segunda-feira, 24 de setembro de 2018

SENTENÇA. CONSUMIDOR. ABUSIVIDADE COBRANÇA. DEFEITO DE INFORMAÇÃO. PROCEDÊNCIA.




PROC 0801261-67.2018.8.10.0038


SENTENÇA

RELATÓRIO

                            O autor ingressou com a presente ação em face do réu, alegando em síntese que é titular da UC nº 35374159 e que percebeu que suas faturas mensais de energia elétrica estão sendo emitidas com uma rubrica de cobrança indevida denominada “LAR MAIS SEGURO”, com valor mensal unitário de R$ 10,90.
                            Informa que tomou conhecimento de que a referida cobrança refere-se a um título de capitalização que jamais fora contratado ou consentido pela autora.
                            Prossegue afirmando que sofreu danos materiais e morais decorrentes da cobrança indevida, motivo pelo qual requer reparação.
                            A liminar foi indeferida e determinada a citação do requerido para audiência de mediação (id. 12064443).
                            Em audiência constatou-se a ausência injustificada da parte autora e de seu advogado, restando prejudicada a conciliação, motivo pelo qual foi aberto prazo para resposta do réu. (id. 13068992).
                            A parte ré deixou de apresentar contestação, conforme certidão de id. 130934224, motivo pelo qual lhe foi decretada a revelia com os efeitos daí decorrentes (id. 13989172).
                            Vieram os autos conclusos.
                           

É o relatório. DECIDO.
DA FUNDAMENTAÇÃO.
Em face da ausência de resposta por parte do requeridos, apesar de regularmente citado, decreto sua revelia e reputo-o confesso quanto à matéria de fato, nos termos do art. 344 do CPC, já que circunstância diversa não se apura dos autos.
Em face dessa decretação, mister analisar os efeitos decorrentes. A revelia enseja veracidade do que alegado na inicial, se assim se convencer o magistrado, com respaldo nas provas colacionadas aos autos, uma vez que não se presta o referido instituto a constituir direitos, sob pena de se desvirtuar a função maior que cabe ao processo.
A jurisprudência pátria inclina nesse sentido, senão vejamos:

“Mesmo presente a revelia, o reconhecimento da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor na inicial exige prova de verossimilhança entre o fato alegado e a prova dos autos”. (RJEsp 3/248)

Na forma do que preconiza o art.355, I, do Código de Processo Civil, julgo antecipadamente a lide, em face da revelia do requerido.
Superada a questão processual, passo à análise do mérito.

MÉRITO:
Pleiteia a autora a declaração de inexistência de relação jurídica válida que justifique a cobrança mensal em sua fatura de energia elétrica da rubrica “LAR MAIS SEGURO”, o que lhe impõe um pagamento extra de R$ 10.90 em cada fatura de energia, sob pena de suspensão do fornecimento do serviço público; requer ainda a exclusão de seu nome de cadastros de devedores e a condenação em danos morais decorrentes da indevida inscrição de seu nome em cadastro de devedores.
O autor não compareceu injustificadamente à audiência de mediação, ato que considero atentatório à dignidade da justiça e o sanciono com multa de dois por cento da do valor da causa, revertida em favor do FERJ/TJMA.
O réu restou revel.
Da análise das provas resta evidenciado o abuso no procedimentos do reclamado para com a reclamante, mormente os relativos à venda casada e falta de informações claras e precisas acerca do produto que alienou à reclamante.
Com efeito, verifico inicialmente que a reclamante se trata de mulher simples, pobre, semi analfabeta que é usuária do serviço público prestado pelo réu, estando sempre adimplente com as suas obrigações.
É evidente que como usuária o único objetivo da autora era receber uma prestação do serviço público, sendo seu dever o pagamento, sob pena de suspensão do referido fornecimento, porém, o réu no seu conhecido afã de busca incessante de lucros “custe o que custar”, através de seu preposto – que diga-se de passagem é obrigado a cumprir “metas” – aproveitou-se da situação de clara hipossuficiência financeira,  técnica e intelectual da autora para fazê-la pagar por um serviço não desejado e nem contratado, sem lhe prestar qualquer esclarecimento acerca das obrigações e vantagens daí decorrentes.
                        O efeito material da revelia do réu atrai a conclusão de que o procedimento do mesmo revelou uma prática abusiva, pois efetuou venda casada à reclamante, sem lhe prestar informações claras e objetivas, produtos esses que a autora não consentiu, não faz e nunca fez uso, diante do seu desconhecimento e de sua pouca escolaridade.
                        A preocupação básica do Código de Defesa do Consumidor é o equilíbrio que deve ser mantido entre as partes de uma relação jurídica.
Devido à evolução empresarial tornou-se imprescindível proteger o consumidor contra abusos e lesões ao seu patrimônio, em virtude do poder cada vez maior das empresas. O poder econômico passou a constituir a regra e deve ser exercido segundo uma função social, de serviço à coletividade.
Os direitos básicos do consumidor são declinados no art. 6º da Lei:
1. Proteção à vida e à saúde;
2. Educação e divulgação sobre o consumo;
3. Informação adequada e clara sobre produtos e serviços;
4. Especificação do bem;
5. Proteção contra publicidade enganosa;
6. Modificações de cláusulas onerosas;
7. Prevenção e reparação do dano;
8. Acesso aos órgãos judiciários e administrativos;
9. Facilitação da defesa de direito.
A partir de certa época da evolução do sistema empresarial moderno, tornou-se premente proteger o consumidor contra abusos e lesões decorrentes do poder cada vez maior das empresas e em conseqüência responsabilizá-las devidamente, buscando assim um equilíbrio nas relações de consumo. (Questões Contratuais no Código de Defesa do Consumidor, p. 18. Ed. Atlas)
No que tange aos contratos de adesão o Código de Defesa do Consumidor é bem claro ao especificar que todos os contratos devem ser revistos quando tornarem-se excessivamente onerosos, e ainda, que as cláusulas abusivas devem ser desconsideradas pelo consumidor.
A venda casada,por sua vez também está elencada como pratica vedada no CDC:
Art. 39.  É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

DA RESPOSABILIDADE CIVIL POR VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO

Quando se pretende analisar a violação do dever de informar do fornecedor e a sua responsabilidade civil pela violação, à luz do Código de Defesa do Consumidor, é preciso que a análise seja feita em consonância com os seguintes aspectos do referido Código:
a) as normas de proteção e defesa do consumidor são de ordem pública e de interesse social (artigo 1º);
b) o direito de informação constitui direito básico do consumidor (artigo 6º, III);
c) reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo (artigo 4º, I);
d) exigência do equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
e) o consumidor tem direito à efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos (artigo 6º, VI);
f) acolhimento expresso do princípio da boa-fé (artigo 4º, III).
O reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, de um lado, e a exigência do equilíbrio nas relações entre o consumidor e o fornecedor, de outro lado, fez com que o legislador inserisse, no Código, inúmeras normas de efetiva proteção do consumidor, visando, exatamente, o suprimento da sua fraqueza frente ao fornecedor.
 Ademais, o acolhimento do princípio da boa-fé, objetivada pelo Código, permite que possam ser encontrados, na relação de consumo, deveres outros que não apenas os principais, denominados deveres secundários, anexos ou instrumentais, os quais podem aparecer, inclusive, na fase que antecede à formação do contrato de consumo, apresentando, já nesta fase pré-contratual, estrutura e exigibilidade obrigacional, no sentido técnico do termo.
Diante do dever de informar, como um aspecto do princípio da boa-fé objetiva, pouca importância tem o elemento subjetivo vontade. Como norma de conduta imposta corresponde a comportamento que deve ser adotado e cuja violação deve ser sancionada. Por isso que a responsabilidade civil do fornecedor pela violação do dever de informar, seja na fase pré-contratual, seja na contratual, é apurada segundo a teoria da responsabilidade objetiva, pela qual ao infrator é imputado o dever de responder, independentemente da cogitação da existência ou não da culpa.
No Código de Defesa do Consumidor, o dever de informar, como obrigação imposta ao fornecedor aparece, inclusive, no atinente à fase que antecede a formação do contrato, alcançando a publicidade, a qual deve conter as informações indispensáveis para que o consumidor, de forma fácil e imediata, possa identificá-la como tal e não seja levado a erro.
A responsabilidade civil, em decorrência da publicidade, nasce do fato objetivo de ter levado o consumidor a incidir em erro ou do de ter criado nele expectativa frustrada, sem perquirição da intenção prejudicial do fornecedor.
Como a oferta obriga o fornecedor, deverá conter informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa a respeito do produto (artigo 31), bastando a objetiva ausência, insuficiência ou omissão de informação, para acarretar a responsabilidade pelos danos causados ao consumidor.
Pela violação do dever de informar na oferta e publicidade, o fornecedor responde solidariamente pelos atos de seus prepostos ou representantes (artigo 34).
Também no que tange à celebração do contrato impõe o Código de Defesa do Consumidor dever de informar ao fornecedor, como estabelece o artigo 46, ao determinar que OS CONTRATOS QUE REGULAM AS RELAÇÕES DE CONSUMO NÃO OBRIGARÃO O CONSUMIDOR SE LHE FOR SONEGADA A OPORTUNIDADE DE TOMAR CIÊNCIA PRÉVIA DO SEU CONTEÚDO, OU AS INFORMAÇÕES DO SEU INSTRUMENTO NÃO PERMITIREM A COMPREENSÃO DE SEU SENTIDO E ALCANCE.
Neste caso, além da invalidade do contrato, ficará o fornecedor obrigado objetivamente pela reparação dos danos causados ao consumidor pela inobservância do dever de informar, relativamente ao contrato celebrado.
Portanto, diante da situação do caso concreto, entendo perfeitamente aplicável o disposto no art. 46, tendo em vista o não cumprimento do seu dever de informação junto à reclamante.
DOS DANOS MORAIS
Diante da hipossuficiência técnica do reclamante, aliada à verossimilhança de suas assertivas, entendo cabível a inversão do ônus da prova tal qual previsto no art. 6º, VIII do CDC.
A partir das provas coligidas aos autos, restou sobejamente provado o dano moral sofrido pela reclamante, consistente na imposição de pagamento de uma rubrica não contratada ou consentida embutida em sua fatura de energia elétrica, sob pena de suspensão do serviço público essencial, fato que comprometeu parte do orçamento doméstico mensalmente, atingindo o chamado mínimo vital da família, em clara ofensa à sua dignidade, direito da personalidade.
É importante esclarecer que a responsabilidade civil do reclamado é objetiva, não havendo que se perquirir se a sua ação derivou de dolo ou culpa, pois o risco de causar danos a terceiros encontra-se dentro do risco de sua atividade.
Assim comprovado o ato ilícito do reclamado consistente na imposição de pagamento de uma rubrica não contratada ou consentida embutida em sua fatura de energia elétrica; o dano consistente atingir o orçamento familiar da autora, comprometendo o seu poder de compra e o seu mínimo vital; o nexo causal na medida em que o dano sofrido pela autora decorreu diretamente de ato causado pela ré e ausente a demonstração pelo Reclamado de qualquer causa excludente do liame causal, há de ser responsabilizado pelo sofrimento causado à parte reclamante. Senão vejamos:
INDENIZAÇÃO – Dano moral. Reparação que independe da existência de seqüelas somáticas. Inteligência do art. 5 º, V, da CF e da Súm.37 do STJ. Ante o texto constitucional novo é indenizável o dano moral, sem que tenha a norma (art. 5º, V) condicionado a reparação à existência de seqüelas somáticas. Dano moral é moral. (1 º TACSP – EI 522.690/8-1 – 2 º Gr. Cs – Rel. Juiz Octaviano Santos Lobo – j. 23.06.94) (RT. 712/170)
Há de ser considerado, que o direito não ordena a reparação de qualquer dor, mas daquela que for decorrente da privação de um bem jurídico sobre o qual a vítima ou lesado indireto teria interesse reconhecido juridicamente.
Quanto à reparação do dano moral, aquele ocorrido na esfera da subjetividade, alcançando os aspectos mais íntimos da personalidade humana, ou da própria valoração da pessoa no meio em que vive, mesmo que seja o dano moral puro, independente de conseqüências patrimoniais, exigível ex facto, não resta dúvida sobre a obrigação de indenizá-lo, é só observar as disposições dos seguintes dispositivos legais: ar. 5º, V e X, CF, art. 186, Código Civil, Lei 8.078/1990, entre outros.

