segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

SENTENÇA. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. MENOR EM UNIÃO ESTÁVEL. PRINCÍPIO DA LESIVIDADE. ABSOLVIÇÃO.


Processo n.º 454/2011
Autor: Ministério Público Estadual
Réu: WILLIAN DE SOUSA LIMA

S E N T E N Ç A


I- RELATÓRIO

O Ministério Público Estadual, através de seu representante legal, no uso de suas atribuições legais e constitucionais, ofereceu denúncia em face de WILLIAN DE SOUSA LIMA, qualificado às fls. 02, como incurso nas sanções do art. 217-A c/c art. 14, I e art. 147, caput, todos do Código Penal Brasileiro e art. 240 da Lei nº 8069/90, com arrimo nos fatos que seguem.
Consta do inquérito que fundamenta a presente ação que o denunciado, no mês de maio de 2011, praticou conjunção carnal contra a vítima M. M. S., menor de 12 anos, conforme exame de conjunção carnal de fls. 11.
(...)
Verifica-se ainda que o denunciado no dia do crime com o intuito de aliciar a menor a induziu ao consumo de alguma substância, para que a mesma ficasse vulnerável, para tornar-se mais fácil as investidas com o fim de corromper sexualmente a menor.
Não satisfeito em praticar o ato tipificado no art. 217-A do CPB, para satisfazer seu desejo libidinoso, o ora denunciado ainda tirou uma foto da vítima em pose pornográfica e espalhou para a comunidade amarantina como consta a prova acostada aos autos (fls. 13).
Após as práticas delituosas praticadas contra a pequena vítima, o denunciado após ter notícia de que estava sendo investigado pela polícia, ameaçou a mãe da vítima, a Sra. Marilene Lima de Moraes, afirmando que assim que saísse da cadeia mataria a mesma, haja vista que fora “denunciado” na polícia em razão do estupro pela mãe da vítima.
(...)

A denúncia foi recebida no dia 17.08.2011, fls. 49.
O denunciado foi citado às fls. 51-v, tendo deixado de apresentar defesa preliminar, motivo pelo qual lhe foi nomeado defensor dativo (fls. 53) o qual apresentou defesa preliminar às fls. 54-55, porém, deixou de arrolar testemunhas.
Às fls. 57 foi designada audiência de instrução, oportunidade em que foram ouvidas três testemunhas de acusação e em seguida procedeu-se ao interrogatório do acusado.
O Ministério Público Estadual apresentou alegações escritas às fls.70-73, pugnando pela procedência parcial da pretensão acusatória, com a conseqüente condenação do réu nas penas do art. 217-A do CPB, sustentando para tanto que a presunção de violência é absoluta conforme a atual jurisprudência do STJ e a improcedência da ação relativamente aos crimes do art. 240 do ECA e art. 147 do CPB, tendo em vista a insuficiência de provas..

A defesa, por seu turno, em alegações finais sustenta a insuficiência de provas, nega a ocorrência do delito sexual e afirma que o perfil da vítima é de pessoa “experimentada” a qual não era mais virgem e que atualmente mantém União Estável com outro homem, mesmo aos treze anos de idade. Quanto ao delito do art. 240 do ECA e art. 147 do CPB, pleiteia a absolvição por insuficiência de provas.

 É o relatório, passo a decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

QUANTO AOS DELITOS DOS ART. 240 DO ECA e ART. 147 DO CPB.

                                    Finda a instrução somente dúvidas remanesceram quanto à autoria do fato delituoso e quanto à efetiva contribuição do acusado para a perpetração do delitos.

                                   A MATERIALIDADE do delito do art. 240 do ECA está comprovada, tendo em vista que nos autos repousam cópia impressa da fotografia da vítima, despida e mostrando a sua genitália, em pose pornográfica. Quanto ao delito de ameaça, trata-se de crime formal e não demanda a prova do resultado naturalístico, bastando a alteração na tranquilidade psíquica do sujeito passivo para sua consumação.

                                  A AUTORIA, entretanto, não restou plenamente caracterizada, pois finda a instrução, dos autos somente emanam indícios de que o réu tenha sido o autor dos delitos, indícios que somente emanam  do depoimento da vítima em relação ao delito do art. 240 do ECA. Quanto ao delito do art. 147 do CPB, a própria testemunha ouvida no IP negou a ocorrência dos fatos (fls. 35), da mesma forma o réu em seu interrogatório:

“(...) que nega que William tenha lhe falado que iria matar MARILENE se fosse preso(...) que nunca disse a ela que ouviu WILLIAN falando disso (...) “(DEPOIMENTO POLICIAL, fls. 35)

“(...) Que nega que tenha feito ameaças a M. ou à respectiva mãe depois de o fato ter sido noticiado na delegacia (...) (Interrogatório Policial, fls. 30)

                                    Observe-se, entretanto, que a palavra da vítima, em que pese deva ser valorada de maneira especial, durante toda a instrução processual mostrou-se contraditória uma vez que afirma que não consentiu com a fotografia, entretanto, da análise da prova observa-se que a mesma “fez pose” e sorriu para a pessoa que tirou a foto.
                                     Tal atitude é incompatível com a pretensa afirmação de que a vítima não percebeu quando tenha sido clicada ou com a sugestão a vítima de que poderia está dopada momento da fotografia, fato que sequer fora objeto de qualquer investigação.
                                   Enfim, a prova colacionada durante a instrução processual não revelou a segurança necessária que autorize a expedição de um decreto condenatório contra o acusado, uma vez que o mesmo nega as imputações e a instrução processual não revelou com segurança a autoria dos referidos delitos.

                                  Conforme sabemos, meros indícios são insuficientes para autorizarem a condenação de um indivíduo, de forma que somente havendo indícios, o caminho natural de um processo criminal garantista deve ser a absolvição.

                                 Não nego que seja possível que o réu tenha efetivado o delito em tela, porém, não havendo a certeza diante do quadro probatório constante dos autos, entendo que a dúvida deve ser operar em favor do acusado.

Em verdade o Estado não conseguiu êxito na persecução penal, de modo que se injusto se mostra a denúncia contra o acusado, não menos injusto é querer que ele seja condenado por um delito, onde não se tem certeza de sua autoria.
Não se infere dos autos suporte probatório a macular a versão apresentada pelo acusado.  As provas colhidas no curso da instrução não infirmam a versão do acusado de forma que a mesma merece credibilidade.

Também não houve outras pessoas que presenciaram o fato e o imputaram ao réu.

