segunda-feira, 13 de junho de 2016

SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA. CRIME ELEITORAL. DOMICÍLIO ELEITORAL SENTIMENTAL. ATIPICIDADE.

Proc. 417-68.2012.6.10.0058
Autor: Ministério Público Eleitoral
Réu: AUZIANI CARDOSO FERREIRA

S E N T E N Ç A


I- RELATÓRIO

O Ministério Público Eleitoral, através de seu representante legal, no uso de suas atribuições legais e constitucionais, ofereceu denúncia em face de AUZIANI CARDOSO FERREIRA, qualificados às fls. 02, como incurso nas sanções do art. 289, caput do Código Eleitoral, com arrimo nos fatos que seguem.

Consta dos documentos em anexo que no dia 07.05.2012, pro volta das 14:20h, o denunciado compareceu ao Cartório Eleitoral desta Zona (..) e pleitou de forma fraudulenta a sua inscrição como eleitora de localidade que não reside, ou seja Rua 08, nº 771, bairro Invasão, neta cidade, conforme certidão da lavra do Sr. Oficial de Justiça Antonio Dantas Nobrega, devidamente acostada aos autos.

Conforme apurado, a denunciadoa compareceu ao citado cart´rio eleitoral e requereu a transferência do seu domicilio eleitoral, fazendo, para tanto, apresentar vários documentos e firmar, sob as penas da lei, declaração de que residia nesta cidade de João Lisboa. Ocorre que, após diligências determinadas pelo Sr. Juiz Eleitoral desta Zona, restou demonstrada que, na realidade, a denunciada não reside neste município.



A denúncia foi recebida no dia 30.10.2012, fls. 14, tendo sido designada audiência de sursis processual.
Às fls. 25-26, a ré aceitou as condições do Sursis Processual.
Às fls. 52, foi realizada audiência, via precatória, na Comarca de Senador La Roque, para inicio da execução das condições do Sursis processual, porém a ré não compareceu.
Às fls. 69, realizou-se audiência de justificação para a ré justificar o não cumprimento das condições do benefício, tendo o mesmo sido revogado e a ré citada para apresentação de defesa preliminar.
Às fls. 70, consta certidão indicando que a ré não apresentou defesa, motivo pelo qual às fls. 72 foi-lhe nomeado advogado dativo.
Às fls. 82, a ré constitui advogado, o qual apresentou defesa preliminar Às fls. 86-90, oportunidade em que sustentou violação dos princípios do contraditório e ampla defesa, pois a ré deixou de comparecer à audiência de Senador La Roque por estar doente conforme comprovante de fls. 54-58; que a ré efetuou o pagamento da multa; requer a reconsideração da decisão de revogação do sursis processual. Reservou-se para defesa meritória em sede de alegações finais.
Às fls. 90-v, houve a conformação do recebimento da denúncia e designada audiência de instrução.
Às fls. 116-121, realizou-se audiência de instrução, oportunidade em que tomou-se por termo o depoimento de duas testemunhas de acusação, duas de defesa e por fim, o interrogatório.
Às fls. 126-128, o Ministério Público apresentou alegações finais em forma de memoriais, oportunidade em que requereu a procedência da denúncia.
Às fls. 133-136, a ré apresentou alegações finais, oportunidade em que alegou que a requerida é natural de João Lisboa e que aqui mantem vínculos de amizade e familiares e que, em que pese não residir, vem frequentemente a este domicílio; que a ré pretendia exercer seus direitos políticos nesta cidade; que não pretendeu fraudar a justiça; que não esta presente o elemento subjetivo doloso; que o domicilio eleitoral não se confunde com o domicílio civil; finaliza requerendo a absolvição da ré, por atipicidade de sua conduta.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório, passo a decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

        
Da Imputação Inicial.

À ré AUZIANI CARDOSO FERREIRA foi imputada a prática do crime previsto no art. 289, caput do Código Eleitoral.
Art. 289. Inscreverse fraudulentamente eleitor:
Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de cinco a quinze diasmulta.

A materialidade do delito não está comprovada com o lastro probatório coligido aos autos.
Com efeito, a conduta criminosa prevista no art. 289, caput, do CE é fraudar a condição de pessoa habilitada para a inscrição eleitoral.

A fraude pode ter por objetivo tanto a inscrição como eleitor de alguém que não poderia fazê-lo, como a inscrição em local diverso do que seria o correto.

Segundo a inicial, no presente caso estaríamos diante de uma transferência fraudulenta do domicílio eleitoral.

Inicialmente cumpre observar que ainda que estivéssemos diante de uma fraude, o crime seria apenas tentado e não consumado, uma vez que o requerimento de transferência foi indeferido pela Justiça Eleitoral. (fls. 11)

Porém, analisando as provas, observo que sequer de tentativa se trata.

Conforme se observa da documentação que instrui o presente feito a ré é natural de João Lisboa e requereu transferência de domicílio eleitoral para o município de João Lisboa (fls. 04-06).

Ocorre que, conforme sustentado pela defesa em sede de alegações finais, o conceito de domicílio eleitoral é muito mais amplo do que o de domicílio civil. De fato, a jurisprudência não caracteriza o domicílio eleitoral com os mesmos requisitos do civil, conforme Ac.- TSE n° 16.397/2000 e 18.124/2000: "o conceito de domicílio eleitoral não se confunde, necessariamente, com o de domicílio civil; aquele, mais flexível e elástico, identifica-se com a residência e o lugar onde o interessado tem vínculos - políticos, sociais, patrimoniais, negócios".

Sendo assim, ainda que tenha restado demonstrado nos autos, por prova testemunhal e confissão da ré, que a autora de fato não reside atualmente em João Lisboa, não há que se falar em tipicidade formal ou material do delito.

Assim, não se pode falar em crime eleitoral, pois a transferência do domicílio eleitoral foi pretendida para o local em que a ré possuía vínculos afetivos e laços familiares, embora não seja o local de sua residência.

É o chamado “domicílio sentimental”, admitido pelo TSE em inúmeros precedentes: Ac TSE nº 11.814, de 1º.9.1994, rel. Pádua Ribeiro. Ou ainda: “o conceito de domicílio eleitoral não se confunde, necessariamente, com o de domicílio civil; aquele, mais flexível e elástico, identifica-se com a residência e o lugar onde o interessado tem vínculos (políticos, sociais, patrimoniais, negócios).” (Ac. TSE 18.124/2000).

No mesmo sentido:
Domicílio eleitoral. O domicílio eleitoral não se confunde, necessariamente, com o domicílio civil. A circunstância de o eleitor residir em determinado município não constitui obstáculo a que se candidate em outra localidade onde é inscrito e com a qual mantém vínculos (negócios, propriedades, atividades políticas).
(TSE - Ag. Regimental em sede de REsp. Proc. 18.124. classe 22. Ac. 18.124. Publicado em 16/novembro/00. Relator: Ministro Garcia Vieira. Relator designado: Ministro Fernando Neves. Fonte: http://www.tse.gov.br/servicos/jurisprudencia.)

Portanto, inexistindo subsunção do fato ao tipo penal, o caso é de atipicidade da conduta da ré.

III – DISPOSITIVO.

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE a denúncia, motivo pelo qual ABSOLVO a ré AUZIANI CARDOSO FERREIRA, por atipicidade de sua conduta, nos termos do art. 386, III do CPP.
Sem custas e sem honorários.
P.R.I.
Após o transito em julgado, arquivem-se.

João Lisboa/MA, 13 de junho de 2016.


Glender Malheiros Guimarães
Juiz Eleitoral da 58ª ZE







sexta-feira, 10 de junho de 2016

SENTENÇA CIVEL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. PROCEDENCIA.



Proc. 170-92.2006.8.10.0038
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
AUTOR: MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA
RÉU: FRANCISCO ALVES DE HOLANDA


SENTENÇA

O MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA moveu AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA contra FRANCISCO ALVES DE HOLANDA, ex-prefeito, já qualificado, alegando que o requerido praticou conduta ilegal de forma deliberada, consciente e planejada consistente em:
1.    Apropriação indébita previdenciária em relação aos valores arrecadados de parte dos servidores públicos e não repassados ao INSS, bem como não pagamento da quota patronal respectiva no período compreendido entre maio de 2002 a fevereiro de 2003.

Sustenta suas afirmações em teve ciência da apropriação acima referida ao sofrer um bloqueio no seu FPM, motivo pelo qual fora obrigado a efetuar um parcelamento, junto ao INSS, no valor de R$ 329.259,31, referente ao período compreendido entre maio de 2002 a fevereiro de 2003..
Segundo o autor, tais fatos constituem atos de improbidade administrativa que geraram enriquecimento ilícito e violaram princípios da administração pública.
Ao final requer a concessão de medida cautelar de indisponibilidade dos bens do réu e a procedência da ação para condená-lo a devolver ao Município de João Lisboa/MA, a importância de R$ 329.259,31 atualizados monetariamente, bem como a condenação do requerido, aplicando-lhe as cominações descritas no art. 12, I e II da Lei nº 8429/92 e o ônus da sucumbência.
A ação inicialmente foi ajuizada na Seção Judiciária da Justiça Federal de Imperatriz/MA, sendo que às fls. 25-26, houve decisão declinando a competência para este juízo.
Às fls. 35-36 este juízo determinou a notificação do requerido para apresentação de defesa preliminar.
Às fls. 38-57, o requerido apresentou defesa preliminar oportunidade em que sustentou: em preliminar de inépcia da inicial por ausência de causa de pedir; inépcia da inicial uma vez que o procedimento escolhido não corresponde à natureza da causa; no mérito, afirma que não apropriou-se de bens públicos; que já encontrou o município endividado com a previdência; que o débito apontado pelo autor não teve origem na gestão do requerido, mas nas gestões anteriores; que parcelou o debito junto ao INSS tendo em vista que frequentemente o município sofria bloqueio no FPM; que a conduta do requerido foi legal e não causou qualquer prejuízo ao município de João Lisboa; que o requerido não pode ser responsabilizado pessoalmente por débitos previdenciários do município; que inexiste ato de improbidade imputável ao requerido; que não restou demonstrado o elemento subjetivo do tipo penal; que não houve prejuízo ao erário; que é incabível qualquer ressarcimento; que é indevido o pleito de suspensão dos direito políticos; que o pagamento de multa também é indevido, bem como o pleito de proibição de contratar com o poder público e o pedido de indisponibilidade dos bens. Finaliza requerendo o não recebimento da inicial.
Às fls. 59-60, este juízo afastou as preliminares e recebeu a inicial, tendo determinado a citação do réu, bem como requisitou-se à Receita Federal documentos relativos ao débito previdenciário do Município de João Lisboa no período de 05/2002 a 02/2003.
Às fls. 63, o advogado do réu comunica a renúncia ao mandato e oferece contestação de idêntico conteúdo à defesa preliminar (fls. 64-83).
Às fls. 85, determinei a intimação do autor para réplica.
Às fls. 92, consta certidão afirmando a inercia do autor quanto à réplica.
Às fls. 93, determinei a intimação das partes para especificarem as provas.
Às fls. 96, consta certidão afirmando que decorreu o prazo de especificação das provas sem qualquer manifestação das partes.
Às fls. 103-114, a Receita Federal encaminha oficio discriminando todo o débito previdenciário do município de João Lisboa relativo ao período de 05/2002 a 02/2003, num total de R$ 509.534,61, atualizado até 09.09.2015.
Às fls. 115, determinei a intimação das partes para apresentação de alegações finais.
O Município apresentou alegações finais às fls. 116-119, oportunidade em que requereu a procedência da denuncia.
O réu apresentou alegações finais às fls. 126-132, oportunidade em que reitera as preliminares de indeferimento da petição inicial por ausência de causa de pedir e não preenchimento dos requisitos da petição inicial. No mérito, afirma que não praticou qualquer ilicitude no exercício do mandato;  que o réu nunca deixou de prestar contas perante a Corte de contas; que o atraso na prestação de contas não tipifica crime; que não está presente o elemento subjetivo do tipo da improbidade; que não houve qualquer lesão ao erário; finaliza requerendo a improcedência da ação.
Às fls. 134-136, o Ministério Público manifesta-se pela procedência da ação com aplicação das penas do art. 12, II da LIA.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. DECIDO
FUNDAMENTAÇÃO
DAS PRELIMINARES

                                   Todas as preliminares já foram analisadas e afastadas conforme se observa da decisão de fls. 59-60.
                                  
DO MÉRITO

                                   A Improbidade administrativa tem fundamento no art. 37, parágrafo 4º da Constituição Federal tendo sido regulamentada pela Lei nº 8.429/92 legislação essa que tipificou em numerus apertus várias condutas que constituem atos de improbidade administrativa dividindo-as em três grandes grupos.
                                   O primeiro grupo é previsto no art. 9º e engloba os atos que causam enriquecimento ilícito.
                                   O segundo grupo está previsto no art. 10 e refere-se aos atos que causam prejuízo ao erário.
                                   O terceiro, por sua vez, está previsto no art. 11 e diz respeito aos atos que atentam contra os princípios da administração pública.
                                   O Município de João Lisboa imputa ao réu a prática de atos de improbidade administrativa descritos nos artigos 10, caput (uma vez) e art. 11, caput, do referido diploma legal.
                                  
DA APROPRIAÇÃO INDEBITA PREVIDENCIÁRIA, DESVIO DA FINALIDADE DAS CONTRIBUIÇÕES DOS SERVIDORES E CONSEQUENTE LESÃO AO ERÁRIO.
           
Narra a peça exordial que, nos meses de maio/2002 a fevereiro/2003, o ex-gestor municipal deixou de repassar as contribuições previdenciárias, arrecadadas nas folhas de pagamento dos servidores, bem como dos contribuintes individuais.

Consta dos autos que os créditos tributários em questão se encontram “liquidados” ou “parcelados” e em situação regular de pagamento, conforme ofício de fls. 103.

Por outro lado, observo que os pedidos de liquidação ou parcelamento dos créditos em questão se deram em 09.12.2008 (fls. 104), 23.09.2005 (fls. 107), 12.08.2008 (fls. 108), 08.11.2005 (fls. 111), 07.10.2005 (fls. 112), tendo o requerido permanecido no cargo de prefeito somente até o ano de 2004.
Ou seja, tais pedidos somente ocorreram depois de o município sofrer bloqueios no FPM, durante a administração subsequente, motivo pelo qual o Município ingressou com a presente Ação de Improbidade Administrativa.
Em sua resposta e nas alegações finais o requerido limita-se a negar a ilicitude apontada e afirma que os débitos são oriundos de gestões anteriores, mas não traz qualquer prova em sentido contrário.
Portanto, a versão defensiva do réu não encontra qualquer respaldo probatório na documentação anexada aos autos, de forma que o município de João Lisboa desincumbiu-se do seu ônus da prova na medida em que fez prova documental dos fatos constitutivos do seu direito nos termos do art. 373, I do CPC/15.
De outra banda, o réu não fez qualquer prova de fatos impeditivos, extintivos ou modificativos do direito do autor.
Assim, as condutas imputadas ao requerido encontram tipificação no art. 11, II, da LIA quanto à apropriação das verbas descontadas dos salários dos servidores e não repassadas ao INSS; bem como, tipificação no art. 10, caput, da LIA quanto ao fato de tal omissão de repasse do requerido ter obrigado o município, NA GESTÃO SUBSEQUENTE,  a despender RECURSOS PÚBLICOS para liquidar parte do débito previdenciário constituído e também fazer acordo de parcelamento de suspensão de exegibilidade de outros débitos, tudo em função de não ter havido o repasse contemporâneo ao desconto em folha de pagamento dos servidores.
Dispõem as referidas normas:

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
(...)
II – retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;”


Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1o desta Lei, e notadamente:”



Merece relevo, os indícios de apropriação das contribuições dos servidores por parte do requerido, já que a referida importância não foi utilizada para a sua finalidade (repasse ao INSS) uma vez que na qualidade de ordenador de despesas do Município, o réu estava obrigado a providenciar o recolhimento das contribuições, nos termos dos arts. 15 , I , e 30 , I , da Lei nº 8.212 /91. Ademais o réu não demonstrou nos autos outra destinação pública dada à verba o que atrai a presunção de incorporação ao seu patrimônio pessoal.

Porém, também é necessário dizer que eventual vantagem indevida obtida pelo requerido não adveio diretamente dos cofres públicos, mas sim do patrimônio dos servidores lesados, motivo pelo qual fica afastada eventual subsunção do fato ao tipo do art. 9º, caput, da Lei nº 8429/92 dispõe que constitui ato de improbidade administrativa que gera enriquecimento ilícito a incorporação ao próprio patrimônio de valores ou verbas públicas:

Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
(...)

Situação diversa se verifica quanto ao art. 10, caput, da mesma Lei que  dispõe que constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao Erário qualquer ação ou omissão que enseja em perda patrimonial, pois é evidente que a omissão do requerido obrigou a gestão subsequente do município a contrair parcelamento ou liquidar créditos junto ao INSS relativamente ao período impugnado.

                                   Analisando os autos verifico que o autor imputa ao requerido FRANCISCO ALVES DE HOLANDA a apropriação indébita de valores descontados dos vencimentos dos servidores públicos de João Lisboa e não repassados ao INSS no período de 05/2002 a 02/2003, totalizando R$ 329.259,31 (trezentos e vinte e nove mil e duzentos e cinquenta e nove reais e trinta e um centavos).

                                   Evidente que a gestão de tais verbas, em que pese privadas, estava a cargo do requerido em função de sua condição de prefeito e ordenador de despesas cabendo a ele o repasse ao INSS, nos termos dos arts. 15 , I , e 30 , I , da Lei nº 8.212 /91.

                                   Segundo a inicial, diante de tal débito e da inadimplência, o município foi obrigado a confessar a dívida e aderir a um parcelamento do débito para evitar bloqueios do FPM.
Analisando as provas, constato que às fls. 103-114, foi anexado aos autos ofício oriundo da RECEITA FEDERAL confirmando a existência do débito previdenciário apontado na inicial no valor atual de R$ 509.534,61 (quinhentos e nove mil, quinhentos e trinta e quatro reais e sessenta e um centavos) e discriminando a origem do débito como sendo do período de 05/2002 a 02/2003, provenientes do não repassasse de contribuições dos segurados, da empresa, SAT – Seguro de acidente de trabalho e Administrador/autônomo, todos relativos ao município de João Lisboa e Câmara Municipal de João Lisboa, durante a gestão do requerido que se deu de 01.01.2001 a 31.12.2004.

Portanto, a prova anexada aos autos é robusta quanto à apropriação por parte do requerido dos valores descontados a título de previdência dos servidores públicos e contribuintes individuais de João Lisboa no período de 05/2002 a 02/2003 num total de R$ 509.534,61(já atualizados até 09.09.2015), já que o município descontou tais valores dos salários dos servidores, mas não os repassou para o REGIME GERAL DE PREVIDENCIA (INSS), fato que causou ENRIQUECIMENTO ILÍCITO AO RÉU E PREJUÍZO AO ERÁRIO MUNICIPAL (art. 10, caput, da LIA) já que este último foi obrigado a utilizar RECURSO PÚBLICOS para  “baixar parte do débito por liquidação” e fazer acordo de “parcelamento com o objetivo de suspender a exigibilidade dos referidos créditos tributários”, constituídos no período apontado na inicial e, portanto, dentro da gestão do requerido enquanto prefeito do município.
Não fosse o suficiente, cumpre destacar que tal conduta do requerido também configura crime previsto no art. 168-A do CPB:
Art. 168A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:
Pena – reclusão, de dois a cinco anos, e multa.

Não havendo comprovação de motivos plausíveis para o agir do requerido, tendo efetuado os descontos previdenciários dos servidores municipais, não repassando ao INSS, configura afronta ao sistema previdenciário estabelecido constitucionalmente, além de verdadeiro atestado de incapacidade do réu para o exercício do múnus público que lhe foi outorgado.

Quanto ao elemento subjetivo do tipo do art. 11, II da LIA, também restou demonstrado uma vez que agindo como agiu, restou evidenciado o dolo do agente, caracterizado pela livre e consciente vontade de primeiro como ex-gestor desviar a finalidade das verbas oriundas dos descontos de contribuições previdenciárias de servidores e autônomos do município de João Lisboa no período de 05/2002 a 02/2003, para um fim até então oculto.
Quanto ao elemento subjetivo do tipo do art. 10, caput, da LIA, também restou demonstrado uma vez que agindo como agiu, restou evidenciado pelo menos a imprudência do agente, na medida em que ao desviar a finalidade da arrecadação previdenciária, gerou lesão aos cofres público já que o município foi obrigado a arcar com o referido prejuízo, cujo contribuinte era o servidor.
Quanto a alegação constante da contestação de que não fora praticada qualquer ilicitude por parte do requerido, tal afirmação está em clara confrontação com toda a fundamentação supra.
Claro está que o prefeito não realiza pessoalmente todas as funções do cargo, executando aquelas que lhe são privativas e indelegáveis e traspassando as demais aos seus auxiliares e técnicos da Prefeitura (secretários municipais, diretores de departamentos, chefes de serviços e outros subordinados). Mas todas as atividades do Executivo são de sua responsabilidade direta ou indireta, quer pela sua execução pessoal, quer pela sua direção ou supervisão hierárquica.
DISPOSITIVO


ANTE O EXPOSTO, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação de improbidade administrativa para CONDENAR o réu  FRANCISCO ALVES DE HOLANDA pelos atos descritos nos art. 10, caput, e art. 11, II, ambos da Lei 8.429/1992, condenando-o nas seguintes penas:
a)    Pelos atos descritos no art. 10, caput, e art. 11, II da Lei 8.429/1992, referentes a lesão ao erário que acabou sendo responsabilizado pelo quantum objeto da apropriação indevida previdenciária em função do desvio de finalidade da verba arrecadados dos servidores e não repassada ao INSS, a ressarcir ao MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA/MA a quantia correspondente ao prejuízo sofrido pela municipalidade, num total de R$ 509.534,61 (quinhentos e nove mil, quinhentos e trinta e quatro reais e sessenta e um centavos), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 1% (um por cento) ao mês, a contar de 09.09.2015, data da última atualização. Sobre o valor de tal condenação autorizo que seja decotado o quantum devido a título de quota previdenciária patronal e seguro de acidente de trabalho referentes ao período de 05/2002 a 02/2003. Condeno o réu ainda: à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de oito anos, pela gravidade do ato que configura inclusive delito de peculato-apropriação em prejuízo da saúde pública municipal; ao pagamento de multa civil no montante correspondente a duas vezes o valor do acréscimo patrimonial (prejuízo sofrido pelo município); e, por fim, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.
Em face do resultado do julgamento, em consonância com o meu poder geral de cautelar conferido no art. 798 e ss do CPC, concedo de ofício cautelar inominada de indisponibilidade dos bens do requerido, uma vez demonstrados o fumus boni iuris, caracterizado pela obrigação decorrente da presente sentença e o periculum in mora uma vez que se faz necessária a reserva de bens em montante suficiente para cobrir os prejuízos, sob pena de se tornar ineficaz eventuais condenações contra o réu.

Sendo assim, com supedâneo no meu poder geral de cautelar (CPC, art. 798) concedo tutela cautelar atípica para tornar indisponíveis os bens móveis e imóveis do réu, eventualmente existentes nesta comarca e em outras comarcas, para garantir eventual ressarcimento ao erário público, para garantir eventual ressarcimento ao erário público, em montante suficiente para suportar o pagamento de R$ 1.530.000,00 (um milhão, quinhentos e trinta mil reais), valor aproximado do somatório das condenações.

Oficie-se ao cartório de registro de imóveis de Vila Nova dos Martírios, de Açailândia/MA, São Pedro da Agua Branca, Cidelândia, São Francisco do Brejão, Marabá/PA, Itinga/MA, Dom Eliseu/PA, Imperatriz/MA, e São Luís/MA para que averbe à margem dos registros de imóveis eventualmente em nome do réu, a indisponibilidade dos referidos bens.

Oficie-se ao Detran/MA e Detran-PA para que averbem à margem dos registros de veículos eventualmente em nome do réu, a indisponibilidade dos referidos bens.
A liquidação da presente sentença dar-se-á por simples cálculos a cargo do autor.
Tendo em vista a sucumbência do réu, condeno-o ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios no percentual de 10% sobre o valor da condenação.
.A liquidação da presente sentença dar-se-á por simples cálculos a cargo do autor.
Outras Diligências:

a) Intime-se o Município de João Lisboa/MA, a fim de que tome conhecimento da presente sentença.
b) Após o trânsito em julgado da sentença, oficie-se à Câmara Municipal, remetendo-lhes cópia dessa decisão, para os fins de direito e, especialmente, para as anotações, nos registros respectivos, da proibição acima determinada, bem como ao Tribunal Regional Eleitoral – TRE/MA e ao Cartório da 58ª Zona Eleitoral, acerca da suspensão dos direitos políticos pelo prazo epigrafado, nos termos do art. 15, V, e art. 37, § 4º, da Constituição Federal e art. 71, inciso II, do Código Eleitoral.
c) Com o trânsito em julgado, inclua-se a presente condenação no Cadastro do CNJ de condenados por atos de improbidade (Resolução nº 44 de 20 de novembro de 2007).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se as partes.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, com baixa na distribuição.
                         
João Lisboa/MA, 10 de junho de 2016.

 



Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa

quinta-feira, 2 de junho de 2016

SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. EMENDATIO LIBELLI. ROUBO CONSUMADO. MORTE TENTADA. TENTATIVA DE LATROCÍNIO.

Processo nº: 2665-94.2015.8.10.0038 (26682015)
Incidência Penal: art. 157, §3º c/c art. 14, II, do CP
Autor: Ministério Público Estadual
Réus: RUYRLAN CUNHA OLIVEIRA

S E NT E N Ç A

I- RELATÓRIO
O Ministério Público Estadual, através de seu representante legal, no uso de suas atribuições legais e constitucionais, ofereceu denúncia em face de RUYRLAN CUNHA OLIVEIRA, qualificado às fls. 0/01, como incurso nas sanções do art. 157, §3º, do CP, com arrimo nos fatos que seguem.
“Consta do incluso Inquérito Policial que por volta das 21h20 horas do dia 25 de novembro de 2015, nesta cidade, os denunciados, em comunhão de desígnios, munidos de armas de fogo e utilizando um moto YAMAHA XTZ 125XE, placa NXG 0442, efetuaram um assalto contra Antônio Eliandro Barbosa Silva, tendo sido presos pela polícia militar, em flagrante delito, logo após o crime, durante as diligências realizadas em busca da dupla.
Consta dos autos que, na noite do fato, Samuel Araújo dos Santos e Ruyrlan da Cunha Oliveira, munidos de arma de fogo, adentraram na residência de Crislany de Sousa Dias, namorada de Antônio Eliandro Barbosa Silva, e encontraram-no deitado do sofá da sala, tendo o acusado Samuel Araújo dos Santos, empunhando um revólver calibre 38, exigido-lhe a entrega do cordão de ouro que tinha em seu pescoço e a chave da motocicleta HONDA BROS, de cor preta.
Ato contínuo o denunciado Samuel efetuou disparo de arma de fogo e que atingiu a vítima no lado direito de seu peito, tenda esta, apesar do disparo, conseguido travar luta corporal e imobilizar o acusado Samuel e, enquanto tentava tirar a arma de fogo das mãos do mesmo, acabado por efetuar disparos, tendo um deles atingido o denunciado Ruyrlan da Cunha Oliveira no peito, vindo este a cair no chão da sala da residência.
Ruyrlan ainda conseguiu se levantar e fugir do local a pé, deixando para trás seu comparsa que era imobilizado pela vítima, mas que conseguiu se desvencilhar desta e também fugiu do local, na motocicleta YAMAHA XTZ 125XE, placa NXG 0442 na qual haviam chegado, levando consigo uma das armas de fogo utilizadas no crime.
Assim que a polícia chegou ao local recebeu de um dos vizinhos da vítima um dos revólveres calibre 38 utilizados no assalto, que estava na via pública, e saiu no encalço dos assaltantes, encontrando o acusado Samuel Araújo dos Santos caído em frente a “Oficina do Bio”, com o outro revólver calibre 38 e o cordão de ouro que havia acabado de subtrair, conforme auto de exibição e apreensão de fls. 21.
Samuel foi preso em flagrante delito e encaminhado ao Hospital Municipal de Imperatriz, para onde a vítima também havia sido encaminhado, bem como onde também foi localizado e preso em flagrante o acusado Ruyrlan Cunha de Oliveira que lá [...]”.
À fl. 75, a denúncia foi recebida.
Às fls. 79/80, o acusado foi citado para apresentar resposta à acusação, o que fez às fls. 85/89.
Mantido o recebimento da denúncia (fl. 90), foi realizada audiência de instrução e julgamento às fls. 107/114, com continuação às fls. 130/136.
O Ministério Público apresentou alegações finais às fls. 155/161, onde pugnou pela condenação do acusado nas penas do art. 157, §3º, primeira parte, do CP.
A defesa apresentou alegações finais às fls. 198/214, onde alegou que a versão do acusado se coaduna com aquela apresentada pela testemunha Marcos Silva Reis de que, logo ao adentrar a residência da vítima, foi baleado e se evadiu do local; que não ficou realmente demonstrada a participação do acusado; que o acusado não tinha conhecimento das reais intenções de Samuel; que estava apenas pegando uma carona e pilotando a moto; que devem prevalecer os princípios do in dubio pro reo e da presunção de inocência; que o réu é primário; que não ficou demonstrado o dolo do acusado; que não houve risco de morte à vítima ou incapacidade para ocupações habituais por mais de 30 (trinta) dias, nem debilidade permanente de membro; que a participação do acusado foi de menor importância; requer a absolvição do acusado; alternativamente, desclassificação do crime para roubo simples; que seja reconhecida a participação de menor importância do acusado.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Decido.
II - FUNDAMENTAÇÃO.
O representante ministerial imputa ao acusado a conduta descrita no art. 157, §3º, primeira parte, do CPB, que dispõe:
Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
(...)
§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.
A materialidade do crime encontra-se devidamente demonstrada através do Auto de Exibição e Apreensão de fl. 21 que revela a apreensão da arma de fogo, do cordão subtraído da vítima e das munições intactas e deflagradas, pelo laudo do exame de corpo de delito feito na vítima (fls. 164), além dos depoimentos coerentes e uniformes da vítima e das testemunhas ouvidas tanto em sede administrativa quanto judicial.
 Quanto à autoria delitiva, a mesma também restou demonstrada, conforme se observa das declarações da vítima e das testemunhas, que revelam a ocorrência do grave crime contra o patrimônio da vítima com o objetivo de subtrair-lhe seu cordão de ouro e sua motocicleta, com utilização de pelo menos uma arma de fogo que fora utilizada pelo corréu Samuel que adentrou a casa onde a vítima de encontrava, anunciou o roubo e de pronto efetuou um disparo na altura do peito direito da vítima que ainda travou luta corporal com o algoz, vindo também SAMUEL a ser atingido na altura da costela.
Também merece destaque o auxílio material prestado pelo acusado RUYRLAN CUNHA OLIVEIRA que dentro da divisão de tarefas articulada pelos réus para a execução do delito, ficou responsável por aguardar na moto o retorno do Samuel para dar-lhe fuga, tendo, ainda, ao perceber que houve luta corporal do Samuel com a vítima, tentado adentrar a casa, momento em recebeu um tiro, caiu ferido, levantou-se e empreendeu fuga.
A vítima ANTONIO ELIANDRO BARBOSA SILVA, narra com riqueza de detalhes os momentos de terror que vivenciou:
“(...)QUE no dia dos fatos por volta de 21:00 horas encontrava-se deitado no sofá da sala da casa de sua namorada assistindo TV; QUE de repente os dois denunciados entraram pela porta da frente que estava entreaberta, ambos armados com revolveres e anunciaram o assalto dizendo “passa o cordão, passa a chave da moto”; QUE os acusados, não recordando qual dos dois, logo efetuaram um disparo que pegou na altura do peito direito do declarante; QUE tal disparo transfixou o corpo do declarante; QUE mesmo ferido o declarante caiu do sofá e já se atracou com um dos assaltantes; QUE tiveram outros tiros; QUE durante a briga corporal o revólver do acusado foi disparado por aproximadamente 03 vezes; QUE sabe que um desses tiros atingiu o  acusado RUYRLAN; QUE não sabe em que região RUYRLAN foi atingido; QUE reconhece o acusado aqui presente como sendo a pessoa que recebeu o tiro; QUE pelo que recorda a luta corporal se deu com SAMUEL e não com o acusado aqui presente; QUE durante a luta corporal percebeu que RUYRLAN já estava saindo pela porta da rua; (...) QUE o cordão subtraído estava avaliado em mais de R$ 8.000,00; QUE não conhecia nem o acusado aqui presente e nem SAMUEL; QUE ao chegar no hospital soube que um dos assaltantes estava sendo atendido, mas devido seu estado de debilidade não conseguiu ver quem era; QUE o cordão do declarante foi encontrado em poder do acusado SAMUEL; QUE o declarante passou 08 dias internado no hospital Socorrão em Imperatriz-MA. ÀS PERGUNTAS DO ADVOGADO DO RÉU, respondeu: QUE ambos os acusados entraram juntos e por esse motivo o declarante não recorda quem deu a voz de assalto; QUE pelo menos um dos acusados estava de capacete; (...) QUE somente foi subtraído do declarante o cordão de ouro o qual foi restituído, porém, quebrado e faltando um pedaço; QUE não teve conhecimento que uma das armas de fogo foi encontrada na rua. ÀS PERGUNTAS COMPLEMENTARES DO MAGISTRADO, respondeu: QUE o projétil entrou pelo peito direito do autor atravessou o pulmão e saiu pelas costas; (...) QUE até hoje possui dificuldades de respirar e está impossibilitado de trabalhar. (depoimento da vítima ANTONIO ELIANDRO BARBOSA SILVA, prestado em juízo, à fl. 111).

                        A testemunha MARCOS SILVA DOS REIS corrobora a versão da vítima, somente havendo pequena divergência sobre o comportamento do acusado RUYRLAN já que a vítima afirma que o mesmo adentrou o imóvel juntamente com Samuel e a testemunha afirma que RUYRLAN adentrou instantes depois:
“(...) QUE trabalha como vigia na quadra que fica em frente a casa da CRISLANY, namorada da vítima; QUE no momento do crime por volta de 21:00 horas, estava dentro de seu carro em frente a quadra localizada em frente a casa da namorada da vítima e percebeu quando os dois acusados chegaram, pararam uma moto Yamaha YBR de cor Laranja e o garupa desceu da moto e foi em direção a casa e entrou pela porta; QUE a porta estava semi-aberta; QUE ambos os acusados estavam de capacete; QUE o individuo que desceu da moto e estava na garupa era o SAMUEL; (...) QUE O ACUSADO RUYRLAN TAMBÉM DESCEU DA MOTO E DIRIGIU-SE PARA A ENTRAR NA CASA, MAS LOGO NO MOMENTO EM QUE FOI ENTRANDO PELA PORTA E SUMIU DO CAMPO DE VISÃO DO DEPOENTE, LOGO EM SEGUIDA RECEBEU UM TIRO E JÁ CAIU PARA FORA DA CASA; QUE o tiroteio se iniciou logo no momento que RUYRLAN entrou na sala; (...) QUE ouviu vários tiros, aproximadamente 07; QUE quando RUYRLAN caiu, metade do corpo ficou dentro da sala e outra metade ficou fora da casa; QUE logo em seguida RUYRLAN levantou-se e saiu já sem capacete; QUE reconhece o acusado que foi retirado da sala de audiência no inicio do depoimento como sendo o indivíduo que levou o tiro, caiu com metade do corpo para fora da casa e em seguida levantou-se e saiu a pé; QUE logo após RUYRLAN fugir a pés, o depoente ligou seu veículo e saiu em disparada; QUE percebeu que RUYRLAN estava ferido e não possuía tanta desenvoltura para correr; QUE foi o depoente que ligou para a Polícia; QUE depois tomou conhecimento de que foi levado um cordão da vítima. ÀS PERGUNTAS DO ADVOGADO DO RÉU, respondeu: QUE não sabe informar se foi encontrada alguma arma dentro da casa da vítima; QUE entretanto soube que foram apreendidas duas armas de fogo; QUE desconhece que ELIANDRO costume portar arma de fogo, mas no dia seguinte chegou a ver uma faca dentro da casa suja de sangue e com a lâmina torta; QUE confirmar que o primeiro a entrar na casa foi SAMUEL e em seguida RUYRLAN que nem teve tempo de nada e já foi levando tiro; QUE não conhecia o acusado. (depoimento da testemunha MARCOS SILVA DOS REIS, prestado em juízo, à fl. 114).
Em seu interrogatório judicial o acusado RUYRLAN negou as imputações que lhes foram feitas, limitando-se a dizer que somente estava de carona com SAMUEL e que desconhecia as pretensões de SAMUEL ao adentrar a casa da vítima. Porém, tal versão não encontra qualquer respaldo nos demais elementos de provas contidos nos autos, em especial, diante da contradição com a versão que apresentou aos policiais que o encontraram no Hospital local, onde o acusado tentou passar-se por vítima:
“(...) QUE não é verdadeira a imputação que lhe é feita; QUE no dia dos fatos dirigiu-se para esta cidade sozinho para encontrar-se com duas garotas chamadas Nubia e Nelita na praça da cidade nova; (...) QUE quando estava na parada em companhia das meninas reconheceu Samuel passando de moto e gritou pedindo carona; (...); QUE Samuel foi indicando o caminho e pediu para o interrogando parar em frente uma casa; QUE Samuel desceu da moto e pediu para o interrogando esperar; QUE o interrogando percebeu que Samuel estava discutindo com alguém da casa; QUE o interrogando desceu para ver o que tinha acontecido e quando ia chegando na porta da casa, levou um tiro no peito; QUE caiu no chão, levantou-se e saiu; QUE nega que estivesse armado no momento em que Samuel foi roubar a vítima; QUE não sabia que Samuel pretendia roubar a vítima; QUE PRESENCIOU O DEPOIMENTO DO SGT. AZEVEDO E NÃO SABE DIZER PORQUE O SARGENTO INFORMOU QUE QUANDO ENCONTROU O INTERROGANDO NO HOSPITAL O MESMO TERIA INVENTADO UMA HISTORIA DE TER SIDO ASSALTADO E LEVADO UM TIRO DURANTE O ASSALTO; QUE PRESENCIOU O DEPOIMENTO DO SOLDADO EDSON QUE TAMBÉM INFORMOU QUE O INTERROGANDO TERIA DITO TER SIDO VÍTIMA DE UM ASSALTO, MAS O INTERROGANDO NEGA ESSA HISTÓRIA; QUE NÃO SABE EXPLICAR PORQUE OS POLICIAIS ESTÃO TRAZENDO ESTA VERSÃO PARA O JUÍZO; QUE conhece Samuel de Davinópolis-MA; QUE o pai do depoente tem um bar em Davinópolis e o interrogando costuma ir visitá-lo; QUE não possui nenhuma desavença nem com Soldado Edson, nem com SGT. Azevedo. (...); QUE não sabe explicar porque a própria vítima disse que o interrogando levou um tiro assim que entrou na casa (...); QUE Samuel já tinha sido preso e a pouco tempo estava solto; QUE era apenas conhecido de Samuel; QUE esta arrependido e quer uma oportunidade (interrogatório do acusado GLEYSON PEREIRA DE SOUSA, prestado em juízo, à fl. 127).
A verdade é que a participação de RUYRLAN na empreitada criminosa foi relevante, pois a ele caberia a direção da moto utilizada para a fuga da dupla, além de ter tentado dar “cobertura” ao correu SAMUEL ao perceber que travou-se luta corporal no interior da residência.
Quanto ao elemento subjetivo do tipo, este restou devidamente demonstrado nos autos e consistiu na vontade livre o consciente de RUYRLAN de participar do roubo armado contra a vítima ELIANDRO, no interior da residência da mesma com a intensão de subtrair-lhe o cordão e a motocicleta, tendo ainda, assumido o risco do cometimento do crime de homicídio contra a vítima que ao reagir foi alvejada com um disparo de arma de fogo na altura do peito.
Portanto, tratando-se o latrocínio de delito complexo, cujos crimes-meios são a morte e o roubo, resta evidenciado o dolo direto quanto à subtração mediante grave ameaça pelo uso da arma de fogo e dolo eventual ao assumir o risco do cometimento de crime de latrocínio já que consentiu com a utilização de arma de fogo.
Restou claro nos autos que o acusado e o corréu agiram premeditadamente, com animus furandi e emprego de arma de fogo, aderindo um à conduta do outro.
Ciente de que ambos estavam armados, o acusado tinha plena consciência de que a prática do delito poderia ter como desdobramento o cometimento de lesões graves ou até mesmo o óbito da vítima.
Ou seja, a qualificação pelo resultado mais grave surge como desdobramento causal  - não previsto, porém aceito pelos réus -  das ações antecedentes. E, justamente por isto, não se exige para a sua configuração que o meliante tenha agido com dolo específico com relação ao resultado.
Em caso semelhante, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
“No roubo, mormente praticado com arma de fogo, respondem, de regra, pelo resultado morte, situado evidentemente em pleno desdobramento causal da ação delituosa, todos que, mesmo não agindo diretamente na execução da morte, contribuíram para a execução do tipo fundamental (Precedentes). Se assumiram o risco, pelo evento, respondem. (HC 35895-DF. Rel. Min. Felix Fischer. DJU de 4.10.2004, p. 334). E assim é porque o roubo qualificado pelo resultado morte não precisa, necessariamente, ser integralmente doloso. O evento de maior gravidade (morte) é reconhecido seja na forma de dolo, seja na forma de culpa. A exigência de dolo se limita ao roubo (cf. J. F. Mirabete in "Código Penal Anotado", Atlas, 2001, p. 997; Guilherme de Souza Nucci in "Código Penal Comentado", RT, 3ª ed., 2002, p. 520; L. Régis Prado in "Curso de Direito Penal Brasileiro", 2º ed. RT, vol. 2, p. 400; Damásio E.de Jesus in "Direito Penal", Saraiva, vol. 2, 17ª ed., p. 311; Fernando Carpez in "Cursos de Direito Penal", Saraiva, vol. 2, p. 393). Desta forma, em casos como o estruturado na instância comum, não há que se falar de participação dolosamente distinta ou desvio subjetivo entre partícipes. O resultado lesivo, como restou claro, estava na linha do desdobramento causal.” (REsp. 418813-DF. Rel. Min. Felix Fischer)
Portanto, entendo que o caso é de aplicação da chamada EMENDATIO LIBELLI, prevista no art. 383, caput, do CPP:

“Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuirlhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave.”

Conforme anotado por ANTONIO LUIZ DA CAMARA LEAL, “a denuncia ou a queixa não firmam para o acusado o direito a uma condenação mais benigna, assim como não o acorrentam a uma condenação mais grave, desde que as provas coligidas durante a instrução criminal imponham diversa classificação do delito, quer para suavizá-lo, quer para agravá-lo. O juiz não deve basear-se nos termos da acusação, mas no que ficar apurado a favor ou contra o acusado, tendo em vista os vários elementos de convicção colhidos no processo” (COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO, V.3, P.13)
No presente caso, tendo-se realizado tão-somente a subtração e não a morte, resta evidente que estamos diante de uma tentativa de latrocínio e não de um roubo com resultado lesão corporal grave, como quer a acusação.
Por conseguinte, dou nova definição aos fatos articulados na inicial acusatória para subsumi-los ao delito de abuso de autoridade previsto no art. 157, §3º, segunda parte c/c art. 14, II do CPB:

“Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havêla, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.:
(...)
§ 3o Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.

........
“Art. 14. Dizse o crime:
(...)
II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Portanto, após minuciosa analise das provas após a instrução, dou aos fatos nova definição jurídica para, fazendo uso da chamada EMENDATIO LIBELLI, prevista no art. 383, caput, do CPP, para enquadra-los como TENTATIVA DE LATROCÍNIO prevista no art. 157, §3º, segunda parte c/c art. 14, II e art. 29, caput, todos do CP.
Observe-se que as ações praticadas na empreitada foram suficientes e idôneas para a consumação da subtração do patrimônio da vítima, bem como para a consumação do homicídio que somente não ocorreu por circunstância alheia a vontade do acusado, qual seja, a pronta intervenção médica.
Destaque-se, por fim, que o exame de corpo de delito concluiu que resultou perigo de vida à vítima (fls. 164).
Quanto a tese defensiva de participação de menor importância do acusado, a mesma não pode prosperar já que exerceu papel fundamental para o objetivado sucesso da empreitada criminosa, atraindo, portanto, a aplicação da Teoria do Dominio do Fato relativamente ao concurso de agentes ocorrido, sendo verdadeiro coautor do crime de roubo.
Nesse sentido:

PENAL: ROUBO - ASSALTO A BANCO - PROVAS DENSAS E HARMÔNICAS DE AUTORIA - CONFISSÃO DE CO-RÉU - RECONHECIMENTO - MOTORISTA DE VEÍCULO QUE DÁ FUGA AOS COMPARSAS - AÇÃO FUNDAMENTAL AO ÊXITO DA EMPREITADA CRIMINOSA - PENAS QUE ATENDEM AO COMANDO DO ART. (...) (TJ-DF - APELAÇÃO CRIMINAL : ACR 19990710142098 DF 1ª Turma Criminal - Relator: P. A. ROSA DE FARIAS – Julgamento: 23/05/2002 – Publicação: DJU 14/08/2002 pág. 66)


Quanto à tese defensiva de desclassificação do crime, tipificando-a como roubo com violência imprópria do art. 157, §1º do CP, a mesma não pode prosperar já que as provas constantes dos autos apontam para uso da violência desde o momento do anuncio do roubo.
III - DISPOSITIVO:
ANTE O EXPOSTO e o que mais dos autos consta JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A DENÚNCIA, para condenar o réu RUYRLAN CUNHA OLIVEIRA, já qualificado, como incurso nas sanções do art. 157, §3º, segunda parte c/c art. 14, II  e art. 29, caput, todos do CP, fazendo uso da permissão do art. 383, caput, do CPP.
 Passo à dosimetria da pena.
 Em atenção ao disposto no art. 59 e seguintes do Código Penal, especialmente o art. 68 do aludido diploma legal, que elegeu o Sistema Trifásico de Nelson Hungria para a quantificação das sanções aplicáveis aos condenados, passo à fixação da pena:
Quanto à culpabilidade, a conduta do acusado denotou elevada reprovabilidade, pois o crime foi praticado a noite, com disparos de armas de fogo e com invasão da residência da vítima. Os antecedentes criminais são bons. Conduta social considerada normal. Personalidade considerada normal. Os motivos comuns à espécie, qual seja, a obtenção de lucro fácil. Circunstância do crime não são relevantes. Conseqüências do crime foram graves, pois até hoje a vítima encontra-se com limitações físicas. Comportamento da vítima em nada contribuiu para a ocorrência do evento criminoso. A situação financeira do réu é precária.
Há preponderância de circunstâncias judiciais favoráveis, pelo que entendo como suficientes para prevenção e reprovação dos delitos a pena de 20 (vinte) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo à época do crime.
Não há circunstâncias agravantes ou atenuantes, nem tampouco causas de aumento.
Vislumbro a causa de diminuição derivada da tentativa, prevista no art. 14, parágrafo único, do CPB, motivo pelo qual reduzo a pena de metade, tendo em vista que houve cumprimento de relevante “iter criminis” pelos corréus em direção à consumação do delito, com subtração consumada do patrimônio da vítima e disparo de arma no peito da vítima. Assim, torno a pena definitiva em 10 (dez) anos de reclusão.
A pena de reclusão deverá ser cumprida inicialmente no regime fechado (CP, art. 33, §2º, ‘a’) e a pena de multa paga no prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado da sentença (art. 50, CP).
Incabível a substituição por penas restritivas de direitos, pelo não atendimento ao requisito do inciso I do art. 44 do CPB.
Mantenho a prisão preventiva do sentenciado, por entendê-la necessária uma vez demonstrado o preenchimento dos seus requisitos cautelares do art. 312 e 313 do CPP. Com efeito, há provas da materialidade e autoria delitivas, conforme se demonstrou ao longo da fundamentação da presente sentença, o que revela o chamado FUMUS DELICTI. O PERICULUM LIBERTATIS também encontra-se demonstrado e revela-se a presente medida cautelar como garantia da ordem pública diante da periculosidade do agente que associou-se a um comparsa para com uso de arma de fogo praticar gravíssimo delito previsto no CPB, no interior da residência da vítima, local, à noite e durante o seu descanso, como disparos de vários tiros, inclusive em região vital do corpo da vítima, causando verdadeiro pânico na pacata cidade de João Lisboa, demonstrando pouca ou nenhuma sensibilidade com a vida do próximo, tudo com o objetivo de obtenção de lucro fácil a partir da subtração da patrimônio da vítima. São dados fáticos, emanados dos autos que revelam que a manutenção da prisão do acusado revela-se necessária, adequada e proporcional, merecendo destaque o fato de que se trata de crime grave, punido com pena de reclusão máxima em abstrato superior a 04 anos, não sendo suficientes ou adequados, desde o meu olhar, a substituição da prisão por medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do CPP.
Recomende-se o réu na prisão em que se encontra.
Condeno o réu, ainda, em custas e despesas processuais, mas dispenso o pagamento tendo em vista o que dispõe a Lei de Custas acerca do réu pobre.
Deixo de fixar um valor mínimo de indenização tendo em vista que a vítima recuperou o seu patrimônio (CPP, art. 387, IV).
Em atenção ao disposto no art. 387, §2º do CPP (§ 2o  O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade. (incluído pela Lei nº 12.736, de 2012)), detraio a quantidade de tempo de cumprimento de prisão provisória (26/11/2015 a 01/06/2016), totalizando 06 (seis) meses e 06 (quatro) dias, remanescendo 09 anos, 05 meses e 24 dias de reclusão, a ser cumprido em regime inicialmente fechado, uma vez que se trata de crime hediondo (art. 2º, §1º da Lei nº 8072/90).

Transitada em julgado a sentença:
1) Seja lançado o nome do réu no rol dos culpados nos termos do art. 393, II do CPP, bem como providenciar o registro no rol dos antecedentes criminais.
2) Oficie-se à Justiça Eleitoral em atenção ao art. 15, III da Constituição Federal;
3) Expeça-se guia de execução definitiva.
P.R.I.
João Lisboa/MA, 01 de junho de 2016.

Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa