sábado, 28 de maio de 2011

LIMINAR INTERDITA PARCIALMENTE DELEGACIA DE AMARANTE

Diante de uma série de interdições de cadeias públicas e delegacias da região tocantina, pretendia a Secretaria de Segurança transferir presos de outras comarcas para a delegacia de Amarante fato que tornaria ainda mais caótica a situação dos encarcerados nessa delegacia, motivo pelo qual deferi liminar em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público obrigando o Estado do Maranhão a abster-se de assim proceder. Segue abaixo o inteiro teor da decisão.



Processo n.°383/2011

 


DECISÃO


                                              
Cuida-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA C/C PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA, ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL em desfavor do ESTADO DO MARANHÃO e SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO ESTADO, todos devidamente qualificados nos autos.
Aduz a exordial, em suma, que é fato notório a situação caótica vivida pelos estabelecimentos prisionais do Estado do Maranhão, situação agravada com as recentes interdições das delegacias de polícia da região tocantina, onde a precarização dos estabelecimentos prisionais evoluiu diante da flagrante inércia do Poder Público de construir estabelecimentos prisionais destinados ao recebimento de presos fato que acaba desviando a função da polícia civil que deixa de trabalhar como polícia judiciária e passa a trabalhar como agentes penitenciários.
Acresce que as últimas interdições de delegacias da região geram grande apreensão uma vez que já há notícias oficiosas de que a Secretaria de Segurança buscando soluções – sempre paliativas e sem enfretamento do cerne do problema – está na iminência de remanejar presos de outras comarcas para a Delegacia Local o que geraria grande conturbação local, especialmente por se tratar de mera cadeia pública, com 04 (celas), e capacidade física já superada pela população carcerária local, além de contar com problemas sanitários na fossa séptica, ausência de condições de segurança mínima uma vez que na última fuga foi serrada uma grade do “gaiolão” destinado ao banho de sol, situação que não foi alvo de qualquer reparo, problemas de abastecimento de água, falta de efetivo policial e ausência de carcereiro habilitado para a atividade que deve ser desenvolvida em uma carceragem.
Acrescenta que a DEPOL local não possui condições mínimas para o recebimento de presos de outras comarcas haja vista que já recebe detentos do Município de Amarante, terceiro maior município do Estado em extensão territorial com mais de 40 mil habitantes e Buritirana/MA termo judiciário desta comarca com população de mais de 15 mil habitantes.
Prossegue requerendo a interdição apenas parcial da delegacia com o fim de evitar maiores transtornos diante da distância desta cidade em relação á cidade pólo de Imperatriz/MA, uma vez que a cidade de Amarante precisa se auto-sustentar diante de suas próprias limitações.
Diante disso e considerando que, em razão desse cenário, diversos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais restam aviltados pelo Estado réu, o qual ainda queda-se omisso perante as péssimas condições em que se encontra a Delegacia de Polícia de Amarante do Maranhão, requesta a representante do Parquet que este juízo, antecipe os efeitos da tutela, para determinar a imediata interdição parcial da Delegacia de Polícia deste Município, no tocante às carceragens ali existentes, conforme permite o art. 66, inciso VIII, da LEP, com o fim de determinar que o requerido se abstenha de recambiar presos provisórios ou definitivos de outras comarcas para a Cadeia Pública da Delegacia de Amarante do Maranhão

Por fim, pugnou-se pela fixação de multa diária, no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), para o caso de descumprimento dos pedidos supra sintetizados.

Os autos foram conclusos para apreciação.

É o relatório. DECIDO.

DA LIMINAR PLEITEADA

                        Para a concessão da liminar faz-se imprescindível à presença de requisitos previsto em lei, quais sejam, a prova inequívoca que conduza à verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou o abuso do direito de defesa. Necessário, ainda, que não haja perigo de irreversibilidade da medida, consoante previsão do art. 273 do Código de Processo Civil.
                        Tendo em vista que a medida acaba por suprimir, de início, o contraditório, deve restar devidamente claro ao magistrado o preenchimento das exigências legais, o que demanda parcimônia e equilíbrio na análise do feito, sob pena de banalização da medida.

                        No tocante ao requisito da relevância do fundamento da demanda, deve ser entendido como a existência de prova inequívoca, capaz de convencer o juízo da verossimilhança da alegação contida no pedido, ou seja, suficiente para fazer o magistrado chegar à conclusão de que as afirmações expostas na petição inicial provavelmente correspondem à realidade.

Por relevância do fundamento da demanda, temos que exista prova inequívoca, capaz de convencer o juízo da verossimilhança da alegação contida no pedido. Ressalte-se, contudo, que a locução prova inequívoca não pode ser interpretada de forma rigorosa e absoluta, o que será necessário apenas na fase do provimento judicial final (sentença), mas sim como a prova suficiente a convencer o juiz de que as afirmações expostas na petição inicial são passíveis de corresponder à realidade, hábil a convencer o magistrado da verossimilhança da alegação (Fumaça do Bom Direito).

                        No que tange ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, tal requisito, para que reste configurado, faz-se necessário: a) que seja impossível o retorno ao status quo ante (dano irreparável); b) que, mesmo sendo possível o retorno ao status quo ante, a condição econômica do réu não garanta que isso ocorrerá ou os bens lesados não sejam passíveis de quantificação de maneira a viabilizar a restituição integral dos danos causados, tal como ocorre com as lesões aos direitos da personalidade, v.g, a honra, a integridade moral, o bom nome, entre outros (dano de difícil reparação).

                        No caso em análise verifico que as razões invocadas pela parte autora, são suficientes para concessão de liminar, restando demonstrados os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora.

                        A fumaça do bom direito resta evidenciada diante da obrigação constitucional insculpidas nos art. 1º, III, CF e art. 66, VIII da LEP:


 Art. 1o A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III – a dignidade da pessoa humana;

Art. 66. Compete ao juiz da execução:
(...)
VIII – interditar, no todo ou em parte, estabelecimento penal que estiver funcionando em condições inadequadas ou com infringência aos dispositivos desta Lei;

                        Portanto, resta evidente o mandamento da Carta Maior tanto no que concerne ao deve imposto ao Estado de garantir um mínimo de dignidade a todos os cidadãos, inclusive àqueles que se encontram com a sua liberdade restringida, dever que tem sido posto de lado no atendimento de regras instituídas na LEP quanto ao ambiente carcerário com superlotação, ofensa à saúde dos presos diante da não manutenção da fossa séptica da delegacia local, problemas com abastecimento de água, fragilidade estrutural do prédio da cadeia pública diante da ausência de manutenção e reparos nas grades,

                        O periculum in mora resta evidenciado diante do agravamento da situação já desfavorável com a iminência de chegada de novos presos provisórios e definitivos oriundos de outras comarcas.

Entretanto, entendo que a interdição, ainda que parcial da Delegacia de Polícia desta urbe, quanto à totalidade da ala carcerária ali existente, certamente prejudicaria a celeridade na instrução de diversas ações penais em trâmite nesta Comarca, merecendo, tal circunstância, a devida análise por este juízo.
Com efeito, o impedimento à custódia total de presos pela Delegacia local implicaria na remoção e relocação de todos os que se encontram aqui ergastulados, incluindo, nesse ponto, os que então sendo demandados nesta Comarca. Tal fato, indubitavelmente, dificultaria o processo de localização e requisição daqueles, eis que os mesmos, uma vez removidos, seriam colocados, inicialmente, sob a custódia da Delegacia Regional de Imperatriz, a qual poderia realocá-los em quaisquer repartições policiais, estejam elas próximas ou não desta Comarca.
Além disso, é irrefutável que a remoção de presos de justiça que se encontram respondendo a processos nesta Comarca e que aqui possuem família constituída, inviabilizaria o contato daqueles com esta última, trazendo, desse modo, danos à comunidade local interessada.
Assim sendo e considerando  que o ponto central que vem prejudicando a qualidade da regular custódia de presos pela Delegacia de Polícia Civil desta cidade se relaciona intimamente ao número de indivíduos que ali se encontram ergastulados, bem como nas precárias condições de salubridade, segurança, infra-estrutura, recursos humanos e sanitárias; bem como diante da iminência de agravamento deste problemas com o recambiamento de presos provisórios e definitivos oriundos de outras comarcas, diante das interdições das delegacias de João Lisboa, Davinópolis e Delegacia Regional e CCPJ de Imperatriz, entendo que a decisão mais sensata e acertada a ser adotada, no presente momento, aponta apenas para a proibição do recebimento na cadeia pública local de presos que aqui não estejam respondendo a processos.
Essa medida, por certo, já contribuirá, e muito, para a melhora da atual conjuntura em que se encontra a unidade policial desta urbe, sendo, desnecessário, ao menos nesta primeira ocasião, a adoção de medida severa, que, consoante foi acima exposto, poderia trazer mais prejuízos que benefícios à população local interessada e à Justiça como um todo.

DA SUPERAÇÃO DA REGRA DO ART. 2º DA LEI Nº 8437/92
Cumpre esclarecer que este juízo não desconhece o disposto no art. 2º da Lei nº8437/92, entretanto, diante da excepcionalidade e urgência da medida, entendo que o caso é de superação da regra para admitir a concessão da liminar inaudita altera partem, postergando o contraditório sob pena de esvaziamento da medida. Em nosso Estado Democrático de Direito reconhece-se de forma inequívoca que há interesses mais valiosos até que os do Estado, os quais encontram-se consignados na Constituição Federal. O primeiro deles é o direito à vida (art. 5°), certamente o mais universalmente reconhecido como sendo indeclinável. Realmente, não se poderia sequer imaginar que algum Magistrado viesse a exigir a prévia audiência, não apreciando imediatamente pedido liminar, quando este disser respeito a indivíduo que não sobreviverá se, por exemplo, não for submetido à internação hospitalar ou procedimento cirúrgico nas próximas horas.
 Entendo, entretanto, que não há motivo para encerrar a lista de exceções apenas com o direito à vida. Afinal, ele é apenas um entre tantos outros direitos que a Constituição reputa fundamentais. No mesmo patamar então os direitos à liberdade (art. 5°), à dignidade (art. 1°, III), à saúde (art. 196), entre outros.
 Nesse sentido colaciono diversos precedentes:
"Agravo de Instrumento. Ação Civil Pública. Ensino Fundamental. Escolas Estaduais. Acesso para Crianças Menores de Sete Anos. Competência do Juizado da Infância e da Juventude. Liminar para Garantia de Vaga. Possibilidade. Legitimidade do Estado. (...) É constitucionalmente ínsita e imanente ao poder jurisdicional a possibilidade de concessão de liminares, seja como antecipação de tutela seja como cautelar, para proteger direitos. (...) Negando o Estado, nas próprias razões de recurso, o direito das crianças, eventual defesa prévia seria protelatória, ficando evidenciado que a falta de audiência antes da liminar não violou o contraditório e a ampla defesa. Agravo improvido". (Agravo de Instrumento nº 70000695064, 1ª Câmara Especial Cível, TJRS, Relator Des. Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, julgado em 30/08/2000)[3]

Ementa: "Eca. Ação Civil Pública. O direito à educação infantil, por sua magnitude, justifica a concessão de liminar, a fim de resguardar a sua qualidade e continuidade. Agravo improvido". Voto da relatora: "De primeiro, calha referir que a prévia audiência do representante da pessoa jurídica de direito público como condição para a concessão de liminar, cautela prevista no art. 2° da Lei n° 8.437/92, aqui não se aplica, tendo em vista que o direito sobre o qual se litiga envolve interesse do menor, que tem absoluta prioridade, nos termos da Constituição Federal e do Estatuto Menorista". (Agravo de Instrumento nº 598034866, 7ª Câmara Cível, TJRS, Relator Desª Maria Berenice Dias, julgado em 01/04/1998)

"Agravo de Instrumento - Ação Civil Pública - Criança - Aquisição de Medicamento Necessário Para Tratamento de Doença Grave - Liminar Concedida Inaudita Altera Parte - Presença dos Pressupostos Fundamentais à sua Concessão - Agravo Improvido.
A presença do fumus boni juris e o evidente perigo da insatisfação do direito, decorrente da gravidade do fato, aliados à premência da medida pleiteada, justificam a concessão da liminar em ação civil pública, sem a audiência prévia do representante judicial da pessoa jurídica". (Agravo de Instrumento 142-1, TJPR, Rel. Des.Tadeu Costa, j. 19/05/1997)[4].
"Processual Civil. Administrativo. Ação Civil Pública. Direitos Individuais Homogêneos. Legitimidade do Ministério Público. Inadequação da Via Processual Eleita. Antecipação dos Efeitos da Tutela Sem Audiência Prévia da União. Nulidade não Caracterizada. Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies). Mp 1827/99 e Posteriores Reedições. Portaria 1386/99 do Ministério da Educação. Exigência de Idoneidade Cadastral. Ilegalidade. Lei 10.260/2001. Fato Novo (Art. 462 Do Cpc). Desconsideração.
(...)
- O fato de a liminar ter sido deferida sem observância da formalidade prevista no art. 2º da Lei nº 8.437/92, não acarreta a nulidade do processo, uma vez que a excepcionalidade do caso justificou o deferimento da liminar sem a prévia manifestação da União Federal. (...)" (Apelação Cível 480788, TRF 4ª Região, 4ª T., Rel. Juiz Eduardo Tonetto Picarelli, j. 21/11/2002, DJU 11/12/2002 pg. 1036)

ANTE O EXPOSTO, DEFIRO PARCIALMENTE O PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA formulado pelo Ministério Público Estadual, o que faço nos termos do art. 273, inciso I, do CPC, para INTERDITAR PARCIALMENTE A DELEGACIA DE POLÍCIA DA CIDADE DE AMARANTE DO MARANHÃO determinando que o ESTADO DO MARANHÃO se ABSTENHA de destinar presos provisórios ou definitivos originários de outras Comarcas para serem custodiados na CADEIA PÚBLICA DA DELEGACIA DE POLÍCIA LOCAL, sob pena de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais)

Intimem-se o MP.

CITE-SE o ESTADO DO MARANHÃO para apresentar contestação no prazo de 60 dias e, no mesmo ato INTIME-SE-LHE  desta decisão, através de carta precatória.

Notifique-se o DD. Secretario de Segurança do Estado do Maranhão e o DELEGADO REGIONAL DE IMPERATRIZ, via fac-símile e precatória, na sede dos respectivos Órgãos situados na Avenida dos Franceses, s.n., Vila Palmeira, São Luís/MA e na cidade de Imperatriz/MA.

CUMPRA-SE.

Amarante do Maranhão/MA, 26 de maio de 2011.


Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular da Comarca de Amarante do Maranhão