Parco, portanto, o conjunto probatório apresentado em desfavor do réu, não restando outra opção a este juízo, senão a prolação de sentença absolutória em relação aos delitos do art. 240 do ECA e art. 147 do CPB, nos termos do art. 386, IV CPP.

QUANTO AO DELITO DO ART. 217-A DO CPB

                                     Dispõe o art. 217-A do CPB:

Art. 217A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.



                                A MATERIALIDADE está comprovada, através do laudo de exame pericial de fls. 11, o qual ateste o desvirginamento da vítima, em que pese ressalvar “membrana himenal com ruptura já antiga” o que significa que a vítima já não mais era virgem.

                    A AUTORIA, também restou demonstrada através dos depoimentos das testemunhas que presenciaram o namoro entre autor e vítima e da própria palavra da vítima que confirma que manteve relacionamento sexual com o acusado em uma única oportunidade, na residência do mesmo:

“(...) que teve um namoro rápido com o acusado; que durou menos de um mês; que os encontros normalmente foram no parque de Vaquejada da cidade no período vespertino; (...) que chegou a ter relação sexual com o acusado em uma única oportunidade na casa do mesmo; (...) que a declarante não era mais virgem na oportunidade uma vez que já tinha tido relação com um ex-namorado chamado Gleyson que mora perto da praça no Bairro Industrial; que no dia dos fatos a declarante estava muito nervosa mas consentiu com a relação sexual com o acusado(...) que há nove meses mantém uma relacionamento de União Estável com Idenê que possui 19 anos de idade(...) que antes do fato em apuração somente teve experiência sexual com o ex-namorado acima citado; que usa pílula anti-concepcional; que não foi forçada a manter relação sexual com Willian; que já tinha conhecimento do que era uma relação sexual e teve vontade de praticar(...) (DECLARAÇÕES DA VÍTIMA, fls. 68)

“(...) QUE já presenciou M. comentar que já namorou com Willian; que esse fato era do conhecimento de todos na escola(...) que já viu Michele com Francisca em direção ao parque de Vaquejada(...)” (DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA NAIANE SILVA, fls. 67)

Quanto ao elemento subjetivo do tipo, o mesmo também restou demonstrado e se caracterizou pelo dolo direto consistente na vontade livre e consciente do acusado de praticar conjunção carnal com a vítima menor de 14 (quatorze) anos.

Na hipótese em questão, as informações trazidas para os autos são no sentido de que o FATO FOI PRATICADO SEM VIOLÊNCIA, QUE HAVIA PLENA CONCORDÂNCIA DA SUPOSTA VÍTIMA, TRATANDO-SE ELA, ADEMAIS, DE PESSOA JÁ VERSADA EM CONTATOS SEXUAIS, APESAR DA POUCA IDADE.

SOBRE A PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA

Segundo o artigo 217-A do Código Penal, comete crime de estupro de vulnerável todo aquele que tiver conjunção carnal ou praticar qualquer outro ato libidinoso com pessoa menor de catorze anos.

O que a lei pretende com tal redação é impedir justamente a discussão provocada por algumas decisões de Tribunais e pela doutrina, ou seja, se há possibilidade de relativizar a vulnerabilidade da vítima menor de catorze anos.
Antes da vigência da Lei nº 12.015/09, o Código Penal definia o crime de estupro comum, não prevendo o hoje chamado estupro de vulnerável. Estupro era (e é) a prática de conjunção carnal (relação sexual vaginal) mediante violência, física ou moral, esta conhecida por grave ameaça. A seguir o mesmo Código afirmava que a violência (de qualquer modalidade) era presumida se a vítima fosse (entre outras alternativas também previstas) menor de catorze anos de idade. Ou seja, nessa hipótese a violência, elementar do estupro, estaria presente independentemente do eventual consentimento do sujeito passivo da conduta.

Essa antiga redação do Código possibilitava uma dupla interpretação da norma: que a presunção de violência era absoluta, sendo irrelevante prova do possível consentimento da vítima; ou que se tratava de presunção relativa, que devia ser afastada diante da prova do assentimento da suposta ofendida.
Tornou-se então conhecida a decisão do Supremo Tribunal Federal, relatada pelo Ministro Marco Aurélio, em 1996, deliberando que aquela presunção de violência não se sustentava quando houvesse evidências de que a vítima tivesse, por vontade livre de vícios, admitido a prática da conjunção carnal. O sentido da decisão era, enfim, de que a violência ou grave ameaça que não fosse real era presumida apenas relativamente, isto é, que se cuidava de presunção que admite prova em contrário (juris tantum), sendo, portanto, relativa, não absoluta.

 Tal decisão do STF, tomada nos autos do HC nº 73662-9/MG, porém, operava o chamado controle difuso de constitucionalidade, aplicando-se ao caso do processo em julgamento, mas não se estendendo aos demais. Quer dizer, a hipotética inconstitucionalidade da lei, ou de sua interpretação mais tradicional, que sustentava a presunção absoluta em casos dessa natureza, não ficava determinada para todos os casos e a lei não havia sido declarada inconstitucional de molde a ser banida do universo jurídico-positivo.

O ESTUPRO DE VULNERÁVEL DEPOIS DA LEI Nº 12.015/09

Certamente pensava o legislador de 2009 que a nova redação do tipo legal, e a sua definição autônoma como crime de estupro de vulnerável, jogaria uma pá de cal sobre o assunto, o qual, subtraindo a validade da discussão da natureza jurídica da presunção de violência.

Bastava então dizer que ter conjunção carnal ou praticar ato libidinoso com menor de catorze anos é crime e não mais se questionaria se existe ou não violência na conduta.

Claro que a lei, uma vez tornada vigente, ganha vida própria e, ao ser manejada pelos juízes, deve sair de sua abstração e materializar-se na situação concreta em que será aplicada, convertendo-se em lei particular do caso em julgamento.
Não há que negar que o legislador esmerou-se para evitar a discussão sobre a eventual relatividade da presunção de violência, em definir a simples conjunção carnal ou o ato libidinoso com menor de catorze anos como crime, inclusive com o requinte de lhe dedicar uma redação diferente daquela adotada para a definição do crime de estupro simples: assim, se este delito é descrito como o ato de constranger alguém (à prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso), o estupro de vulnerável é definido secamente como ter (conjunção carnal) ou praticar (ato libidinoso) com menor de catorze anos.

A partir da interpretação literal da norma, não é mesmo possível considerar a possibilidade de uma presunção de violência relativa, porque a presunção de violência simplesmente desapareceu da lei e também porque a eventual flexibilização que alguns  davam ao verbo constranger, núcleo do tipo legal do estupro, não mais é viável porque o núcleo do tipo no estupro de vulnerável é ter ou praticar.

O debate, então, passa para outra seara. A pergunta deve ser: é viável que o Direito penal tipifique qualquer fato, mesmo fundado em elementos puramente objetivos, ou independentemente de ofensa real a algum bem jurídico?

O Princípio do Devido Processo Legal Substantivo pressupõe a razoabilidade e proporcionalidade na elaboração da norma jurídica, impondo limitações ao poder de o legislador infraconstitucional tipificar condutas taxando-as de criminosas.

 No caso específico do que é aqui analisado, interessa mais de perto considerar duas hipóteses:

1) Que o significado de estupro é, como sempre foi, o de uma violação sexual, isto é, um ato sexual cometido mediante violência real. Fala em favor dessa ideia o próprio sentido etimológico do vocábulo “estupro”, originário do latim, em que stuprum representa, antes de qualquer coisa, um ato de violência. Sendo assim, a falta de violência concreta na relação sexual de alguém com quem nisto consinta afasta inevitavelmente o conteúdo criminoso da conduta, porque lhe falta ofensividade/ lesividade.

2) Que o estupro de vulnerável, da forma como é legalmente definido, apoia-se em elementos estritamente objetivos, os quais não fornecem, por si só, componentes capazes de emprestar aquela mesma ofensividade/lesividade à conduta; em suma, somente o fato de ter sido o ato praticado com menor de catorze anos, sem violência e com o consentimento do(a) parceiro(a), não contém qualquer ofensividade apta a justificar a incidência de uma norma penal incriminadora, o que de certa forma conduziria a uma responsabilidade penal objetiva.

O PRINCÍPIO DA LESIVIDADE pressupõe a efetiva lesão ao bem jurídico tutelado pela norma incriminadora e proíbe a incriminação de condutas desviadas que não afetem efetiva o potencialmente qualquer bem jurídico.
Portanto, considerando as circunstâncias que envolveram o presente caso concreto entendo que em que pese a verificação da tipicidade formal, desde o meu olhar, não houve tipicidade material uma vez que a conduta imputada ao acusado pouca ou nenhuma lesão causou ao bem jurídico tutelado pela norma, qual seja, a dignidade sexual da vítima, pois, tenho como válida a sua escolha e consentimento, de forma que também inexistiu no presente caso a tipicidade conglobante.

Não desconheço que o STJ tem decidido de maneira diametralmente oposta ao teor da presente decisão, mas ouso discordar por entender que é preciso levar em conta o comportamento da vítima de crimes sexuais, o acesso que têm, por via da mídia, aos exemplos e às informações contidas nos programas de entretenimento, bem como suas experiências no ramo – revelado pela manutenção de União Estável com terceiro e uso contínuo de medicamento anticoncepcional – o que me conduz a uma necessidade de ajustar a norma à realidade.
                       Concordo que a nova legislação excluiu a presunção de violência que compunha o tipo penal revogado.

                  Mas, quando a pessoa da ofendida, embora com menos de 14 anos de idade, deixa claro e patente ter maturidade suficiente para exercer a sua capacidade de autodeterminar-se no terreno da sexualidade, entendo que isso se constitui em um verdadeiro contrassenso.

               O consentimento, ou a adesão da pessoa ofendida mostra-se, nesses casos, relevante e eficaz e assim não lesiona o texto legal o reconhecimento de sua atipicidade material permitindo colocar o juiz em sintonia com a realidade em que está inserido.

           No presente caso, entendo que restou evidente que a vítima aderiu conscientemente ao convite sexual, já não era virgem aos doze anos de idade e hoje aos treze já mantém relação de UNIÃO ESTÁVEL com terceiro, fazendo uso de método anticoncepcional para prevenir uma gravidez.

                   Portanto, como sustentou a defesa, não me parece ser esta a vítima que a lei optou por proteger objetivamente as opções sexuais.

                    Nesse sentido colaciono decisões de Tribunais em que pese relacionadas ao texto legal revogado pela Lei nº 12.015/09:

“‘... a tais situações de relativização da presunção deve ser acrescida uma outra, ou seja, exclui-se a presunção da violência, quando a pessoa da ofendida, embora com menos de 14 anos de idade, deixa claro e patente ter maturidade suficiente para exercer a sua capacidade de autodeterminar-se no terreno da sexualidade. Se dela partir a iniciativa ou a provocação do ato sexual, ou se ela aderir prontamente ao convite de caráter sexual que o agente lhe dirige, constituiria um verdadeiro contrassenso entender que sofreu violência. O consentimento, ou a adesão da pessoa ofendida mostra-se nesses casos relevante e eficaz. Considerar-se, portanto, a presunção de violência mais uma vez relativa não lesiona o texto legal e permite colocar o juiz em sintonia com a realidade em que está inserido (RT 678/411)”’ (TJSC, JCAT 81-82/619-20).

                          A situação exposta acima reflete o caso em julgamento.

             Trata-se de uma jovem e que demonstrou, tanto pela foto, como em seus depoimentos, uma jovem madura e consciente do que acontecia que já não era virgem e que hoje aos treze anos de idade mantém relacionamento de União Estável e faz uso contínuo de pílula anticoncepcional, de forma que tenho como válido o seu consentimento

III – DISPOSITIVO.

ANTE O EXPOSTO, julgo IMPROCEDENTE a denúncia e por conseqüência ABSOLVO o réu WILLIAN DE SOUSA LIMA, já qualificado, das imputações de delito previsto no art. 240 do ECA e art. 147 do  do CPB, por insuficiência de provas, nos termos do art. 386, IV do CPP e do art. 217-A do CPB por atipicidade da conduta, por considerar válido o consentimento da vítima, nos termos do art. 386, III do CPP.

Transitado em julgado a presente decisão, proceda-se à baixa, observando-se as formalidades legais e de praxe.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
           
Amarante do Maranhão/MA, 11 de dezembro de 2012.


Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular da Comarca de Amarante do Maranhão


quarta-feira, 21 de novembro de 2012

SENTENÇA. AÇÃO DE COBRANÇA


PROCESSO Nº 662/2007
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COBRANÇA
AUTOR: OSMAR FERNANDES PEIXOTO
RÉU: RUBENS DA SILVA PINTO

SENTENÇA


RELATÓRIO


Trata-se de ação de OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C COBRANÇA ajuizada por OSMAR FERNANDES PEIXOTO em face de RUBENS DA SILVA PINTO buscando a entrega de coisa certa e o pagamento de valor líquido.

Aduz o autor que firmou com o requerido contrato de venda e compra de 05 (cinco) máquinas para movelaria, uma tupia, uma furadeira, uma desempenadeira, uma serra-fita e uma soldadeira da fita, no total de R$13.000,00 (treze mil reais).

A forma de pagamento acordada a ser realizada pelo réu consistia na entrega de um automóvel tipo motocicleta HONDA, modelo NXR 150 BROSS ESD, cor vermelha, ano 2004, placa HPT 6867/MA, chassi n.º 9C2KD02304R012381 mais R$7.000,00 (sete mil reais em espécie).
Ocorre que, segundo o autor, o requerido tão somente entregou o veículo, porém sem documentação e deixou de pagar o saldo remanescente da dívida, na ordem de R$7.000,00 (sete mil reais) que deveria ser pago na data de 10.04.2006.

Devidamente citado, o réu apresentou contestação às fls. 22/27 reconhecendo a existência de contrato verbal de venda e compra entre ele e o requerente, sendo, entretanto, que os termos do contrato consistiam em 04 (quatro) máquinas e não 05 (cinco) como aduzido pelo autor.
Afirma ainda que das 04 (quatro) máquinas, havia motor apenas em 02 (duas) máquinas, na furadeira e na desempenadeira, sendo que o motor da primeira estava em mal estado de conservação e a segunda lhe faltava peças essenciais, como esquadros, rolamento de eixo e facas de 30cm.

Afirma que as demais peças estavam sem condição de uso, razão pela qual não as utilizou, informando que vizinhos e fornecedores de peças e serviços são testemunhas da inutilidade das mesmas.

Propala ainda o réu que o valor original do acordo consistia na quantia de R$10.000,00 (dez mil reais) e não R$13.000,00 (treze mil reais) como aduzido pelo autor, além de ter dado a motocicleta como pagamento de R$6.500,00( seis mil e quinhentos reais) de um total de R$10.000,00 (dez mil) pagou ainda em espécie e em outras formas de pagamento o total de R$ 2.888,00 (dois mil, oitocentos e oitenta e oito reais), resultando num total de R$9.388,00 (nove mil, trezentos e oitenta e oito reais).

Assim, o réu entende devido ao autor tão somente a quantia de R$612,00 (seiscentos e doze reais).

Às fls. 77/79 audiência de instrução em que foram colhidos depoimentos de DUAS  testemunhas uma arrolada pelo autor e outra pelo réu.

Às fls. 82/84 alegações finais do requerentes, e às fls. 87/89 do requerido.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. DECIDO.

FUNDAMENTAÇÃO

Pretende o autor que o réu seja compelido a entregar os documentos da motocicleta HONDA, modelo NXR 150 BROSS ESD, cor vermelha, ano 2004, placa HPT 6867/MA, chassi n.º 9C2KD02304R012381, além o recebimento do saldo remanescente referente ao pagamento do contrato de compra e venda de quatro máquinas de movelaria, cujo valor originário seria de R$ 13.000,00 do qual já houve pagamento parcial de R$ 6.000,00, consistente na entrega do veículo acima descrito, remanescendo um total de R$ 7.630,00 (sete mil seiscentos e trinta reais) valores atualizado até a data do ajuizamento.

Afirma que chegou a receber um cheque no valor de R$ 1.000,00 como pagamento parcial, porém o referido título foi devolvido por falta de provisão de fundos.

Analisando os autos, constato a consistência da prova que foi anexada junto à inicial, demonstrando, a existência e validade do negócio jurídico, bem como a sua inadimplência diante da mora do requerido, fato que inclusive restou incontroverso, já que o próprio requerido em sua resposta reconhece dever o valor de R$ 612,00 relativos aos referido negócio jurídico.
A controvérsia resumir-se-ia, portanto, ao quantum do débito remanescente.
Com efeito, alega o réu, em sua resposta que o negócio teria sido celebrado pelo valor de R$ 10.000,00 dos quais R$ 6.500,00 teriam sido pagos no momento da celebração da avença com a entrega do veículo acima descrito. Afirma ainda que pagou R$ 2.888,00, através de seu sócio Raul e também pessoalmente, de forma que somente reconhecia um débito de R$ 612,00.
Em sua contestação o réu limita-se a negar a existência do débito nos termos propostos na inicial, suscita a existência de fatos modificativos do direito do autor, tais como o pagamento de lavagem de caminhão, peças para caminhão, entrega de valores para Fábio que seria filho do autor, pagamento de alimentos, madeira, etc., mas não demonstra nos autos a existência dos referidos fatos.
Na mesma contestação afirma que o cheque constante das fls. 12 nada tem a ver com o negócio jurídico entabulado na inicial, mas, em verdade, referia-se ao pagamento de madeira que não fora entregue pelo autor e que por esse motivo não houve pagamento; posteriormente, em sua alegações finais, o réu confessa que o referido título de crédito foi emitido como forma de pagamento do referido negócio jurídico, porém, como o autor não teria cumprido a sua parte o cheque não fora compensado.

Sobre os fatos controvertidos a  instrução processual revelou que o negócio tinha por preço o valor global de R$ 13.000,00; que a moto foi recebida como início de pagamento por R$ 6.000,00 e que as máquina foram entregues ao requerido em que pese não estarem em condições adequadas de uso:
(...) QUE não presenciou o negócio celebrado entre o Sr. Osmar e o requerido, mas estava próximo do local onde os mesmos negociaram e tomou conhecimento através do autor que o mesmo vendeu para o requerido as seguintes máquinas: uma tupia, uma furadeira, uma m´quina de plainar (desempenadeira), uma circular (serra-fita) e uma soldadeira; Que a soldadeira não tinha motor(...) que na época foi informado pelo Sr. Osmar que o negócio tinha sido feito pelo valor de R$ 13.000,00 e que o requerido deu uma moto de entrada, pelo valor de R$5.000,00 ou R$6.000,00; que não sabe dizer sobre o pagamento do restante(...) que desconhece qualquer negócio envolvendo madeira que o Sr. Osmar teria feito com Rubens; que não tem conhecimento de pequenos pagamentos que Raul e Rubens teria feito para o Sr. Osmar e seu filho Fábio; (...) (DEPOIMENTO da testemunha JACSON ANTONIO BARBOSA HENN, fls. 79)
“(...) que recorda que o requerido Rubens adquiriu algumas máquinas industriais de movelaria na cidade de Grajaú; que tais máquinas pertenciam ao Sr. Osmar; que o requerido adquiriu uma Tupia, Plaina, serra-fita e furadeira; que na época percebeu que a tupia possuía um problema no eixo e não funcionava, mas posteriormente o requerido a consertou; que a serra-fita também não funcionava e até hoje não funciona; que as outras máquinas estavam funcionando; que não sabe dizer o preço que o requerido pagou nas máquinas mas recorda que o mesmo entregou uma moto que pertencia ao Sr. Raul que era sócio do requerido; que desconhece qualquer outro pagamento feito pelo requerido ao requerente; que desconhece qualquer negócio envolvendo madeira entre as partes; (...) que conhece Fábio filho do requerente de vista e não sabe dizer se Rubens fez algum pagamento para Fábio; Que também não sabe dizer se Raul fez algum pagamento para Fábio(...) (DEPOIMENTO da testemunha GILMAR DUARTE MOURA, fls. 78)

As mesmas provas indicam que o comprador tinha plena ciência do estado de conservação dos objetos alienados, uma vez que seus vícios não eram ocultos, pelo contrário, pois a própria testemunha JACSON afirma que “a soldadeira não tinha motor” e a testemunha GILMAR afirma que “a tupia possuía um problema no eixo e não funcionava, mas posteriormente o requerido a consertou; que a serra-fita também não funcionava e até hoje não funciona”.

Do acervo probatório, constato que a vontade do comprador era adquirir o maquinário no estado em que se encontrava, não cabendo agora alegar que os mesmos não estavam em boas condições de uso.

Portanto, os documentos anexados aliada à prova colacionada durante a instrução processual fazem prova inequívoca dos fatos articulados pelo autor em sua inicial.
Quanto a alegação de que a testemunha JACSON seria suspeita por ser empregado do requerente, tal alegação não pode prosperar uma vez que eventual contradita da testemunha teria que ser feito no momento de sua qualificação restando preclusa tal via em sede de alegações finais.

O pleito do autor encontra respaldo na legislação pátria, uma vez que tendo cumprido integralmente a sua obrigação contratual, teria direito de receber os valores na forma convencionada, porém, não foi o que se sucedeu.

Por fim, cumpre trazer a colação o disposto no art. 389 do CC que dispõe sobre as conseqüências do inadimplemento contratual:

”Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”


O requerente provou os fatos constitutivos de seu direito, uma vez que demonstrou com robusta prova documental a existência da obrigação e seu inadimplemento, cumprindo o disposto no art. 333, I do CPC. O réu por sua vez          em que pese ter sustentado fatos modificativos do direito do autor não conseguiu demonstrá-los nos autos.

“Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.”


Portanto, demonstrada a mora do requerido, razão assiste ao autor que pode se valer do judiciário para obter a tutela da obrigação assegurada pelo Código Civil Brasileiro.
Entretanto, relativamente à obrigação de fazer, observo que a mesma é personalíssima, já que a entrega de documentos do veículo somente pode ser imputada ao Sr. JOSE RAUL PEREIRA DA SILVA, proprietário do veículo, o qual não participou da relação processual.

DISPOSITIVO

ANTE O EXPOSTO e o que mais dos autos consta, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido contido na inicial para condenar o requerido RUBENS DA SILVA PINTO  a pagar ao autor, o valor de R$ 7.630,00 (sete mil, seiscentos e trinta reais),  sobre o valor da condenação incidirá juros de mora no percentual de 1% a.m. a contar da citação (Art. 405 do CC) e correção monetária também a partir do ajuizamento.

Condeno o réu em custas e despesas processuais e honorários advocatícios no percentual de 10% sobre o valor da condenação.

P. R. I.

Amarante do Maranhão/MA, 20 de novembro de 2012.


Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular da Comarca de Amarante do Maranhão



segunda-feira, 12 de novembro de 2012

SENTENÇA. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE COMISSÃO MERCANTIL


PROCESSO N˚: 437/2011

Autor: F.M. DE SOUSA
Réu: IROMAR CUSTÓDIO SILVA


SENTENÇA
          Nos termos do art. 113, §2º do CPC, tenho por válido todos os atos processuais anteriormente praticados, exceto os de caráter decisório praticados pela Justiça do Trabalho.

RELATÓRIO
                           
F.M. DE SOUSA, já qualificado, ingressou com a presente ação de ressarcimento contra IROMAR CUSTÓDIO SILVA, alegando em síntese que celebrou contrato de Comissão Mercantil com o requerido por força do qual disponibilizava ao réu a marca A CREDINORTE, mercadorias, aluguel do imóvel, impostos e despesas com contratação e dispensa de empregados. Em contrapartida, o requerido se obrigava a constituir empresa individual, comercializar e entregar os produtos vendidos, além de despesas de água, luz e telefone. Para a realização dessa atividade o réu recebia uma comissão sobre as vendas e deveria prestar contas. Foram abertas lojas na cidade de Amarante, Buritirana, Senador La Roque e João Lisboa.

Sustenta que em janeiro de 2004, após um balanço interno foi verificado uma grande diferença de caixa nas lojas sob a direção e responsabilidade do réu, referente ao período compreendido entre abril/2002 e dezembro/2003, no valor de R$ 628.033,35. Prossegue afirmando que o réu não soube explicar a diferença e afastou-se espontaneamente de empresa em 12.01.2004, quando fez nova retirada no valor de R$ 16.849,82. Em seguida o réu teria procurado o autor para fazer um acordo oportunidade em que entregou um veículo caminhão VW, placa MVV 0050, pelo valor de R$ 52.000,00. Finaliza requerendo a procedência da ação com a condenação do requerido em danos emergentes no valor de R$ 705.432,00, aí incluídos os  lucros cessantes. Requereu liminar de indisponibilidade dos bens móveis e imóveis em nome do requerido.

Juntou documentos, dentre os quais atos de constituição das empresas autora e ré, contrato firmado entre as partes, documentos contábeis do período, incluindo uma tabela contábil às fls. 25 onde explicita colunas contendo a relação de período, receitas, despesas, comissões, remessas e diferenças apuradas.
A liminar foi deferida às fls. 4051-4053, tornando indisponíveis os bens imóveis do requerido, bem como eventuais veículos, tendo sido determinada a citação do réu.
O requerido foi citado às fls. 4058, tendo apresentado contestação Às fls. 4077-4081, oportunidade em que alegou em preliminar a incompetência absoluta deste juízo, tendo em vista a existência de relação de emprego entre as partes. No mérito, alega que todas as prestações de contas foram feitas e aprovadas pelo requerente e que uma vez dada a quitação é inadmissível a pretensão de ressarcimento; que nos demonstrativos de cálculos não foram decotados o percentual correto das comissões que é de 7%, bem como o ICMS que é de 17%, bem como das importâncias que teria o requerido dispendido com carradas de cimento, madeira e sementes de capim em favor do requerente, nem duplicatas originadas de faturas de mercadorias compradas em nome de FM DE SOUSA; que o réu não se apropriou de nenhuma importância do requerente; que o documento de fls. 22, intitulado “contrato em partes” diz respeito à notas promissória em que o réu figura como emitente e estão sendo executadas em Imperatriz/MA, finaliza requerendo a improcedência da ação. Juntou extrato de conta vinculada do FGTS e cópia da notitia criminis.(fls. 4082-4092)

Em réplica o requerente sustenta a competência da Justiça Comum Estadual uma vez que se trata de um contrato comercial e não de um contrato de trabalho; no mérito, refuta os argumentos da contestação afirmando que em que pese prestadas as contas mensalmente o foram de forma fraudulenta e que houve reconhecimento da apropriação indébita pelo requerido que chegou a entregar um caminhão ao requerente; que os cálculos foram apresentados de forma contábil e conforme os documentos; que o campo receitas da tabela apresentada às fls. 25 refere-se ao faturamento bruto apresentados por Iromar nos mapas diários de vendas juntados; que o ICMS não pode ser decotado, pois tal obrigação tributária era arcada pelo autor, conforme contrato; que as comissões foram feitas com base nas retiradas feitas pelo requerido e demonstradas nos mapas de vendas anexados; que nega que tenha havido pagamento de carradas de cimento, madeira e sementes em favor do Sr. Francisco Manoel de Sousa, bem como de duplicatas em nome do autor; que o documentos “contrato em partes” representa uma confissão de dívida relativa á apropriação indébita em tela e não guarda qualquer relação com as notas promissórias executadas nos autos nº 282/2004 em trâmite na 3ª Vara Cível de Imperatriz.

Às fls. 4110-4111, o Ministério Público oferta parecer afirmando que não tem interesse no feito.
Às fls. 4112-v, este juízo designou audiência do art. 331 do CPC.
Às fls. 4118, restou infrutífera a conciliação.
Às fls. 4070-v, designou-se audiência de instrução.
Às fl.s 4140-4144, procedeu-se ao depoimento pessoal do preposto da requerente e depoimento pessoal do requerido, oportunidade em que o primeiro corroborou os fatos da inicial e o segundo negou qualquer tipo de fraude ou desfalque ao patrimônio da empresa.
Às fls. 4149-4151, procedeu-se à oitiva de duas testemunhas do requerido as quais confirmam a existência de uma parceria entre o requerente e o requerido, mas desconhecem a existência de fraude.

Às fls. 4180-4181, foram ouvidas duas testemunhas do autor, por precatória, as quais afirmam a existência de desvio de recursos por parte do requerido, falsificação de documentos e que com tais valores o requerido pede comprar dois caminhões que foram alugados para empresa skol e que o prejuízo foi da ordem de R$ 700.000,00
Às fls. 4190-4191, a requerente concorda com a declinatória de foro para a Vara do Trabalho de Imperatriz, local onde o requerido ingressou com uma Reclamatória Trabalhista (autos nº 3219/2005, ajuizada em 05.12.2005).

Às fls. 4207-v este juízo declinou de sua competência para a Vara do Trabalho de Imperatriz/MA.
Às fls. 4211, a juíza do trabalho reconhece a complexidade da causa e abre prazo para as partes oferecerem alegações finais em forma de memoriais.

Às fls. 4239, o julgamento foi convertido em diligência para reinquirição das testemunhas arroladas pelo autor, FRANKLIN BOLIVAR CARVALHO e MARIA DAS GRAÇAS SOARES RIBEIRO, anteriormente ouvidas às fls. 4180-4181, tendo em vista a verificação de nulidade por ofensa ao devido processo legal.
Tais testemunhas foram reinquiridas às fls. 4280-4282.
Às fls. 4291, o juiz do trabalho de Imperatriz converteu o julgamento em diligência sustentando que a Justiça do Trabalho reconheceu o vinculo trabalhistas entre as partes na RT nº 3219/2005, tendo condenado o autor em diversos títulos, motivo pelo qual designou nova audiência de conciliação com o fim de obter acordo referente aos dois processos.
ÀS fls. 4303, consta despacho oportunizando nova alegações finais para as partes.
Às fls. 4304-4306, o autor insiste na reunião do presente processo com a Reclamação Trabalhista nº 3219/2005 e subsidiariamente requer a compensação de eventual crédito do requerido naquela ação com o crédito do requerente nesta ação.
Às fls. 4310-4311, o requerido apresenta alegações finais alegando inexistência de conexão entre a reclamação trabalhista e a presente ação.
Às fls. 4315-4317, o juízo trabalhista declina de sua competência sob o fundamento de que “ressalte-se que não desnatura o que se preconiza eventual reconhecimento de vínculo trabalhista do ora réu com a empresa requerente, como de fato se deu na RT nº 3219/2005, feito com transcurso regular nesta VT, na medida em que aludido processado, diferentemente deste (que sequer aventa a existência de subordinação jurídica), a causa de pedir traz lume relação material trabalhista, com pedido mediato que se circunscreve à CLT”.
Às fls. 4327-4333, este juízo propôs ao STJ conflito negativo de competência por entender que havia incoerência na decisão da Justiça Laboral que reconheceu vinculo trabalhista entre as partes (RT 3219/2005) e ao mesmo tempo declinou de sua competência sob a alegação de existia um vínculo comercial relativo à presente demanda.
Às fls. 4335-4337, o STJ resolve o conflito declarando a competência do juízo da Justiça Estadual de Amarante do Maranhão.
Vieram os autos conclusos.


É o relatório. Decido.


FUNDAMENTAÇÃO

O Contrato de Comissão é o ajuste pelo qual alguém, denominado comissário, adquire ou aliena bens, em seu próprio nome, mas no interesse de outrem, o comitente. Por isso, muito chegaram a definir a Comissão como um mandato sem representação. Maria Helena Diniz, porém, discorda e afirma que a  comissão é uma espécie de colaboração entre empresários e, por isso, afirma que o comissário deve ser um empresário, necessariamente remunerado, assim diferenciado do mandatário, mesmo quando sem representação.

A discussão acerca da natureza jurídica do referido contrato comercial é irrelevante para a solução da presente lide, porém, necessária para delimitação das obrigações que cabem a cada um dos contratantes.

Diante da decisão do STJ no Conflito Negativo de Competência cuja decisão consta às fls. 4335-4337, restou indiscutível a validade do contrato de comissão existente entre as partes, independente do resultado da Reclamação Trabalhista nº 3219/2005.
O contrato de Comissão encontra-se regulado atualmente no CC nos art. 693 a art. 709:

Art. 693. O contrato de comissão tem por objeto a aquisição ou a venda de bens pelo comissário, em seu próprio nome, à conta do comitente.
Art. 694. O comissário fica diretamente obrigado para com as pessoas com quem contratar, sem que estas tenham ação contra o comitente, nem este contra elas, salvo se o comissário ceder seus direitos a qualquer das partes.
Art. 695. O comissário é obrigado a agir de conformidade com as ordens e instruções do comitente, devendo, na falta destas, não podendo pedilas a tempo, proceder segundo os usos em casos semelhantes.
Parágrafo único. Terseao por justificados os atos do comissário, se deles houver resultado vantagem para o comitente, e ainda no caso em que, não admitindo demora a realização do negócio, o comissário agiu de acordo com os usos.
Art. 696. No desempenho das suas incumbências o comissário é obrigado a agir com cuidado e diligência, não só para evitar qualquer prejuízo ao  comitente, mas ainda para lhe proporcionar o lucro que razoavelmente se podia esperar do negócio.
Parágrafo único. Responderá o comissário, salvo motivo de força maior, por qualquer prejuízo que, por ação ou omissão, ocasionar ao comitente.
Art. 697. O comissário não responde pela insolvência das pessoas com quem tratar, exceto em caso de culpa e no do artigo seguinte.
Art. 698. Se do contrato de comissão constar a cláusula del credere, responderá o comissário solidariamente com as pessoas com que houver tratado em nome do comitente, caso em que, salvo estipulação em contrário, o comissário tem direito a remuneração mais elevada, para compensar o ônus assumido.
Art. 699. Presumese o comissário autorizado a conceder dilação do prazo para pagamento, na conformidade dos usos do lugar onde se realizar o negócio, se não houver instruções diversas do comitente.
Art. 700. Se houver instruções do comitente proibindo prorrogação de prazos para pagamento, ou se esta não for conforme os usos locais, poderá o comitente exigir que o comissário pague incontinenti ou responda pelas consequências da dilação concedida, procedendose de igual modo se o comissário não der ciência ao comitente dos prazos concedidos e de quem é seu beneficiário.
Art. 701. Não estipulada a remuneração devida ao comissário, será ela arbitrada segundo os usos correntes no lugar.
Art. 702. No caso de morte do comissário, ou, quando, por motivo de força maior, não puder concluir o negócio, será devida pelo comitente uma remuneração proporcional aos trabalhos realizados.
Art. 703. Ainda que tenha dado motivo à dispensa, terá o comissário direito a ser remunerado pelos serviços úteis prestados ao comitente, ressalvado a este o direito de exigir daquele os prejuízos sofridos.
Art. 704. Salvo disposição em contrário, pode o comitente, a qualquer tempo, alterar as instruções dadas ao comissário, entendendose por elas regidos também os negócios pendentes.
Art. 705. Se o comissário for despedido sem justa causa, terá direito a ser remunerado pelos trabalhos prestados, bem como a ser ressarcido pelas perdas e danos resultantes de sua dispensa.
Art. 706. O comitente e o comissário são obrigados a pagar juros um ao outro; o primeiro pelo que o comissário houver adiantado para cumprimento de suas ordens; e o segundo pela mora na entrega dos fundos que pertencerem ao comitente.
Art. 707. O crédito do comissário, relativo a comissões e despesas feitas, goza de privilégio geral, no caso de falência ou insolvência do comitente.
Art. 708. Para reembolso das despesas feitas, bem como para recebimento das comissões devidas, tem o comissário direito de retenção sobre os bens e valores em seu poder em virtude da comissão.
Art. 709. São aplicáveis à comissão, no que couber, as regras sobre mandato.

Pleiteia o autor o ressarcimento de valores referentes a contrato de Comissão Mercantil celebrado entre o autor (comitente) e o réu (comissário). Afirma o autor que, após levantamento contábil referente aos período de abril/2002 a dezembro/2003 foi constatado que o réu deixou de repassar para a empresa autora o valor de R$ 628.033,35 (seiscentos e vinte e oito mil, trinta e três reais e trinta e cinco centavos). Em janeiro de 2004, o réu fez nova retirada supostamente indevida no valor de R$ 16.849,82 (dezesseis mil, oitocentos e quarenta e nove reais e oitenta e dois centavos), afirmando que tais valores, devidamente atualizados e com juros legais chegariam a um montante de R$ 705.432,00 (setecentos e cinco mil, quatrocentos e trinta e dois reais) até a data do ajuizamento. (conforme inicial e documentos de fls. 17-4049)
Reconhece que havia um acompanhamento mensal das contas prestadas pelo requerido, porém, após um balanço interno constatou um grande diferença de caixa nas lojas sob a responsabilidade do requerido chegando aos valores acima citados.
Afirma que o requerido fez uma confissão de dívidas e entregou um caminhão como parte do pagamento.

Analisando os autos, constato a consistência e robustez das provas que foram anexadas junto á inicial, demonstrando, contabilmente a diferença de caixa alegada pelo autor.
Em sua contestação o réu limita-se a negar a existência do débito, suscita a existência de fatos modificativos do direito do autor, tais como o pagamento de matérias de construção, madeira e sementes de capim, mas não demonstra nos autos a existência dos referidos fatos.
Na mesma contestação afirma que o caminhão entregue como pagamento de um débito incontroverso de R$ 55.200,00, em verdade se referia ao pagamento de algumas notas promissórias que estariam sendo executadas na Comarca de Imperatriz; posteriormente, em seu depoimento pessoal às fls. 4143, afirma que “fez um acordo com a F.M de Sousa envolvendo o repasse da propriedade de um caminhão, mas que na verdade o negócio visava quitar o desfalque contraído por um funcionário de Buritirana que estava sob sua vigilância e responsabilidade”.
Também é impertinente a alegação de que não entrou nas despesas os gastos com ICMS, uma vez que conforme o Contrato de Comissão de fls. 18-19, a responsabilidade tributária recaia sobre o autor e não sobre o réu.

A instrução processual revelou todos esses fatos:
“(...) que o acordo fora firmado nos seguintes termos, a empresa se responsabilizaria pelo pagamento da locação dos prédios, verbas trabalhistas, das despesas de água e luz, da conta de telefone até um determinado teto e pelo repasse de produtos para revenda, enquanto IROMAR receberia um percentual variado, mas em média 5% de tudo que fosse vendido; que eram feitos relatórios e balancetes diários do que era vendido e recebido e o gerente das filiais, dentre os quais o réu, compareciam constantemente à matriz para a prestação de contas; que numa dessas oportunidades Iromar estava conversando com um dos funcionários responsáveis pelos cálculos, no instante em que ele se deslocou, alguns comprovantes de pagamento sumiram(...) que a requerente iniciou uma perícia contábil e percebeu que havia uma diferença significativa entre o valor percebido constante dos relatórios e o valor depositado, que foi possível constatar através dos extratos bancários (...) que a empresa tentou um acordo com Iromar, propondo uma compensação parcial que se realizaria através do repasse de um caminhão alienado fiduciariamente do requerido ao domínio da ACREDINORTE; que o pacto foi aceito por Iromar, mas ele deixou de pagar as parcelas do financiamento e a Credinorte não pode consolidar o domínio do veículo(...) (DEPOIMENTO PESSOAL DO PREPOSTO da autora WALTER MARTINS DE ANDRADE, fls. 4141, VOL. XXI)
(...) que a parceria funcionava da seguinte forma: a requerente pagaria os funcionários que podiam ser escolhidos pela empresa ou pelo requerido e arcaria com o aluguel, com as tarifas de água, luz e telefone e com a adimplemento das despesas extraordinárias acatadas pela matriz, enquanto o requerido recebia um percentual variado, mas em regra de 5% sobre os produtos recebidos e vendidos; que existia um controle externo habitual e direto da matriz sobre as lojas, representado pela visita de servidores que se dá a cada dois meses ou a cada 45 dias; que além dessa supervisão, o requerido, como gerente da filial, ia até a matriz todos os meses realizar prestação de contas(..) (DEPOIMENTO PESSOAL DO REQUERIDO IROMAR CUSTÓDIO, fls. 4143, vol. XXI)
(...) que a parceria entre A CREDINORTE e o requerido previa que a empresa seria a responsável pelo pagamento da luz, agua, aluguel, telefone e fretes; que se surgisse alguma despesa extraordinária, o Iromar requeria à matriz o necessário para cobri-la, sendo que se a requisição fosse aceita a verba era repassada e a despesa realizada (...) que o dinheiro adquirido não era repassado diretamente para Iromar, mas depositado no banco, sendo que o gerente, ora declarante, arquivava o recibo, comprovante de depósito e a movimentação do dia e encaminhava para Iromar em Amarante (...) (DEPOIMENTO DE GHARDER MULLER MOTA SANTANA, gerente da filial de João Lisboa/MA, fls. 4150, vol. XXI)
(...) que na parceria entre Iromar e A CREDINORTE a empresa se responsabilizava pelo pagamento de aluguel, água, luz, telefone e funcionários; que mesmo remunerados pela A CREDINORTE, os funcionários eram escolhidos pelo requerido(...) que como em Buritirana não tinha banco a loja de lá mandava diretamente o dinheiro arrecadado em espécie, através de um maloteiro (...) (depoimento de APOLIANA MOREIRA LIMA, caixa da loja de Amarante/MA, fls. 4152, vol. XXI)

(...) que os funcionários do setor chegaram a ter uma certa desconfiança do requerido em virtude do mesmo ter gastos pessoais incompatíveis com a sua remuneração, por exemplo, quando patrocinava festas e também chamava atenção os bens materiais pro ele adquiridos, como 02 caminhões, 01 sítio, 01 supermercado (...) que após a mencionada constatação de diferença de caixa, foi observado pela requerente que o requerido “apropriou-se indevidamente” de nova quantia, em torno de R$ 16.000,00, não computada no primeiro levantamento (mais de R$ 600.000,00) referente aos valores que estavam no caixa das filiais que estavam sobre o comando do requerido situadas em: Amarante, João Lisboa, Buritirana e Senador La Roque; que a constatação da responsabilidade do requerido foi obtida através de procedimento investigatório interno(...) que não sabe informar se o requerido tinha autorização para fazer pagamento de contas pessoais do Sr. Francisco Manoel de Sousa, diretor presidente da ACREDINORTE (...) (depoimento de FRANKLIN BOLIVAR LIMA CARVALHO, SUPERVISOR DE CONFERÊNCIA DA ACREDINORTE, fls. 4280, vol. XXI)

Portanto, os documentos anexados aliada à prova colacionada durante a instrução processual fazem prova inequívoca dos fatos articulados pelo autor em sua inicial.

O pleito do autor encontra respaldo na legislação pátria, uma vez que tendo cumprido integralmente a sua obrigação contratual, teria direito de receber os valores na forma convencionada, porém, não foi o que se sucedeu.

Por fim, cumpre trazer a colação o disposto no art. 389 do CC que dispõe sobre as conseqüências do inadimplemento contratual e especificamente em relação ao contrato de comissão:

”Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.”

“Art. 703. Ainda que tenha dado motivo à dispensa, terá o comissário direito a ser remunerado pelos serviços úteis prestados ao comitente, ressalvado a este o direito de exigir daquele os prejuízos sofridos.”


O requerente provou os fatos constitutivos de seu direito, uma vez que demonstrou com robusta prova documental a existência da obrigação e seu inadimplemento, cumprindo o disposto no art. 333, I do CPC.

“Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.”


Portanto, demonstrada a mora do requerido, razão assiste ao autor que pode se valer do judiciário para obter a tutela da obrigação assegurada pelo Código Civil Brasileiro.

DISPOSITIVO

Ante o exposto e o que mais dos autos consta, julgo procedente o pedido contido na inicial para condenar o requerido IROMAR CUSTÓDIO SILVA a pagar ao autor, o valor total  de R$ 705.432,00 (setecentos e cinco mil, quatrocentos e trinta e dois reais),  sobre o valor da condenação incidirá juros de mora no percentual de 1% a.m. a contar da citação (Art. 405 do CC) e correção monetária também a partir do ajuizamento.

Condeno o réu em custas e despesas processuais e honorários advocatícios no percentual de 10% sobre o valor da condenação.

P. R. I.

Amarante do Maranhão/MA, 07 de novembro de 2012.


Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular da Comarca de Amarante do Maranhão