A noção de dano moral como lesão a direito da personalidade é difundida por grande parte da doutrina. Para o Professor Sérgio Cavalieri Filho: "o dano moral é lesão de bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima." (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998.)
Sendo assim, induvidosa a responsabilidade civil objetiva do reclamado, nos termos dos artigos 186 e 932, III, ambos do CC, combinado com os artigos 6º, II e 14 do Código de Defesa do Consumidor.
DISPOSITIVO:
                              ANTE O EXPOSTO, julgo PROCEDENTE o pedido contido na exordial, para condenar a CEMAR, já qualificado, a pagar a reclamante GINA CLAUDIA BORGES PEREIRA, já qualificada, como forma de compensação pelo dano moral sofrido, a quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) acrescida de juros de mora de 1% ao mês, a partir do dano (art. 398 do CC e Súmula 54 do STJ) e correção monetária a partir desta decisão (Súmula 362-STJ).

                              DETERMINO, ainda, a exclusão da rubrica “LAR MAIS SEGURO” bem como a sua cobrança respectiva da fatura de energia elétrica da autora, no prazo de 72h, sob pena de multa no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), por cobrança indevida destarte.

DECLARO a invalidade do contrato que originou a cobrança “LAR MAIS SEGURO”, por clara violação ao dever de informação que deve nortear os títulos de crédito, não remanescendo daí qualquer débito para a reclamante, nos termos do art. 46 do CDC.

Por conseguinte, extingo o processo com resolução de mérito, na forma do que dispõe o art. 487, I do CPC.

DIANTE DA AUSÊNCIA INJUSTIFICADA DA AUTORA PARA A AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO, APLICOU-SE MULTA DE 2% SOBRE O VALOR DA CAUSA A SER DECOTADA DA PRESENTE CONDENAÇÃO E REVERTIDA AO FERJ/TJMA.

Conforme determina o art. 523, §1º do CPC, intime-se o réu para efetuar o pagamento, no prazo de 15 dias, sob pena de multa no percentual de 10%  e honorários de cumprimento de sentença de 10%, ambos sobre o valor da condenação.

Condeno o réu em custas e despesas processuais e honorários advocatícios, estes no percentual de 15 % sobre o valor da condenação. (CPC, art. 85, §2º)

P. R. I.


                             
João Lisboa/MA, 24 de setembro de 2018.


 

Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa