terça-feira, 23 de janeiro de 2024

AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL. ICMS SOBRE SAÍDE DE GADO BOVINO. SUJEITO PASSIVO PRODUTOR RURAL. IMPROCEDÊNCIA.

 


processo 0802405-03.2023.8.10.0038



SENTENÇA

1. RELATÓRIO:

Trata-se de AÇÃO ANULATÓRIA DE MULTA E DÉBITO FISCAL COM PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA, proposta por DUARTE LIMA CAVALCANTE em desfavor do ESTADO DO MARANHÃO, nos moldes da exordial, onde num esforço de síntese:

Argumenta que é produtor rural e que foi autuado pelo fisco estadual conforme auto de infração oriundo do termo de fiscalização nº 9121490001029 em função da não emissão de Notas Fiscais de saídas de gado bovino em pé nas operações internas e interestaduais para o período de 01.01.2016 a 30.11.2020, num quantum de R$ 326.817,11.

Alega: 1) que o processo administrativo foi viciado, por cerceamento de defesa do contribuinte, pois a impugnação administrativa não foi intempestiva, pois o autor não teria sido intimado para impugnação (proc. adm. 157028/2021) e compareceu espontaneamente no processo para se defender; 2) que não foram anexadas as GTA’s no processo administrativo tributário correspondente, constando apenas meras planilhas sem dados necessários para a defesa; 3) que o autor não é responsável tributário, pois a sujeição passiva ao ICMS nas operações de gado bovino é de responsabilidade do estabelecimento que der saída aos subprodutos resultantes de seu abate em face do diferimento da cobrança do imposto que é feita na operação posterior, nos termos do art 2º e 3º do anexo 4.4 do RICMS/2014, não sendo o autor substituto tributário antecedente, mas mero substituído. 4) Subsidiariamente, alega excesso na sistemática de cobrança e evolução da correção da dívida tributária, pois o Fisco aplicou multa punitiva de 100%, os débitos de ICMS possuem alíquota de 12% sobre a base de cálculos, o que caracteriza violação ao princípio do não-confisco. Afirma que o valor devido seria de R$ 193.416,42 e não R$ 326.817,11, havendo um excesso de R$ 133.400,69; 5) Nulidade do Auto de Infração por motivação genérica sem relação com o caso concreto e com eventual conduta ilícita imputável ao autor; 6) Que o autor deixou de emitir o documento fiscal atraindo a sanção de 1% sobre o valor das operações não tributadas ou tributadas em operações anteriores, o que equivale a uma multa de apenas R$ 14.602,47, pelo descumprimento da obrigação acessória, pois não deve responder pela obrigação principal, havendo excesso de R$ 312.214,64.

Finaliza requerendo a procedência do pedido principal de anulação do AI por cerceamento de defesa e vícios formais apontados e subsidiariamente a redução da multa por ofensa ao princípio do não-confisco para o valor de R$ 193.416,42.

A gratuidade foi indeferida e determinado o recolhimento das custas.

Foi deferido o parcelamento das custas em 4 parcelas.

Este juízo reservou-se para apreciação da liminar de suspensão da exigibilidade fiscal após o contraditório, tendo sido determinada a citação do ESTADO.

O autor pede reconsideração acerca da liminar, o que foi indeferido por este juízo.

Foi declarada a revelia do Estado do Maranhão, sem os efeitos materiais, nos termos do art. 345, II do CPC.

Intimado o autor para especificação de provas, o mesmo requereu o julgamento antecipado do mérito (id. 108320299).

Ouvido o MP, este declarou desinteresse no feito.

Vieram os autos conclusos.


É o relatório. Decido.

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. DO JULGAMENTO ANTECIPADO DO MÉRITO

In casu, a matéria comporta julgamento antecipado do mérito. A norma prescrita no art. 355, inc. I, do NCPC permite ao juiz julgar antecipadamente o mérito.
Desse modo, a precipitação do julgamento do mérito deve ocorrer toda vez que o juiz se encontre devidamente instruído acerca dos fatos submetidos à sua apreciação, podendo aplicar o direito ao caso concreto, independentemente da produção de qualquer outra prova, além da documental já constante dos autos, que é o caso da presente.
Por oportuno, enalteço que fora respeitado o contraditório dinâmico insculpido no novo CPC.

Preliminar de cerceamento de defesa em face da ausência de notificação do Auto de Infração

Em sua inicial, sustenta o autor que teve ofendido o seu direito ao contraditório e ampla defesa uma vez que fora autuado pelo Fisco Estadual e jamais notificado formalmente para que pudesse apresentar defesa administrativa e, ainda assim, comparecendo espontaneamente ao processo administrativo tributário, não teve por conhecida sua impugnação sob o fundamento de intempestividade.
Sem razão.
Com efeito, ao contrário do que alega o autor o mesmo fora formalmente notificado conforme se observa do id. 101272522,pag. 63 que indica sua ciência formal do Auto de Infração no dia 18.06.2021 às 09:40:13h.
Afasto a preliminar.

PRELIMINAR DE NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO POR AUSÊNCIA DE ACOMPANHAMENTO DAS GTA’S

Em sua inicial, sustenta o autor que teve ofendido o seu direito ao contraditório e ampla defesa uma vez que fora autuado pelo Fisco Estadual em processo administrativo fiscal que cerceou a sua defesa, pois carente de dados relevantes constantes das GTA’S que não foram anexadas ao processo administrativo, impedindo a aferição do fato gerador do tributo.


Sem razão.
Com efeito, ao contrário do que alega o autor as GTA’S estão perfeitamente individualizadas no Auto de Infração com todos os dados relevantes necessários para a defesa do autuado, tais como datas da saída, número da GTA, destinatário, quantidade de bovinos, sexo, idade.
Ademais, é obrigação do contribuinte manter em arquivo todos os documentos fiscais relacionados à sua atividade de forma que eventual destinação diversa do abate dos animais descritos nas GTAs que deram origem à fiscalização seriam perfeitamente identificáveis ao autor, afastando a presunção de legitimidade da autuação do fisco.
Semelhante obrigação consta do art. 3º da Lei nº 12097/2009:

Art. 3o  Os agentes econômicos que integram a cadeia produtiva das carnes de bovinos e de búfalos ficam responsáveis, em relação à etapa de que participam, pela manutenção, por 5 (cinco) anos, dos documentos fiscais de movimentação e comercialização de animais e produtos de origem animal que permitam a realização do rastreamento de que trata esta Lei para eventual consulta da autoridade competente.”
Afasto a preliminar.

2.2. Do Mérito


No mérito, vislumbro que não assiste razão ao demandante, pelas razões e fundamentos expostos adiante.


O autor pretende por meio da presente anulação do AUTO DE INFRAÇÃO nº 912163000393 E RESPECTIVO PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO nº 157028/2021 no qual a Fazenda Estadual imputa ao requerido exação no quantum de R$ 326.817,11, derivada de obrigação tributária principal, consectários legais e multa decorrente de ausência de cumprimento de obrigação tributária principal e acessória.

O auto de infração n. 9121490001029 foi emitido, sob a seguinte fundamentação: Da análise do cruzamento eletrônico da GTA (Lei Federal nº 12097/2009) e documentos fiscais que por força de lei devem acobertar as operações de circulação de produtos e mercadorias, a SEFAZ identificou operações de venda de gado sem a emissão de documentos fiscais e também sem os respectivos pagamentos de ICMS, fato que caracteriza indício de crime contra a ordem tributária, prevista no art. 1º, I da Lei nº 8137/1990 e infringe os arts. 30 a 38, 41, 44, 48 e art. 68, I e II da Lei nº 7799/02 (CTE-MA) c/c art. 31, 60, 69, 105, 106, 111, 122, 136, 140, 308, 310, 313, 321-A, 321-B, 355 e 356 do RICMS, aprovado pelo Decreto nº 19714/03. O descumprimento da Lei Federal 12097/2009 e da Lei nº 7799/02 gerou a irregularidade fiscal da operação e consequentemente causou a perda do benefício fiscal previsto para essas operações, conforme determina o art. 9º, §6º da Lei nº 7799/02 “ A fruição de qualquer benefício fiscal, incentivo ou isenção fica condicionada à regularidade fiscal”. O ICMS calculado corresponde à aplicação da alíquota de 12% sobre a base de cálculo encontrada a partir das informações registradas no GTA, considerando-se a quantidade, tipo (macho ou fêmea), idade do animal e os respectivos valores de referência vigente em cada período (Portarias da SEFAZ: 245/2010; 143/2014 e 487/2015)”


As infrações tributárias decorrem da inobservância da regra que determina que as mercadorias e serviços, em qualquer hipótese, deverão estar sempre acompanhadas de documentos fiscais idôneos. Assim, o transporte de gado bovino, desacompanhado de documentação fiscal e acompanhado somente pela Guia de Trânsito de Animal GTA configura em situação fiscal irregular.


In casu, verifica-se que a incidência do ICMS é devida, pois não houve o destacamento da nota fiscal na operação realizada pelo contribuinte, não sendo, portanto, a operação coberta pela isenção de ICMS.


O Código Tributário Estadual, Lei nº 7799/02, prevê o diferimento do lançamento e do pagamento do ICMS em operações internas de saída interna de gado bovino destinado a cria ou recria, realizada entre produtores agropecuários, desde que acompanhada por nota fiscal e demais documentos de controle exigidos. Inteligência do artigo 1º, XXV do anexo 1.3 do Código Tributário Estadual, porém, não é o caso do autor já que as saídas de bovinos constantes das GTAs, revelam animais adultos com idades entre 25 meses e 36 meses ou mais, não sendo o caso de cria e recria (0 a 12 meses de idade) e nem de engorda (12 a 24 meses de idade), o que atrai a aplicação de tributação de ICMS com alíquota de 12%, conforme Decreto nº 31133/2015.


Também há previsão de DIFERIMENTO da cobrança do imposto quando a operação de venda for destinada para FRIGORÍFICOS SIFADOS, conforme previsão do anexo 4.4 do Código Tributário Estadual:


Art. 3º Nas entradas neste Estado, bem como nas saídas internas, de gado bovino e bubalino, destinado a frigorífico que esteja em situação de regularidade fiscal e sob controle do Serviço Público de Inspeção Sanitária, em conformidade com a Lei Federal nº 1.283, de 18 de dezembro de 1950 e com a Portaria nº 304, de 22 de abril de 1996, do Ministério da Agricultura do Abastecimento e da Reforma Agrária, ficam diferidos o lançamento e o pagamento do imposto.

§ 1º Considera-se encerrada a fase de diferimento no momento da saída dos produtos comestíveis resultantes de sua matança, hipótese em que aplicar-se-á o disposto no art. 2º.

§ 2º Na hipótese de saída interna com diferimento do imposto, o transporte do animal deverá ser acompanhado, além da nota fiscal da operação, pela Guia de Transporte Animal – GTA, emitida pela AGED.”


Ademais, mesmo se tratando de operação diferida de ICMS, a operação de transporte de animal deve estar acobertada por nota fiscal e demais documentos de controle exigidos, conforme determinam artigo 1º, XXV do anexo 1.3 da Lei nº 7799/02 (Código Tributário Estadual), sendo-lhe imputada sanção de multa.


Neste sentido é o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE LANÇAMENTO DE CRÉDITO FISCAL C/C CONCESSÃO DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA SATISFATIVA PARA SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TRANSPORTE ANIMAL. OPERAÇÃO ISENTA DE ICMS. EXIGÊNCIA DE NOTA FISCAL E DEMAIS DOCUMENTOS PARA CONTROLE DA ATIVIDADE. REMISSÃO REVOGADA. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE TRIBUTÁRIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. VÍCIOS DA AUTUAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. INCONSTITUCIONALIDADE DA MULTA MORATÓRIA. MATÉRIA APRECIADA PELA CORTE ESPECIAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE GOIÁS. HONORÁRIOS. 1. Não há falar em cerceamento de defesa quando a matéria objeto do feito depende exclusivamente de provas documentais, as quais foram satisfatoriamente juntadas, cabendo perfeitamente o julgamento antecipado da lide, conforme enunciado de nº 28, desta Corte. 2. Afasta-se a preliminar de cerceamento de defesa, suscitada em razão do julgamento antecipado da lide, quando existem nos autos provas suficientes à formação do convencimento do juiz e a parte interessada não se desincumbe do ônus de demonstrar o seu prejuízo, sem o qual não há que se falar em nulidade. 3. A saída interna de gado asinino, bovino, bufalino, caprino, equino, muar, ovino e suíno destinado a cria ou recria, realizada entre produtores agropecuários, desde que acobertada por nota fiscal e demais documentos de controle exigidos, ficando mantido o crédito, é isente de ICMS. 4. A Lei Estadual nº 20.255/2018 revogou o art. 3º da Lei nº 20.063, de 04 de maio de 2018, que previa a remissão dos créditos tributários e não tributários da Receita Estadual e da Agência Goiana de Defesa Agropecuária – AGRODEFESA- , inscritos ou não-inscritos, ajuizados ou não-ajuizados, cujos fatos geradores tenham ocorrido até a data de publicação desta Lei, independentemente do valor, e que estejam relacionados à aplicação de penalidade pelo transporte de gado bovino desacompanhado de nota fiscal, embora acompanhado de Guia de Trânsito de Animal - GTA. 5. A concessão de eventual remissão não gera direito adquirido e será revogada de ofício sempre que se apure que o beneficiário não satisfazia ou deixou de satisfazer as condições ou deixou de cumprir os requisitos legais. 6. O princípio da irretroatividade no CTN consiste na impossibilidade de aplicação de lei que institua ou aumente tributos, ao passo que o princípio da anterioridade dispõe que é vedado à União, aos Estados, DF e Municípios cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada lei que os instituiu ou aumentou, o que não é o caso em debate. 7. No caso dos autos, a remissão, que é uma dispensa gratuita da dívida como forma de beneficiar o devedor, foi revogada por disposição expressa de lei, não havendo falar em ilegalidade. 8. In casu, a autuação foi realizada em momento anterior à lei estadual que previa a remissão e, posteriormente, foi revogada. 9. Não há falar em vícios no auto de infração quando devidamente especificados a natureza da infração e sua origem, o que permitiu, inclusive, sua impugnação em processo administrativo tributário, no qual foram garantidos o exercício do contraditório e ampla defesa. 10. De acordo com o posicionamento manifestado pela Corte Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, no julgamento da arguição de inconstitucionalidade de Lei nº 11.651/91, o artigo 71, inciso VII, 'L', do Código Tributário Estadual, é constitucional e a multa por descumprimento de obrigação tributária acessória, nele prevista, não possui caráter confiscatório. 11. Considerando o desprovimento do apelo, mister a majoração dos honorários advocatícios. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA.” (TJGO, Apelação Cível nº 5314156.89.2018.8.09.0125, Relator (a): Desembargador Jairo Ferreira Júnior, publicado em 26/07/2021).


Por fim, não há se falar em vícios no auto de infração quando devidamente especificados a natureza da infração e sua origem, o que permitiu, inclusive, sua impugnação em processo administrativo tributário, no qual foram garantidos o exercício do contraditório e ampla defesa.


Quanto á impugnação do quantum da multa, observo que a aplicação de multa no valor de 100% do valor do Imposto está prevista expressamente no ar. 80, VI, a do Código Tributário Estadual e que esta tem objetivo de sancionar o contribuinte que não cumpre com suas obrigações tributárias principal e acessória como é o caso dos autos, tendo importante função pedagógica a desencorajar a evasão fiscal, de forma que não reconheço ofensa ao princípio do não-confisco.


A anulação de qualquer ato administrativo pressupõe vício em qualquer dos seus elementos, quais sejam sujeito, objeto, forma, conteúdo e finalidade.

No presente caso não restaram caracterizados os vícios apontados na inicial, de forma que tenho por hígido o processo administrativo fiscal e lançamento tributário.



3. DISPOSITIVO:


ANTE O EXPOSTO, considerando tudo mais que dos autos consta JULGO IMPROCEDENTE os pedidos e reconheço a higidez do Auto de Infração e do processo administrativo fiscal.


Por conseguinte, extingo o processo, com apreciação do mérito, com fundamento no artigo 487, I, do NCPC.

Condeno o AUTOR, ainda, no pagamento das custas processuais. Sem honorários em face da revelia do Estado.

Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se as partes, via PJE.

Após as formalidades legais, arquive-se com baixa na distribuição.

Publique-se. Registre-se. Intime-se. Cumpra-se.

João Lisboa, 22 de janeiro de 2024.

(assinado digitalmente)

Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa