PROC.
567-44.2012.8.10.0038
SENTENÇA
1- RELATÓRIO.
DANTE ANDRADE LEÃO E EVA MARIA ANDRADE
LEÃO,
já qualificados, através de advogado constituído, ajuizou a presente AÇÃO DE RESPONSABIIDADE CIVIL POR DANOS
MORAIS E MATERIAIS, em face da COMPANHIA VALE DO RIO DOCE S/A, pelos fatos
e fundamentos expendidos a seguir.
Que
os requerentes são genitores de DANTE ANDRADE LEÃO JUNIOR, nascido em
30.05.1975, tendo sido privados do convívio com o seu filho em 06.08.2011, por
volta das 05:00h, quando o mesmo faleceu vitima de acidente ferroviário tendo
em vista que fora colhido e teve o corpo esmagado por uma composição de trens
da COMPANHIA VALE DO RIO DOCE (CVRD), quando atravessava a ferrovia Norte-SUL,
na Estrada do Cacau, no Bairro Norte-SUL, neste município..
Pleiteiam
indenização por danos morais e fixação de pensão por danos materiais.
Juntou
documentos de fls. 18-53, entre os quais as fotos do corpo da vítima.
Às
fls. 55 foi deferido o pedido de gratuidade da Justiça e determinada a citação
do requerido.
Às
fls. 61-81, o requerido apresentou contestação oportunidade em que sustentou
preliminar de ilegitimidade ativa dos autores; no mérito, sustentou que não se
aplica a teoria da responsabilidade objetiva prevista na Lei nº 2681/1912 aos
acidentes ferroviários envolvendo terceiros não passageiros; que tal lei
estipula a culpa presumida em casos envolvendo transporte de cargas e
passageiros; que a malha viária do local do acidente possui inúmeros
dispositivos de segurança, tais como: sistema de monitoramento e controle de
trafego, rastreamento via GPS, altura de lastro do trilho em relação ao
solo, e programas sociais de prevenção e
educação da população que reside nas proximidades da ferrovia; que inexiste
qualquer omissão da concessionária; que inexiste ato ou omissão ilícitos
imputáveis ao requerido ou a seus prepostos; que houve rompimento do nexo
causal em decorrência de culpa exclusiva da vítima que estava embriagada e
deitou-se no trilho permanecendo no local até o momento da passagem do trem;
que tal comportamento inadequado da vítima revela que ela assumiu o risco do
resultado e deu causa ao acidente; que o maquinista do trem adotou todas as
providencias de segurança buzinando por três vezes consecutivas, acionando os
faróis e os freis de emergência; que a concessionária não tem o dever de cercar
o leito da linha férrea; que o local do acidente era desabitado e ermo; que não
há prova do dano material alegado, pois
não há prova de que a vítima exercesse uma atividade remunerada e não há prova
de que os autores dependia economicamente da vítima; que em caso de condenação
o valor deve ser moderado e não exagerado;
que em caso de procedência o valor da indenização deve ser limitar a 1/3
do salário mínimo até a data em que a vítima completasse 65 anos de idade. Finaliza
requerendo a improcedência da ação.
Às
fls. 93-98, os autores apresentaram réplica, oportunidade em que reiteraram os
termos da inicial.
Às
fls. 99, determinou-se a realização de audiência preliminar.
Às
112, em audiência não houve acordo, tendo este juízo saneado o feito, afastando
a preliminar e fixado os pontos controvertidos tendo deferido as provas
requeridas na inicial e na resposta. Determinou-se, ainda, que fosse oficiado a
delegacia local para que informasse acerca da abertura de eventual IP para
apurar o fato.
Às
fls. 118, o delegado informa que não houve investigação policial acerca do
fato.
Às
fls. 119, foi designada audiência de instrução a qual se realizou às fls.
124-129, oportunidade em que foram ouvidas 4 testemunhas e tomou-se por termo o
depoimento pessoal da autora.
Às
fls. 124, requisitou-se informações do município de João Lisboa acerca da
identificação do local do atropelamento como sendo Zona Urbana ou Rural de
acordo com o Plano Diretor do Município.
Às
fls. 143-163, o município informa que o local do acidente deu-se em Zona
Urbana.
Às
fls. 181-186, o autor apresentou alegações finais, oportunidade em que
reafirmou os termos da inicial e da réplica.
Às
fls. 167-178, o requerido apresentou alegações finais, oportunidade em que reafirmou
os termos da contestação.
Vieram
os autos conclusos para sentença.
Eis o breve relato dos fatos. Passo a
decidir.
2 - DA FUNDAMENTAÇÃO
JURÍDICA.
2.1. DAS PRELIMINARES
Todas
as preliminares já foram analisadas e afastadas no despacho saneador de fls.112-113.
2.2.
MÉRITO
O
direito civil consagrou um amplo dever legal de não lesar ao qual corresponde a
obrigação de indenizar, aplicável sempre que, de um comportamento contrário
àquele dever de indenizar, surtir algum prejuízo injusto para outrem.
Reza
o art. 927 do Código Civil:
"Art.
927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.
Parágrafo
único: Haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa, nos casos
especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor
do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".
Definem
os arts. 186 e 187 do mesmo diploma legal:
"Art.
186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete
ato ilícito.
Art.
187 - Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo,
excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela
boa-fé ou pelos bons costumes" (grifo nosso).
Por
conseguinte, ato ilícito é aquele praticado por terceiro que venha refletir
danosamente sobre o patrimônio da vítima ou sobre o aspecto peculiar do homem
como ser moral.
O
dano moral é também consagrado como garantia constitucional, conforme prescreve
o art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal:
"Art.
5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade
do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes:
V
- é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da
indenização por dano material, moral, ou à imagem;
(...)
X
- são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,
assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de
sua violação" (grifo nosso).
RESPONSABILIDADE
OBJETIVA OU TEORIA DO RISCO
A
regra geral é a responsabilidade civil aquiliana ou subjetiva. Porém, nossa
legislação, com finalidade protetiva, criou certas exceções, aplicando em
determinados casos a responsabilidade objetiva. É o caso da responsabilidade
civil do Estado e de suas concessionárias de serviços públicos, conforme
previsão do art. 37, §6º da CF e art. 43 do CC.
Eis a redação dos dispositivos citados:
“Art.
37. A
administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte:
(...)
§ 6o As
pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,
causaram a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos
casos de dolo ou culpa.”
“Art.
43. As
pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por
atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado
direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes,
culpa ou dolo.”
A
responsabilidade civil objetiva, portanto, elimina de seu conceito o elemento
culpa, ou seja, haverá responsabilidade pela reparação do dano quando presentes
a conduta, o dano e o nexo de causalidade entre estes.
PRESSUPOSTOS
DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Para a configuração da responsabilidade
civil do Estado e das concessionárias de serviço público, necessário se faz a
demonstração da presença dos elementos da responsabilidade civil, quais sejam:
a conduta comissiva ou omissão, o evento danoso e nexo de causalidade. Deve
ainda inexistir qualquer causa excludente da responsabilidade civil.
CONDUTA
A
responsabilidade civil, tanto objetiva como subjetiva, deverá sempre conter
como elemento essencial uma conduta.
Maria
Helena Diniz assim a conceitua: "Ato humano, comissivo ou omissivo,
ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou
de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem,
gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado".
Portanto,
podemos dizer que conduta seria um comportamento humano, comissivo ou omissivo,
voluntário e imputável. Por ser uma atitude humana, exclui os eventos da
natureza; voluntário no sentido de ser controlável pela vontade do agente,
quando de sua conduta, excluindo-se, aí, os atos inconscientes ou sob coação
absoluta; imputável por poder ser-lhe atribuída a prática do ato, possuindo o
agente discernimento e vontade e ser ele livre para determinar-se.
No
presente caso, restou devidamente demonstrada a conduta danosa da
concessionária-ré na medida em que conforme o depoimento das testemunhas o
acidente ocorreu em área urbana populosa do município de João Lisboa, a poucos
metros do bairro Norte-Sul, não tendo a ré providenciado a construção de muros
ou cercas nessa área para evitar o transito de pessoas:
“(...)Que era o maquinista do trem que vitimou a
vitima; (...) Que já teve conhecimento de quatro ou cinco acidentes com vitimas
fatais na estrada de ferro, mas desconhece outros nas proximidades do local
onde se encontrava a vitima; Que depois desse acidente já aconteceu outro;
(...); Que a ferrovia norte sul possui cercas que impedem a passagem de
transeuntes nas áreas urbanas de Porto Franco e Estreito; Que o depoente
percebe que quando passa nas proximidades do local do acidente que existe um
bairro próximo; Que esse bairro é bem próximo da ferrovia de trezentos e
quinhentos metros; Que mesmo após o acionamento do freio de emergência
só é possível parar a locomotiva após 800 ou 1000 metros (...) Que reafirma que aproximadamente trezentos e quinhentos metros do local
existem uma casas que parecem ser um bairro; (...) Que nas proximidades do
local do acidente existem placas de sinalização da ferrovia, mas não cercas; Que mesmo hoje inexiste qualquer cerca no
local do acidente. (DEPOIMENTO DE ANTONIO DE ARAÚJO TEIXEIRA,
FLS. 126)
É
evidente que a conduta do requerido foi uma causa determinante – mas não a única
- do acidente que vitimou o filho dos autores, uma vez que colaborou
diretamente para facilitar o acesso da vítima aos trilhos, fato que não teria
ocorrido caso tivesse cercado ou murado o local em toda a área urbana deste
município, tal como fez nos municípios de Estreito e Porto Franco, conforme
informa o próprio maquinista no depoimento acima.
EVENTO DANOSO
O
dano representa uma circunstância elementar ou essencial da responsabilidade
civil. Configura-se quando há lesão, sofrida pelo ofendido, em seu conjunto de
valores protegidos pelo direito, relacionando-se a sua própria pessoa (moral ou
física) aos seus bens e direitos. Porém, não é qualquer dano que é passível de
ressarcimento, mas sim o dano injusto, contra ius, afastando-se daí o dano autorizado
pelo direito.
O
dano poderá ser patrimonial ou moral. Patrimonial é aquele que afeta o
patrimônio da vítima, perdendo ou deteriorando total ou parcialmente os bens
materiais economicamente avaliáveis. Abrange os danos emergentes (o que a vítima efetivamente perdeu) e os lucros cessantes (o que a vítima
razoavelmente deixou de ganhar), conforme no art. 402 do novo Código. Já o dano
moral corresponde à lesão de bens imateriais, denominados bens da personalidade
(ex.: honra, imagem etc.).
O
dano resta devidamente configurado através do atestado de óbito e laudo de
necropsia de fls. 25-26, onde consta como causa mortis TRAUMA CRANIO
ENCEFÁLICO, ACIDENTE DE TRANSITO.
NEXO DE CAUSALIDADE
O
nexo de causalidade consiste na relação de causa e efeito entre a conduta
praticada pelo agente e o dano suportado pela vítima.
Nem
sempre é tarefa fácil buscar a origem do dano, visto que podem surgir várias
causas, denominadas concausas, concomitantes ou sucessivas. Quando as concausas
são simultâneas ou concomitantes, a questão resolve-se com a regra do art. 942
do CC, que estipula a responsabilidade solidária de todos aqueles que concorram
para o resultado danoso.
Porém,
diante da problemática a respeito das concausas sucessivas, surgiram duas
teorias a respeito:
a) TEORIA
DA EQUIVALÊNCIA DAS CONDIÇÕES OU DOS ANTECEDENTES OU CONDITIO SINE QUA NON:
estipula que existindo várias circunstâncias que poderiam ter causado o
prejuízo, qualquer delas poderá ser considerada a causa eficiente, ou seja, se
suprimida alguma delas, o resultado danoso não teria ocorrido.
b) TEORIA
DA CAUSALIDADE ADEQUADA: para essa teoria, a causa deve ser apta a produzir o
resultado danoso, excluindo-se, portanto, os danos decorrentes de
circunstâncias extraordinárias, ou seja, o efeito deve se adequar à causa. O
dano deve ser resultado direto e imediato da conduta.
A
análise das provas colacionadas aos autos nos leva à conclusão de que de fato o
evento morte decorreu diretamente da omissão da concessionária em seu dever de
cuidado e proteção diante da atividade perigosa que exerce.
É
obrigação da empresa ferroviária fiscalizar a linha férrea, a fim de obstar a
travessia de pedestres, principalmente em se tratando de área urbana, com
ocupação populacional elevada, conforme faz prova o ofício de fls. 134, emanado
do município de João Lisboa/MA. E esse dever não foi observado na espécie.
É certo
que não seria possível exigir da empresa ferroviária a construção de muro ao
longo de toda a extensão da linha, mas essa providência é indispensável ao
menos nos locais com maior fluxo de pedestres, justamente para evitar
lamentáveis infortúnios como o versado nos autos. Caberia a ela obstar a
passagem clandestina dos pedestres, o que não fez até a presente data. Assim,
inafastável é o reconhecimento da culpa da ré pelo acidente que vitimou
fatalmente o filho dos autores.
Contudo,
se por um lado é evidente a culpa da requerida, por outro não há como deixar de
reconhecer que a vítima concorreu para o infeliz acontecimento.
Conforme
também mencionado pelas testemunhas, o atropelamento ocorreu entre duas
passagens de nível destinada à travessia da linha por pedestres. Ademais, as
testemunhas JEFFERSON SANTOS LIMA informa que a vítima ingeriu bebida alcoólica
entre as 18h do dia anterior até as 02h do dia do acidente que teria ocorrido
por volta das 5h. Já a testemunha JOSE ABDON OLIVEIRA MARINHO informa que fez
um adiantamento em dinheiro para a vítima na véspera do acidente. Por sua vez o
maquinista informa que avistou o corpo da vítima deitado na ferrovia, buzinou
por várias vezes, acionou o jogo de luz e o freio de emergência, mas a vítima
permaneceu inerte:
“Que trabalha na
segurança institucional da ferrovia norte sul; Que no dia dos fatos foi
acionado pela madruga acerca do acidente envolvendo a vitima, tendo noticiado o
caso a policia militar e ao IML; (...) Que
após esses procedimentos o depoente como de praxe deve investigar as 48
horas antecedentes ao acidente; Que diante disso passou a ouvir o patrão
da vitima que afirmou que havia feito um adiantamento para a mesma; Que em
seguida dirigiu-se até um bar nas proximidades do serviço da vitima chamado
drinks bar, tendo conversado com o proprietário do estabelecimento o senhor
Magno tendo este informado que a vitima passou a noite ingerindo bebida
alcoólica em seu bar tendo chegado ao local no inicio da noite por volta das
dezoito horas e se retirado do local por volta das duas da madrugada quando o
Magno resolveu fechar o estabelecimento; Que magno informou que a
vitima ainda tentou chamar um mototaxi mas não conseguiu motivo pelo qual saiu
do local a pés e em visível estado de embriagues alcoólico; Que posteriormente
o corpo da vitima foi encontrado na ferrovia. (...) (DEPOIMENTO DE
JEFERSON SANTOS LIMA, FLS. 125).
Tal depoimento, em que pese
tratar de um preposto da requerida está com consonância com o depoimento do
patrão da vítima que afirma que fez um adiantamento de aproximadamente R$
220,00 reais, porém, somente foi encontrado R$ 12,00 no bolso da vítima, além
de ter confirmado a existência do bar do Magno, chamado Drink’s bar, próximo do
local de trabalho da vítima:
(...)Que o depoente
é proprietário de uma pequena fabrica de pré moldados, situada no centro de
João Lisboa; Que a vitima trabalha como auxiliar de serviços gerais para o
depoente e percebia uma renda de duzentos e poucos reais por semana, por produção, que dava oitocentos reais por
mês aproximadamente; Que no dia anterior ao acidente a vitima trabalhou com o
depoente até as dezessete horas; (...) Que a vitima morava na casa da mãe e do
pai; Que o depoente não sabe dizer se a vitima tinha mulher ou filhos; Que pelo
contato que tinha com a vitima sabe que o mesmo utilizava parte do salário para
sustentar os pais; Que não sabe dizer se os pais da vitima possuem renda; (...)
Que na Avenida Simplicio Moreira no centro de João Lisboa, local onde a
vitima trabalhava, também existe um bar de propriedade de seu Magno, chamado
Drinks bar; Que não sabe se a vitima ingeriu bebida alcoólica ou se dirigiu
para referido bar; Que nunca percebeu que a vitima tivesse qualquer problema de
audição e de visão pois o mesmo sempre se relacionou normalmente com as
pessoas; Que jamais percebeu qualquer mudança comportamental na vitima que
indicasse que o mesmo pensava em suicídio; (...) Que a vitima recebeu o
pagamento no seu ultimo dia de trabalho; Que pagou aproximadamente
220,00 reais para a vitima; (...) (DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA JOSE ABSON MARNHO,
FLS. 128).
Em
princípio, e até prova em contrário, o uso da passagem de nível proporciona
maior segurança à travessia da via férrea. Nada recomendava às vítima deitar-se
sobre os trilhos. Assim, é evidente que esses cuidados infelizmente o falecido
não observou.
Nessa
medida, deve ser reconhecida a concorrência de culpas das partes, na esteira de
julgados a seguir:
“RESPONSABILIDADE CIVIL -
ACIDENTE EM FERROVIA -ATROPELAMENTO - PASSAGEM CLANDESTINA - EXISTÊNCIA DE
PASSARELA EM ESTAÇÃO PRÓXIMA - CULPA CONCORRENTE -CONCESSIONÁRIA E VÍTIMA - Age
com culpa concorrente a vítima que utiliza de passagem clandestina para
atravessar a via férrea embora exista passarela para pedestres na estação
próxima e também da concessionária de trens metropolitanos, quanto à
negligência de conservação de cercas ao longo da ferrovia, especialmente não
coibindo a invasão de pessoas em locais urbanos e populosos.” (Apel. nº
992.08.032168-1 (1.183.098/5-00) - Rel. Des. CLÓVIS CASTELO - J. 12/04/2010)
“RESPONSABILIDADE CIVIL -
ATROPELAMENTO EM LINHA FÉRREA - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - CULPA
CONCORRENTE CARACTERIZADA - PROCEDÊNCIA PARCIAL - [...] É civilmente
responsável, por culpa concorrente, a concessionária do transporte ferroviário
pelo atropelamento de pedestre por trem em via férrea, porquanto incumbe à
empresa que explora essa atividade cercar e fiscalizar, devidamente, a linha,
de modo a impedir sua invasão por terceiros, notadamente em locais urbanos e
populosos [...]”. (Apel. nº 992.07.041146-7 (1.134.095/4-00) - Rel. Des. MENDES
GOMES - J. 09/12/2009)
No mesmo
sentido, julgados do E. STJ:
“CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO
DE INDENIZAÇÃO. LEGISLAÇÃO AFETA AOTRANSPORTE FERROVIÁRIO. PREQUESTIONAMENTO.
AUSÊNCIA. ATROPELAMENTO EM VIA FÉRREA. MORTE DE TRANSEUNTE. PASSAGEM
CLANDESTINA. EXISTÊNCIA DE PASSAGEM DE NÍVEL PRÓXIMA. CONCORRÊNCIA DE CULPAS DA
VÍTIMA E DA EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE TRANSPORTE [...] II. Não obstante
constitua ônus da empresa concessionária de transporte ferroviário a
fiscalização de suas linhas em meios urbanos, a fim de evitar a irregular
transposição da via por transeuntes, é de se reconhecer a concorrência de
culpas quando a vítima, tendo a sua disposição passarela construída nas
proximidades para oferecer percurso seguro, age com descaso e imprudência,
optando por trilhar caminho perigoso, levando-o ao acidente fatal. Precedentes.
[...].” (REsp nº 1.046.535/SP - 4ª Turma - Rel. Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR -
J. 18/06/2009)
RESPONSABILIDADE CIVIL.
ACIDENTE FERROVIÁRIO. VÍTIMA FATAL. CULPA CONCORRENTE. PRECEDENTES. Neste
Superior Tribunal de Justiça, prevalece a orientação jurisprudencial no sentido
de que é civilmente responsável, por culpa concorrente, a concessionária do
transporte ferroviário pelo falecimento de pedestre vítima de atropelamento por
trem em via férrea, porquanto imcube à empresa que explora essa atividade
cercar e fiscalizar, devidamente, a linha, de modo a impedir sua invasão por
terceiros, notadamente em locais urbanos e populosos. Embargos de divergência
não conhecidos. (Resp 705.859/SP, Rel. Min. Castro Filho, Segunda Seção,
julgado em 13.12.2006, DJ 08.03.2007).
Assim, impõe-se o
reconhecimento, nos moldes do artigo 945 do Código Civil, segundo o
qual “se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua
indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto
com a do autor do dano”.
Reconhecida a culpa
concorrente, ter-se-á atenuante na indenização, isto é, "poderá ser
reduzida pela metade, se a culpa da vítima corresponder a uma parcela de 50%,
como também poderá ser reduzida de 1/4, 2/5, dependendo de cada caso." (GONÇALVES,
2010, p.464).
Na hipótese, a
concorrência de culpas deve ser estabelecida em 50%, tendo em conta a gravidade
das culpas de ambas as partes envolvidas no acidente.
INEXISTÊNCIA
DE EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO
A
responsabilidade civil do Estado será elidida quando presentes determinadas
situações, aptas a excluir o nexo causal entre a conduta do Estado e o dano
causado ao particular, quais sejam a
força maior, o caso fortuito, o estado de necessidade e a culpa exclusiva da
vítima ou de terceiro.
A
força maior é conceituada como sendo um fenômeno da natureza, um acontecimento
imprevisível, inevitável ou estranho ao comportamento humano, p. ex., um raio,
uma tempestade, um terremoto. Nesses casos, o Estado se torna incapacitado
diante da imprevisibilidade das causas determinantes de tais fenômenos, o que,
por conseguinte, justifica a elisão de sua obrigação de indenizar eventuais
danos, visto que não está presente aí o nexo de causalidade.
Já
na hipótese de caso fortuito, o dano decorre de ato humano, gerador de
resultado danoso e alheio à vontade do agente, embora por vezes previsível. Por
ser um acaso, imprevisão, acidente, algo que não poderia ser evitado pela
vontade humana, ocorre, desta forma, a quebra do nexo de causalidade, daí a
exclusão da responsabilidade diante do caso fortuito.
O
estado de necessidade é também causa de exclusão de responsabilidade. Ocorre
quando há situações de perigo iminente, não provocadas pelo agente, tais como
guerras, em que se faz necessário um sacrifício do interesse particular em
favor do Poder Público, que poderá intervir em razão da existência de seu poder
discricionário.
A
culpa exclusiva da vítima ou de terceiro é também considerada causa excludente
da responsabilidade estatal, pois haverá uma quebra do nexo de causalidade,
visto que o Poder Público não pode ser responsabilizado por um fato a que, de
qualquer modo, não deu causa. Decorre de um princípio lógico de que ninguém
poderá ser responsabilizado por atos que não cometeu ou para os quais não
concorreu.
No
caso dos autos, em que pese não se reconheceu a culpa exclusiva da vitima, mas
sim concorrente o que não elide a responsabilidade do réu por completo.
DOS
DANOS MATERIAIS
Quanto aos
danos materiais pleiteados, consistentes no arbitramento de pensão mensal aos
requerentes, em função da contribuição do filho como arrimo da família, o que
caracteriza os lucros cessantes considerando que o filho do casal veio a
falecer em decorrência da omissão da concessionária relativamente ao seu dever
de cuidado para evitar acidentes em área urbana – não podendo ser
desconsiderada a imprudência da vítima em deitar-se sobre os trilhos no momento
do acidente - o que impossibilitou os autores de receber auxilio material por
parte do mesmo e o nexo causal na medida em que o lucro cessante decorreu da
conduta da ré.
Segundo a
jurisprudência do STJ, em casos como o dos autos, a pensão tem sido estipulada
no percentual de 2/3 do salário mínimo vigente até os vinte e cinco anos,
quando o valor será reduzido para 1/3 do salário mínimo até a data em que a
vítima completasse 65 (sessenta e cinco) anos ou a morte de ambos os autores, o
que ocorrer primeiro:
STJ-225413)
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS
MORAIS. ARTIGO 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA 83/STJ. INDENIZAÇÃO.
SÚMULA 7/STJ.
1.
Ação de reparação de danos materiais e morais ajuizada em desfavor de
Município, com fulcro no artigo 37, § 6º da CF, em face do atropelamento de
filho, que ocasionou sua morte, por negligência de funcionário público causador
do acidente.
2.
É inadmissível o recurso especial manejado pela alínea "c" do
permissivo constitucional quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo
sentido da decisão recorrida (Súmula 83/STJ).
3.
Inequívoca a responsabilidade estatal, consoante a legislação
infraconstitucional (art. 159 do Código Civil vigente à época da demanda) e à
luz do art. 37, § 6º da CF/1988, bem como escorreita a imputação dos danos
morais, nos termos assentados pela Corte de origem, verbis: "(...) Da
análise dos autos, constata-se que o fato gerador preponderante para queda da
vítima de sua bicicleta e posterior atropelamento que lhe causou a morte foi a
caixa de papelão arremessada pelo funcionário do segundo apelante em direção à
caçamba do caminhão de lixo, que acertou a vítima, fazendo com que esta caísse
debaixo do caminhão e fosse atropelada. (...) Tal fato se constata pela prova
testemunhal produzida, bem como pelas fotografias tiradas no local logo após o
acidente, as quais, diga-se de passagem, não deixam dúvidas, pois nelas se
verifica a caixa de papelão em cima da criança, f. 32/38, demonstrando
claramente a imprudência e falta de preparo do funcionário do segundo apelante
em arremessar o lixo quando o caminhão passava ao lado de uma criança andando
de bicicleta, acreditando que a caixa passaria por cima desta sem acertá-la, o
que infelizmente não ocorreu. A conduta do funcionário do apelante, se levarmos
para o campo penal, se enquadra perfeitamente dentro do conceito de culpa consciente,
que é aquela onde o agente prevê a possibilidade de produção do resultado,
embora não a aceite, por acreditar que sua habilidade pessoal não permitirá a
ocorrência deste. (...)"
4. A pensão mensal a ser
paga pelo Estado deve ser fixada desde o falecimento da vítima, à razão de 2/3
do salário mínimo, até a data em que completaria 25 anos de idade; a partir
daí, à base de 1/3 do salário mínimo, até a data em que a vítima completaria 65
anos de idade. Precedentes: REsp 674586/SC
Relator Ministro Luiz Fux, DJ 02.05.2006; REsp 740059/RJ, DJ 06.08.2007; REsp
703.878/SP, DJ 12.09.2005.
5.
A análise acerca da culpabilidade do menor no acidente e do critério adotado
pela instância a quo para a fixação do quantum indenizatório resta obstada pelo
Verbete Sumular nº 7/STJ.
6.
Recurso especial não conhecido.
(Recurso
Especial nº 970673/MG (2007/0158956-2), 1ª Turma do STJ, Rel. Luiz Fux. j.
09.09.2008, unânime, DJe 01.10.2008).
TJMA-012490)
PROCESSO CIVIL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE
CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS DECORRENTES DE
FALECIMENTO DE FILHA MENOR, ESTUDANTE DA REDE PÚBLICA ESTADUAL, DURANTE A
REALIZAÇÃO DE ATIVIDADE EXTRACLASSE. AFOGAMENTO. DEVER DE VIGILÂNCIA.
INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA CARACTERIZADA. ENTENDIMENTO DO STF.
PENSÃO MENSAL. OBSERVÂNCIA DA JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO STJ. RECURSO
PARCIALMENTE PROVIDO.
I
- Nos termos do § 6º, do art. 37, da Constituição Federal, para que a
Administração Pública responda objetivamente pelos danos que seus agentes,
nessa qualidade, causarem a terceiros, basta a comprovação do dano e do nexo de
causalidade entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pela
vítima, sendo possível o afastamento da responsabilidade estatal apenas na
hipótese de comprovação da ocorrência de excludentes do nexo - culpa exclusiva
da vítima, caso fortuito ou força maior.
II
- O Supremo Tribunal Federal consagrou diretriz decisória no sentido de que a
responsabilidade advinda do dever de vigilância ou guarda pode ser
objetivamente imputado ao aparato estatal (RE 109.615/RJ, Rel. Min. Celso de
Mello, Primeira Turma, j. em 28.05.96, DJ de 02.08.96, p. 25.785).
III
- No caso concreto, restou comprovada a responsabilidade objetiva da
Administração Pública, uma vez que a morte por afogamento da filha da apelada,
aluna da rede pública de ensino, decorreu da inobservância do dever
constitucional de guarda e vigilância do apelante, durante atividade
extraclasse realizada pela vítima, sob coordenação e orientação de servidores
públicos lotados na unidade de ensino onde estudava.
IV - O Superior Tribunal de
Justiça firmou entendimento no sentido de ser devida a indenização por dano
material aos pais de família, em decorrência da morte de filho menor,
proveniente de ato ilícito, independentemente do exercício de trabalho
remunerado pela vítima, no valor de dois terços do salário mínimo, desde os
quatorze anos, data em que o direito laboral admite o contrato de trabalho, até
a data em que a vítima atingiria a idade de 65 anos. Entende o STJ, ainda, que
a pensão deve ser reduzida para um terço após a data em que o filho completaria
25 anos, quando possivelmente constituiria família própria, reduzindo a sua
colaboração no lar primitivo (REsp 976.059/SP, Rel. Min. Mauro Campbell
Marques, Segunda Turma, j. em 04.06.09, DJe de 23.06.09; REsp 1.101.123/RJ,
Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j. em 02.04.09, DJe de 27.04.09).
V
- Recurso parcialmente provido.
(Apelação
Cível nº 84.362/2009 (13.982/2009), 2ª Câmara Cível do TJMA, Rel. Marcelo
Carvalho Silva. j. 25.08.2009, unânime, DJe 02.09.2009).
No caso
dos autos a vítima faleceu aos 36 anos de idade, conforme certidões de
nascimento e óbito de fls. 26-27.
Portanto,
devidamente demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil do Estado,
ausente qualquer causa de rompimento do nexo causal, o caso é de procedência da
ação.
3- DO DISPOSITIVO.
Em face do exposto, JULGO PARCIALMENTE
PROCEDENTE a presente demanda para condenar a COMPANHIA VALE DO RIO DOCE ao
pagamento de indenização por DANOS
MATERIAIS, consistente em lucros cessantes PRO RATA, aos autores DANTE ANDRADE LEÃO
e EVA MARIA DE ANDRADE, já qualificados no valor de 1/6 do salário mínimo - considerando o decote de 50% derivado da
culpa concorrente da vítima - a contar da data do evento danoso até o dia em
que a vítima completasse 65 (sessenta e cinco) anos, ou o falecimento de ambos
os autores, devendo a requerida incluir os autores em folha de pagamento, a
teor do que dispõe o art. 533, §2º do CPC.
Condeno ainda o requerido no valor de R$
100.000,00 (cem mil reais) a título de DANOS
MORAIS – já decotado percentual de 50% em decorrência da culpa concorrente da
vítima - pela morte da vítima DANTE ANDRADE LEÃO JUNIOR, a ser
pago aos autores DANTE ANDRADE LEÃO e EVA MARIA DE ANDRADE, já qualificados,
cabendo R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) a cada um. Sobre o valor da
condenação incidirá juros moratórios no percentual de 1% a.m. a contar da data
do evento danoso (06.08.2011) (SUMULA Nº
54 do STJ) e correção monetária pelo INPC a partir da data da sentença.(SÚMULA Nº 362 do STJ).
Condeno o requerido em custas e despesas processuais e ao pagamento
de honorários advocatícios no percentual de 15% (quinze por cento) do valor da
condenação a teor do que dispõe o art. 85, §2º do CPC.
P. R. I.
João Lisboa/MA, 13 de julho de 2016.
Juiz
Glender Malheiros Guimarães
Titular
da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa