segunda-feira, 13 de junho de 2016

SENTENÇA PENAL ABSOLUTÓRIA. CRIME ELEITORAL. DOMICÍLIO ELEITORAL SENTIMENTAL. ATIPICIDADE.

Proc. 417-68.2012.6.10.0058
Autor: Ministério Público Eleitoral
Réu: AUZIANI CARDOSO FERREIRA

S E N T E N Ç A


I- RELATÓRIO

O Ministério Público Eleitoral, através de seu representante legal, no uso de suas atribuições legais e constitucionais, ofereceu denúncia em face de AUZIANI CARDOSO FERREIRA, qualificados às fls. 02, como incurso nas sanções do art. 289, caput do Código Eleitoral, com arrimo nos fatos que seguem.

Consta dos documentos em anexo que no dia 07.05.2012, pro volta das 14:20h, o denunciado compareceu ao Cartório Eleitoral desta Zona (..) e pleitou de forma fraudulenta a sua inscrição como eleitora de localidade que não reside, ou seja Rua 08, nº 771, bairro Invasão, neta cidade, conforme certidão da lavra do Sr. Oficial de Justiça Antonio Dantas Nobrega, devidamente acostada aos autos.

Conforme apurado, a denunciadoa compareceu ao citado cart´rio eleitoral e requereu a transferência do seu domicilio eleitoral, fazendo, para tanto, apresentar vários documentos e firmar, sob as penas da lei, declaração de que residia nesta cidade de João Lisboa. Ocorre que, após diligências determinadas pelo Sr. Juiz Eleitoral desta Zona, restou demonstrada que, na realidade, a denunciada não reside neste município.



A denúncia foi recebida no dia 30.10.2012, fls. 14, tendo sido designada audiência de sursis processual.
Às fls. 25-26, a ré aceitou as condições do Sursis Processual.
Às fls. 52, foi realizada audiência, via precatória, na Comarca de Senador La Roque, para inicio da execução das condições do Sursis processual, porém a ré não compareceu.
Às fls. 69, realizou-se audiência de justificação para a ré justificar o não cumprimento das condições do benefício, tendo o mesmo sido revogado e a ré citada para apresentação de defesa preliminar.
Às fls. 70, consta certidão indicando que a ré não apresentou defesa, motivo pelo qual às fls. 72 foi-lhe nomeado advogado dativo.
Às fls. 82, a ré constitui advogado, o qual apresentou defesa preliminar Às fls. 86-90, oportunidade em que sustentou violação dos princípios do contraditório e ampla defesa, pois a ré deixou de comparecer à audiência de Senador La Roque por estar doente conforme comprovante de fls. 54-58; que a ré efetuou o pagamento da multa; requer a reconsideração da decisão de revogação do sursis processual. Reservou-se para defesa meritória em sede de alegações finais.
Às fls. 90-v, houve a conformação do recebimento da denúncia e designada audiência de instrução.
Às fls. 116-121, realizou-se audiência de instrução, oportunidade em que tomou-se por termo o depoimento de duas testemunhas de acusação, duas de defesa e por fim, o interrogatório.
Às fls. 126-128, o Ministério Público apresentou alegações finais em forma de memoriais, oportunidade em que requereu a procedência da denúncia.
Às fls. 133-136, a ré apresentou alegações finais, oportunidade em que alegou que a requerida é natural de João Lisboa e que aqui mantem vínculos de amizade e familiares e que, em que pese não residir, vem frequentemente a este domicílio; que a ré pretendia exercer seus direitos políticos nesta cidade; que não pretendeu fraudar a justiça; que não esta presente o elemento subjetivo doloso; que o domicilio eleitoral não se confunde com o domicílio civil; finaliza requerendo a absolvição da ré, por atipicidade de sua conduta.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório, passo a decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

        
Da Imputação Inicial.

À ré AUZIANI CARDOSO FERREIRA foi imputada a prática do crime previsto no art. 289, caput do Código Eleitoral.
Art. 289. Inscreverse fraudulentamente eleitor:
Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de cinco a quinze diasmulta.

A materialidade do delito não está comprovada com o lastro probatório coligido aos autos.
Com efeito, a conduta criminosa prevista no art. 289, caput, do CE é fraudar a condição de pessoa habilitada para a inscrição eleitoral.

A fraude pode ter por objetivo tanto a inscrição como eleitor de alguém que não poderia fazê-lo, como a inscrição em local diverso do que seria o correto.

Segundo a inicial, no presente caso estaríamos diante de uma transferência fraudulenta do domicílio eleitoral.

Inicialmente cumpre observar que ainda que estivéssemos diante de uma fraude, o crime seria apenas tentado e não consumado, uma vez que o requerimento de transferência foi indeferido pela Justiça Eleitoral. (fls. 11)

Porém, analisando as provas, observo que sequer de tentativa se trata.

Conforme se observa da documentação que instrui o presente feito a ré é natural de João Lisboa e requereu transferência de domicílio eleitoral para o município de João Lisboa (fls. 04-06).

Ocorre que, conforme sustentado pela defesa em sede de alegações finais, o conceito de domicílio eleitoral é muito mais amplo do que o de domicílio civil. De fato, a jurisprudência não caracteriza o domicílio eleitoral com os mesmos requisitos do civil, conforme Ac.- TSE n° 16.397/2000 e 18.124/2000: "o conceito de domicílio eleitoral não se confunde, necessariamente, com o de domicílio civil; aquele, mais flexível e elástico, identifica-se com a residência e o lugar onde o interessado tem vínculos - políticos, sociais, patrimoniais, negócios".

Sendo assim, ainda que tenha restado demonstrado nos autos, por prova testemunhal e confissão da ré, que a autora de fato não reside atualmente em João Lisboa, não há que se falar em tipicidade formal ou material do delito.

Assim, não se pode falar em crime eleitoral, pois a transferência do domicílio eleitoral foi pretendida para o local em que a ré possuía vínculos afetivos e laços familiares, embora não seja o local de sua residência.

É o chamado “domicílio sentimental”, admitido pelo TSE em inúmeros precedentes: Ac TSE nº 11.814, de 1º.9.1994, rel. Pádua Ribeiro. Ou ainda: “o conceito de domicílio eleitoral não se confunde, necessariamente, com o de domicílio civil; aquele, mais flexível e elástico, identifica-se com a residência e o lugar onde o interessado tem vínculos (políticos, sociais, patrimoniais, negócios).” (Ac. TSE 18.124/2000).

No mesmo sentido:
Domicílio eleitoral. O domicílio eleitoral não se confunde, necessariamente, com o domicílio civil. A circunstância de o eleitor residir em determinado município não constitui obstáculo a que se candidate em outra localidade onde é inscrito e com a qual mantém vínculos (negócios, propriedades, atividades políticas).
(TSE - Ag. Regimental em sede de REsp. Proc. 18.124. classe 22. Ac. 18.124. Publicado em 16/novembro/00. Relator: Ministro Garcia Vieira. Relator designado: Ministro Fernando Neves. Fonte: http://www.tse.gov.br/servicos/jurisprudencia.)

Portanto, inexistindo subsunção do fato ao tipo penal, o caso é de atipicidade da conduta da ré.

III – DISPOSITIVO.

Ante o exposto, julgo IMPROCEDENTE a denúncia, motivo pelo qual ABSOLVO a ré AUZIANI CARDOSO FERREIRA, por atipicidade de sua conduta, nos termos do art. 386, III do CPP.
Sem custas e sem honorários.
P.R.I.
Após o transito em julgado, arquivem-se.

João Lisboa/MA, 13 de junho de 2016.


Glender Malheiros Guimarães
Juiz Eleitoral da 58ª ZE







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