PROC
0801261-67.2018.8.10.0038
SENTENÇA
RELATÓRIO
O
autor ingressou com a presente ação em face do réu, alegando em síntese que é titular
da UC nº 35374159 e que percebeu que suas faturas mensais de energia elétrica
estão sendo emitidas com uma rubrica de cobrança indevida denominada “LAR MAIS
SEGURO”, com valor mensal unitário de R$ 10,90.
Informa que tomou conhecimento de
que a referida cobrança refere-se a um título de capitalização que jamais fora
contratado ou consentido pela autora.
Prossegue afirmando que sofreu
danos materiais e morais decorrentes da cobrança indevida, motivo pelo qual
requer reparação.
A liminar foi indeferida e
determinada a citação do requerido para audiência de mediação (id. 12064443).
Em audiência constatou-se a ausência
injustificada da parte autora e de seu advogado, restando prejudicada a conciliação,
motivo pelo qual foi aberto prazo para resposta do réu. (id. 13068992).
A parte ré deixou de apresentar
contestação, conforme certidão de id. 130934224, motivo pelo qual lhe foi
decretada a revelia com os efeitos daí decorrentes (id. 13989172).
Vieram os autos conclusos.
É
o relatório. DECIDO.
DA
FUNDAMENTAÇÃO.
Em
face da ausência de resposta por parte do requeridos, apesar de regularmente citado,
decreto sua revelia e reputo-o confesso quanto à matéria de fato, nos
termos do art. 344 do CPC, já que circunstância diversa não se apura dos autos.
Em
face dessa decretação, mister analisar os efeitos decorrentes. A revelia enseja
veracidade do que alegado na inicial, se assim se convencer o magistrado, com
respaldo nas provas colacionadas aos autos, uma vez que não se presta o
referido instituto a constituir direitos, sob pena de se desvirtuar a função
maior que cabe ao processo.
A jurisprudência pátria
inclina nesse sentido, senão vejamos:
“Mesmo presente a revelia,
o reconhecimento da presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor na
inicial exige prova de verossimilhança entre o fato alegado e a prova dos
autos”. (RJEsp 3/248)
Na
forma do que preconiza o art.355, I, do Código de Processo Civil, julgo
antecipadamente a lide, em face da revelia do requerido.
Superada a
questão processual, passo à análise do mérito.
MÉRITO:
Pleiteia a
autora a declaração de inexistência de relação jurídica válida que justifique a
cobrança mensal em sua fatura de energia elétrica da rubrica “LAR MAIS SEGURO”,
o que lhe impõe um pagamento extra de R$ 10.90 em cada fatura de energia, sob
pena de suspensão do fornecimento do serviço público; requer ainda a exclusão
de seu nome de cadastros de devedores e a condenação em danos morais
decorrentes da indevida inscrição de seu nome em cadastro de devedores.
O autor não
compareceu injustificadamente à audiência de mediação, ato que considero atentatório
à dignidade da justiça e o sanciono com multa de dois por cento da do valor da
causa, revertida em favor do FERJ/TJMA.
O réu restou
revel.
Da análise das
provas resta evidenciado o abuso no procedimentos do reclamado para com a
reclamante, mormente os relativos à venda casada e falta de informações claras
e precisas acerca do produto que alienou à reclamante.
Com efeito,
verifico inicialmente que a reclamante se trata de mulher simples, pobre, semi
analfabeta que é usuária do serviço público prestado pelo réu, estando sempre
adimplente com as suas obrigações.
É evidente que
como usuária o único objetivo da autora era receber uma prestação do serviço público,
sendo seu dever o pagamento, sob pena de suspensão do referido fornecimento, porém,
o réu no seu conhecido afã de busca incessante de lucros “custe o que custar”,
através de seu preposto – que diga-se de passagem é obrigado a cumprir “metas”
– aproveitou-se da situação de clara hipossuficiência financeira, técnica e intelectual da autora para fazê-la pagar
por um serviço não desejado e nem contratado, sem lhe prestar qualquer
esclarecimento acerca das obrigações e vantagens daí decorrentes.
O efeito material da revelia do réu
atrai a conclusão de que o procedimento do mesmo revelou uma prática abusiva,
pois efetuou venda casada à reclamante, sem lhe prestar informações claras e
objetivas, produtos esses que a autora não consentiu, não faz e nunca fez uso,
diante do seu desconhecimento e de sua pouca escolaridade.
A
preocupação básica do Código de Defesa do Consumidor é o equilíbrio que deve
ser mantido entre as partes de uma relação jurídica.
Devido à
evolução empresarial tornou-se imprescindível proteger o consumidor contra
abusos e lesões ao seu patrimônio, em virtude do poder cada vez maior das
empresas. O poder econômico passou a constituir a regra e deve ser exercido
segundo uma função social, de serviço à coletividade.
Os direitos
básicos do consumidor são declinados no art. 6º da Lei:
1. Proteção à vida e à saúde;
2. Educação e divulgação sobre o
consumo;
3.
Informação adequada e clara sobre produtos e serviços;
4. Especificação do bem;
5. Proteção contra publicidade
enganosa;
6. Modificações de cláusulas onerosas;
7. Prevenção e reparação do dano;
8. Acesso aos órgãos judiciários e
administrativos;
9. Facilitação da defesa de direito.
A partir de
certa época da evolução do sistema empresarial moderno, tornou-se premente
proteger o consumidor contra abusos e lesões decorrentes do poder cada vez
maior das empresas e em conseqüência responsabilizá-las devidamente, buscando
assim um equilíbrio nas relações de consumo. (Questões Contratuais no Código de
Defesa do Consumidor, p. 18. Ed. Atlas)
No que tange
aos contratos de adesão o Código de Defesa do Consumidor é bem claro ao
especificar que todos os contratos devem ser revistos quando tornarem-se
excessivamente onerosos, e ainda, que as cláusulas abusivas devem ser
desconsideradas pelo consumidor.
A venda
casada,por sua vez também está elencada como pratica vedada no CDC:
Art.
39. É vedado ao fornecedor de produtos
ou serviços, dentre outras práticas abusivas:
I
- condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro
produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;
DA
RESPOSABILIDADE CIVIL POR VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO
Quando se
pretende analisar a violação do dever de informar do fornecedor e a sua
responsabilidade civil pela violação, à luz do Código de Defesa do Consumidor,
é preciso que a análise seja feita em consonância com os seguintes aspectos do
referido Código:
a) as normas de proteção e defesa do consumidor são de
ordem pública e de interesse social (artigo 1º);
b) o direito de informação constitui direito básico do
consumidor (artigo 6º, III);
c) reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no
mercado de consumo (artigo 4º, I);
d) exigência do equilíbrio nas relações entre
consumidores e fornecedores;
e) o consumidor tem direito à efetiva prevenção e
reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos
(artigo 6º, VI);
f) acolhimento expresso do princípio da boa-fé (artigo
4º, III).
O
reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, de um
lado, e a exigência do equilíbrio nas relações entre o consumidor e o
fornecedor, de outro lado, fez com que o legislador inserisse, no Código,
inúmeras normas de efetiva proteção do consumidor, visando, exatamente, o
suprimento da sua fraqueza frente ao fornecedor.
Ademais, o acolhimento do princípio da boa-fé,
objetivada pelo Código, permite que possam ser encontrados, na relação de
consumo, deveres outros que não apenas os principais, denominados deveres
secundários, anexos ou instrumentais, os quais podem aparecer, inclusive, na
fase que antecede à formação do contrato de consumo, apresentando, já nesta
fase pré-contratual, estrutura e exigibilidade obrigacional, no sentido técnico
do termo.
Diante do
dever de informar, como um aspecto do princípio da boa-fé objetiva, pouca
importância tem o elemento subjetivo vontade. Como norma de conduta imposta
corresponde a comportamento que deve ser adotado e cuja violação deve ser
sancionada. Por isso que a responsabilidade civil do fornecedor pela violação
do dever de informar, seja na fase pré-contratual, seja na contratual, é
apurada segundo a teoria da responsabilidade objetiva, pela qual ao infrator é
imputado o dever de responder, independentemente da cogitação da existência ou
não da culpa.
No Código de
Defesa do Consumidor, o dever de informar, como obrigação imposta ao fornecedor
aparece, inclusive, no atinente à fase que antecede a formação do contrato,
alcançando a publicidade, a qual deve conter as informações indispensáveis para
que o consumidor, de forma fácil e imediata, possa identificá-la como tal e não
seja levado a erro.
A
responsabilidade civil, em decorrência da publicidade, nasce do fato objetivo
de ter levado o consumidor a incidir em erro ou do de ter criado nele
expectativa frustrada, sem perquirição da intenção prejudicial do fornecedor.
Como a oferta
obriga o fornecedor, deverá conter informações corretas, claras, precisas,
ostensivas e em língua portuguesa a respeito do produto (artigo 31), bastando
a objetiva ausência, insuficiência ou omissão de informação, para acarretar a
responsabilidade pelos danos causados ao consumidor.
Pela violação
do dever de informar na oferta e publicidade, o fornecedor responde
solidariamente pelos atos de seus prepostos ou representantes (artigo 34).
Também no que
tange à celebração do contrato impõe o Código de Defesa do Consumidor dever de
informar ao fornecedor, como estabelece o artigo 46, ao determinar que OS CONTRATOS QUE REGULAM AS RELAÇÕES DE
CONSUMO NÃO OBRIGARÃO O CONSUMIDOR SE LHE FOR SONEGADA A OPORTUNIDADE DE TOMAR
CIÊNCIA PRÉVIA DO SEU CONTEÚDO, OU AS INFORMAÇÕES DO SEU INSTRUMENTO NÃO
PERMITIREM A COMPREENSÃO DE SEU SENTIDO E ALCANCE.
Neste caso,
além da invalidade do contrato, ficará o fornecedor obrigado objetivamente pela
reparação dos danos causados ao consumidor pela inobservância do dever de
informar, relativamente ao contrato celebrado.
Portanto,
diante da situação do caso concreto, entendo perfeitamente aplicável o disposto
no art. 46, tendo em vista o não cumprimento do seu dever de informação junto à
reclamante.
DOS
DANOS MORAIS
Diante
da hipossuficiência técnica do reclamante, aliada à verossimilhança de suas
assertivas, entendo cabível a inversão do ônus da prova tal qual previsto no
art. 6º, VIII do CDC.
A
partir das provas coligidas aos autos, restou sobejamente provado o dano moral
sofrido pela reclamante, consistente na imposição de pagamento de uma rubrica não
contratada ou consentida embutida em sua fatura de energia elétrica, sob pena
de suspensão do serviço público essencial, fato que comprometeu parte do
orçamento doméstico mensalmente, atingindo o chamado mínimo vital da família,
em clara ofensa à sua dignidade, direito da personalidade.
É
importante esclarecer que a responsabilidade civil do reclamado é objetiva, não
havendo que se perquirir se a sua ação derivou de dolo ou culpa, pois o risco
de causar danos a terceiros encontra-se dentro do risco de sua atividade.
Assim comprovado o ato ilícito do reclamado consistente na imposição de
pagamento de uma rubrica não contratada ou consentida embutida em sua fatura de
energia elétrica; o dano consistente
atingir o orçamento familiar da autora, comprometendo o seu poder de compra e o
seu mínimo vital; o nexo causal na
medida em que o dano sofrido pela autora decorreu diretamente de ato causado
pela ré e ausente a demonstração pelo Reclamado de qualquer causa excludente
do liame causal, há de ser responsabilizado pelo sofrimento causado à parte
reclamante. Senão vejamos:
INDENIZAÇÃO
– Dano moral. Reparação que independe da existência de seqüelas
somáticas. Inteligência do art. 5 º, V, da CF e da Súm.37 do STJ. Ante o
texto constitucional novo é indenizável o dano moral, sem que tenha a
norma (art. 5º, V) condicionado a reparação à existência de seqüelas
somáticas. Dano moral é moral. (1 º TACSP – EI 522.690/8-1 – 2 º Gr. Cs –
Rel. Juiz Octaviano Santos Lobo – j. 23.06.94) (RT. 712/170)
Há de ser considerado, que o direito não
ordena a reparação de qualquer dor, mas daquela que for decorrente da privação
de um bem jurídico sobre o qual a vítima ou lesado indireto teria interesse
reconhecido juridicamente.
Quanto à reparação do dano moral, aquele
ocorrido na esfera da subjetividade, alcançando os aspectos mais íntimos da
personalidade humana, ou da própria valoração da pessoa no meio em que vive,
mesmo que seja o dano moral puro, independente de conseqüências patrimoniais,
exigível ex facto, não resta dúvida sobre a obrigação de indenizá-lo, é
só observar as disposições dos seguintes dispositivos legais: ar. 5º, V e X,
CF, art. 186, Código Civil, Lei 8.078/1990, entre outros.
A
noção de dano moral como lesão a direito da personalidade é difundida por
grande parte da doutrina. Para o Professor Sérgio Cavalieri Filho: "o dano moral é lesão de bem integrante
da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade
psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à
vítima." (CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil.
2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1998.)
Sendo
assim, induvidosa a responsabilidade civil objetiva do reclamado, nos termos
dos artigos 186 e 932, III, ambos do CC, combinado com os artigos 6º, II e 14
do Código de Defesa do Consumidor.
DISPOSITIVO:
ANTE
O EXPOSTO, julgo PROCEDENTE o pedido
contido na exordial, para condenar a CEMAR,
já qualificado, a pagar a reclamante GINA CLAUDIA BORGES PEREIRA, já qualificada, como forma de
compensação pelo dano moral sofrido, a quantia de R$ 4.000,00 (quatro mil reais)
acrescida de juros de mora de 1% ao mês, a partir do dano (art. 398 do CC e
Súmula 54 do STJ) e correção monetária a partir desta decisão (Súmula 362-STJ).
DETERMINO, ainda, a exclusão da
rubrica “LAR MAIS SEGURO” bem como a sua cobrança respectiva da fatura de
energia elétrica da autora, no prazo de 72h, sob pena de multa no valor de R$ 3.000,00
(três mil reais), por cobrança indevida destarte.
DECLARO a invalidade do contrato que originou
a cobrança “LAR MAIS SEGURO”, por clara violação ao dever de informação que
deve nortear os títulos de crédito, não remanescendo daí qualquer débito para a
reclamante, nos termos do art. 46 do CDC.
Por conseguinte, extingo o
processo com resolução de mérito, na forma do que dispõe o art. 487, I do CPC.
DIANTE DA AUSÊNCIA
INJUSTIFICADA DA AUTORA PARA A AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO, APLICOU-SE MULTA DE 2%
SOBRE O VALOR DA CAUSA A SER DECOTADA DA PRESENTE CONDENAÇÃO E REVERTIDA AO
FERJ/TJMA.
Conforme determina o art. 523,
§1º do CPC, intime-se o réu para efetuar o pagamento, no prazo de 15 dias, sob
pena de multa no percentual de 10% e
honorários de cumprimento de sentença de 10%, ambos sobre o valor da
condenação.
Condeno o réu em custas e
despesas processuais e honorários advocatícios, estes no percentual de 15 %
sobre o valor da condenação. (CPC, art. 85, §2º)
P. R. I.
João Lisboa/MA, 24 de setembro de 2018.
Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular da 1ª
Vara da Comarca de João Lisboa