segunda-feira, 16 de março de 2020

SENTENÇA. OUTORGA UXÓRIA E ABUSO DO DIREITO.


Processo n° 0800280-72.2017.8.10.0038
ANULATÓRIA DE REGISTRO DE DESMEMBRAMENTO

SENTENÇA

MARIA DA LUZ CASTRO CARVALHO, já qualificada, ingressou com a presente ação ANULATÓRIA DE REGISTRO DE DESMEBRAMENTO IMOBILIÁRIO em face de ADÃO DO NASCIMENTO CARVALHO e O CARTÓRIO DO 1º OFÍCIO EXTRAJUDICIAL DE JOÃO LISBOA, também já qualificado, pleiteando a nulidade absoluta do registro de desmebramento imobiliário levado a efeito no imóvel matricula nº 5008, livro 2, ficha 1-F, com uma área total de 3.531,10 m², local onde reside com o primeiro requerido e seus filhos e quea, assim, seria um bem de família.
Sucede que o primeiro requerido, no ano de 2012 teria iniciado um procedimento de desmembramento de parte da área do terreno, mais precisamente 314m², o qual teria sido registrado no 2º requerido sem a necessária autorização da autora, motivo pelo qual seria nulo, requerendo a autora a declaração judicial de tal nulidade através desta ação ajuizada em 31.01.2017.
O imóvel desmembrado gerou a matrícula nº 6337, livro 2, ficha 1-F, protocolo 13950, datada de 07.02.2013.
Determinada a citação, os requeridos compareceram à audiência de mediação e concordaram com a declaração de nulidade do desmembramento.
O primeiro requerido apresentou resposta alegando ilegitimidade passiva e atribuindo todo o erro ao segundo requerido, mas no mérito requereu a declaração de nulidade do registro público.
O segundo requerido não apresentou resposta.
O Ministério Público requereu a juntada atualizada da certidão do registro imobiliário questionado.
Em ofício de id. 13786930, o Cartório junta cópia da certidão de inteiro teor do registro imobiliário do imóvel-mãe, tratando-se de um imóvel urbano de área superior a 3.500m², adquirido pelo primeiro requerido e pela autora em registrado em 26.07.2006; bem como da averbação do desmembramento feita pelo primeiro requerido em 07.02.2013, referente a uma área de 314m².
Consta ainda do mesmo documento quatro outras averbações referentes à penhora do imóvel desmembrado relativas às Ações Civis Pùblicas do Ministério Público (547-58.2009.8.10.0038, 246-77.2010.8.10.0038, 388-18.2009.8.10.0038), e uma ação de execução fiscal da União nº 538-91.2012.8.10.0038.
Com vistas, o MP ofereceu parecer pela improcedência da demanda sob a alegação de que o patrimonio familiar não fora colocado em risco e permaneceu sob o domínio da família.
CONSIDERANDO OS EFEITOS DE EVENTUAL SENTENÇA NOS PRESENTES AUTOS EM RELAÇÃO À UNIÃO (através da Procuradoria da Fazenda Nacional) EM FACE DA penhora realizada sobre a área desmembrada nos autos da  execução fiscal da União nº 538-91.2012.8.10.0038, determinei a intimação da União para querendo manifestar-se nos autos no prazo de 10 dias.
A União, através da PFN, disse que como não era parte, não tinha interesse no feito!
Vieram os autos conclusos.
É O RELATÓRIO. DECIDO.
O cerne da questão é saber se a ausência de outorga uxória é causa suficiente para anulação de um desmembramento da matrícula de um imóvel quando esse imóvel não chega a sair do patrimônio da família.
O Código Civil de 2002 determina a necessidade de outorga conjugal (anuência do cônjuge) para a validade de determinados atos e negócios jurídicos, restando como anulável o ato que a outorga faltar e não for suprida judicialmente.
A outorga conjugal existe no ordenamento jurídico com a finalidade de controle patrimonial, isto é, a fim de evitar prejuízo pela disposição imobiliária por um dos cônjuges ao outro que não é titular do bem. Tal preocupação se dá considerando que em eventual dissolução da sociedade conjugal, terá que ser preservada a meação do cônjuge.
Assim, dispõe o artigo 1.647 do Código Civil de 2002:
Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I - alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
II - pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos;
III - prestar fiança ou aval;
IV - fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.
Parágrafo único. São válidas as doações nupciais feitas aos filhos quando casarem ou estabelecerem economia separada.
Da leitura do artigo anterior é possível notar que a regra não aplica a todos os regimes de bens. Isto é, a outorga conjugal é dispensada nos casos de separação total de bens (convencional ou legal, já que a lei não distingue), e também no regime da participação final nos aquestos, quanto aos bens particulares, desde que haja pacto antenupcial neste sentido (art. 1.656 CC).
Tal fato reforça a idéia de que a outurga uxória somente tem lugar para fins de evitar um prejuízo patrimonial ao cônjuge inocente com benefício exclusivo para o cônjuge alienante, tudo visando à harmonia e segurança da vida conjugal e a preservação do patrimônio.
É certo que a ausência da outorga uxória nos casos de alienação ou dação do bem imóvel do casal para ser gravado de ônus real tem como consequência a anulabilidade do negócio jurídico. (CC, art. 1649):

Art. 1.649. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária ( art. 1.647 ), tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal.
Parágrafo único. A aprovação torna válido o ato, desde que feita por instrumento público, ou particular, autenticado.

Se é verdade que a esposa que não consentiu com o desmembramento do imóvel em outro ajuizou a presente ação dentro do prazo decadencial de 2 anos, chama a atenção o fato de ambos ainda materem sociedade conjugal e o imóvel desmembrado ter sido penhorado para pagamento de dívidas do casal.
Sucede que, como bem pontuado pelo representante ministerial, o desmebramento do imóvel maior não pode ser carcterizado tecnicamente como uma alienação.
Alienação de bens é a transferência de domínio de bens de um indivíduo para terceiros.
No caso dos autos, houve um desmembramento, mas tanto o imovel-mãe quanto o imóvel desmembrado permaneceram no nome do réu ADÃO NASCIMENTO CARVALHO (id. 48754443 e id. 13786930).
Assim, o patrimonio familiar não foi posto em risco por qualquer ato.
Importante destacar que a resente ação somente fora ajuizada pela esposa depois de 4 anos do desmebramento, que teve como consequencia a retirada da qualidade de bem de família do imóvel questionado, já que passaram a existir dois imóveis, e posteriormente um deles sofreu penhoras em ações civis de improbidade administrativa propostas pelo MP e ação de execução fiscal proposta pela PFN, todas contra a pessoa de ADÃO NASCIMENTO CARVALHO, ex-presidente da Câmara municipal.
Resta evidente, portanto, o abuso do direito da autora de agora vir a juízo alegar anulação do negócio jurídico, pois este, por si só, não lhe causou diminuição patrimonial, não se podendo falar, tecnicamente, em alienação.
Portanto, o uso da presente ação é abusivo e visa, em verdade,  frustrar as ações Ações Civis Públicas do Ministério Público (547-58.2009.8.10.0038, 246-77.2010.8.10.0038, 388-18.2009.8.10.0038), e uma ação de execução fiscal da União nº 538-91.2012.8.10.0038, todas garantidas por penhora (id. 13786930).
Com tal conduta não pode compactuar o Poder Judiciário.

DISPOSITIVO
ANTE O EXPOSTO, JULGO IMPROCEDENTE a presente ação.
Condeno a autora em custas e despesas processuais
Condeno, ainda, o requerido em custas e despesas processuais.
Certifique-se o teor da presente sentença nas Ações Civis Públicas do Ministério Público (547-58.2009.8.10.0038, 246-77.2010.8.10.0038, 388-18.2009.8.10.0038), e uma ação de execução fiscal da União nº 538-91.2012.8.10.0038, bem como eventuais embargos de terceiros propostos pela autora nas ações acima identificadas.
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P. R. I.
João Lisboa, 16 de março de 2020.

 


Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa