quinta-feira, 23 de junho de 2011

SENTENÇA CONDENATÓRIA ESTUPRO. ULTRATIVIDADE DA NORMA REVOGADA



Processo n.º 904/2007

Autor: Ministério Público Estadual

Réu: JOÃO DOS REIS GOMES MACIEL



S E N T E N Ç A




I- RELATÓRIO



O Ministério Público Estadual, através de seu representante legal, no uso de suas atribuições legais e constitucionais, ofereceu denúncia em face de JOÃO DOS REIS GOMES MACIEL, qualificados às fls. 02, como incurso nas sanções do art. 213, caput c/c art. 224, a, c/c art. 71, todos do Código Penal Brasileiro, com arrimo nos fatos que seguem.

Consta do procedimento apuratório policial incluso que João dos santos Gomes Maciel, alcunhado de “João da Almerinda”, ora denunciado, cometeu estupro, com violência presumida, contra a vítima Ana Catarine Lima de Brito, de 11 anos de idade (nascida em 20.02.1996), por quatro vezes, desde o final do ano de 2006 até o mês de junho de 2007, na residência doa acusado, localizada na Rua Bonfim Teixeira, nº  1953, Centro, nesta cidade.


O acusado passou a oferecer valores monetários à vítima , variando entre um e dez reais, em troca de favores sexuais. Inicialmente restringia-se às carícias, atentado violento ao pudor, com penetração de seu dedo na vagina da ofendida, chegando até a conjunção carnal.





A denúncia foi recebida no dia 29.08.2007, fls. 42.



O acusado foi devidamente citado às fls. 68, sendo qualificado e interrogado às fls. 79-81, oportunidade em que negou a prática dos fatos narrados na denúncia.



A defesa prévia foi apresentada às fls. 82-84, com rol de testemunhas.



Foram ouvidas quatro testemunhas arroladas pelo Ministério Público (fls. 108-113)  e três pela defesa às fls. 120-122.



Ao fim da instrução a defesa requereu como diligências a formação de uma equipe multidisciplinar com o fito de avaliar a veracidade das declarações da vítima por se tratar de uma criança, bem como a oitiva do perito para que o mesmo confirmasse a época em que se deu o desvirginamento da vítima. Tais requerimentos foram indeferidos às fls. 118-119, por mostrarem-se desnecessários tendo em vista as demais provas colacionadas aos autos. O ministério público nada requereu.



O Ministério Público Estadual apresentou alegações escritas às fls. 4123-129, pugnando pela procedência da pretensão acusatória, com a conseqüente condenação do réu, nas sanções do art. 213 c/c art. 224, alínea a, c/c art. 71, todos do Código Penal Brasileiro, por entender que o conjunto probatório produzido não deixa dúvidas acerca da materialidade do delito, bem como de sua autoria, que, segundo ele, irrefragavelmente recai sobre o réu.



A defesa, por seu turno, em alegações finais requereu em preliminar nulidade do processo em face do interrogatório não ter obedecido ao novo rito estabelecido na Lei nº 11719/08; cerceamento de defesa face ao indeferimento da formação da equipe multidisciplinar anteriormente referida; no mérito, sustentou que o exame pericial não foi conclusivo quanto à atribuição da autoria do delito ao réu, de forma que o mesmo é nulo e não há provas suficientes nos autos para a condenação; por fim sustentou a inconstitucionalidade da norma insculpida no art. 224 do CPB, de forma que não se pode falar de presunção de violência uma vez que a responsabilidade penal é subjetiva.





 É o relatório, passo a decidir.



II - FUNDAMENTAÇÃO.



II.1. DAS PRELIMINARES

II.1.1. Da nulidade do interrogatório por ofensa ao novo rito estatuído pela Lei nº 11719/08

Sustenta o réu nulidade do processo uma vez que seu interrogatório fora feito no início da instrução e não após a oitiva das testemunhas como preconiza o art. 400 do CPP, com a redação dada pela Lei nº 11719/08.



Sem razão o demandado.



