terça-feira, 25 de janeiro de 2011

HOMICÍDIO CULPOSO NO TRANSITO. ABSOLVIÇÃO.

Posto interessante sentença que aborda os requisitos do delito culposo.


Proc. Nº 27/2005

Autor: Ministério Público
Réu: Damázio Alves Sobrinho

S E N T E N Ç A


I - RELATÓRIO.

O Ministério Público Estadual, através de seu representante legal neste Juízo, ofereceu denúncia de fls. 02/04, em face de DAMÁZIO ALVES SOBRINHO, devidamente qualificado nos autos, como incurso nas sanções do art. 302, § único, III da Lei nº 9503/97, nos seguintes termos:

“Consta do incluso inquérito policial que no dia 07.07.2004, poor volta das 9:00h, na BR 135, km 77.6, na curva do DIDI, no povoado Pedreira, Santa Rita/MA, o denunciado DAMAZIO ALVES SOBRINHO conduzindo veiculo automotor tipo Scania, modelo R124, ano 2001, placa MVS 5097, matou culposamente RAIMUNDO PEREIRA DE ALCANTARA, conforme atestado de óbito de fls. 04.
Consta do inquérito que a vítima vinha de carona na motocicleta Honda CG125 conduzida por seu filho JOSE DE RIBAMAR MARINHO DE ALCANTARA, quando o réu ao tentar fazer uma ultrapassagem em local proibido, de forma impridente, atropelou-a e evadiu-se do local, sem prestar-lhe socorro”

A denúncia veio acompanhada do Inquérito Policial de fls. 06/20.
A denúncia foi recebida às fls. 22.

O réu foi qualificado e interrogado às fls. 38/39, oportunidade em que confessou os parte do fatos descritos na inicial, porém atribuiu a culpa do acidente ao condutor da motocicleta, filho da vítima:

(...) que é verdadeira a acusação que lhe é feita (...) que não fez ultrapassagem forçada; que vinha na BR 135 e, ao se aproximar de uma curva, observou que por ali passava uma moto no acostamento, tendo o interrogado buzinado, para advertir o motoqueiro e, em seguida, referido motoqueiro entrou na pista e colidiu na lateral da carreta, dirigida pelo interrogado (...) que não fez ultrapassagem em local proibido (...) que quando desceu da carreta para ver o que tinha acontecido, viu o condutor da motocicleta em um estado que demonstrava  encontrar-se bastante transtornado, falando inclusive que não sabia “como ele (condutor da moto) tinha feito aquilo”; que  não viu razão para o dirigente da moto entrar na pista e colidir com a carreta do interrogado a não ser que se possa admitir falta de atenção do referido condutor da moto (...) (fls. 38/39)

A defesa prévia e rol de testemunhas foram apresentados às fls. 41/42.
Foram ouvidas quatro testemunhas de acusação e defesa (fls. 89-v, 105,106, 112/114, 143/144, 154).

Na fase do art. 499 as partes nada requereram.

Em alegações finais de fls. 167/172, o Parquet pugnou pela desclassificação para o delito de omissão de socorro e o reconhecimento da prescrição em relação a este último delito.

A defesa, por sua vez, pediu a absolvição do acusado entendendo que houve ausência de provas, Culpa exclusiva da vítima e não caracterização da omissão de socorro ou prescrição desse último delito.

É o relatório, passo a decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO.


Ao réu foi imputada a prática do crime previsto no art.302, parágrafo único, III do CTB, conforme narrado na peça exordial, tendo por vítima MANOEL RODRIGUES DA SILVA.

DO DELITO CULPOSO

Dispõe o art. 18, II do CPB:

Art. 18. Diz o crime:
I – omissis.
II – Culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia.

Portanto, a caracterização do crime culposo depende da presença de requisitos mínimos que devem está demonstrado nos autos.

Tem-se conceituado o crime culposo como “a conduta humana voluntária (ação ou omissão) que produz resultado antijurídico não querido, mas previsível, e excepcionalmente previsto, que podia, com a devida atenção, ser evitado”.
Note-se, portanto, que para a caracterização do crime culposo é preciso conjugar vários elementos:

a)       Conduta humana voluntária, comissiva ou omissiva;
b)       Inobservância de um dever objetivo de cuidado (negligência, imprudência ou imperícia)
c)       O resultado lesivo não querido, tampouco assumido, pelo agente;
d)       Nexo de causalidade entre a conduta do agente que deixa de observar o seu dever de cuidado e o resultado lesivo dela advindo;
e)       Previsibilidade (objetiva e subjetiva)
f)         Tipicidade.

De outra banda, imprudência seria a conduta positiva, praticada pelo agente que, por não observar o seu dever de cuidado, causasse o resultado lesivo que lhe era previsível; negligência, por sua vez, é deixar de fazer aquilo que a diligência normal impunha; e imperícia é a inaptidão, momentânea ou não, do agente para o exercício de uma atividade profissional.

Fixadas as premissas para a caracterização do delito culposo, passo a cotejar as provas colacionadas aos autos.

DAS PROVAS DO AUTOS


Em seu interrogatório judicial o réu confessa em partes a imputação da forma que foi feita na denúncia, afirmando que não foi negligente, imprudente ou imperito, não tendo violado o seu dever objetivo de cuidado, ao contrário, sustentando que o acidente ocorreu por culpa exclusiva da vítima:

(...) que é verdadeira a acusação que lhe é feita (...) que não fez ultrapassagem forçada; que vinha na BR 135 e, ao se aproximar de uma curva, observou que por ali passava uma moto no acostamento, tendo o interrogado buzinado, para advertir o motoqueiro e, em seguida, referido motoqueiro entrou na pista e colidiu na lateral da carreta, dirigida pelo interrogado (...) que não fez ultrapassagem em local proibido (...) que quando desceu da carreta para ver o que tinha acontecido, viu o condutor da motocicleta em um estado que demonstrava  encontrar-se bastante transtornado, falando inclusive que não sabia “como ele (condutor da moto) tinha feito aquilo”; que  não viu razão para o dirigente da moto entrar na pista e colidir com a carreta do interrogado a não ser que se possa admitir falta de atenção do referido condutor da moto (...) (fls. 38/39)

O BOLETIM DE ACIDENTE DE TRÂNSITO, por sua vez, também reforça a tese do acusado de que o mesmo não faltou com o seu dever objetivo de cuidado na medida em que afirma que: 1) o V1 (motocicleta da vítima) trafegava no acostamento quando adentrou na pista, sem a devida atenção, no momento em que V2 (Scania dirigida pelo acusado) saía da curva com velocidade ocorrendo a colisão lateral;

Lamentavelmente não se realizou exame pericial nem no local do fato, nem nos veículos envolvidos de forma que não se poder ter certeza acerca da velocidade exata dos veículos; dos vestígios deixados nos veículos decorrentes da colisão, de eventuais sinais de frenagem deixados na pista; do estado em que se encontravam os dispositivos de segurança dos veículos, etc.

A TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO JOSÉ DE RIBAMAR MARINHOA ALCANTÁRA, ouvida às fls. 20, declarou, com o claro objetivo de escusar-se de sua ação culposa:

“(..) que vinha conduzindo uma motocicleta e seu pai vinha na garupa; que na saída do ramal que dá acesso à BR, o depoente observou se vinha carro e como não vinha, atravessou a pista para pegar a BR; que 100m após a saída do ramal, já´estva na BR 135, no município de Santa Rita, a carreta conduzida pelo acusado pegou o depoente e seu genitor por trás; (...) que a vítima quando caiu já se encontrava morta(...)”

Após a releitura do seu depoimento policial, a mesma caiu em contradição:

“(...) que se recorda, realmente, que depois que saiu da estrada de piçarra e pegou a BR o seu pai lhe avisou que vinha um carro, tendo o depoente jogado a moto para o acostamento e depois ouviu só a pancada (...) que na saída da estrada de piçarra não se tem boa visibilidade, já que fica bem na curva e tem mato na pista (...)”

Em sede policial tal testemunha apresentou esta última versão que contradiz a primeira uma vez que é diametralmente oposta da sua versão em juízo:

“(...) que quando saiu da estrada de piçarra e entrou na BR, o pai do declarante jogou a moto para o acostamento, porém, a carreta já estava do lado do declarante e na mesma faixa deste (...)” (fls. 19)

A TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO EDVAN MUNIZ, testemunha presencial dos fatos, desqualifica as declarações da vítima em juízo e apresenta versão coerente com as declarações da vítima na polícia. Ouvida às fls. 89-V, afirma:

“(...) que estava no local na horta do acidente, pois vinha bem atrás do indiciado; que vinha em outra carreta acompanhando o indiciado; QUE esclarece que o local do fato foi na curva do PEPE e não na curva do DIDI; que o fato ocorreu das 7:30h para as 8:00h da manhã; que viu quando a vítima atravessou a pista de uma vez; que o indiciado jogou a carreta em direção ao acostamento, vindo a roda do veículo a colidir com a moto da vítima; que com o impacto a vítima sacou; que o denunciado vinha numa velocidade média de 80km/h, condizente com a estrada; que o denunciado não estava fazendo nenhuma ultrapassagem no momento do fato; (,,,) que a moto saiu da pista de terra para pegar a pista no seu sentido que era o mesmo da carreta; que o motorista da moto ao observar a carreta perdeu a direção fazendo zigue-zague até colidir com a roda da carreta; que a moto bateu em direção ao segundo eixo da carreta e a vítima na altura da lanterna traseira do veículo (...) (fls. 89-v)

Da mesma forma a testemunha JOSENIL DOS SANTOS SOUSA JUNIOR, afirma que:

“(...) que os policiais rodoviários levaram o depoente até o local do acidente e na oportunidade lhe disseram que quem estava dirigindo a moto era um filho da vítima e que este estava muito abalado por reconhecer a culpa dele no sinistro  (...)(fls. 112/113)

Corroborando o que todas as outras testemunhas afirmaram, a testemunha AGNALDO BARBOSA PEREIRA JUNIOR, policial rodoviário federal, também afirma que a culpa foi exclusiva do piloto da moto:

“(...) que é policial rodoviário federal, estando de serviço no posto São Francisco, no dia do ocorrido, tendo sido acionado, pelo que se dirigiu até o local do acidente, oportunidade em que constatou que a motocicleta dirigida por um garoto, não habilitado, trafegava em uma estrada vicinal de terra e adentrou na BR 135, na altura da curva do Pinto Caipira, também conhecida como curva do PEPE, atravessando para o acostamento direito da via, sentido Miranda-Santa Rita, que tal motocicleta passou a trafegar em tal acostamento e, não tomando o devido cuidado, resolveu ingressar na pista onde naquele momento trafegava em sua mão a carreta do acusado (sentido Miranda-Santa Rita), colidindo assim, na traseira do veículo do réu (...) que não havia qualquer marca de colisão na parte da frente da carreta, mas apenas na lateral direita traseira de tal veículo; que chegou a conversar com o condutor da moto no Hospital de Santa Rita, oportunidade em que o mesmo reconhecia ter sido o culpado do acidente que ocasionou a morte do seu pai; que apenas o condutor da moto estava de capacete, estando a vítima sem essa proteção; que não houve qualquer testemunha ou indício no sentido de que o acusado estivesse fazendo uma ultrapassagem indevida no momento do acidente (...)(fls. 143)



A análise do conjunto probatório me leva a concluir que, de fato, o réu DAMAZIO ALVES SOBRINHO  não dera causa ao acidente que vitimou fatalmente RAIMUNDO PEREIRA DE ALCANTARA, não havendo entre a conduta do réu e o resultado danoso o necessário NEXO DE CAUSALIDADE, uma vez que o mesmo fora rompido pela excludente consistente na CULPA EXLUSIVA DE TERCEIRO.

Com efeito, não emanam dos autos qualquer indício que me leve a concluir que o réu tenha agido com imprudência, negligência ou imperícia, ou seja, não se pode concluir com base nas provas aqui colacionadas que o réu tenha de qualquer forma contribuído para a consumação do delito em tela, não havendo indícios, ainda, de que o mesmo tenha violado o seu dever objetivo de cuidado.

Muito ao contrário do que sugere a denúncia, há fortes indícios nos depoimentos dos policiais rodoviários que atenderam ao chamado de ser habilitado o acusado, estar dirigindo em velocidade compatível com a via em que trafegava, e, ainda, que o veículo estava em boas condições de segurança, dados esses que afastam possíveis imputações de imperícia ou imprudência.

Restou evidenciado, ainda, a partir das provas testemunhais colhidas na instrução que o acusado não foi negligente, pelo contrário, tentou de todas as formas que lhe eram possíveis naquele momento evitar a colisão, que se deu por única e exclusiva culpa de terceiro que foi imprudente ao atravessar a BR, em uma curva de pouca visibilidade em decorrência do mato. 

Como se não bastasse, também não seria razoável exigir que o motorista antevisse a conduta imprudente do terceiro, de forma que também não lhe era previsível o resultado.
Não havendo evidências de o acusado ter faltado com o seu dever de cuidado, não se lhe pode atribuir a responsabilidade por um delito culposo.


DO DELITO DE OMISSÃO DO SOCORRO NO TRÂNSITO

Quanto à pretensa desclassificação para o delito de omissão de socorro previsto no art. 304 do CTB, deixo de adentrar ao mérito, por vislumbrar, desde logo, na linha do que sustentou a acusação e a defesa, restar evidenciada a prescrição da punição punitiva do Estado, o que conduz à declaração da extinção da punibilidade, considerando que a pena máxima em abstrato para o referido delito é de 01 (um) ano de detenção e, tendo a denúncia sido recebida em 22.06.2005 (fls. 22), inexistindo qualquer causa de suspensão ou interrupção, o prazo correu livremente por mais de 04 (quatro) anos, prazo prescricional para o caso de acordo com o art. 109, V do CPB.

III – DISPOSITIVO.

Do expendido, julgo IMPROCEDENTE a pretensão punitiva estatal, apresentada na denúncia, para ABSOLVER o réu DAMÁZIO ALVES SOBRINHO, da imputação constante no art. 302, parágrafo único, III do CPB, por atipicidade de sua conduta nos termos do art. 386, III do CPP. Quanto ao delito do art. 304 do CTB, acolho a preliminar de mérito e DECLARO EXTINTA a punibilidade do réu ante o advento da prescrição nos termos do art. 107, IV c/c art. 109, V do CPB.

P.R.I e transitado em julgado, arquivem-se.


Santa Rita /MA, 25 de setembro de 2009.