quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

DECISÃO. EXCEÇÃO DE SUSPEIÇÃO. PROMOTOR

 

Proc. 0800028-25.2024.8.10.0038




DECISÃO



Trata-se de exceção de suspeição arguida pelo requerente em face da promotora de justiça Maria José Lopes Correa sob alegação de “fervorosa animosidade em relação ao réu e explícito interesse íntimo no julgamento condenatório em favor da suposta vítima e em detrimento do réu (…)”.

Diz ainda, que a representante do Ministério Público teria “explícito interesse íntimo na condenação em favor da suposta vítima, utilizando para tal finalidade o poder que o cargo público lhe oferece”, sustentando ainda a tese de que a Promotora tem inimizade com o réu.

Afirma que a Promotora de Justiça teria instaurado investigação paralela a principal realizando intimações das testemunhas para comparecer à sede da Promotoria local para depoimentos. Alega a violação ao princípio da imparcialidade do órgão acusador, o qual demonstra posicionamento pessoal.

Em decisão Id.109864539, este juízo suspendeu, até o julgamento da exceção de suspeição, o trâmite da ação penal nº 0800793-64.2022.8.10.0038 visando evitar eventuais nulidades processuais. Por fim, determinou a intimação da Excepta para manifestação e produção de eventuais provas no prazo de 03 dias, bem como a intimação do Excipiente para fazer prova do alegado.

Instado, a representante ministerial apresentou embargos declaratórios aduzindo a contradição da decisão (id. 109912958).

Os embargos interpostos não foram conhecidos por ser inexistente a contradição apontada.

Em seguida, a excepta apresentou manifestação onde alegou em preliminar a preclusão temporal do prazo de arguição de suspeição que seria de 15 dias a contar do conhecimento do fato ensejador (11.03.2023) e que o excipiente teve conhecimento no prazo para responder ao pedido de medida cautelar de prisão preventiva (19.05.2023), nos autos nº 0801386-59.2023.8.10.0038; no mérito, não reconhece a suspeição alegada e afirmou que sua atuação é padrão em crimes de mesma natureza, nos limites da lei e da Constituição; que a inquirição pós audiência de instrução derivou de fatos novos que teve ciência após a audiência e que, em sua visão, justificavam o pedido de prisão preventiva; que sua atuação tem respaldo nos artigos 127,128 e 129 da CF. Finaliza requerendo a improcedência da exceção de suspeição e a retomada do curso da ação principal.

O excipiente, por sua vez, apresentou manifestação revigorando os mesmos argumentos da exceção, quais sejam: a promotora teria levado para depor “debaixo de vara” as testemunhas arroladas em 30.11.2023 nos autos principais nº 0800793-64.2022.8.10.0038, conforme notificação que anexou; que a excepta apresenta fervorosa animosidade pessoal em desfavor do reu e explícito interesse em julgamento condenatório e prova disso seria a investigação paralela; que as testemunhas do réu encontram-se amedrontadas, pois foram coagidas e intimidadas pela promotora; que há uma investigação paralela que viola princípios constitucionais e processuais e que a excepta já havia usada desse expediente em 11.05.2023 para ouvir vítimas e testemunhas unilateralmente após a audiência de instrução e fundamentar pedido de prisão preventiva; que foi violado o princípio da imparcialidade do órgão acusador diante da fervorosa animosidade da promotora para prender e condenar o réu; que as oitivas da promotora são causa de nulidade, pois compromete o conteúdo do depoimento das testemunhas que estariam ameaçadas e coagidas; requer que a promotora junte os depoimentos e vídeos colhidos das testemunhas William Marques e Carlos Henrique Alexandre, tomados em 19.12.2023. Juntou cópia das notificações ministeriais.



Vieram os autos conclusos.



É o relatório. DECIDO.



PRELIMINAR DE PRECLUSÃO



Em sua resposta, suscita a excepta que a arguição de suspeição estaria preclusa uma vez que o prazo de arguição de suspeição que seria de 15 dias a contar do conhecimento do fato ensejador (11.03.2023) e que o excipiente teve conhecimento no prazo para responder ao pedido de medida cautelar de prisão preventiva (19.05.2023), nos autos nº 0801386-59.2023.8.10.0038.

Sem razão.

Com efeito, o excipiente afirma que tomou conhecimento das intimações em pleno recesso forense e logo no dia 09.01.2024 ajuizou o presente incidente. Assim, ao contrário do que sustenta a excepta, foi devidamente respeitado o prazo de 15 dias a contar da ciência dos supostos fatos ensejadores da suposta suspeição da representante ministerial, motivo pelo qual afasto a preliminar.



MÉRITO



Sustenta o excipiente ser a Promotora de Justiça, Dra. Maria José Lopes Corrêa suspeita para atuação nos autos do processo nº 0800793-64.2022.8.10.0038 a qual apura a conduta prevista no art. 217-A, do CP, pois incidiria em uma das hipóteses caracterizadora do referido vício previsto no que nos termos do art. 254, I, do CPP.

Chega a tal conclusão basicamente por dois fatos: a) a excepta estaria apresentando fervorosa animosidade pessoal em desfavor do réu e explícito interesse em julgamento condenatório e prova disso seria a investigação paralela; 2) a excepta teria intimidade testemunhas do réu intimando-as para depoimentos de caráter inquisitivo na sede da promotoria de Justiça.



Sobre as causa ensejadoras de suspeição previstas no CPP, dispõe o referido Códex:





Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:

I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;

II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;

III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes;

IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;

V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;

Vl - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.

(…)

Art. 104. Se for argüida a suspeição do órgão do Ministério Público, o juiz, depois de ouvi-lo, decidirá, sem recurso, podendo antes admitir a produção de provas no prazo de três dias.



O incidente de arguição de suspeição, é a forma expressa em lei para remover o Promotor da atuação no feito, caso deixe de agir com imparcialidade.



A imparcialidade tem dois aspectos: um subjetivo (relacionado com as partes), outro objetivo (afeto ao objeto do processo).

Na categoria de parcialidade subjetiva, acomodam-se todas as situações que tenham causas numa relação do juiz com as partes, como parentesco, amizade ou inimizade, etc. Ao passo que a parcialidade objetiva é fundante no objeto do processo, na relação que o juiz (ou promotor) possa ter com a situação jurídica endoprocessual, ou com a “pre-concepção” sobre o mérito da causa.

O tema é tratado de maneira simétrica entre a Magistratura e Ministério Público, mudando, por evidente, o que deva ser mudado, já que nunca se pode perder de vista que o órgão ministerial é parte no processo penal.

César Ramos da Costa, em artigo intitulado ― A imparcialidade objetiva do juiz no processo penal brasileiro e a exceção de suspeição, publicado no Informativo Jurídico Consulex n. 21, de 24-5-2010, esclarece que o magistrado no exercício jurisdicional deve observar tanto a imparcialidade subjetiva quanto a imparcialidade objetiva:



Pois bem. O exercício legítimo e legal da jurisdição pressupõe que, no caso concreto, o magistrado o faça não só com imparcialidade subjetiva (dimanada de sua relação com qualquer das partes), mas também com a chamada imparcialidade objetiva, que deriva não da relação do juiz com as partes, e sim de sua relação com os fatos da causa cuja apreciação lhe é submetida.

A imparcialidade objetiva demanda que, antes do momento de proferir a sentença, o juiz não tenha pré-juízos acerca dos fatos da causa sub judice. Esses pré-juízos podem dimanar do contato prévio do juiz com os fatos do processo, contato esse que, v.g., pode ter tido em outro processo. Pode, ainda, derivar da indevida antecipação de seu convencimento materializando um prejulgamento da causa.”



Conforme entendimento dos Tribunais Superiores, as hipóteses de impedimento previstas nos arts. 252, 253 e 258, do CPP, são taxativas não sendo possível a extensão e aplicação por analogia dessas hipóteses, uma vez que demonstraria fragilidade na tripartição dos poderes.



Quanto a suspeição, prevista no art. 254, do CPP, a jurisprudência do STJ entende que esta possui rol meramente exemplificativo, havendo, portanto, diversas maneiras de interpretações.

Nesse ponto, convém destacar: Sendo o MP parcial, como pode ser insuspeito? Exigindo-se insuspeição do MP no processo, não haveria contradição quando afirmamos que sua atuação é – e o é necessariamente – parcial?

A parcialidade que se exige do MP é a parcialidade objetiva, a parcialidade confortada e animada pela ordem jurídica. É a parcialidade desinteressada, aquela desprovida de interesse pessoal. É aquela agasalhada e absolutamente imprescindível à efetividade do contraditório constitucional (artigo , inciso LV, da CF).

No caso dos autos, alega o excipiente que a parcialidade do MP seria interessada e movida por uma “fervorosa animosidade” com vistas à condenação do réu.

Entretanto - cabe o destaque – o interesse ilegítimo da representante ministerial segundo a inicial da exceção derivaria do fato da mesma ter procedido com a realização ilegal de oitivas de testemunhas no curso do processo, o que geraria temor e comprometeria o conteúdo dos referidos depoimentos.

Importante destacar que os atos ilegais imputados ao MP teriam ocorrido em 13.05.2023, após a primeira audiência de instrução, quando a mesma levou as testemunhas para prestar declarações após tomar conhecimento de suposta tentativa de abordagem prévia do réu para alteração do conteúdo dos depoimentos prestados horas antes com o fito de obter uma versão que lhe fosse favorável e cujos conteúdos sustentaram uma representação por prisão preventiva para garantia da instrução probatória; e em 19.12.2023, após apresentação da qualificação das testemunhas de defesa, em que duas delas teriam sido notificadas a comparecer à promotoria de Justiça.

Quanto ao primeiro fato, o mesmo está documentado no id. 110670459, e trata-se de uma atuação legítima com vistas à instrução de pedido de cautelar incidental no processo com finalidade legítima de proteção do acervo probatório.

Quanto ao segundo fato não ficou efetivamente demonstrado o seu conteúdo nos autos, tendo o excipiente limitado-se a juntar cópia de duas notificações ministeriais para as testemunhas WILLIAM MARQUES E CARLOS HENRIQUE SILVA ALEXANDRE, apesar de lhe ter sido oportunizado prazo de 10 dias com indicação expressa de prerrogativa de acesso à eventual documentação conforme previsão na Súmula Vinculante nº 14.



SÚMULA VINCULANTE Nº 14: “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”



A verdade é que mesmo que tenha havido tomada de depoimento unilateriais de maneira inquisitorial sobre os fatos relacionados ao processo principal, a referida documentação em qualquer momento repousa nos autos e, caso repousasse, a sua consequência seria a declaração de sua ilicitude com o seu desentranhamento dos autos, conforme dispõem os art. 157, 564, IV do CPP e art. 5º, LVI da CF.

CPP:

Art.157. São inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais.



Art.564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: (…) IV - por omissão de formalidade que constitua elemento essencial do ato.



CF/88:


Art. 5º (...)LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;



Porém, nenhuma repercussão traria para corroborar a tese de “fervorosa animosidade” da representante ministerial com o réu com vistas a justificar uma inimizade capital entre as partes.



O amor e o ódio são paixões que tiram a serenidade e impelem à prática de atos contrários à Justiça. Já dizia Antônio Vieira: “Se os olhos veem com ódio, a pomba é negra; se, com amor, o corvo é branco.” Não pode revertir-se de imparcialidade o juiz ou promotor que se alimenta de amor ou ódio em relação às partes.



Segundo Heráclito Antonio Mossin (Comentários ao Código de Processo Penal, Manale Editora, p. 584), “Inimigo capital por seu turno, significa ódio ou rancor ou desejo de vingança nutrido pelo magistrado a uma das partes. Para caracterizar esse motivo gerador da suspeição, não basta, insuladamente, mera antipatia, aversão ou qualquer incidente capaz de extremar um melhor relacionamento entre o juiz e as partes, já que situações dessa natureza, presumivelmente, não culminam em gerar a parcialidade do director litis.”

Trazendo essa ideia para o representante ministerial, observe-se que quando a atuação do órgão do MP no processo escapa dos limites da parcialidade objetiva, a parcialidade confortada e animada pela ordem jurídica, aquela desinteressada, desprovida de interesse pessoal, e passa a recepcionar caráter de intensa subjetividade, ingressa nas areias movediças da suspeição.

A parcialidade subjetiva, enquanto causa de suspeição, ao contrário do que se verifica com as causas de suspeição e impedimento dos artigos 252, 253 e 254 do CPP, não possui um motivo externo, concreto, facilmente verificável e constatável.

Suas razões e causas são internas. As motivações podem ser as mais diversas. Podem ser experiências pessoais traumáticas, convicções religiosas, convicções políticas ou ideológicas, etc. De qualquer maneira, não é importante identificar as razões íntimas da parcialidade para que se reconheça a suspeição por parcialidade. Ela deve ser reconhecida e decretada sempre que mostrar sua face.

Em verdade, é um pouco mais difícil de identificá-la no MP do que no juiz, pois que a parcialidade é uma característica normal da atuação do órgão acusador.

Não é um ou dois atos isolados que a caracterizam. A parcialidade subjetiva irá aparecer quando o MP passar, no curso do processo, a propor e praticar atos ilegais, de maneira contínua, sequencial, sucessiva, recorrendo a métodos poucos ortodoxos e louváveis, objetivando a condenação a qualquer custo.

No caso dos autos, repito, não há prova da influência do ato de notificação das testemunhas para prestar esclarecimentos na promotoria com a pretensão condenatória do réu ou do prejuízo desse ato para o réu, já que essa prova unilateral sequer veio para os autos e se desconhece seu conteúdo.

No caso dos autos, verifico que a suspeição arguida foi fundada no art. 254, I, do CPP, aduzindo que a Promotora de Justiça, ora Excepta, age com “fervorosa animosidade pessoal em desfavor do réu”.

Pois bem, nesse diapasão, não detenho dos autos provas que corroborem o alegado pelo excipiente, tendo em vista que a mera argumentação e levantamento de questões atinentes a imparcialidade da Promotora não são suficientes para que seja declarada suspeita, como assim entende o Supremo Tribunal Federal:

ARGUIÇÃO DE SUSPEIÇÃO. PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA. INIMIZADE CAPITAL. ACONSELHAMENTO DAS PARTES. INOCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A causa de suspeição atinente à inimizade capital em relação a uma das partes (art. 254, I, c/c 258, ambos do CPP) não se perfaz com mera alegação de animosidade, exigindo-se indicação da plausibilidade de que o agente atua movido por razões de ódio, rancor ou vingança. Esse quadro não se verifica se o agente público cinge-se a funcionar nos limites de suas atribuições constitucionais, mantida, por óbvio, a possibilidade de controle judicial, a tempo e modo, do conteúdo dos atos praticados. 2. Por sua vez, a hipótese de suspeição associada ao aconselhamento de alguma das partes (art. 254, IV, c/c 258, ambos do CPP), além de pressupor que o agente público revele sua posição acerca do objeto de eventual demanda, desafia a participação pessoal daquele que se aponta como suspeito, o que, no caso concreto, não se verifica. 3. Agravo regimental desprovido.

Entendo que para que um Promotor seja declarado suspeito, são necessários a junção de dois fatores, os quais sejam: a arguição tempestiva da parte e a demonstração de prejuízo.

Nessa senda, convém destacar que tratando-se de “inimigo capital”, é essencial que o sentimento seja intenso, que transmita rancor, sensação de ódio e sentimento de vingança, o que não apuro no caso dos autos.

Apesar de possuírem graves apontamentos, as provas juntadas são frágeis o que denotam vulnerabilidade, não sendo suficientes para nem para caracterização do instituto, nem para o meu convencimento.

O Ministério Público é órgão indispensável na estrutura jurisdicional possuindo para tanto, livre atuação bem como “possui amplo conhecimento dos fatos delituosos, podendo explorar os meios de prova em juízo com mais precisão para formar a convicção do juiz no sentido da culpabilidade do acusado, no entanto, ao final do processo, a responsabilidade pela decisão é sempre do Poder Judiciário” (LIMA, Renato Brasileiro de; Código de Processo Penal Comentado. Salvador. Ed. Juspodivm, 2022, pág. 1143).

O Parquet, possui liberdade para promover diligências no decorrer da ação penal por ser órgão competente para tal atividade, não podendo ocupar o cargo de mero espectador.

Da detida análise dos autos, o que verifico é que as atividades desenvolvidas pela representante ministerial, estão em consonância com a Constituição Federal, em seu art. 129, que dispõe sobre as funções a serem realizadas pelos membros ministeriais, in verbis:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

II – zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição , promovendo as medidas necessárias a sua garantia;

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;

IV – promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição;

V – defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas;

VI – expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;

VII – exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;

IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

§ 1º A legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas neste artigo não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto nesta Constituição e na lei.

§ 2º As funções de Ministério Público só podem ser exercidas por integrantes da carreira, que deverão residir na comarca da respectiva lotação.

§ 3º O ingresso na carreira far-se-á mediante concurso público de provas e títulos, assegurada participação da Ordem dos Advogados do Brasil em sua realização, e observada, nas nomeações, a ordem de classificação.

§ 4º Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no art. 93, II e VI.



POR TODO O EXPOSTO e forte nesses argumentos, não reconheço a SUSPEIÇÃO DA PROMOTORA MARIA JOSE CORREA LOPES, motivo pelo qual a indefiro e por conseguinte DETERMINO:

  • O retorno do regular prosseguimento dos autos principais, cuja ação penal tramita sob nº 0800793-64.2022.8.10.0038;

  • A juntada desta decisão aos autos do processo supramencionado;



INTIMEM-SE AS PARTES.



João Lisboa/MA, 21.02.2024.

(assinado digitalmente)

Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara




terça-feira, 23 de janeiro de 2024

AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. ICMS SOBRE SAÍDE DE GADO BOVINO. SUJEITO PASSIVO PRODUTOR RURAL. IMPROCEDÊNCIA.

 


processo 0802405-03.2023.8.10.0038



SENTENÇA

1. RELATÓRIO:

Trata-se de AÇÃO ANULATÓRIA DE MULTA E DÉBITO FISCAL COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA, proposta por DUARTE LIMA CAVALCANTE em desfavor do ESTADO DO MARANHÃO, nos moldes da exordial, onde num esforço de síntese:

Argumenta que é produtor rural e que foi autuado pelo fisco estadual conforme auto de infração oriundo do termo de fiscalização nº 9121490001029 em função da não emissão de Notas Fiscais de saídas de gado bovino em pé nas operações internas e interestaduais para o período de 01.01.2016 a 30.11.2020, num quantum de R$ 326.817,11.

Alega: 1) que o processo administrativo foi viciado, por cerceamento de defesa do contribuinte, pois a impugnação administrativa não foi intempestiva, pois o autor não teria sido intimado para impugnação (proc. adm. 157028/2021) e compareceu espontaneamente no processo para se defender; 2) que não foram anexadas as GTA’s no processo administrativo tributário correspondente, constando apenas meras planilhas sem dados necessários para a defesa; 3) que o autor não é responsável tributário, pois a sujeição passiva ao ICMS nas operações de gado bovino é de responsabilidade do estabelecimento que der saída aos subprodutos resultantes de seu abate em face do diferimento da cobrança do imposto que é feita na operação posterior, nos termos do art 2º e 3º do anexo 4.4 do RICMS/2014, não sendo o autor substituto tributário antecedente, mas mero substituído. 4) Subsidiariamente, alega excesso na sistemática de cobrança e evolução da correção da dívida tributária, pois o Fisco aplicou multa punitiva de 100%, os débitos de ICMS possuem alíquota de 12% sobre a base de cálculos, o que caracteriza violação ao princípio do não-confisco. Afirma que o valor devido seria de R$ 193.416,42 e não R$ 326.817,11, havendo um excesso de R$ 133.400,69; 5) Nulidade do Auto de Infração por motivação genérica sem relação com o caso concreto e com eventual conduta ilícita imputável ao autor; 6) Que o autor deixou de emitir o documento fiscal atraindo a sanção de 1% sobre o valor das operações não tributadas ou tributadas em operações anteriores, o que equivale a uma multa de apenas R$ 14.602,47, pelo descumprimento da obrigação acessória, pois não deve responder pela obrigação principal, havendo excesso de R$ 312.214,64.

Finaliza requerendo a procedência do pedido principal de anulação do AI por cerceamento de defesa e vícios formais apontados e subsidiariamente a redução da multa por ofensa ao princípio do não-confisco para o valor de R$ 193.416,42.

A gratuidade foi indeferida e determinado o recolhimento das custas.

Foi deferido o parcelamento das custas em 4 parcelas.

Este juízo reservou-se para apreciação da liminar de suspensão da exigibilidade fiscal após o contraditório, tendo sido determinada a citação do ESTADO.

O autor pede reconsideração acerca da liminar, o que foi indeferido por este juízo.

Foi declarada a revelia do Estado do Maranhão, sem os efeitos materiais, nos termos do art. 345, II do CPC.

Intimado o autor para especificação de provas, o mesmo requereu o julgamento antecipado do mérito (id. 108320299).

Ouvido o MP, este declarou desinteresse no feito.

Vieram os autos conclusos.


É o relatório. Decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. DO JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO

In casu, a matéria comporta julgamento antecipado do mérito. A norma prescrita no art. 355, inc. I, do NCPC permite ao juiz julgar antecipadamente o mérito.
Desse modo, a precipitação do julgamento do mérito deve ocorrer toda vez que o juiz se encontre devidamente instruído acerca dos fatos submetidos à sua apreciação, podendo aplicar o direito ao caso concreto, independentemente da produção de qualquer outra prova, além da documental já constante dos autos, que é o caso da presente.
Por oportuno, enalteço que fora respeitado o contraditório dinâmico insculpido no novo CPC.

Preliminar de cerceamento de defesa em face da ausência de notificação do Auto de Infração

Em sua inicial, sustenta o autor que teve ofendido o seu direito ao contraditório e ampla defesa uma vez que fora autuado pelo Fisco Estadual e jamais notificado formalmente para que pudesse apresentar defesa administrativa e, ainda assim, comparecendo espontaneamente ao processo administrativo tributário, não teve por conhecida sua impugnação sob o fundamento de intempestividade.
Sem razão.
Com efeito, ao contrário do que alega o autor o mesmo fora formalmente notificado conforme se observa do id. 101272522,pag. 63 que indica sua ciência formal do Auto de Infração no dia 18.06.2021 às 09:40:13h.
Afasto a preliminar.

PRELIMINAR DE NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO POR AUSÊNCIA DE ACOMPANHAMENTO DAS GTA’S

Em sua inicial, sustenta o autor que teve ofendido o seu direito ao contraditório e ampla defesa uma vez que fora autuado pelo Fisco Estadual em processo administrativo fiscal que cerceou a sua defesa, pois carente de dados relevantes constantes das GTA’S que não foram anexadas ao processo administrativo, impedindo a aferição do fato gerador do tributo.


Sem razão.
Com efeito, ao contrário do que alega o autor as GTA’S estão perfeitamente individualizadas no Auto de Infração com todos os dados relevantes necessários para a defesa do autuado, tais como datas da saída, número da GTA, destinatário, quantidade de bovinos, sexo, idade.
Ademais, é obrigação do contribuinte manter em arquivo todos os documentos fiscais relacionados à sua atividade de forma que eventual destinação diversa do abate dos animais descritos nas GTAs que deram origem à fiscalização seriam perfeitamente identificáveis ao autor, afastando a presunção de legitimidade da autuação do fisco.
Semelhante obrigação consta do art. 3º da Lei nº 12097/2009:

Art. 3o  Os agentes econômicos que integram a cadeia produtiva das carnes de bovinos e de búfalos ficam responsáveis, em relação à etapa de que participam, pela manutenção, por 5 (cinco) anos, dos documentos fiscais de movimentação e comercialização de animais e produtos de origem animal que permitam a realização do rastreamento de que trata esta Lei para eventual consulta da autoridade competente.”
Afasto a preliminar.

2.2. Do Mérito


No mérito, vislumbro que não assiste razão ao demandante, pelas razões e fundamentos expostos adiante.


O autor pretende por meio da presente anulação do AUTO DE INFRAÇÃO nº 912163000393 E RESPECTIVO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO nº 157028/2021 no qual a Fazenda Estadual imputa ao requerido exação no quantum de R$ 326.817,11, derivada de obrigação tributária principal, consectários legais e multa decorrente de ausência de cumprimento de obrigação tributária principal e acessória.

O auto de infração n. 9121490001029 foi emitido, sob a seguinte fundamentação: Da análise do cruzamento eletrônico da GTA (Lei Federal nº 12097/2009) e documentos fiscais que por força de lei devem acobertar as operações de circulação de produtos e mercadorias, a SEFAZ identificou operações de venda de gado sem a emissão de documentos fiscais e também sem os respectivos pagamentos de ICMS, fato que caracteriza indício de crime contra a ordem tributária, prevista no art. 1º, I da Lei nº 8137/1990 e infringe os arts. 30 a 38, 41, 44, 48 e art. 68, I e II da Lei nº 7799/02 (CTE-MA) c/c art. 31, 60, 69, 105, 106, 111, 122, 136, 140, 308, 310, 313, 321-A, 321-B, 355 e 356 do RICMS, aprovado pelo Decreto nº 19714/03. O descumprimento da Lei Federal 12097/2009 e da Lei nº 7799/02 gerou a irregularidade fiscal da operação e consequentemente causou a perda do benefício fiscal previsto para essas operações, conforme determina o art. 9º, §6º da Lei nº 7799/02 “ A fruição de qualquer benefício fiscal, incentivo ou isenção fica condicionada à regularidade fiscal”. O ICMS calculado corresponde à aplicação da alíquota de 12% sobre a base de cálculo encontrada a partir das informações registradas no GTA, considerando-se a quantidade, tipo (macho ou fêmea), idade do animal e os respectivos valores de referência vigente em cada período (Portarias da SEFAZ: 245/2010; 143/2014 e 487/2015)”


As infrações tributárias decorrem da inobservância da regra que determina que as mercadorias e serviços, em qualquer hipótese, deverão estar sempre acompanhadas de documentos fiscais idôneos. Assim, o transporte de gado bovino, desacompanhado de documentação fiscal e acompanhado somente pela Guia de Trânsito de Animal GTA configura em situação fiscal irregular.


In casu, verifica-se que a incidência do ICMS é devida, pois não houve o destacamento da nota fiscal na operação realizada pelo contribuinte, não sendo, portanto, a operação coberta pela isenção de ICMS.


O Código Tributário Estadual, Lei nº 7799/02, prevê o diferimento do lançamento e do pagamento do ICMS em operações internas de saída interna de gado bovino destinado a cria ou recria, realizada entre produtores agropecuários, desde que acompanhada por nota fiscal e demais documentos de controle exigidos. Inteligência do artigo 1º, XXV do anexo 1.3 do Código Tributário Estadual, porém, não é o caso do autor já que as saídas de bovinos constantes das GTAs, revelam animais adultos com idades entre 25 meses e 36 meses ou mais, não sendo o caso de cria e recria (0 a 12 meses de idade) e nem de engorda (12 a 24 meses de idade), o que atrai a aplicação de tributação de ICMS com alíquota de 12%, conforme Decreto nº 31133/2015.


Também há previsão de DIFERIMENTO da cobrança do imposto quando a operação de venda for destinada para FRIGORÍFICOS SIFADOS, conforme previsão do anexo 4.4 do Código Tributário Estadual:


Art. 3º Nas entradas neste Estado, bem como nas saídas internas, de gado bovino e bubalino, destinado a frigorífico que esteja em situação de regularidade fiscal e sob controle do Serviço Público de Inspeção Sanitária, em conformidade com a Lei Federal nº 1.283, de 18 de dezembro de 1950 e com a Portaria nº 304, de 22 de abril de 1996, do Ministério da Agricultura do Abastecimento e da Reforma Agrária, ficam diferidos o lançamento e o pagamento do imposto.

§ 1º Considera-se encerrada a fase de diferimento no momento da saída dos produtos comestíveis resultantes de sua matança, hipótese em que aplicar-se-á o disposto no art. 2º.

§ 2º Na hipótese de saída interna com diferimento do imposto, o transporte do animal deverá ser acompanhado, além da nota fiscal da operação, pela Guia de Transporte Animal – GTA, emitida pela AGED.”


Ademais, mesmo se tratando de operação diferida de ICMS, a operação de transporte de animal deve estar acobertada por nota fiscal e demais documentos de controle exigidos, conforme determinam artigo 1º, XXV do anexo 1.3 da Lei nº 7799/02 (Código Tributário Estadual), sendo-lhe imputada sanção de multa.


Neste sentido é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE LANÇAMENTO DE CRÉDITO FISCAL C/C CONCESSÃO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA SATISFATIVA PARA SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TRANSPORTE ANIMAL. OPERAÇÃO ISENTA DE ICMS. EXIGÊNCIA DE NOTA FISCAL E DEMAIS DOCUMENTOS PARA CONTROLE DA ATIVIDADE. REMISSÃO REVOGADA. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. VÍCIOS DA AUTUAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE DA MULTA MORATÓRIA. MATÉRIA APRECIADA PELA CORTE ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS. HONORÁRIOS. 1. Não há falar em cerceamento de defesa quando a matéria objeto do feito depende exclusivamente de provas documentais, as quais foram satisfatoriamente juntadas, cabendo perfeitamente o julgamento antecipado da lide, conforme enunciado de nº 28, desta Corte. 2. Afasta-se a preliminar de cerceamento de defesa, suscitada em razão do julgamento antecipado da lide, quando existem nos autos provas suficientes à formação do convencimento do juiz e a parte interessada não se desincumbe do ônus de demonstrar o seu prejuízo, sem o qual não há que se falar em nulidade. 3. A saída interna de gado asinino, bovino, bufalino, caprino, equino, muar, ovino e suíno destinado a cria ou recria, realizada entre produtores agropecuários, desde que acobertada por nota fiscal e demais documentos de controle exigidos, ficando mantido o crédito, é isente de ICMS. 4. A Lei Estadual nº 20.255/2018 revogou o art. 3º da Lei nº 20.063, de 04 de maio de 2018, que previa a remissão dos créditos tributários e não tributários da Receita Estadual e da Agência Goiana de Defesa Agropecuária – AGRODEFESA- , inscritos ou não-inscritos, ajuizados ou não-ajuizados, cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data de publicação desta Lei, independentemente do valor, e que estejam relacionados à aplicação de penalidade pelo transporte de gado bovino desacompanhado de nota fiscal, embora acompanhado de Guia de Trânsito de Animal - GTA. 5. A concessão de eventual remissão não gera direito adquirido e será revogada de ofício sempre que se apure que o beneficiário não satisfazia ou deixou de satisfazer as condições ou deixou de cumprir os requisitos legais. 6. O princípio da irretroatividade no CTN consiste na impossibilidade de aplicação de lei que institua ou aumente tributos, ao passo que o princípio da anterioridade dispõe que é vedado à União, aos Estados, DF e Municípios cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada lei que os instituiu ou aumentou, o que não é o caso em debate. 7. No caso dos autos, a remissão, que é uma dispensa gratuita da dívida como forma de beneficiar o devedor, foi revogada por disposição expressa de lei, não havendo falar em ilegalidade. 8. In casu, a autuação foi realizada em momento anterior à lei estadual que previa a remissão e, posteriormente, foi revogada. 9. Não há falar em vícios no auto de infração quando devidamente especificados a natureza da infração e sua origem, o que permitiu, inclusive, sua impugnação em processo administrativo tributário, no qual foram garantidos o exercício do contraditório e ampla defesa. 10. De acordo com o posicionamento manifestado pela Corte Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, no julgamento da arguição de inconstitucionalidade de Lei nº 11.651/91, o artigo 71, inciso VII, 'L', do Código Tributário Estadual, é constitucional e a multa por descumprimento de obrigação tributária acessória, nele prevista, não possui caráter confiscatório. 11. Considerando o desprovimento do apelo, mister a majoração dos honorários advocatícios. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA.” (TJGO, Apelação Cível nº 5314156.89.2018.8.09.0125, Relator (a): Desembargador Jairo Ferreira Júnior, publicado em 26/07/2021).


Por fim, não há se falar em vícios no auto de infração quando devidamente especificados a natureza da infração e sua origem, o que permitiu, inclusive, sua impugnação em processo administrativo tributário, no qual foram garantidos o exercício do contraditório e ampla defesa.


Quanto á impugnação do quantum da multa, observo que a aplicação de multa no valor de 100% do valor do Imposto está prevista expressamente no ar. 80, VI, a do Código Tributário Estadual e que esta tem objetivo de sancionar o contribuinte que não cumpre com suas obrigações tributárias principal e acessória como é o caso dos autos, tendo importante função pedagógica a desencorajar a evasão fiscal, de forma que não reconheço ofensa ao princípio do não-confisco.


A anulação de qualquer ato administrativo pressupõe vício em qualquer dos seus elementos, quais sejam sujeito, objeto, forma, conteúdo e finalidade.

No presente caso não restaram caracterizados os vícios apontados na inicial, de forma que tenho por hígido o processo administrativo fiscal e lançamento tributário.



3. DISPOSITIVO:


ANTE O EXPOSTO, considerando tudo mais que dos autos consta JULGO IMPROCEDENTE os pedidos e reconheço a higidez do Auto de Infração e do processo administrativo fiscal.


Por conseguinte, extingo o processo, com apreciação do mérito, com fundamento no artigo 487, I, do NCPC.

Condeno o AUTOR, ainda, no pagamento das custas processuais. Sem honorários em face da revelia do Estado.

Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se as partes, via PJE.

Após as formalidades legais, arquive-se com baixa na distribuição.

Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se.

João Lisboa, 22 de janeiro de 2024.

(assinado digitalmente)

Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa

quarta-feira, 2 de agosto de 2023

SENTENÇA. RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE. ACIDENTE AUTOMOBILISTICO. PENSÃO VITALÍCIA E DANOS MORAIS. DENUNCIAÇAÕ LIDE SEGURADORA.

 

PROC. 0800387-77.2021.8.10.0038

SENTENÇA

1- RELATÓRIO.



ANTONIA SOARES SILVA e RAIMUNDO VELOSO SILVA, já qualificados, através de advogado constituído, ajuizou a presente AÇÃO DE RESPONSABIIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS E MATERIAIS, em face da DEURILSON MONTAURY SAMPAIO MUNIZ, pelos fatos e fundamentos expendidos a seguir.

Que os requerentes são genitores de ALEXANDRA SOARES SILVA, nascida em 20.01.1998, tendo sido privados do convívio com o seu filho em 22.10.2020, por volta das 19:33h, quando a mesma faleceu vítima de acidente automobilístico tendo em vista que fora colhida e sofreu traumatismo cranio encefálico, além de múltiplas fraturas por um veículo conduzido pelo requerido, quando trafegava de bicicleta pela MA 122 na altura do povoado São Raimundo, neste município..

Pleiteiam indenização por danos morais e fixação de pensão por danos materiais.

Juntou documentos, entre os quais as fotos do corpo da vítima, do veículo automotor e da bicicleta.

Foi deferida liminar com fixação de alimentos provisionais no valor de ½ salário mínimo e determinada a citação do requerido.

O requerido apresentou contestação oportunidade em que sustentou preliminar a denunciação da lide da seguradora SUL AMÉRICA CIA NACIONAL DE SEGUROS, pois o veículo estava coberto por apólice de seguro no momento do acidente para sinistros com danos corporais de até R$ 100.000,00.de ilegitimidade ativa dos autores; no mérito, sustentou que houve culpa exclusiva da vítima que não usava capacete e sinalização luminosa na bicicleta; que não houve culpa imputável ao réu; impugnou o valor da causa de R$ 500.000,00; que o comportamento inadequado da vítima revela que ela assumiu o risco do resultado e deu causa ao acidente; que não há prova do dano material alegado, pois não há prova de que a vítima exercesse uma atividade remunerada e não há prova de que os autores dependia economicamente da vítima. Finaliza requerendo a improcedência da ação.

Os autores apresentaram réplica, oportunidade em que reiteraram os termos da inicial.

Foi proferido despacho saneador de id. 65231171, oportunidade em que foi afastada a preliminar de impugnação do valor da causa; foi recebida a denunciação à lide da seguradora SUL AMÉRICA CIA NACIONAL DE SEGUROS e determinada a sua citação.

A ALLIANZ BRASIL SEGURADORA SA, nova denominação social de SUL AMÉRICA SEGUROS DE AUTOMÓVEIS E MASSIFICADOS SA, apresentou contestação onde alegou em preliminar a retificação do pólo passivo para constar ALLIANZ BRASIL SEGURADORA SA; que são incabíveis as verbas de sucumbência em relação à lide secundária, pois não houve resistência da seguradora; que a responsabilidade da seguradora depende do reconhecimento da culpa do segurado e ocorre nos limites do contrato previsto na apólice; que o segurado e os autores não enviaram a documentação completa do sinistro para seguradora; que não há prova da culpa do segurado; que não é caso de pensionamento, pois não há prova de que a vítima exercia atividade remunerada ou da dependência econômica dos autores; que em caso de pensionamento o mesmo deve se limitar a 2/3 do salário mínimo, pois não há comprovação da renda da vítima e há presunção de gastos pessoais na ordem de 1/3 pela jurisprudência; que deve ser abatido, ainda, o valor do seguro DPVAT, nos termos da SÚMULA 246 DO STJ; finaliza requerendo o acolhimento das preliminares e a improcedência da ação.

O réu apresenta petição requerendo a colaboração dos autores para recebimento do valor segurado.

As partes declararam não possuirem outras provas a produzir.

Este juízo determinou à parte autora para fazer prova do pedido administrativo de seguro DPVAT.

O réu requereu a suspensão do pagamento dos alimentos provisionais em face das sucessivas inércias dos autores em cumprir as determinações deste juízo.

Foi suspensa a obrigação alimentar e designada audiência de instrução.

Foi juntada aos autos sentença homologatória de Acordo de Não persecução penal.

Foi designada audiência de instrução, oportunidade em que foi proferida decisão restabelecendo o pensionamento mensal no valor de 10 prestações de R$ 5.000,00 a título de antecipação de tutela, ficando o autor obrigado a reapresentar documentação junto à seguradora e pleitear seguro DPVAT.

O autor informa que está em tratativas com a seguradora e pede mais 10 dias de suspensão.

Foi prorrogada a suspensão por mais 10 dias e determinada a intimação da seguradora para apresentar proposta de acordo.

Foi designada audiência de conciliação, porém, a mesma não foi frutífera.

As partes foram intimadas para especificarem provas.

A seguradora informou que não pretende produzir outras provas. O autor e réu quedaram-se inertes.



Vieram os autos conclusos para sentença.



Eis o breve relato dos fatos. Passo a decidir.



2 - DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.



2.1. DAS PRELIMINARES

Todas as preliminares já foram analisadas e afastadas no despacho saneador de id. 65231171.



2.2. MÉRITO

O direito civil consagrou um amplo dever legal de não lesar ao qual corresponde a obrigação de indenizar, aplicável sempre que, de um comportamento contrário àquele dever de indenizar, surtir algum prejuízo injusto para outrem.


Reza o art. 927 do Código Civil:


"Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar o dano independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".


Definem os arts. 186 e 187 do mesmo diploma legal:

"Art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187 - Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes" (grifo nosso).


Por conseguinte, ato ilícito é aquele praticado por terceiro que venha refletir danosamente sobre o patrimônio da vítima ou sobre o aspecto peculiar do homem como ser moral.


O dano moral é também consagrado como garantia constitucional, conforme prescreve o art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal:


"Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral, ou à imagem;

(...)

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (grifo nosso).



PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL



Para a configuração da responsabilidade civil, necessário se faz a demonstração da presença dos elementos da responsabilidade civil, quais sejam: a conduta comissiva ou omissão dolosa ou culposa, o evento danoso e nexo de causalidade. Deve ainda inexistir qualquer causa excludente da responsabilidade civil.



CONDUTA



A responsabilidade civil, tanto objetiva como subjetiva, deverá sempre conter como elemento essencial uma conduta.

Maria Helena Diniz assim a conceitua: "Ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado".

Portanto, podemos dizer que conduta seria um comportamento humano, comissivo ou omissivo, voluntário e imputável. Por ser uma atitude humana, exclui os eventos da natureza; voluntário no sentido de ser controlável pela vontade do agente, quando de sua conduta, excluindo-se, aí, os atos inconscientes ou sob coação absoluta; imputável por poder ser-lhe atribuída a prática do ato, possuindo o agente discernimento e vontade e ser ele livre para determinar-se.



No presente caso, restou devidamente demonstrada a conduta danosa do requerido na medida em que conforme os documentos que integraram o inquérito policial, em especial o laudo pericial de id. 42913940, o requerido trafegava na pista de rolamento em velocidade superior à permitida para a via, qual seja, 121 km/h, no momento do impacto contra a bicicleta da via que trafegava na margem direita da via no mesmo sentido do veículo. Importante observar, ainda, que segundo o referido laudo “o local do sinistro é um trecho retilíneo da MA 122, com presença de sinalização horizontal suficiente e com duplo sentido de circulação e orientação espacial de referência para faixa de rolamento nas bordas da pista”.

Também merece destaque a informação do laudo que atesta que “foram observadas, ao longo do trajeto dos veículos, marcas pnaumáticas macroscópicas no pavimento que evidenciaram uma tentativa de interrupção do movimento após o embate, indicando uma ausência de reação/percepção do condutor do veículo V1 ao obstáculo”, o que configura conduta a um só tempo imprudente e negligente, caracterizando a sua culpa.

É evidente que a conduta do requerido foi uma causa determinante do acidente que vitimou a requerente, uma vez que o impacto provocado pela colisão gerou como resultado lesões de natureza gravíssima na vítima que provocaram sua morte ainda no local do acidente, conforme laudo de necrópsia de id. 42913422.



EVENTO DANOSO E CULPOSO



O dano representa uma circunstância elementar ou essencial da responsabilidade civil. Configura-se quando há lesão, sofrida pelo ofendido, em seu conjunto de valores protegidos pelo direito, relacionando-se a sua própria pessoa (moral ou física) aos seus bens e direitos. Porém, não é qualquer dano que é passível de ressarcimento, mas sim o dano injusto, contra ius, afastando-se daí o dano autorizado pelo direito.

O dano poderá ser patrimonial ou moral. Patrimonial é aquele que afeta o patrimônio da vítima, perdendo ou deteriorando total ou parcialmente os bens materiais economicamente avaliáveis. Abrange os danos emergentes (o que a vítima efetivamente perdeu) e os lucros cessantes (o que a vítima razoavelmente deixou de ganhar), conforme no art. 402 do novo Código. Já o dano moral corresponde à lesão de bens imateriais, denominados bens da personalidade (ex.: honra, imagem etc.).

O dano resta devidamente configurado através do atestado de óbito de id. 42913409, onde consta que a causa da morte foi CID 506 TRAUMATISMO CRANIO ENCEFALICO, CID V13 ACIDENTE DE TRANSITO.

A culpa do agente também restou configurada, diante da prova pericial anexada aos autos que revela que o réu trafegava na pista de rolamento em velocidade superior à permitida para a via, qual seja, 121 km/h, no momento do impacto contra a bicicleta da via que trafegava na margem direita da via no mesmo sentido do veículo. Importante observar, ainda, que segundo o referido laudo “o local do sinistro é um trecho retilíneo da MA 122, com presença de sinalização horizontal suficiente e com duplo sentido de circulação e orientação espacial de referência para faixa de rolamento nas bordas da pista”. Também merece destaque a informação do laudo que atesta que “foram observadas, ao longo do trajeto dos veículos, marcas pnaumáticas macroscópicas no pavimento que evidenciaram uma tentativa de interrupção do movimento após o embate, indicando uma ausência de reação/percepção do condutor do veículo V1 ao obstáculo”, o que configura conduta a um só tempo imprudente e negligente, caracterizando a sua culpa..

Por fim, consta nos autos ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL onde o autor confessa os fatos e reconhece sua responsabilidade penal em relação ao crime.

NEXO DE CAUSALIDADE



O nexo de causalidade consiste na relação de causa e efeito entre a conduta praticada pelo agente e o dano suportado pela vítima.

Nem sempre é tarefa fácil buscar a origem do dano, visto que podem surgir várias causas, denominadas concausas, concomitantes ou sucessivas. Quando as concausas são simultâneas ou concomitantes, a questão resolve-se com a regra do art. 942 do CC, que estipula a responsabilidade solidária de todos aqueles que concorram para o resultado danoso.

Porém, diante da problemática a respeito das concausas sucessivas, surgiram duas teorias a respeito:

a) TEORIA DA EQUIVALÊNCIA DAS CONDIÇÕES OU DOS ANTECEDENTES OU CONDITIO SINE QUA NON: estipula que existindo várias circunstâncias que poderiam ter causado o prejuízo, qualquer delas poderá ser considerada a causa eficiente, ou seja, se suprimida alguma delas, o resultado danoso não teria ocorrido.

b) TEORIA DA CAUSALIDADE ADEQUADA: para essa teoria, a causa deve ser apta a produzir o resultado danoso, excluindo-se, portanto, os danos decorrentes de circunstâncias extraordinárias, ou seja, o efeito deve se adequar à causa. O dano deve ser resultado direto e imediato da conduta.

A análise das provas colacionadas aos autos nos leva à conclusão de que de fato o evento MORTE decorreu diretamente da colisão entre os veículos envolvidos no acidente causado pelo requerido que dirigia seu veículo de maneira imprudente e negliente, seja porque em velocidade inadequada, seja porque não demonstrou qualquer reação/percepção no sentido de evitar a colisão.



INEXISTÊNCIA DE EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE



A responsabilidade civil será elidida quando presentes determinadas situações, aptas a excluir o nexo causal entre a conduta do Estado e o dano causado ao particular, quais sejam a força maior, o caso fortuito, o estado de necessidade e a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.

A força maior é conceituada como sendo um fenômeno da natureza, um acontecimento imprevisível, inevitável ou estranho ao comportamento humano, p. ex., um raio, uma tempestade, um terremoto. Nesses casos, o causador do dano se torna incapacitado diante da imprevisibilidade das causas determinantes de tais fenômenos, o que, por conseguinte, justifica a elisão de sua obrigação de indenizar eventuais danos, visto que não está presente aí o nexo de causalidade.

Já na hipótese de caso fortuito, o dano decorre de ato humano, gerador de resultado danoso e alheio à vontade do agente, embora por vezes previsível. Por ser um acaso, imprevisão, acidente, algo que não poderia ser evitado pela vontade humana, ocorre, desta forma, a quebra do nexo de causalidade, daí a exclusão da responsabilidade diante do caso fortuito.

O estado de necessidade é também causa de exclusão de responsabilidade. Ocorre quando há situações de perigo iminente, não provocadas pelo agente, tais como guerras, em que se faz necessário um sacrifício do interesse particular em favor do Poder Público, que poderá intervir em razão da existência de seu poder discricionário.

A culpa exclusiva da vítima ou de terceiro é também considerada causa excludente da responsabilidade estatal, pois haverá uma quebra do nexo de causalidade, visto que o Poder Público não pode ser responsabilizado por um fato a que, de qualquer modo, não deu causa. Decorre de um princípio lógico de que ninguém poderá ser responsabilizado por atos que não cometeu ou para os quais não concorreu.

No caso dos autos, a vítima guiava sua bicicleta na mão de direção a um metro da borda da pista, em local habitado da zona rural deste município, qual seja, o povoado Sâo Raimundo. Em que pese ter restado incotroverso que a mesma pilotava sem iluminação própria na sua bicicleta, tal causa não foi determinante para o acidente, pois, inúmeros outros fatores aqui já abordados são suficiente para a configuração da causalidade adequada.



DOS DANOS MATERIAIS



Quanto aos danos materiais pleiteados, consistentes no arbitramento de pensão mensal aos requerentes, em função da contribuição da filha como arrimo da família, o que caracteriza os lucros cessantes considerando que a filha do casal veio a falecer em decorrência da homicídio culposo no transito causado pelo réu, o que impossibilitou os autores de receber auxilio material por parte da mesma e o nexo causal na medida em que o lucro cessante decorreu da conduta do réu.

Segundo a jurisprudência do STJ, em casos como o dos autos, a pensão tem sido estipulada no percentual de 2/3 do salário mínimo vigente até os vinte e cinco anos, quando o valor será reduzido para 1/3 do salário mínimo até a data em que a vítima completasse 65 (sessenta e cinco) anos ou a morte de ambos os autores, o que ocorrer primeiro:

STJ-225413) PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. DANOS MORAIS. ARTIGO 37, § 6º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. SÚMULA 83/STJ. INDENIZAÇÃO. SÚMULA 7/STJ.

1. Ação de reparação de danos materiais e morais ajuizada em desfavor de Município, com fulcro no artigo 37, § 6º da CF, em face do atropelamento de filho, que ocasionou sua morte, por negligência de funcionário público causador do acidente.

2. É inadmissível o recurso especial manejado pela alínea "c" do permissivo constitucional quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida (Súmula 83/STJ).

3. Inequívoca a responsabilidade estatal, consoante a legislação infraconstitucional (art. 159 do Código Civil vigente à época da demanda) e à luz do art. 37, § 6º da CF/1988, bem como escorreita a imputação dos danos morais, nos termos assentados pela Corte de origem, verbis: "(...) Da análise dos autos, constata-se que o fato gerador preponderante para queda da vítima de sua bicicleta e posterior atropelamento que lhe causou a morte foi a caixa de papelão arremessada pelo funcionário do segundo apelante em direção à caçamba do caminhão de lixo, que acertou a vítima, fazendo com que esta caísse debaixo do caminhão e fosse atropelada. (...) Tal fato se constata pela prova testemunhal produzida, bem como pelas fotografias tiradas no local logo após o acidente, as quais, diga-se de passagem, não deixam dúvidas, pois nelas se verifica a caixa de papelão em cima da criança, f. 32/38, demonstrando claramente a imprudência e falta de preparo do funcionário do segundo apelante em arremessar o lixo quando o caminhão passava ao lado de uma criança andando de bicicleta, acreditando que a caixa passaria por cima desta sem acertá-la, o que infelizmente não ocorreu. A conduta do funcionário do apelante, se levarmos para o campo penal, se enquadra perfeitamente dentro do conceito de culpa consciente, que é aquela onde o agente prevê a possibilidade de produção do resultado, embora não a aceite, por acreditar que sua habilidade pessoal não permitirá a ocorrência deste. (...)"

4. A pensão mensal a ser paga pelo Estado deve ser fixada desde o falecimento da vítima, à razão de 2/3 do salário mínimo, até a data em que completaria 25 anos de idade; a partir daí, à base de 1/3 do salário mínimo, até a data em que a vítima completaria 65 anos de idade. Precedentes: REsp 674586/SC Relator Ministro Luiz Fux, DJ 02.05.2006; REsp 740059/RJ, DJ 06.08.2007; REsp 703.878/SP, DJ 12.09.2005.

5. A análise acerca da culpabilidade do menor no acidente e do critério adotado pela instância a quo para a fixação do quantum indenizatório resta obstada pelo Verbete Sumular nº 7/STJ.

6. Recurso especial não conhecido.

(Recurso Especial nº 970673/MG (2007/0158956-2), 1ª Turma do STJ, Rel. Luiz Fux. j. 09.09.2008, unânime, DJe 01.10.2008).




TJMA-012490) PROCESSO CIVIL. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS DECORRENTES DE FALECIMENTO DE FILHA MENOR, ESTUDANTE DA REDE PÚBLICA ESTADUAL, DURANTE A REALIZAÇÃO DE ATIVIDADE EXTRACLASSE. AFOGAMENTO. DEVER DE VIGILÂNCIA. INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA CARACTERIZADA. ENTENDIMENTO DO STF. PENSÃO MENSAL. OBSERVÂNCIA DA JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO STJ. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I - Nos termos do § 6º, do art. 37, da Constituição Federal, para que a Administração Pública responda objetivamente pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, basta a comprovação do dano e do nexo de causalidade entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pela vítima, sendo possível o afastamento da responsabilidade estatal apenas na hipótese de comprovação da ocorrência de excludentes do nexo - culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior.

II - O Supremo Tribunal Federal consagrou diretriz decisória no sentido de que a responsabilidade advinda do dever de vigilância ou guarda pode ser objetivamente imputado ao aparato estatal (RE 109.615/RJ, Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Turma, j. em 28.05.96, DJ de 02.08.96, p. 25.785).

III - No caso concreto, restou comprovada a responsabilidade objetiva da Administração Pública, uma vez que a morte por afogamento da filha da apelada, aluna da rede pública de ensino, decorreu da inobservância do dever constitucional de guarda e vigilância do apelante, durante atividade extraclasse realizada pela vítima, sob coordenação e orientação de servidores públicos lotados na unidade de ensino onde estudava.

IV - O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido de ser devida a indenização por dano material aos pais de família, em decorrência da morte de filho menor, proveniente de ato ilícito, independentemente do exercício de trabalho remunerado pela vítima, no valor de dois terços do salário mínimo, desde os quatorze anos, data em que o direito laboral admite o contrato de trabalho, até a data em que a vítima atingiria a idade de 65 anos. Entende o STJ, ainda, que a pensão deve ser reduzida para um terço após a data em que o filho completaria 25 anos, quando possivelmente constituiria família própria, reduzindo a sua colaboração no lar primitivo (REsp 976.059/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. em 04.06.09, DJe de 23.06.09; REsp 1.101.123/RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, j. em 02.04.09, DJe de 27.04.09).

V - Recurso parcialmente provido.

(Apelação Cível nº 84.362/2009 (13.982/2009), 2ª Câmara Cível do TJMA, Rel. Marcelo Carvalho Silva. j. 25.08.2009, unânime, DJe 02.09.2009).

No caso dos autos a vítima faleceu aos 22 anos de idade, conforme certidões de nascimento e óbito de id. Anexo com a inicial.

Portanto, devidamente demonstrados os pressupostos da responsabilidade civil, ausente qualquer causa de rompimento do nexo causal, o caso é de procedência da ação.

DA LIDE SECUNDÁRIA



Em sua resposta, o réu fez a denunciação da lide da seguradora em virtude da vigência de contrato de seguro que abrange danos corporais causados a terceiros.

Dispõe o art. 125 do CPC:

Art. 125. É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes:

(…) II - àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo.



No caso dos autos, restou incontroversa a responsabilidade contratual entre segurado e seguradora em relação a danos corporais que o primeiro viesse a causar a terceiros durante o prazo de cobertura da apólice.

Também restou apurado que o valor da referida cobertura seria no máximo de R$ 100.000,00.

Portanto, uma vez demonstrada a validade do contrato entre o litisdenunciante e a seguradora, a lide secundária de logo deve ser resolvida em face do direito de regresso que aquele possui contra essa última.

Com efeito, uma vez reconhecida a culpa e responsabilidade civil do segurado, a seguradora desde logo fica responsável por quantia de até R$ 100.000,00 relativamente à obrigação do segurado, na condição de litisdenunciada, resolvendo desde logo e por medida de economia processual sua responsabilidade contratual.



DO SEGURO DPVAT



Não há prova nos autos do pagamento de seguro DPVAT, não podendo os réus alegarem eventual compensação.



3- DO DISPOSITIVO.


Em face do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente demanda para condenar a DEURISON MONTAURY SAMPAIO MUNIZ ao pagamento de indenização por DANOS MATERIAIS, consistente em lucros cessantes PRO RATA, aos autores ANTONIA SOARES SILVA e RAIMUNDO VELOSO SILVA, já qualificados no valor de 2/3 do salário mínimo da data do evento dano até a data que a vítima completaria 25 anos de idade. A partir de então, obrigação de pensionamento mensal e vitalício no valor de 1/3 do salário mínimo até o dia em que a vítima completasse 65 (sessenta e cinco) anos, ou o falecimento de ambos os autores. Fica o réu autorizado a decotar desses, os valores já antecipados a título de liminar de alimentos provisionais de id. 42920590.

Condeno ainda o requerido no valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) a título de DANOS MORAIS pela morte da vítima ALEXSANDRA SOARES SILVA, a ser pago aos autores ANTONIA SOARES SILVA e RAIMUNDO VELOSO SILVA, já qualificados, cabendo R$ 100.000,00 (cem mil reais) a cada um. Sobre o valor da condenação incidirá juros moratórios no percentual de 1% a.m. a contar da data do evento danoso (22.10.2020) (SUMULA Nº 54 do STJ) e correção monetária pelo INPC a partir da data da sentença.(SÚMULA Nº 362 do STJ).

Sobre o valor da condenação em danos morais, autorizo o decote do valor que tenha sido pago até a presente data a título de antecipação de tutela, conforme decisão de id. 88756198.

Por fim, condeno a seguradora ALLIANZ BRASIL SEGURADORA SA a pagar a título de direito de regresso para o segurado DEURILSON MONTAURY SAMPAIO MUNIZ, o valor de R$ 100.000,00, a título de direito de regresso abrangendo a lide secundária oriunda da denunciação à lide. Sobre o valor da condenação incidirá juros moratórios no percentual de 1% a.m. a contar da data do evento danoso (22.10.2020) (SUMULA Nº 54 do STJ) e correção monetária pelo INPC a partir da data da sentença.(SÚMULA Nº 362 do STJ).

Condeno os requeridos DEURILSON MONTAURY SAMPAIO MUNIZ e ALLIANZ BRASIL SEGURADORA SA, solidariamente, em custas e despesas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios no percentual de 15% (quinze por cento) do valor da condenação a teor do que dispõe o art. 85, §2º do CPC.

P. R. I.


João Lisboa/MA, 02 de agosto de 2023.


Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa