma vez que ao deixar de aplicar os índice mínimos previstos na legislação constitucional (CF, art. 212), demonstra pouco ou nenhuma preocupação com a qualidade do ensino da Educação Pública municipal; ao pagamento de multa civil no montante correspondente a 20 (vinte) vezes o valor da remuneração percebida pelo prefeito desta urbe no ano de 2003, valor que não é ínfimo e nem exagerado e guarda proporção com a gravidade da conduta perniciosa do agente; e, por fim, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
b)    Pelos atos descritos no art. 10, VIII, da Lei 8.429/1992, referentes a fragmentação de despesas com dispensa indevida de licitação, a ressarcir ao MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA/MA a quantia correspondente ao prejuízo sofrido pela municipalidade, num total de R$ 321.612,57 (trezentos e vinte e um mil, seiscentos e doze reais e cinquenta e sete centavos), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, a contar desde a data de cada dispensa indevida de licitação, a teor do art. 398 do CC e das Súmulas n. 43 e 54 do E. STJ. Condeno o réu ainda: à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, pela gravidade do ato que ofendeu o direito a livre concorrência, impedindo-a; ao pagamento de multa civil no montante correspondente a duas vezes o prejuízo sofrido pelo município; e, por fim, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. Indefiro o pedido de perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do réu por não ter restado provado a incorporação dos valores supra ao patrimônio do requerido.
c)     Pelos atos descritos no art. 10, VIII, da Lei 8.429/1992, referentes a ausência de processo licitatório, a ressarcir ao MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA/MA a quantia correspondente ao prejuízo sofrido pela municipalidade, num total de R$ 267.421,88 (duzentos e sessenta e sete mil, quatrocentos e vinte e um reais e oitenta e oito centavos), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, a contar desde a data de cada dispensa indevida de licitação, a teor do art. 398 do CC e das Súmulas n. 43 e 54 do E. STJ. Condeno o réu ainda: à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, pela gravidade do ato que ofendeu o direito a livre concorrência, impedindo-a; ao pagamento de multa civil no montante correspondente a duas vezes o prejuízo sofrido pelo município; e, por fim, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. Indefiro o pedido de perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do réu por não ter restado provado a incorporação dos valores supra ao patrimônio do requerido.
d)    Pelos atos descritos no art. 9º, XI, da Lei 8.429/1992, referentes a AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DESPESAS, CONDENO-O a ressarcir ao MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA/MA a quantia correspondente ao prejuízo sofrido pela municipalidade, num total de R$ 237.399,10 (duzentos e trinta e sete mil, trezentos e trinta e nove reais e dez centavos), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, a contar desde a data de cada pagamento indevido, a teor do art. 398 do CC e das Súmulas n. 43 e 54 do E. STJ. Condeno o réu ainda: à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de oito anos, pela gravidade do ato uma vez que utilizando-se de sua condição de gestor,  apropriou-se indevidamente de verbas públicas; ao pagamento de multa civil no montante correspondente a duas vezes o prejuízo sofrido pelo município; e, por fim, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.

Em face do resultado do julgamento, confirmo os efeitos da cautelar de indisponibilidade dos bens do requerido deferida às fls. 280/282v, limitando, entretanto, o quantum indisponível para o valor de R$ 2.800.000,00 (dois milhões e oitocentos mil reais), valor aproximado do somatório das condenações para tornar indisponíveis os bens imóveis do réu, eventualmente existentes nesta comarca e em outras comarcas, para garantir eventual ressarcimento ao erário público, em montante suficiente para suportar o pagamento de R$ 2.800.000,00 (dois milhões e oitocentos mil reais), valor aproximado do somatório das condenações.

Oficie-se ao cartório de registro de imóveis local,  da Comarca de Imperatriz, Grajaú/MA, São Luís/MA, Dom Elizeu/PA, Ulianópolis/PA, Marabá/PA, Açailandia/MA e Itinga/MA para que averbe à margem dos registros de imóveis eventualmente em nome do réu, a indisponibilidade dos referidos bens.

A liquidação da presente sentença dar-se-a por simples cálculos a cargo do autor.
Tendo em vista a sucumbência do réu, condeno-o ao pagamento das custas processuais. Deixo de condenar em honorários tendo em vista que o autor é o Ministério Público Estadual.

Publique-se, Registre-se e Intimem-se as partes, inclusive o Ministério Público.

Intime-se o Ministério Público.

                                    
João Lisboa/MA, 24 de setembro de 2014.

 



Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa




terça-feira, 23 de setembro de 2014

SENTENÇA PENAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE. EX-PREFEITO.

Proc. 678-33.2009.8.10.0038
AÇÃO PENAL
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO
RÉU: FRANCISCO ALVES DE HOLANDA


SENTENÇA


O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL propôs a presente ação penal por crime de responsabilidade contra FRANCISCO ALVES DE HOLANDA porque, em tese, este teria praticado durante o exercício financeiro de 2003 as seguintes condutas típicas:
1. Aplicação de percentual a menor na manutenção e desenvolvimento do ensino;
2. Ausência de comprovantes de despesas.

Sustenta suas afirmações em procedimento administrativo do Tribunal de Contas do Estado (autos n. 9565/2004) e Relatório de Informação Técnica nº 448/2005 – UTCOG-NACOG e Relatório de Informação Técnica Conclusivo nº 192/2006 – NACOG/UTCOG, onde o referido gestor de contas públicas teve suas contas referentes ao exercício 2003 recebido PARECER PRÉVIO PL-TCE Nº 409/2006 (fls. 69) pela desaprovação e Acórdão PL-TCE nº 792/2006 (fls. 67-68) pela desaprovação das contas do exercício 2003 e aplicação de multa,  transitado em julgado após improvimento do Recurso de Reconsideração (fls. 92 e 218).

Ao final requer a condenação do requerido por crime de responsabilidade previsto no art. 1º, I e III do Decreto-Lei nº 201/67 na forma do art. 69, caput, do CP.
Às fls. 227, este juízo determinou a notificação do réu apresentação de sua defesa prévia no prazo de 5 dias (art. 2º do Decreto-Lei nº 201/67).
Às fls. 232, consta certidão do oficial de justiça informando que o requerido mudou-se para a cidade de Itinga/MA.
Às fls. 255, determinou-se a expedição de carta precatória com o mesmo fim para a comarca de Itinga/MA.
O requerido foi devidamente notificado (fls. 266), tendo apresentado defesa prévia às fls. 260-261, oportunidade em que pleiteou a rejeição da inicial uma vez que a mesma não atenderia aos requisitos do art. 41 do CPP já que não especificam onde o requerido teria plicado deficientemente os recursos relativos ao desenvolvimento da educação, se na educação infantil ou ensino médio, omite ainda o período de tempo e o percentual de deficiência; que relativamente à ausência de comprovante de despesas, afirma que se trata de mero erro contábil e que tal conduta seria atípica.

Às fls. 269-271, a denúncia foi recebida por este juízo o qual deixou de decretar a prisão preventiva do mesmo, por entender que não estavam presentes os requisitos do art. 312 e 313 do CPP; de igual forma deixou-se de decretar o afastamento do agente do cargo público em razão do réu não mais ocupar o referido cargo. Por fim, determinou-se a citação do requerido para responder à acusação.
Devidamente citado, o réu apresentou defesa escrita às fls. 282-288, oportunidade em que sustentou a imprestabilidade do Relatório de Informações Técnicas nº 448/2005, bem como do próprio PARECER PRÉVIO do TCE/MA para fins de exercício do Controle Externo das Contas do Município uma vez que a competência constitucional para tal julgamento seria, exclusivamente, da Câmara Municipal; que relativamente à acusação de aplicação de percentual a menor na manutenção e desenvolvimento do ensino, informa que o total de receita do município no exercício de 2003 foi de R$ 10.555.353,28 e que o item 5.1.1.1 do Relatório informa que o total de despesa com educação foi de R$ 4.306.941,81, de forma que teria sido atingido e superado limite do art. 212 da CF, já que houve uma despesas de 40,80% com o desenvolvimento do ensino; afirma ainda que gastou R$ 3.576.093,87 somente com o ensino fundamental, o que corresponde a 33,88% do total da receita, tendo cumprido o disposto no art. 60 do ADCT; que houve erro contábil na apuração do TCE já que não levou em conta a despesa de R$ 640.255,07 efetivada com obrigações patronais (INSS EMPRESA); que os recursos financeiros do exercício de 2003 foram aplicados em favor da coletividade de forma que não se pode falar em prejuízos ao Erário ou à população de João Lisboa; que inexiste prova do dolo do agente; que os tipos do Decreto Lei nº 201/67 não admitem a figura culposa; que relativamente à imputação de apropriação de rendas públicas inexiste comprovação de que tais mercadorias não tenham sido aplicadas em favor da comunidade; quanto à imputação de desvio ou aplicação indevida de rendas, não há prova do alegado; finaliza requerendo a improcedência da ação penal, por ausência de provas de que o denunciado tenha no exercício financeiro de 2003, se apropriado de bens ou rendas públicas ou as desviado em proveito próprio ou alheio. Juntou documentos de fls. 289-435. Deixou de arrolar testemunhas.
Às fls. 440, foi expedida carta precatória para a Comarca de São Luís, para oitivas das testemunhas arroladas na denúncia.
Às fls. 467-471, procedeu-se à oitiva de quatro testemunhas, todos servidores do TCE/MA. Às fls. 484, procedeu-se à oitiva da testemunha MARIA LUISA MAIA ARRUDA.
Às fls. 489-490, o Ministério Público reafirmou a impertinência temática dos documentos anexados com as imputações constantes da denúncia.
Às fls. 1599-v, designou-se audiência para o interrogatório do réu.
Às fls. 1607, realizou-se o interrogatório do acusado, oportunidade em que o mesmo negou as imputações que lhes foram feitas afirmando em relação à aplicação de percentual a menor na manutenção e desenvolvimento do ensino que aplicou mais de 30% superando a obrigação constitucional de 25%; que o recolhimento previdenciário dos servidores da educação era efetuado juntamente com o dos demais servidores; que quanto à alegação de ausência de comprovação de despesas afirma que todos os comprovantes foram anexados aos autos.
O Ministério Público apresentou alegações finais às fls. 501-506, oportunidade em que pugnou pela procedência da denúncia e condenação do acusado nas penas do art. 1º, III e V do Decreto-Lei nº 201/67 na forma do art. 69, caput, do CP.
A defesa, por sua vez, em sede de alegações finais às fls. 507-515, reafirma sua tese constante da defesa preliminar de fls. 282-288 afirmando imprestabilidade do Relatório de Informações Técnicas nº 448/2005 e 134/03, bem como do próprio PARECER PRÉVIO do TCE/MA para fins de exercício do Controle Externo das Contas do Município uma vez que a competência constitucional para tal julgamento seria, exclusivamente, da Câmara Municipal; que relativamente à acusação de aplicação de percentual a menor na manutenção e desenvolvimento do ensino, informa que o total de receita do município no exercício de 2003 foi de R$ 10.555.353,28 e que o item 5.1.1.1 do Relatório informa que o total de despesa com educação foi de R$ 4.306.941,81, de forma que teria sido atingido e superado limite do art. 212 da CF, já que houve despesas de 40,80% com o desenvolvimento do ensino; afirma ainda que gastou R$ 3.576.093,87 somente com o ensino fundamental, o que corresponde a 33,88% do total da receita, tendo cumprido o disposto no art. 60 do ADCT; que houve erro contábil na apuração do TCE já que não levou em conta a despesa de R$ 640.255,07 efetivada com obrigações patronais (INSS EMPRESA); que os recursos financeiros do exercício de 2003 foram aplicados em favor da coletividade de forma que não se pode falar em prejuízos ao Erário ou à população de João Lisboa; que inexiste prova do dolo do agente; que os tipos do Decreto Lei nº 201/67 não admitem a figura culposa; que relativamente à imputação de apropriação de rendas públicas inexiste comprovação de que tais mercadorias não tenham sido aplicadas em favor da comunidade; quanto à imputação de desvio ou aplicação indevida de rendas, não há prova do alegado; finaliza requerendo a improcedência da ação penal, por ausência de provas de que o denunciado tenha no exercício financeiro de 2003, se apropriado de bens ou rendas públicas ou as desviado em proveito próprio ou alheio; finaliza requerendo a improcedência da ação penal, por ausência de provas de que o denunciado tenha no exercício financeiro de 2003, se apropriado de bens ou rendas públicas ou as desviado em proveito próprio ou alheio; que as testemunhas ouvidas em juízo não especificaram quais seriam as supostas irregularidades existentes na documentação que embasa a denúncia, tendo as mesmas se limitado a dizer que tem conhecimento dos fatos; que a testemunha MARIA LUISA MAIA ARRUDA declarou que nem se recordava do caso; finaliza requerendo que seja reconhecida a nulidade decorrente da ausência do motivação da decisão que recebeu a denúncia e no mérito pela improcedência da denúncia por ausência de provas.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. DECIDO

FUNDAMENTAÇÃO


DO MÉRITO

QUANTO AO DELITO DE APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE BENS OU RENDAS PÚBLICAS (art. 1º, I do Decreto Lei nº 201/1967)

                                   Em sua inicial, imputa o representante ministerial ao réu a conduta típica de apropriação de recursos públicos referentes ao exercício financeiro do ano de 2003 num total de R$ 237.399,10 (duzentos e trinta e sete mil, trezentos e trinta e nove reais e dez centavos) uma vez que teria prestado contas junto ao TCE/MA de 24 (vinte e quatro) compras, enumerando as pessoas jurídicas que receberam recursos públicos, sem providenciar as respectivas comprovações de despesas (notas fiscais).
                                   Dispõe o art. 1º, I do Decreto Lei nº 201/1967:

Art. 1º. São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
I – apropriarse de bens ou rendas públicas, ou desviálos em proveito próprio ou alheio;

                                   A materialidade delitiva encontra-se devidamente demonstrada nos autos a partir do Relatório de Informação Técnica nº 448/2005 – UTCOG-NACOG e Relatório de Informação Técnica Conclusivo nº 192/2006 – NACOG/UTCOG, onde o referido gestor de contas públicas teve suas contas referentes ao exercício 2003 recebido PARECER PRÉVIO PL-TCE Nº 409/2006 (fls. 69) pela desaprovação e Acórdão PL-TCE nº 792/2006 (fls. 67-68) pela desaprovação das contas do exercício 2003, onde todos esses documentos atestam a inexistência de documentos fiscais que comprovem a regularidade das despesas alegadas e não demonstradas pelo réu. Portanto, não consta dos autos, o contrário do que afirmado no interrogatório do acusado, as notas fiscais que comprovem a origem de tais despesas.

                                   Merece relevo as inúmeras oportunidades conferidas ao requerido de fazer prova dessas despesas tanto no curso do processo administrativo nº 9565/2005 onde foi deferido pedido de prorrogação de prazo efetuado pelo requerido, bem como improvido recurso de reconsideração quanto no curso do presente processo judicial onde o requerido teve oportunidade de fazer a juntada da referida documentação em sua defesa prévia, resposta escrita e no curso da instrução, porém, não o fez.

Portanto, a prova anexada aos autos é robusta quanto à ausência de documentos que comprovem as despesas individualizadas na inicial, num total de R$ 237.399,10 (duzentos e trinta e sete mil, trezentos e trinta e nove reais e dez centavos), efetivadas com recursos públicos, de forma que inexistindo tal comprovação concluo pelo  desvio e apropriação de tais valores, em proveito próprio pelo requerido, destacando-se que o mesmo os possuía sob sua guarda e responsabilidade em decorrência de ocupar o cargo de prefeito, ordenador de despesas, no exercício de 2003.

A autoria, por sua vez, também restou evidenciada uma vez que a prestação de contas do exercício financeiro de 2003 do município de João Lisboa/MA foi feita pelo requerido que à época ocupava o cargo de prefeito municipal e ordenador de despesas, conforme se verifica do Relatório de Informação Técnica nº 448/05 (fls. 15-31) e do próprio interrogatório do acusado onde o mesmo confessa que era o ordenador de despesas do município.(fls. 500).

                                    O elemento subjetivo do tipo também restou demonstrado uma vez que agindo como agiu, restou evidenciado o dolo do agente, caracterizado pela livre e consciente vontade de incorporar ao seu patrimônio verbas públicas, mediante o apossamento de tais verbas e sua posterior alegação de gastos em despesas que não foram comprovadas nos autos e nem na prestação de conta do requerido junto ao TCE/MA.

Quanto a tese de defesa de que os Relatório de Informação Técnica nº 448/2005 – UTCOG-NACOG e Relatório de Informação Técnica Conclusivo nº 192/2006 – NACOG/UTCOG, onde o referido gestor de contas públicas teve suas contas referentes ao exercício 2003 recebido PARECER PRÉVIO PL-TCE Nº 409/2006 (fls. 69) pela desaprovação e Acórdão PL-TCE nº 792/2006 (fls. 67-68) pela desaprovação das contas do exercício 2003, seriam imprestáveis para fins de controle externo, pois a competência para julgamento das Contas seria da Câmara Municipal, tal fundamentação é imprestável para afastar eventual tipicidade da conduta do denunciado; quanto a alegação de que não houve aplicação regular dos recursos públicos, as provas dos autos apontam em sentido contrário já que as referidas despesas não foram justificadas e nem comprovadas junto ao TCE ou nos presentes autos; quanto ao elemento subjetivo do tipo, o mesmo já fora explicitado nas razões supra.

Colaciono precedente em situação análoga:

PENAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE. EX-PREFEITO. ARTIGO 1º, INCISO I, DO DECRETO-LEI Nº 201/67. DESVIO DE VERBAS PARA MERENDA ESCOLAR. AUSÊNCIA DE DEFESA PRELIMINAR. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO. COMPETÊNCIA JUSTIÇA FEDERAL. USO DE DOCUMENTO FALSO. NOTAS FISCAIS. CRIME-MEIO. ABSORÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. A defesa preliminar definida no art. 2º, inciso II, do Decreto-lei nº 201/67, a exemplo da prevista nos artigos 514 do CPP e 4º da Lei nº 8.038/90, é dispensável nas ações penais antecedidas de inquérito policial, bem como naquelas em que o réu já deixou a função pública.Incidente, na espécie, a Súmula nº 208 do STJ, pois sendo a verba proveniente da União, a administração municipal estava obrigada a prestar contas dos recursos ao Tribunal de Contas da União.Incide, igualmente, a Súmula 164/STJ, segundo a qual "O prefeito municipal, após a extinção do mandato, continua sujeito a processo por crime previsto no art. 1º do Decreto-Lei nº 201, de 27.02.67".Comprovada a existência de desvio de verba pública federal, sem a comprovação de utilização em projetos públicos, resta caracterizado o tipo penal do art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67.A apresentação de notas fiscais ideologicamente falsas revela intenção de fraudar a real aplicação dos recursos. Falsidade que traduz iter da conduta, sendo absorvida pelo crime fim.Presentes os requisitos do artigo 44 do Código Penal, é de ser deferida a substituição da pena corporal por restritivas de direitos. (TRF-4 - ACR: 39524 PR 2004.04.01.039524-0, Relator: LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, Data de Julgamento: 03/06/2009, OITAVA TURMA, Data de Publicação: D.E. 15/07/2009)


APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO. PECULATO-DESVIO. ART. 1º, INC. I, DO DECRETO-LEI 201/67. PRELIMINARES REJEITADAS. PROCESSAMENTO E DENÚNCIA DE EX-PREFEITO POR CRIME PREVISTO NO DECRETO-LEI 201/67. POSSIBILIDADE. MATÉRIA SUMULADA (SUM. 703/STF). NÃO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA CONTRA OS PRETENSOS CO-AUTORES DO CRIME. INEXISTÊNCIA DE PROVAS QUANTO À IDENTIFICAÇÃO, ATUAÇÃO E DOLO DE TERCEIROS. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE. COMPETÊNCIA DO JUIZ SINGULAR PARA PROCESSAR E JULGAR EX-PREFEITO. CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORRENTE. PROCEDIMENTO APLICADO ADEQUADAMENTE E SEM SUPRIMIR OU RESTRINGIR PRAZOS DE DEFESA. INAPLICABILIDADE, NO ÂMBITO DO JUÍZO SINGULAR, DO RITO DA LEI 8038/90. MÉRITO. VERBA RECEBIDA PELO MUNICÍPIO ATRAVÉS DE CONVÊNIO PARA APLICAÇÃO EM PROGRAMA DE AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE. MATERIALIDADE COMPROVADA. EXIBIÇÃO DE NOTA FISCAL FORJADA PARA COMPROVAR PRETENSA AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS. PROVA DOCUMENTAL QUE DEMONSTRA A FALSIDADE MATERIAL E IDEOLÓGICA DA NOTA FISCAL. DESNECESSIDADE DE PROVA PERICIAL PARA ATESTAR A FALSIDADE, NO CASO CONCRETO. DESTINAÇÃO REGULAR OU LÍCITA DA VERBA NÃO DEMONSTRADA. DOLO DO AGENTE EVIDENCIADO. CONDENAÇÃO CONFIRMADA. DOSIMETRIA DA PENA. NECESSIDADE DE READEQUAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. I. "Declarada a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 84 do CPP, acrescidos pela Lei 10.628/02 (ADIN 2.797/DF), compete ao juiz singular o julgamento da ação penal de crime praticado por ex-prefeito durante seu mandato." II. "A extinção do mandato de Prefeito não impede a instauração de processo pela prática dos crimes previstos no art. 1º do Decreto-lei 201/1967." III. Não é possível admitir a impunidade de um pretenso co-autor do delito porque os demais co-autores não foram identificados. Outrossim, não pode o Ministério Público abusar de suas prerrogativas e funções, ajuizando ação penal de forma indiscriminada, sem que haja a devida identificação dos co-autores e sua efetiva vinculação com a conduta apontada como delituosa. Por isso, não há que se falar em inépcia da denúncia ajuizada apenas conta parte dos pretensos autores do crime, se desconhecidos os demais. IV. A adoção do rito ordinário, adaptado àquele previsto no Decreto-lei 201/67, porque a denúncia imputava ao apelante o cometimento de crime de responsabilidade cumulado com crime comum previsto no Código Penal (qual seja, o de uso de documento falso, previsto no art. 304 do CP) possibilitou ao réu apelante o pleno exercício do direito de ampla defesa. Não era aplicável no caso a adoção do rito da Lei 8.038/90, porque esta se aplica aos procedimentos criminais contra autoridades que tramitam originariamente perante os órgãos colegiados (tribunais) e não perante o Juízo singular. V. "A defesa preliminar é aplicada nos casos de crimes funcionais, praticados por funcionário público no exercício de suas funções ou em razão destas, mas apenas nos casos dos delitos descritos nos art. 312 a art. 326, do Código Penal, que tratam dos crimes funcionais próprios." VI. Caracteriza o crime do art. 1º, inc. I do Decreto-lei 201/67, o desvio de verba pública, que não foi aplicada na destinação específica a que se destinava (no caso, fixada em Convênio) nem em qualquer outra de interesse público, valendo-se o Prefeito de documento comprovadamente falso (nota fiscal forjada) para tentar simular o emprego regular do recurso. (TJ-PR - ACR: 4995486 PR 0499548-6, Relator: Lilian Romero, Data de Julgamento: 18/09/2008, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 7718)

Quanto à alegação do Ministério Público de que o enquadramento correto da conduta seria no art. 1º, III do Decreto Lei nº 201/67, sendo o caso de aplicação de emendatio libelli, não vislumbro tal subsunção.

Muito embora os tipos constantes do art. 1º I e III sejam muito semelhantes, entendo que o enquadramento ao inciso III é subsidiário e demandaria a prova do simples desvio de finalidade da verba de uma destinação pública previamente determinada por lei para outra também pública, tal como ocorreria se a verba destinada a educação fosse utilizada na saúde.
No presente caso, porém, a destinação de relevante quantia de verba pública do exercício financeiro de 2003 teve destinação ignorada, atraindo o tipo penal no art. 1º, I do Decreto Lei nº 201/67. Nesse sentido:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS. ARTS. 1º, I E III, DO DECRETO-LEI Nº 201/67. RESPONSABILIDADE DE PREFEITO. CONVÊNIO FIRMADO PARA AQUISIÇÃO DE JOGOS EDUCATIVOS. LIBERAÇÃO DE RECURSOS. APLICAÇÃO DE PARTE DOS RECURSOS NA AQUISIÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO EM BENEFÍCIO DAS ESCOLAS MUNICIPAIS DE ENSINO FUNDAMENTAL. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DO CRIME PREVISTO NO ART. 1º, III, DO DECRETO-LEI Nº 201/67. VALOR DE R$ 36.849,90 DE DESTINAÇÃO IGNORADA. DESVIO DE VERBAS PÚBLICAS. DOLO DO PREFEITO. AUTORIA E MATERIALIDADE CONFIGURADAS. DOSIMETRIA DA PENA. PEN APLICADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. PARTE DOS REQUISITOS DO ART. 59 DO CP DESFAVORÁVEL AO RÉU. PENA DE INABILITAÇÃO. APELO DO MPF IMPROVIDO. 1. Apelação Criminal manejada pelo Ministério Público Federal da sentença que, após adotar a "emendatio libelli" e enquadrar a conduta do Réu, ex-Prefeito de Belém do São Francisco/PE, nas penas do art. 1º, III, do Decreto-Lei nº 201/67, ao invés do art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67 como indicado na denúncia, fundamentou-se na ausência de prova de que Réu tenha efetivamente se apropriado das verbas públicas e no desvio de recursos pela aplicação em finalidade diversa do Convênio, extinguindo punibilidade do Apelado pela incidência da prescrição em abstrato, pois, sendo a pena máxima fixada para o delito em três anos de detenção, o lapso temporal de 08 (oito) anos, fixado no art. 109, V, do CP, já teria transcorrido, considerando-se a data da utilização indevida dos recursos (28.12.2000) e a do recebimento da denúncia (27.06.2012). 2. Inexecução do Convênio nº 94.705/2000, firmado entre o Município de Belém de São FranciscoPE e o FNDE, celebrado em 12/09/2000, sendo repassado ao Município o montante de R$ 107.097,11 (cento e sete mil, noventa e sete reais e onze centavos) no dia 08.11.2000, e o Réu, na qualidade de Prefeito Municipal, apropriou-se e desviou, em proveito próprio ou alheio, parte dos valores repassados pela União para execução do citado convênio, destinado à aquisição de material didático/pedagógico adequado às crianças de 4 a 6 anos de idade, incidindo, em tese, nas penas do art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67. 3. O tipo descrito no art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67 prevê o desvio ou apropriação das verbas públicas. O crime do inc. III, do art. 1º, do Decreto-Lei nº 201/67, tem aplicação subsidiária, e visa coibir a aplicação indevida ou desvio das receitas recebidas pela Fazenda Municipal e dotações determinada na lei do orçamento. 4. Tratando ambos os tipos de desvio de verbas públicas, este significando dar ao bem ou à renda públicos destinação física ou jurídica não pública, diversa daquela para a qual estavam afetados, havendo indevido remanejamento de verbas, porém em proveito do próprio Município, o crime será afastado se houver motivação excludente de antijuridicidade,pois se trata de crime doloso. Por exemplo, se a verba destinada para a construção de um estádio de futebol é usada para a aquisição de material médico de urgência e remédios, tendo em vista um surto de dengue no Município, exclui-se o delito. 5. A empresa COETEPE - Cooperativa de Empreendimento de Trabalhadores em Atividades Múltiplas, apesar de diversa da vencedora da licitação, forneceu serviços para a Prefeitura, no caso, a capacitação dos professores da educação infantil, bem como material de papelaria e de limpeza para as escolas, recebendo como contraprestação o montante de R$ 34.413,90 (trinta e quatro mil, quatrocentos e treze reais e noventa centavos). 6. Desvio na finalidade do Convênio do qual resultou em proveito do Município, com a capacitação de professores da rede fundamental, e segundo a perícia da Polícia Federal, o valor do cheque é consonante com os relatórios da Prefeitura sobre a execução do serviço, inclusive quanto às contas bancárias, de forma que o Prefeito deve ser absolvido do tipo penal subsumido no art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67. 7. À empresa Comercial Mipel Ltda., foi pago o valor de R$ 78.319,90 (setenta e oito mil, trezentos e dezenove reais e noventa centavos). A perícia realizada pela Polícia Federal atestou que as notas da firma referem-se ao fornecimento de materiais distintos do objeto do Convênio, como livros didáticos, artigos de papelaria e limpeza, fogão industrial, botijão à gás para as escolas), com indícios de aplicação dos valores conforme as notas fiscais, no valor de R$ 41.470,00 (quarenta e um mil e quatrocentos e setenta reais). 8. Novo desvio na finalidade do Convênio do qual resultou em proveito do Município, com a aquisição de material didático e bens para as escolas municipais da rede fundamental sendo o dinheiro atingido finalidade pública. Absolvição do Prefeito do crime previsto no art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67. 9. O valor de R$ 36.849,90 (trinta e seis mil, oitocentos e quarenta e nove reais e noventa centavos), supostamente pago à empresa Comercial Mipel Ltda., porém fora retirado da conta conveniada sem qualquer destinação ou contrapartida em favor do Município. Laudo pericial da Polícia Federal que atesta não haver documentos que provem a regular aplicação destes recursos ou de sua destinação, estando ausentes documentos ou recibos, visto que as notas fiscais da empresa Comercial Mipel Ltda. atestam apenas o pagamento com contraprestação de R$ 41.470,00 (quarenta e um mil e quatrocentos e setenta reais). 10. Ainda que não há provas de apropriação pelo ex-Prefeito, com certeza há desvio do R$ 36.849,90 (trinta e seis mil, oitocentos e quarenta e nove reais e noventa centavos), com destinação ignorada. Autoria e materialidade comprovadas. Conduta dolosa, incidindo ele nas penas do art. 1º, I, do Decreto-lei nº 201/67. 11. Apelante que, no tocante aos requisitos do art. 59, do CP granjearam conceito desfavorável relativo aos requisitos judiciais de culpabilidade, circunstâncias e consequências do delito, o que autoriza a fixação da pena-base em 03 (três) anos de reclusão, quantum próximo ao mínimo legal, sendo respeitado o sistema trifásico imposto pelo Diploma Penal. 12. Ausentes agravantes e atenuantes e causas de aumento ou de diminuição de pena, definitiva a pena do Apelante em 03 (três) anos de reclusão, pela prática do delito previsto no art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67, a ser cumprida em regime aberto, e substituída por 02 (duas) penas restritivas de direitos a serem fixadas pelo Juízo das Execuções Penais. 13. Imposição da pena de inabilitação para o exercício de cargo ou função pública pelo prazo de 05 (cinco) anos, nos termos do parágrafo 2º, do art. 1º, do Decreto-lei nº 201/67. 14. Incabimento da extinção a punibilidade pela prescrição retroativa, em face da ausência de trânsito em julgado para o Ministério Público Federal, que pode recorrer da decisão deste Acórdão. 15. Apelação do MPF provida em parte, para condenar o Réu pela prática do delito previsto no art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67 apenas em face do desvio de verbas públicas do Convênio nº 94.705/2000 entre o Município de Belém de São Francisco e o FNDE, no montante de R$ 36.849,90 (trinta e seis mil, oitocentos e quarenta e nove reais e noventa centavos), à pena privativa de liberdade de 03 (três) anos de reclusão, substituída por 02 (duas) penas restritivas de direitos, e de inabilitação, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, consoante firmado pelo art. 1º, parágrafo 2º, do Decreto-lei nº 201/67. (TRF-5 - APR: 200583030008424  , Relator: Desembargador Federal Geraldo Apoliano, Data de Julgamento: 26/06/2014, Terceira Turma, Data de Publicação: 10/07/2014)

 Portanto, relativamente ao referido tipo penal, o caso é de procedência da denúncia.

DA APLICAÇÃO DE PERCENTUAL A MENOR NA MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO

Sustenta o Ministério Público que o requerido durante a sua gestão no ano de 2003 deixou de aplicar o percentual mínimo constitucionalmente previsto para a área da educação, uma vez que deveria ter aplicado o percentual mínimo naquele exercício financeiro de 25% quando na verdade foi aplicado tão-somente 19,48%, violando assim, o art. 212 da Constituição Federal, incidindo no art. 1º, III do Decreto Lei nº 201/67:

Art. 1º. São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
(...)
III – desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;

Analisando os autos, vejo que a obrigação de aplicação de percentual mínimo na educação encontra-se tanto na Constituição (art. 212) quanto na Lei nº 9394/96 (art. 69) .
Afirma que tal conduta gerou graves prejuízos para a população de João Lisboa que ficou alijada de um maior número de vagas , de profissionais da educação, reforma de escolas e outros serviços educacionais.

Em sede de alegações finais, o requerido limitou-se a informar que na verdade gastou 40,80% do Orçamento, sem qualquer prova nesse sentido.

Dispõe o art. 212 da CF e art. 69 da Lei nº 9394/96:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Art. 69. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, vinte e cinco por cento, ou o que consta nas respectivas Constituições ou Leis Orgânicas, da receita resultante de impostos, compreendidas as transferências constitucionais, na manutenção e desenvolvimento do ensino público.

Analisando os autos e as provas, observo que de fato o requerido não cumpriu com a sua obrigação constitucional tendo aplicado na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino o valor de R$ 1.136.720,20 (19,48%) quando em verdade deveria ter aplicado, no mínimo, R$ 1.458.218,27 (25% da receita de impostos e transferências que naquele ano atingiu o montante de R$ 5.832.873,08).
Como se não bastasse o município somente aplicou somente 7,12% dos recursos destinados à educação com o Ensino Fundamental quando deferia ter gasto, no mínimo, 15%, nos termos do art. 60 do ADCT.
Portanto, aqui restou exaustivamente demonstrada a ilegalidade na gestão do orçamento público. Ilegalidade essa que se revela de forma qualificada já que ao deixar de empregar os recursos na educação da forma preconizada pela lei, abriu possibilidade de desviá-lo para outras despesas obscuras e de mais difícil fiscalização, o que revela a má-fé do agente público ordenador de despesas.
Quanto ao elemento subjetivo, este restou evidenciado pelo dolo, consistente na vontade livre de deixar de cumprir as determinações legais e constitucionais, com o fim de desviar verbas originalmente destinadas à educação em prejuízo do desenvolvimento em sede municipal de tal serviço essencial.
Quanto à tese de defesa de que teria havido um erro contábil pelos técnicos do TCE que não teriam levado em consideração os não teriam sido levado em consideração os gastos efetuados pelo município referentes à obrigação patronal (INSS EMPRESA) num total de 640.255,07, observo às fls. 258  que o relatório de informações técnicas do recurso complementar nº 05/2008 UTCOG-NACOG (fls. 41) constata que “não há comprovação de que tais valores retidos referem-se à educação especificamente, ou seja, falta comprovação material dos valores das obrigações patronais referentes à educação como um todo (....)”.

Por tais, razões tenho por configurado o delito imputado ao requerido.

DISPOSITIVO

ANTE O EXPOSTO e o que mais dos autos consta JULGO PROCEDENTE A DENÚNCIA, para CONDENAR o réu FRANCISCO ALVES DE HOLANDA, já qualificado, como incurso nas sanções do art. 1º, I e III do DECRETO LEI Nº 201/67.
Passo a dosimetria da pena.
Em atenção ao art. 59 e seguintes do Código Penal, especialmente o art. 68 do aludido diploma legal, que elegeu o Sistema Trifásico de Nelson Hungria para a quantificação das sanções aplicáveis ao condenado, passo à fixação da pena:

Quanto ao delito do art. 1º, I do Decreto Lei nº 201/67:

Quanto à culpabilidade, o grau de reprobabilidade da conduta do requerido relativamente ao delito de apropriação de verbas pública é elevado, tendo em vista o quantum desviado (R$ 237.399,10). Os antecedentes criminais são imaculados. Conduta social considerada normal. A sua personalidade não revela tendência enfermiça. Os motivos do crime foram reprováveis, eis que só pensou na obtenção do lucro fácil. As circunstâncias do crime  são favoráveis, pois o modo de execução foi demasiado simples, pois limitou-se a omitir a comprovação das despesas. As conseqüências do crime foram graves, tendo em vista que o dinheiro público desviado comprometeu o bom funcionamento dos serviços públicos, em prejuízo da população joaolisboense. Sobre o comportamento da vítima, prejudicado tendo em vista que a vitíma é a administração pública.

Há preponderância de circunstâncias judiciais favoráveis pelo que entendo como suficientes para prevenção e reprovação dos delitos a pena base pelo delito do art. 1º,I do Decreto-Lei nº 201/67 de 05 (cinco) anos de reclusão.

Inexistem circunstâncias atenuantes ou agravantes ou causas de aumento ou diminuição, motivo pelo qual torno definitiva a pena em 05 (cinco) anos de reclusão.


Quanto ao delito do art. 1º, III do Decreto Lei nº 201/67:

Quanto à culpabilidade, o grau de reprobabilidade da conduta do requerido relativamente ao delito de desvio de verbas da educação é elevado, tendo em vista a importância do serviço educacional para o município. Os antecedentes criminais são imaculados. Conduta social considerada normal. A sua personalidade não revela tendência enfermiça. Os motivos do crime não se revelaram. As circunstâncias do crime  são favoráveis, pois o modo de execução foi demasiado simples, pois limitou-se a descumprir o mandamento constitucional. As conseqüências do crime foram graves, tendo em vista que o dinheiro público desviado comprometeu o bom funcionamento dos serviços públicos, em prejuízo da população joaolisboense. Sobre o comportamento da vítima, prejudicado tendo em vista que a vitíma é a administração pública.

Há preponderância de circunstâncias judiciais favoráveis pelo que entendo como suficientes para prevenção e reprovação dos delitos a pena base pelo delito do art. 1º,III do Decreto-Lei nº 201/67 de 11 (onze) meses de reclusão.

Inexistem circunstâncias atenuantes ou agravantes ou causas de aumento ou diminuição, motivo pelo qual torno definitiva a pena em 11 (onze) meses de reclusão.

CONSIDERANDO A REGRA DO CONCURSO MATERIAL CUMULO AS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE TOTALIZANDO 05 (CINCO) ANOS E 11 (ONZE) MESES DE RECLUSÃO.

Para regime de cumprimento pena privativa de liberdade acima aplicada fixo o regime semi-aberto, nos termos do que determina o art. 33, §2º, b do CPB.

Incabível o sursis (art. 77, CP) ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos termos do art. 44 do CPB, diante do quantum de pena aplicada.
Permito ao réu o direito de recorrer em liberdade, tendo em vista que tenho com desnecessária a decretação de sua prisão neste momento, estando ausentes dos requisitos da prisão preventiva previstos no art. 312 e 313 do CPP.

Considerando o quantum da pena aplicada pelo delito do art. 1º, III do Decreto Lei nº 201/67 e o tempo de tramitação da presente ação penal, uma vez transitada em julgado a presente ação para o Ministério Público, retornem os autos conclusos para fins do art. 110, §1º do CPB.

Transitada em julgado a sentença e em atenção ao disposto no art. 2º do Decreto-Lei nº 201/67:

a) seja lançado o nome do réu no rol dos culpados nos termos do art. 393, II do CPP, bem como providenciar o registro no rol dos antecedentes criminais;
b) oficie-se ao local de cumprimento da pena restritiva de direitos, no sentido de informar a pena imposta ao réu, bem como que informe este Juízo, mensalmente, sobre o efetivo cumprimento da mesma;
c) Oficie-se à Justiça Eleitoral em atenção ao art. 15, III da Constituição Federal;
d) Deixo de decretar a perda do cargo de prefeito uma vez que o mandato do acusado já findou desde 31.12.2004.
e) Declaro a inabilitação do condenado, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação.
f) Condeno o sentenciado a reparar o dano causado ao erário público do município de João Lisboa/MA, no valor de R$ 237.399,10 (duzentos e trinta e sete mil, trezentos e noventa e nove reais e dez centavos), devidamente atualizado.
P.R.I.
João Lisboa/MA, 17 de setembro de 2014.

Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa