terça-feira, 20 de setembro de 2011

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA

EXMO. SR. PRESIDENTE DO EGRÉGIO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA  - BRASÍLIA/DF









GLENDER MALHEIROS GUIMARÃES, juiz de direito titular da comarca de Amarante do Maranhão/MA, vem mui respeitosamente à honrada presença de Vossa Excelência, suscitar CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA, por força da r. decisão proferida pelo Exmo. Juiz da Vara do trabalho de Imperatriz/MA, pelos fatos e fundamentos seguintes e com fundamento no disposto no artigo 115, II do Código de Processo Civil.


O único objetivo almejado com o conflito ora suscitado é evitar-se a prolação de sentença nula prejudicando a tramitação processual e, via de conseqüência, a própria atividade jurisdicional estatal.

Às fls. 4315-4317, o juízo trabalhista declina de sua competência sob o fundamento de que “ressalte-se que não desnatura o que se preconiza eventual reconhecimento de vínculo trabalhista do ora réu com a empresa requerente, como de fato se deu na RT nº 3219/2005, feito com transcurso regular nesta VT, na medida em que no aludido processado, diferentemente deste (que sequer aventa a existência de subordinação jurídica), a causa de pedir traz a lume relação material trabalhista, com pedido mediato que se circunscreve à CLT”.
Discordamos de tal interpretação.
A competência ratione materiae da Justiça Trabalho, encontra-se disposta no art. 114 da Constituição que assim dispõe:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;”
(...)
VI – as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;


Como se pode observar no presente caso não se pode falar em competência da Justiça Estadual, uma vez que foi o próprio juízo trabalhista quem reconheceu que o vinculo jurídico que une as partes caracteriza uma relação empregatícia (RECLAMAÇÃO TRABALHISTA Nº 3219/2005), não reconhecendo a validade jurídica da convenção celebrada entre os mesmos referente a um possível CONTRATO DE COMISSÃO MERCANTIL.
Portanto, se a convenção das partes é inválida para fins de afastar as características do contrato celetista, uma vez demonstrados os requisitos do art. 3º da CLT, não poderia o juízo trabalhista declarar a sua incompetência para o julgamento da presente ação de ressarcimento derivada da relação de trabalho sob o fundamento de que a causa de pedir da presente demanda não “aventa a existência de subordinação jurídica”, pois tal subordinação foi declarada judicialmente quando a Vara do Trabalho de Imperatriz/MA (suscitado) reconheceu que o vínculo jurídico entre as partes caracterizava uma relação de trabalho e não um contrato de natureza comercial.
Portanto, é incontroverso que havendo a caracterização de um contrato individual de trabalho, inclusive com recolhimento de FGTS (fls. 4082-4088, vol. XXI), assinatura de CTPS (fls. 4194-4206, vol. XXI), resta evidente a relação de prejudicialidade quanto ao desfecho da competência para julgamento da presente demanda, pois, reconhecido o vinculo empregatício do demandado, eventuais ressarcimentos por atos cometidos pelo empregado em prejuízo da empresa passaram a ser da competência da Justiça Laboral, desde o advento da EC nº 45/04 que alterou a redação do art. 114, VI da CF, tratando-se de competência material.
Nesse aspecto cabe salientar que a instrução processual revelou típicos traços de contrato individual de trabalho disfarçado na medida em que a empresa A CREDINORTE arcava com todos os riscos do empreendimento incluindo: fornecimento de mercadorias, aluguel do imóvel, impostos e despesas com contratação e dispensa de empregado, além de despesas de água, luz e telefone e eventualmente outras despesas extraordinárias conforme se infere dos seguintes depoimentos:
“(...) que o acordo fora firmado nos seguintes termos, a empresa se responsabilizaria pelo pagamento da locação dos prédios, verbas trabalhistas, das despesas de água e luz, da conta de telefone até um determinado teto e pelo repasse de produtos para revenda, enquanto IROMAR receberia um percentual variado, mas em média 5% de tudo que fosse vendido; que eram feitos relatórios e balancetes diários do que era vendido e recebido e o gerente das filiais, dentre os quais o réu, compareciam constantemente à matriz para a prestação de contas(...) (DEPOIMENTO PESSOAL DO PREPOSTO da autora WALTER MARTINS DE ANDRADE, fls. 4141, VOL. XXI)
(...) que a parceria funcionava da seguinte forma: a requerente pagaria os funcionários que podiam ser escolhidos pela empresa ou pelo requerido e arcaria com o aluguel, com as tarifas de água, luz e telefone e com a adimplemento das despesas extraordinárias acatadas pela matriz, enquanto o requerido recebia um percentual variado, mas em regra de 5% sobre os produtos recebidos e vendidos; que existia um controle externo habitual e direto da matriz sobre as lojas, representado pela visita de servidores que se dá a cada dois meses ou a cada 45 dias; que além dessa supervisão, o requerido, como gerente da filial, ia até a matriz todos os meses realizar prestação de contas(..) (DEPOIMENTO PESSOAL DO REQUERIDO IROMAR CUSTÓDIO, fls. 4143, vol. XXI)
(...) que a parceria entre A CREDINORTE e o requerido previa que a empresa seria a responsável pelo pagamento da luz, agua, aluguel, telefone e fretes; que se surgisse alguma despesa extraordinária, o Iromar requeria à matriz o necessário para cobri-la, sendo que se a requisição fosse aceita a verba era repassada e a despesa realizada (...) (DEPOIMENTO DE GHARDER MULLER MOTA SANTANA, gerente da filial de João Lisboa/MA, fls. 4150, vol. XXI)
(...) que na parceria entre Iromar e A CREDINORTE a empresa se responsabilizava pelo pagamento de aluguel, água, luz, telefone e funcionários; que mesmo remunerados pela A CREDINORTE,os funcionários eram escolhidos pelo requerido (...) (depoimento de APOLIANA MOREIRA LIMA, caixa da loja de Amarante/MA, fls. 4152, vol. XXI)
                       
Portanto, a instrução de fato revelou a presença de todas as características do contrato individual de trabalho previstas no art. 3º da CLT, em que pese ter sido juntado aos autos uma cópia de um Contrato de Comissão (fls. 18-19) o que não desnatura a real existência de um contrato de trabalho.
Nesse sentido:

TRT 2ª - Acórdão : 19990660436 Turma: 10 Data Julg.: 30/11/1999 Data Pub.: 18/01/2000 Processo : 02980486439 Relator: VERA MARTA PUBLIO DIAS - CONTRATO DE TRABALHO - CARACTERIZAÇÃO. "O contrato de trabalho no Brasil não requer formas solenes e as normas legais que o regulam são de ordem pública imperativas. Por conseguinte, os fatos reveladores dos elementos da relação de trabalho é que devem ser considerados para aferição da existência do contrato de trabalho. Podem ser ajustados com qualquer nome: contrato por obra certa, empreitada, temporário, estágio, etc. Se a realidade evidencia o contrato de trabalho, ele aí está."
Durante a instrução restou devidamente demonstrado os requisitos da relação de trabalho entre o empregador e o empregado. Tais requisitos são pressupostos necessários, vejamos:
a)      O contrato gera continuidade na prestação de serviço, independente da periodicidade, não é eventual, mas contínuo, fato que restou demonstrado nos autos como consta da própria petição inicial.
b)      Aquele que assume com o empregador compromisso por meio do contrato, passa estar diante desse subordinado às suas determinações, devendo acatá-las como zelo e qualidade, fato que se revelou durante a instrução ficando o requerido subordinado à ordens emanadas da matriz e sob intensa fiscalização de prepostos da empresa.
c)      É intransferível a prestação assumida pelo empregado, não sendo possível solicitar a outro que a faça, é completamente pessoal. As atividades desenvolvidas pelo requerido não podiam ser objeto de delegação a terceiros.
d)      O empregado não assume os riscos inerentes da relação do trabalho, não participa da má sorte que pode seguir a empresa, mas pode participar dos lucros. O risco da atividade econômica é exclusivo do empregador, artigo 2º da CLT. Tal característica ficou evidenciada pelo fato do empregador assumir os riscos do empreendimento, arcando com o pagamento de empregados, despesas de água, luz, telefone, frete, etc.
É evidente que caso não restasse caracterizado o vínculo empregatício a pretensão de ressarcimento seria resolvida no âmbito das relações do Contrato de Comissão Mercantil, porém, não é o que se verifica, havendo equívoco na decisão do juízo trabalhista ao reconhecer independência entre tais demandas.
Ou seja, ou o requerido é empregado (gerente) e a competência é da Justiça do Trabalho (fato jurídico declarado na RT nº 3219/2005 da Vara do Trabalho de Imperatriz), ou o mesmo não o é, e a competência seria da Justiça Estadual de Amarante.
Porém, o que não se pode admitir é a conclusão da Justiça Laboral de que o requerido é empregado para fins de percepção de verbas trabalhistas e é comerciante para fins de ressarcimento dos prejuízos eventualmente causado no exercício de sua atividade de gerente da empresa.
Desta forma, entendemos que a competência para o processo e julgamento do presente feito cabe à Justiça do Trabalho e eventuais decisões proferidas pela Justiça Estadual seriam absolutamente nulas.

Nestes termos e pelos motivos suscitados, requer seja declarada a competência da Vara do Trabalho de Imperatriz/MA, para o processamento e julgamento da presente AÇÃO DE RESSARCIMENTO proposta por A CREDINORTE, já qualificada, contra IROMAR CUSTÓDIO SILVA.

Amarante do Maranhão/MA, 20 de setembro de 2011.

 


Glender Malheiros Guimarães

Juiz de Direito Titular