Com efeito verifico que o interrogatório do acusado deu-se no dia 11.08.2008, ou seja, dentro do período de vacatio legis da Lei nº 11.719/08, já que o artigo 2.º dessa lei estabeleceu 60 dias de vacatio legis. Assim, as modificações trazidas pela Lei somente passaram a ser aplicadas depois de decorrido o prazo de 60 dias,contados da publicação, que se deu no dia 23.06.2008.



Portanto, aplicando-se as regras previstas no § 1º, do artigo 8º, da Lei Complementar n.º95/98, a vigência da nova lei se deu em 22 de agosto de 2008. (Art. 8º, § 1º: “A contagem do prazo para entrada em vigor das leis que estabeleçam período de vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subseqüente à sua consumação integral”).



Sendo assim, afasto a preliminar argüida.



 II.1.2. DA NULIDADE DO PROCESSO POR CERCEAMENTO DE DEFESA



Suscita o réu, ainda, a nulidade do processo por cerceamento de defesa uma vez que teve indeferido o pedido de diligências no sentido de que fosse formada uma equipe de profissionais da psicologia e psiquiatria infantis a fim de que pudesse bem avaliar o grau de veracidade das palavras ditas pela menor suposta vítima, tendo em vista que é comum nas crianças a criança de mundos imaginários, enfim, mentir por mentir.



Sem razão.



A diligência solicitada já fora indeferida às fls. 118-119, fundamentos aos quais me reporto para afastar a preliminar, acrescentando que o conjunto probatório tem como destinatário o juiz e o cotejo da prova impugnada com as demais são suficientes para o meu convencimento. O fato de a vítima ser menor não retira a credibilidade de suas declarações pois a infante, apesar de sua imaturidade, a princípio, não mente e não atribuiria imotivadamente a alguém crime tão grave e nefasto.



Afasto a preliminar.



II.1.3. DA AUSÊNCIA DA PROVA DA MATERIALIDADE





Trata-se de questão de mérito que será analisada no momento oportuno.



Afasto a preliminar.



II.1.4. DA NÃO RECEPÇÃO DA PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA DESCRITA NA NORMA DO ART. 224 DO CPB.



Sustenta o réu ainda a inconstitucionalidade do art. 224 do CPB, tendo em vista que haveria ofensa à regra da responsabilidade penal subjetiva.



Sem razão.



Em que pese o precedente do STJ citado, o STF entendeu constitucional a presunção (HC 93 263/RS, Rel. Min. Carmen Lucia DJ 10.04.2008), fato que levou o STJ a rever seu anterior posicionamento se curvando à orientação do STF.



Além disso, entendo que a incapacidade de consentir da vítima menor de 14 anos, substitui a violência real constante do artigo 213, do Código Penal e isso, não tem nada a ver com a presunção de culpa, não devendo, destarte, ser considerado inconstitucional o artigo 224, alínea "a", do Código Penal.



Nesse sentido colaciono vários precedentes:



STJ-048664) HABEAS CORPUS. ESTUPRO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. NATUREZA ABSOLUTA. EXISTÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL E DE MAIS DE UMA RELAÇÃO SEXUAL. INVIABILIDADE DA ANÁLISE NA VIA ELEITA. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. IMPOSSIBILIDADE DE ESTIPULAÇÃO DA PENA ABAIXO DO MÍNIMO LEGAL. SÚMULA 231/STJ. REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. DELITO PRATICADO ANTES DA LEI 11.464/07. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. A presunção de violência prevista no art. 224, a, do Código Penal, tem natureza absoluta, entendendo-se, por conseguinte, que o consentimento da vítima é irrelevante para a caracterização do delito, tendo em conta a incapacidade volitiva da pessoa menor de catorze anos de consentir na prática do ato sexual. Precedentes.

(...)

(Habeas Corpus nº 77018/SC (2007/0031575-0), 5ª Turma do STJ, Rel. Arnaldo Esteves Lima. j. 17.04.2008, unânime, DJ 16.06.2008).







STJ-044021) HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO. VIOLÊNCIA PRESUMIDA. INDEFERIMENTO DE OITIVA NOVAS TESTEMUNHAS NA FASE DO ART. 499 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. FACULDADE DO JUÍZO. DESNECESSIDADE DA PROVA. CERCEAMENTO DE DEFESA. INEXISTÊNCIA. CRIME HEDIONDO. PROGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL POSSIBILIDADE.

(...)

3. A presunção de violência prevista no art. 224, "a", do Código Penal, tem caráter absoluto, afigurando-se como instrumento legal de proteção à liberdade sexual da menor de quatorze anos, em face de sua incapacidade volitiva, sendo irrelevante o consentimento da menor para a formação do tipo penal do estupro.

(...)

(Habeas Corpus nº 79756/SP (2007/0065900-6), 5ª Turma do STJ, Rel. Laurita Vaz. j. 14.06.2007, unânime, DJ 06.08.20





TJES-001995) APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 214 C/C ART. 224, ALÍNEA "A", NA FORMA DO ART. 71, TODOS DO CÓDIGO PENAL. 1. PRELIMINAR DE NULIDADE. DECADÊNCIA DO DIREITO DE REPRESENTAÇÃO. REJEITADA. 2. PRELIMINAR DE NULIDADE. AUSÊNCIA DE ATESTADO DE POBREZA DA VÍTIMA. REJEITADA. ART. 225, § 1º, INCISO I DO CÓDIGO PENAL. 3. PRELIMINAR DE NULIDADE. CERCEAMENTO DE DEFESA. REJEITADA. 4. MÉRITO. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 5. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 224, ALÍNEA "A" DO CÓDIGO PENAL. INOCORRÊNCIA. 6. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE CORRUPÇÃO DE MENORES. IMPOSSIBILIDADE. 7. REALIZAÇÃO DE ACAREAÇÃO ENTRE TESTEMUNHA E VÍTIMA. PROCEDIMENTO DESNECESSÁRIO PARA ELUCIDAÇÃO DOS FATOS. 8. REDUÇÃO DA PENA. IMPOSSIBILIDADE. 9. ALTERAÇÃO DO REGIME DE CUMPRIMENTO DE PENA. POSSIBILIDADE. FIXAÇÃO DO REGIME INICIALMENTE FECHADO. POSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO. 10. LIBERDADE PROVISÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. 11. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. UNANIMIDADE.

(...)

5. Não merece amparo a tese defensiva acerca da inconstitucionalidade da presunção de violência por idade, estando o art. 224, alínea "a" do CP ainda válido e capaz de gerar efeitos em nosso ordenamento jurídico.

(...)

(Apelação Criminal nº 001.05.002244-9, 1ª Câmara Criminal do TJES, Rel. Alemer Ferraz Moulin. j. 24.01.2007, unânime, Publ. 07.02.2007).





TJGO-009020) APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGO 224, ALÍNEA "A", DO CÓDIGO PENAL. CONSTITUCIONALIDADE. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA. IRRELEVÂNCIA DO CONSENTIMENTO DA VÍTIMA. APLICAÇÃO DE PENA EM GRAU ELEVADO. IMPOSSIBILIDADE. CONFISSÃO ESPONTÂNEA. APLICABILIDADE. VEDAÇÃO DA PROGRESSÃO DE REGIME. INCONSTITUCIONALIDADE.

1 - A incapacidade absoluta de consentir da vítima menor de 14 anos, substitui a violência real constante do artigo 213, do Código Penal e isso, não tem nada a ver com a presunção de culpa, não devendo, destarte, ser considerado inconstitucional o artigo 224, alínea "a", do Código Penal.

2 - Hodiernamente, os julgados estão admitindo que a presunção de violência é absoluta e não relativa, sendo, portanto, irrelevante o consentimento da vítima menor.

(...)

(Apelação Criminal nº 30307-9/213, 2ª Câmara Criminal do TJGO, Rel. Paulo Teles. unânime, DJ 10.07.2007).





TJMT-001102) RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL - ESTUPRO COM VIOLÊNCIA PRESUMIDA - SENTENÇA CONDENATÓRIA - IRRESIGNAÇÃO DA DEFESA - ALEGAÇÃO DE PRESUNÇÃO RELATIVA EM RAZÃO DO CONSENTIMENTO DA VÍTIMA - IMPROCEDÊNCIA - IRRELEVÂNCIA DO CONSENTIMENTO - CARÁTER ABSOLUTO DA PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA COMETIDA CONTRA VÍTIMA MENOR DE 14 (CATORZE) ANOS - ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS - INOCORRÊNCIA - DECISÃO DO STJ RESPEITANDO DECISÃO PROFERIDA PELO PRETÓRIO EXCELSO QUE AFASTOU A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 224, ALÍNEA "A", DO CP - ALEGAÇÃO DE ESTAR A LEGISLAÇÃO PENAL DEFASADA - IMPROCEDÊNCIA - DISCUSSÃO ATUAL - JURISPRUDÊNCIA ATUALIZANDO O ENTENDIMENTO - RECURSO IMPROVIDO - DECISÃO UNÂNIME.

Irrelevante é o consentimento da vítima, menor de 14 (catorze) anos, com a relação sexual, em razão de não possuir o discernimento necessário para anuir com tal ato e não possuir esclarecimento quanto às conseqüências que a prática pode acarretar, sendo a presunção de violência absoluta. Não subsiste a alegação de ofensa do artigo 224, alínea "a", do Código Penal, aos princípios constitucionais da presunção de inocência, da culpabilidade, do contraditório e do in dubio pro reo, em razão de decisão do Superior Tribunal de Justiça respeitando decisão proferida pelo pretório excelso, que afastou a inconstitucionalidade do referido dispositivo. Embora seja a legislação penal brasileira do ano de 1940, a alegação de sua defasagem não encontra guarida em relação ao tema vergastado pelo presente recurso, posto que, além de ser atual, a jurisprudência tem por fim atualizar o entendimento, o qual vem se pacificando no sentido de ser a presunção absoluta, mesmo quando exista o consentimento da vítima.

(Recurso de Apelação Criminal nº 77335/2006, 3ª Câmara Criminal do TJMT, Rel. Cirio Miotto. j. 05.03.2007, unânime).





Portanto, o dispositivo impugnado sempre foi tido como válido e eficaz, livre de qualquer pecha de inconstitucionalidade.



Por outro lado, com o advento da Lei nº 12015/09, o mesmo fora expressamente revogado. Entendemos não ter ocorrido a abolitio criminis. O tipo penal do estupro contra menores de 14 anos foi incorporado a outro artigo (art. 217-A). Tivemos o que Luiz Flávio Gomes chama de continuidade normativa-típica. O que era proibido continua proibido na nova lei. Não há que se falar em abolitio criminis nessa hipótese.


Estupro de vulnerável 

Art. 217-A.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: 

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. 

§ 1o  Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. 



        

Da Imputação Inicial.



Ao réu JOÃO DOS REIS GOMES MACIEL foi imputada a prática do crime previsto no art. 213 c/c art. 224, a, c/c art. 71 do Código Penal Brasileiro.



Legalmente e doutrinariamente, infere-se que pela teoria finalista da ação, crime é toda ação ou omissão típica, ilícita e culpável.



Nestas condições, e considerando os elementos de cognição existente nos autos, passo a apreciar a conduta imputada ao aludido réu.



Tipicidade.



Esta cuida da adequação de um fato cometido à conduta descrita na lei penal.

A materialidade está comprovada com o lastro probatório coligido aos autos, ou seja, as provas testemunhais, o Auto de Exame de Corpo de Delito de fls. 13 e 13-v e o depoimento da vítima, que em crimes dessa natureza, normalmente cometido às escondidas, a palavra da vítima tem um peso fundamental para elucidar a verdade.

As testemunhas ouvidas em Juízo apresentaram uma versão uniforme e que se complementam, corroborando as demais provas produzidas em fase inquisitiva. Vejamos.



(...) que sempre o acusado lhe dava moedas, que um dia o acusado lhe falou que queria transar com a depoente e que lhe daria R$ 10,00; (...) que a depoente aceitou e teve relação sexual na própria casa do acusado no período da tarde; que tal fato ocorreu entre 13:00h e 14:00h; que foi a primeira vez que a depoente teve relação sexual; que por quatro vezes teve relações com o acusado; que o acusado sempre falava para a depoente não contar para sua mãe sobre o ocorrido; que sempre o acusado dava dinheiro para a depoente (...) que quando encontrava-se tirando côco no quintal da casa de sua avó, momento em que o acusado jogou moedas para a depoente, e a tia da depoente presenciou o fato(...) que a primeira relação sexual foi no banheiro que fica no quintal do acusado e que as outras se deram no quarto do acusado e as demais no banheiro    (...) (declarações da vítima, fls. 108-109).



(...) que após saber do fato conversou com a sua filha até que a mesma confirmou todo o fato acontecido (...) que a vítima informou à depoente que o Radion após vê o acusado e a vítima ter relações sexuais, o radion ofereceu à vítima dinheiro para ter relação sexual com o mesmo mas a menor não aceitou(...) que a menor descreveu o ato sexual para a depoente que afirmou que tirou a calcinha que nas primeiras vezes o acusado introduziu o dedo e nas demais foi com o pênis  (...) (depoimento de ANA LÚCIA LIMA, FLS. 110-111)



Que chamou que estava desconfiada do relacionamento entre o acusado e a vítima, pois observou os dois conversando no quintal; que então a depoente falou que iria observar os dois; que quando chegou do serviço ficou no quarto e viu quando o acusado jogou duas moedas cada uma no valor de R$ 0,50, próximo ao bueiro que separa os dois quintais; que quando o acusado viu a depoente saiu correndo para o interior da residência(...) (depoimento de MARIA DO SOCORRO LIMA, fls. 112)



Que o depoente estava no seu estabelecimento trabalhando, local em que dá para observar o banheiro da casa do acusado, que viu quando a vítima entrou no banheiro, observando as pernas e a cabeça, pois trata-se de um banheiro de tábua, que no local foi colocado uma toalha vermelha; que viu quando a garota saiu do banheiro e observou que a outra pessoa permaneceu no banheiro, que então o depoente perguntou para a vizinha, que se chama Mariana, quem era a menina e a vizinha respondeu que era a filha da Helena (avó da menina); que então o depoente perguntou quem era o rapaz que estava no banheiro e a vizinha respondeu que era o João Velho (...) que aproximadamente 20 dias depois de ter presenciado o fato, viu o acusado entregando à vítima alguma coisa, que não sabe informar se era dinheiro(...) (depoimento de RADION MARINHO, fl. 113)



Assim, pelos depoimentos das testemunhas não resta dúvida acerca do cometimento do delito pelo qual o acusado foi denunciado, principalmente, porque o depoimento da vítima assume maior relevância por estar em consonância com as demais provas dos autos. Segue jurisprudência a respeito do tema:



T J S C: “.....Em tema de crimes contra os costumes, que geralmente ocorrem às escondidas, as declarações da vítima constituem prova de grande importância, bastando por si só para alicerçar o decreto condenatório, mormente se tais declarações mostram-se plausíveis, coerentes e equilibradas, e com o apoio em indícios e circunstâncias recolhidas  no processo “(JTAC 76 / 63)

                                    

TJRS: “Estupro. Importância  da palavra da vítima como meio de prova. Em delitos dessa natureza, cometidos na clandestinidade, não havendo qualquer indício de que a imputação seja criação mental movida por interesses escusos, a palavra da ofendida, coerente com outros elementos colhidos nos autos, autoriza a condenação, máxima quando o réu invocou álibis contraditório e não provou nenhum” (RJTJERGS 181 / 147).

             

“Nos crimes desta natureza prevista no Art. 213 do Código Penal, a prova resulta das declarações da vítima, prestadas de forma verossímil notadamente quando confirmadas pelos demais elementos existentes nos autos”. ( 3º CC do TJ – SP no cap. 18-015, Ver dos Tribunais 170 / 191).



TJSC-037710) CRIME CONTRA A LIBERDADE SEXUAL - ESTUPRO COM PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA (ART. 213 C/C ART. 224, "A", DO CÓDIGO PENAL).
Acusado que, aproveitando-se da pequena vítima, à época com 11 anos, mas com idade mental entre 08 e 09 anos, para ganhar sua confiança, presenteia-lhe com cartões telefônicos e dinheiro, permitindo, assim, sua aproximação e consumação do coito, em três oportunidades. Declarações seguras e coerentes da ofendida, corroboradas por outros testemunhos. Prova suficiente para dar suporte ao decreto condenatório. Nos crimes contra os costumes, geralmente cometidos na clandestinidade, os depoimentos testemunhais das vítimas, quando claros, coerentes e harmônicos, com apoio nos autos, são bastante para embasar o decreto condenatório.
Substituição da reprimenda corporal por restritiva de direitos. Impedimento legal à concessão da benesse haja vista o montante de pena aplicado. Dicção do artigo 44 do Estatuto Repressivo. Regime de cumprimento de pena integralmente fechado. Declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/900 em decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal. Edição, ademais, da Lei nº 11.464/2007, alteradora da Lei 8.072/90, que expressamente conferiu a possibilidade de progressão de regime aos crimes hediondos ou equiparados. Aumento do período de cumprimento de pena para concessão da benesse, todavia, inaplicável aos fatos típicos ocorridos anteriormente à sua vigência. Extirpação da vedação operada no decisum. Recurso parcialmente provido.
(Apelação Criminal nº 2005.012113-4, 1ª Câmara Criminal do TJSC, Rel. Túlio Pinheiro. unânime, DJ 05.06.2007).



Dessa forma, a autoria restou indene de dúvidas, a despeito de o réu não ter confessado a prática delitiva, também o seu depoimento leva a crer que o fato denunciado ocorreu na forma narrada por vítima e testemunhas, já que afirma que estava no local e horário, juntamente com a vítima, ao ser avistado pelas testemunhas. Além disso, houve confissão parcial dos fatos no seu interrogatório policial.



Quanto a tese defensiva, de ausência de provas suficientes para a condenação, aquela restou devidamente afastada pelo que já se demonstrou da análise e valoração probatória.





A conduta do acusado se coaduna, perfeitamente, com o preceito apresentado na denúncia, vez que as provas dão conta da consumação do delito, que fora praticado nas mesmas circuntâncias de tempo, lugar e maneira de execução, ou seja, no período compreendido entre o fim do ano de 2006 e meados do ano de 2007, sempre na casa do réu e mediante o oferecimento de dinheiro para obter o “consentimento” da vítima, restando ainda provados pelas declarações da vítima que ocorreram pelo menos quatro encontros libidinosos.



Por todas as considerações acima, não se pode aplicar o princípio in dubio pro reo, já que pelo lastro probatório coligido aos autos não resta qualquer dúvida, seja quanto à autoria ou quanto à materialidade delitiva.



Antijuridicidade ou Ilicitude.



Esta cuida da relação de contrariedade entre o fato típico e o ordenamento jurídico pátrio, sendo que na hipótese em análise não ocorreu qualquer causa de exclusão da ilicitude em favor do réu.



Culpabilidade.



Para a teoria finalista da ação citada, a culpabilidade é composta pela imputabilidade, exigibilidade de conduta diversa e potencial consciência da ilicitude do fato.



No caso em comento, o réu à época dos fatos já era maior de idade, portanto, imputável, por suas condições pessoais tinha plenas condições de saber da ilicitude do fato, bem como podia agir de conformidade com o ordenamento jurídico.



DA ULTRATIVIDADE DA NORMA REVOGADA



Tendo em vista que houve expressa revogação do art. 224 do CPB com o advento da Lei nº 12015/09, que criou a figura típica do estupro de vulnerável no art. 217-A do CPB, sem que, todavia, tenha ocorrido abolitio criminis conforme fundamentação retro, entendo que o caso é de se reconhecer a ultratividade da referida norma para alcançar os atos perpetrados durante a sua vigência, uma vez que, considerando que a nova lei não pode retroagir em prejuízo do réu e que houve sensível aumento da pena imposta ao chamado estupro de vulneráveis, aplico, excepcionalmente o preceito do art. 224, alínea a do CPB, por ser mais favorável ao acusado, combinando-o com o art. 213, caput e art. 71, todos do CPB.



III – DISPOSITIVO.



Por todo o exposto, julgo procedente a denúncia, para condenar o réu JOÃO DOS REIS GOMES MACIEL, nas sanções do art. 213 c/c art. 224, a,  na forma do art. 71, todos do Código Penal Brasileiro.

Passo à fixação das penas cabíveis na espécie.



FIXAÇÃO DA PENA-BASE – Art. 59 do CPB.



Em análise da culpabilidade, concluo que o resultado estava dentro da esfera de previsibilidade do réu, sendo pessoa imputável e que poderia apresentar conduta diversa.



Sobre os antecedentes, não existe registro de outra condenação, portanto, o réu é portador de bons antecedentes.



A conduta social é boa.



A sua personalidade não revela tendência enfermiça, denunciado pelo ato que praticou.

Os motivos do crime foram reprováveis, eis que só pensou na satisfação da própria libido.



As circunstâncias do crime não são favoráveis ao réu.



As conseqüências do crime são normais para o crime em espécie.



Sobre o comportamento da vítima, não contribuiu para o evento delituoso.



Diante da análise supra, em sendo as condições judiciais favoráveis, fixo a pena-base em 06 (seis) anos de reclusão.



ATENUANTES E AGRAVANTES.



Vislumbro as atenuantes da confissão, porém, deixo de reduzir a pena tendo em vista que fora fixada no mínimo legal (Súmula nº 231 do STJ).



Não existem circunstâncias agravantes.



CAUSAS DE DIMINUIÇÃO OU DE AUMENTO DE PENA.



Não existem causas de redução de pena.



Vislumbro a causa de aumento derivada do reconhecimento da continuidade delitiva, motivo pelo qual aumento a pena em 1/6, e a torno definitiva em 07 (sete) anos de reclusão.



Para regime de cumprimento pena privativa de liberdade acima aplicada fixo o regime inicialmente fechado, nos termos do que determina a Lei 8.072/90.



Incabível, na espécie, o sursis ou a substituição por pena restritiva de direitos, nos termos do art. 44 do CPB, diante do quantum da pena aplicada.



A pena de reclusão deverá ser cumprida no Complexo Penitenciário de Pedrinhas deste Estado.



De outra banda, DECRETO A PRISÃO PREVENTIVA do acusado JOÃO DOS REIS GOMES MACIEL, em tributo à ordem pública, tendo em vista a ação daninha que condutas como a sua tem causado junto aos lares de milhares de famílias que sofrem com filhos menores que sofreram tramas oriundos de violência sexual irreversíveis que levarão pelo resto da vida. Ademais trata-se de crime hediondo cuja natureza demanda maiores cautelas por parte do Estado, necessitando de resposta imediata do Estado.

Expeça-se mandado de prisão.

Condeno o réu, ainda, em custas e despesas processuais.



Transitada em julgado a sentença:



1) Seja lançado o nome dos réus no rol dos culpados nos termos do art. 393, II do CPP, bem como providenciar o registro no rol dos antecedentes criminais.

2) Oficie-se à Justiça Eleitoral em atenção ao art. 15, III da Constituição Federal;

3) Expeça-se guia de execução definitiva, encaminhando-a a vara de Execuções Penais de São Luís/MA, para acompanhamento.



P.R.I.



Amarante do Maranhão/MA, 03 de fevereiro de 2010.







Glender Malheiros Guimarães

Juiz de Direito Titular