terça-feira, 22 de abril de 2014

DECISÃO. LIMINAR CONTRA FAZENDA PÚBLICA. SAÚDE. INCLUSÃO NO TFD.

  Proc. nº
434/2014
AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA
Demandante:
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
Demandado:
MUNICÍPIO DE AMARANTE DO MARANHÃO




DECISÃO:

Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, já devidamente qualificado nos autos, em desfavor do MUNICÍPIO DE AMARANTE DO MARANHÃO, também já qualificado.

Em síntese do indispensável, o demandante alega que MAYSA RODRIGUES DE SOUSA é portador  de DEMATITE ATÓPICA (CID 10 – L20), cujo tratamento médico – feito de forma particular – recomendou acompanhamento clínico e uso de vários medicamentos pelo prazo de 02 (dois) anos “período que demandará o uso de 06 (seis) frascos de vacina inalante, associado a um grupo de medicamentos com previsão de consumo mensal, sendo o preço unitário do frasco R$ 700,00 (setecentos reais) e o custo total de cada receita mensal estimando em R$ 527,77 (quinhentos e vinte e sete reais e setenta e sete centavos), conforme laudos médicos e receitas em anexo.

Prossegue dizendo que o beneficiário não dispõe de condições financeiras de custear os gastos do tratamento, avaliados em R$16.866,48 (dezesseis mil, oitocentos e sessenta e seis reais e quarenta e oito centavos)só em medicamentos.

                            Narra, por fim, que provocou o Município a custear o referido tratamento de saúde, mas este se quedou inerte até a presente data, limitando-se a informar que os medicamentos em questão são considerados de alto custo a cargo do Estado.
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Assim, requer o Parquet à concessão de tutela antecipada inaudita altera pars, cominando obrigação de fazer ao Município-réu, consistente no fornecimento ou custeio de 06 frascos de vacina inalante ao preço unitário de R$ 700,00, bem como dos medicamentos descritos nas inclusas receitas médicas, de uso mensal, num total de R$ 527,77, pelo prazo de 02 anos, sob pena de multa cominatória.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 07-45.

Às fls. 46, reservei-me para a apreciação da liminar após a manifestação do réu em 72h, através de seu representante, nos termos do art. 2º da Lei nº 8437/92.

Às fls. 60-67, o município apresenta manifestação oportunidade em que alega que a paciente jamais buscou o seu tratamento terapêutico através do SUS, mas sim, por via particular; que para incluir a paciente no SUS foi agendada uma consulta com o médico do SUS em 08.04.2014 para eventual inclusão da paciente no TFD, uma vez que em Amarante não existe médico especialista; que o referido profissional requisitou a realização de uma biópia, porém, os pais da paciente se negaram a submetê-la ao exame; que nem a família nem o Ministério Público souberam informar o nome e dosagem da vacina; que os vários medicamentos requeridos na inicial foram prescritos por três médicos diferentes; que inexiste nos autos qualquer diagnóstico indicando a alergia, mas tão somente a indicação de que há compatibilidade com ECZEMA OU DERMATITE; que o próprio médico Cacildo Teodoro receita vacina inalante, mas não apresenta o nome da mesma, pois a venda e aplicação do produto é feita na própria clínica do mesmo, conduta vedada pelo Código de Ética Médica; que tendo a família recusado o tratamento através do SUS não pode agora querer obrigar o Sistema único a custear o tratamento particular; destaca que inexiste nos autos receita da vacina, mas tão somente orçamento; finaliza requerendo o indeferimento da liminar.

Vieram os autos conclusos.

 É o relatório. DECIDO.

Após bem analisar os argumentos apresentados pelas partes, observo que resta claro que a paciente possui um quadro alérgico compatível com DERMATITE ATÓPICA (CID 10 L20), conforme laudo de fls. 18, porém, restou evidenciado, em juízo de mera prelibação, que a família da criança recusou-se a submeter-se ao tratamento da doença via SUS, optando pela via privada, e após, diante de sua hipossuficiência financeira, buscou o Judiciário para compelir o Município a arcar com os custos de uma vacina inalante – cujo nome ou princípio ativo não veio para os autos – e de medicamentos diversos prescritos por três médicos distintos.

Tal situação restou evidenciada pelas receitas de médicos particulares constantes dos autos às fls. 19-25 e a recusa ao tratamento do SUS consta do ofício de fls. 33-34 e na petição de fls. 31.
Nesse aspecto, desde o meu olhar, não é razoável obrigar o município a arcar com um tratamento particular quando disponível o mesmo tratamento dentro do SUS, sob pena de desequilíbrio do Sistema.

 Em se tratando de antecipação dos efeitos da tutela, necessário se faz verificar a presente dos requisitos elencados no art. 273 do CPC, quais sejam, que a prova inequívoca conduz à verossimilhança de dano irreparável ou de difícil reparação, nos termos do artigo 273, I do CPC. Isso porque o provimento antecipatório tem cunho satisfativo e não de mera garantia ou acautelamento.

No dizer de Humberto Theodoro Júnior, (O Processo Civil Brasileiro no Liminar do Novo Século. Ed. Forense. 1a Ed. 1999 - P. 81):

"há antecipação de tutela porque o juiz se adianta para, antes do momento reservado ao normal julgamento do mérito, conceder à parte um provimento que, de ordinário, somente deveria ocorrer depois de exaurida a apreciação de toda a controvérsia e prolatada a sentença definitiva."
                            A ausência de um dos requisitos enseja o indeferimento da medida de urgência, que antecipa os efeitos da tutela.
                            O primeiro requisito é a verossimilhança, pela qual a parte obrigatoriamente deverá demonstrar que seu pleito é verdadeiro ou muito próximo da verdade, ou seja, que suas alegações se aproximam da verdade e do Direito. A lei no caso não exige a prova absoluta da verdade, pois esta será apurada no decorrer da instrução processual. O que exige sim é a demonstração de um grau de probabilidade da verdade.
                            Para a configuração do primeiro requisito, encontrado no caput do art. 273 do CPC, exige-se prova documental que espelhe irrefutavelmente necessidade e eficiência da vacina e medicamentos prescritos pelo médico.
                            No presente caso, não é possível chegar-se a tal conclusão, pois sequer consta dos autos o nome ou princípio ativo da “vacina inalante” receituada às fls. 19. Ademais, foram juntados aos autos várias receitas de diferentes medicamentos prescritos por três médicos diferentes e que aparentemente não trabalharam em equipe.
                            Portanto, desde o meu olhar, as provas anexadas aos autos são insuficientes para comprovação da eficiência do tratamento pretendido, além de inexistir direito subjetivo da parte de pleitear o tratamento particular quando existe tal tratamento via SUS.
                            Em breve consulta ao sitio eletrônico http://drauziovarella.com.br/letras/d/dermatite-atopica/, verifico que o tratamento da doença pode ser feito por outros meios, menos custosos, ao Município:
Dermatite atópica (ou eczema atópico) é um processo inflamatório crônico da pele caracterizado por lesões avermelhadas, que coçam muito e, às vezes, descamam. Geralmente, elas se localizam na face das crianças pequenas e nas dobras do joelho e cotovelo das crianças maiores e dos adultos. A dermatite atópica pode estar associada a outras atopias, como bronquite, asma e rinite, por exemplo.
Ainda não se conhecem as possíveis causas da dermatite atópica, mas há evidências de que predisposição genética e histórico familiar de atopias influenciam o aparecimento da enfermidade.
Sabe-se, também, que alguns fatores de risco funcionam como gatilho das crises. Entre eles destacam-se: substâncias irritantes (poeira domiciliar, conservantes, produtos de limpeza e usados na lavagem das roupas), tecidos de lã e sintéticos, frio intenso, ambientes secos, calor e transpiração, estresse emocional.
Sintomas
* coceira, que piora com a transpiração;
* lesões avermelhadas que podem apresentar vesículas e escoriações e funcionam como porta de entrada para bactérias.
Diagnóstico
O diagnóstico leva em conta a coceira, a localização das lesões, a história familiar e a associação com outras atopias.
Tratamento
O tratamento da dermatite atópica começa com os cuidados com a pele que, em geral, é seca. Para tanto, é importante tomar banhos rápidos, não muito quentes, com pouca aplicação de sabonete e passar cremes hidratantes.
Caso se faça necessário e a critério do médico que acompanha o caso, podem ser indicados os seguintes medicamentos: corticóides de uso tópico, imunossupressores e anti-histamínicos. Antibióticos só devem ser utilizados quando houver infecção bacteriana.
Recomendações
* Identifique os fatores de risco que ajudam a desencadear as crises para evitá-los. Essa é a melhor forma de prevenir a dermatite atópica;
* Tome banhos rápidos, não muito quentes, use pouco sabonete e aplique hidratantes para impedir o ressecamento da pele;
* Prefira as roupas de algodão às de lã ou fabricadas com tecido misto ou sintético;
* Mantenha abertas as janelas e portas para que o ar circule pelos ambientes;
* Procure assistência médica tão logo surjam os sintomas para evitar que o quadro se agrave.
                            Por outro lado, a documentação colacionada à inicial, sem sombra de dúvida, revela que o interessado  necessita de realização de tratamento médico para acompanhamento de sua saúde.
                            Destarte, pelos documentos carreados, fica evidente que realmente a criança tem problema de saúde, situação esta que se subsume ao exato alcance do que dispõe o art. 196 do Texto Constitucional.
                            Prevê ainda a Carta Magna a universalidade da cobertura e do atendimento pela seguridade social (parágrafo único, I, do art. 194) e o atendimento integral como diretriz das ações e serviços públicos de saúde (art. 198, II).
                            Nada obstante, percebo que a família da paciente optou por não obedecer ao procedimento administrativo para recebimento do tratamento, o que se revela irrazoável, porém, não retira o direito da paciente de receber o tratamento ofertado pelo Sistema Único.
É exatamente por esse motivo que entendo que há necessidade NECESSIDADE DE UMA DECISÃO PRÓ-ATIVA DO JUDICIÁRIO que resguarde o direito à vida e saúde da paciente. Segundo o Princípio da Instrumentalidade das Formas, o processo não é um fim em si mesmo, mas sim um meio para resguardo do direito material.
O caso em questão, como bem se depreende da análise dos autos, envolve matéria que evidencia o dever da prestação de obrigação pautada, inicialmente, no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, em sua vertente mais abrangente do Direito à Vida, mas especificadamente no Direito à Saúde, consagrado no art. 196 e no art. 198, §1º, ambos da Constituição Federal/88, verbis:

“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
“Art. 198. (omissis)
§ 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.” (grifei)


Nesse sentido, cristalina é a lição do ilustre doutrinador Antônio Jeová dos Santos:

“[...] a vida e a saúde revestem-se de indiscutível interesse social, o que transcende do meramente privado e se projetam mais além, até a órbita da ordem pública, dado que está em jogo, em definitivo, e nada mais nem nada menos que o direito à vida e a poder seguir vivendo na mesma plenitude de que se gozava até então; a que não se antecipe a própria morte e a que não se limitem ou cerceiem as faculdades vitais do indivíduo; direito à vida que é o primeiro de todos os direitos personalíssimos e o valor supremo, pois se não se está vivo, não é possível gozar os demais direitos". (SANTOS, Antônio Jeová dos. Dano Moral. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 4ª ed., p. 481).

Desse modo, ao se tratar sobre a adoção de medidas que pretendem resguardar o direito à vida, a análise do pleito não deve ser enfocada, pura e simplesmente, no pedido que constou na liminar para obrigar o demandado a custear as despesas do tratamento do demandante, na medida em que, possuindo o dever Constitucional de assegurar a saúde aos seus cidadãos, ao Poder Público (aqui representado pelo Município de Amarante do Maranhão/MA), resta, tão somente (e essencialmente!), planejar, com responsabilidade, as suas despesas frente às suas receitas, como forma de resguardar, em seu orçamento, parcela suficiente para atender aos anseios daqueles que necessitam de seu apoio em um dos momentos mais difíceis da vida, qual seja, a busca pela cura (ou tratamento) de uma doença grave, que afeta não apenas o enfermo, como também toda a sua família.

Neste sentido, tenho que a medida ora requerida no sentido amplo de resguardo da vida e saúde da paciente, pode ser atendida em menor extensão com a determinação do requerido para inclusão da paciente em TFD com vistas a receber atendimento por especialista em Dermatologia através do SUS, sem que isso represente ofensa aos princípios da separação dos poderes, do devido processo legal, da legalidade ou mesmo da reserva do possível[1], ao contrário, traduz-se num ato de grandeza, legalidade e, sobretudo, de respeito à vida de um cidadão, pois o Estado é custeado pelos administrados através dos tributos em geral (art. 198, § 1º[2], CF/88), justamente para que possa prestar assistência médica, dentre outras, àqueles que não tiverem condições de buscá-las na rede privada ou com recursos próprios.

Ademais, frisa-se que a questão aqui debatida, não representa (ou visa representar) qualquer tipo de “ingerência indevida” do Poder Judiciário nos atos administrativos do apelante, porquanto, é fundamental se reconhecer que; “o intuito maior da Carta Magna foi o de assegurar a todo cidadão, independentemente de sua condição econômica e social, o direito à saúde, impondo, para tanto, ao Estado, o dever constitucional de garantir, por meio de políticas sociais e econômicas, ações que possam permitir a todos o acesso à assistência médica e farmacológica[3], de onde o juiz não estará violando o princípio da “separação de poderes”, mas, exercendo a função jurisdicional que lhe é atribuída, a qual dentre outros ideais consagra que: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito – XXXV, art. 5º, da CF/88”.

ANTE O EXPOSTO, e com lastro em tudo o mais que dos autos consta, presentes os pressupostos de concessão da medida judicial suplicada, CONCEDO TUTELA DE URGÊNCIA para obrigar o requerido a incluir a criança MAYSA RODRIGUES DE SOUZA no programa do TFD, vinculado ao SUS,  com o objetivo de que a mesma receba o tratamento médico adequado, com médico especialista, para o tratamento e cura da enfermidade que a assola, nos moldes previstos na Portaria n.º55/1999, expedida pelo Ministério da Saúde, no prazo de 10 dias, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais), em favor da paciente, ficando também esta com a obrigação de colaborar com o referido tratamento sob pena de revogação da liminar.

Cite-se o  réu para, querendo, contestar a ação no prazo legal, ciente que, não contestada à ação, se presumirão aceitos como verdadeiros os fatos articulados pelo autor (CPC, arts. 188), e no mesmo ato intime-se-lhe desta da decisão.

Intime-se, também,  o Secretário Municipal de Saúde e o Prefeito desta decisão, bem como para comprovar o cumprimento da tutela antecipada, nos moldes requeridos na inicial, em 10 (dez) dias, advertindo-lhes que o não cumprimento da obrigação no prazo assinalado lhe incidirá a multa consignada ao norte.

Ciência ao representante do Ministério Público Estadual.

Intime-se.  Cumpra-se.

Amarante do Maranhão/MA, 15 de abril de 2014.


Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular da Comarca de Amarante do Maranhão



[1] “(...) é indevida a arguição do princípio da reserva do possível em detrimento do mínimo existencial, porquanto somente depois de atingido o mínimo existencial é que se pode cogitar da efetivação de outros gastos, de sorte que a omissão injustificada da Administração em efetivar as políticas públicas essenciais à promoção de dignidade humana não deve ser assistida passivamente pelo Poder Judiciário, pois não é mero departamento do Poder Executivo, mas Poder que detém parcela de soberania nacional. (TJ/MA. 3ª Câmara Cível. Agravo de Instrumento nº 24228/2009. Rel. Des. Cleones Carvalho Cunha. J. em 25/08/2009). (grifei)
[2] Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: § 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do artigo 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
[3] TJMG quando do julgamento da Apelação Cível em Mandado de Segurança nº 1.0145.05.218003-4/001.

sexta-feira, 4 de abril de 2014

DECISÃO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. LIMINAR DE POSSE NOVA. POSSE INJUSTA POR CLANDESTINIDADE. DEFERIMENTO



Processo nº 176-34.2014.8.10.0066
Ação Reintegração de Posse
Autor: JOSE PEREIRA FALCÃO
RÉU: MIGUEL DE SOUSA RESENDE

DECISÃO

Cuida-se de Ação de Reintegração de Posse intentada por JOSÉ PEREIRA FALCÃO em face de MIGUEL DE SOUSA RESENDE para reaver posse de imóvel que estaria sendo esbulhado pelo requerido com pedido de liminar.
Aduz o requerente que é o possuidor de imóvel rural de 870.34.34 HÁ (oitocentos e setenta hectares, trinta e quatro ares e trinta e quatro centiares) e que o requerido que possui imóvel contiguo ao do requerente estaria invadindo uma área de sua propriedade equivalente a 15 (quinze) alqueires.
Postula a concessão de liminar com o fim de vê resguardado o seu direito à posse.
Instruiu o pedido com cópia do contrato particular de venda e compra do imóvel, cópia do boletim de ocorrência policial, georeferenciamento e fotos da área esbulhada.(fls. 12/35).
Às fls. 38, este juízo elevou o valor da causa e determinou a intimação do autor para recolhimento da complementação das custas, o que foi feito às fls. 50-53.
Vieram os autos conclusos.

É o Relatório. DECIDO.

A reintegração de posse é o remédio processual adequado à restituição da posse àquele que a tenha perdido em razão de um esbulho, sendo privado de seu poder físico sobre a coisa. Não é suficiente o incômodo; essencial é que a agressão provoque a perda da possibilidade de controle e atuação material no bem antes possuído, uma vez que nos termos do art. 926 do CPC: “o possuidor  tem o direito de ser mantido na posse em caso de turbação e  reintegrado no caso de esbulho.”

O esbulho se caracteriza em situações em que a posse é subtraída por qualquer dos vícios objetivos, enumerados no art. 1200 do Código Civil, quais sejam: a violência, precariedade e clandestinidade.

O autor, titular da posse, tanto pode ser autor como réu nas ações possessórias, segundo interpretação do art. 1.197 do Código Civil e art. 95 e ss. do Estatuto da Terra., in verbis:

Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.

Em seus comentários ao Código Civil, NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY esclarecem que "tanto o possuidor direto quanto o possuidor indireto - como por exemplo o nu-proprietário, o dono da coisa empenhada, o locador etc. - têm direito à defesa de sua posse, contra terceiros, por meio dos interditos possessórios".

Como sabido o possuidor é aquele que se comporta como proprietário, de modo consciente, mantendo de fato o exercício de alguns dos poderes inerentes à propriedade.
Para obter seu proveito econômico, é possível tanto a utilização direta como a cessão a terceiros da coisa, vale dizer, mediante utilização indireta.

O possuidor indireto, embora não tenha o poder físico imediato sobre a coisa, sem dominação direta, é também possuidor, porque se comporta como proprietário.

Tanto o possuidor direto como o indireto podem afastar os ataques injustos de terceiros à posse, utilizando a tutela possessória e o desforço próprio.

No presente caso, resta evidenciado que o autor, no momento do suposto esbulho, tinha a posse do imóvel desde 01.03.2013, a qual lhe foi transmitida por atos inter vivos conforme se afere do contrato de promessa de compra e venda de fls. 12-15, onde a anterior possuidora transmite o seus direitos de herança sobre os imóveis descritos na procuração de fls. 16-18.

Por sua vez o art. 1207 do CC facultar ao sucessor a título singular a chamada acceptio possessionis de forma que o adquirente do imóvel pode unir a sua posse à do antecessor, bem como recebe a posse com os mesmos caracteres com as quais foi alienado (CC, art. 1206):

Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.

Feitas tais considerações, analisando os autos, a luz da documentação que instrui a inicial, pode-se constatar que os autores provaram a posse justa, nos termos do art. 1200 do CC (Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.),  do imóvel Rural denominado FAZENDA CORAÇÃO DE FERRO, constituída pelos títulos do imóveis descritos nas fls. 12-14, adquirida em 01.03.2013 (fls. 12-18), demonstrando a tradição da posse por instrumento particular de Promessa de Compra e Venda (pois a posse tem um valor econômico), corroborado pela Procuração de fls. 16-18 que substabelece o autor nos poderes de administrar e alienar os imóveis nela descritos.

Ademais, convém destacar que a posse do autor foi exteriorizada por período superior a nove meses sem qualquer interferência de terceiros,.havendo notícia de esbulho no imóvel FAZENDA CORAÇÃO DE FERRO, somente em 08.01.2014 por ocasião do desapossamento denunciado nos presentes autos.

Das provas colhidas não ocorre nenhum juízo, em sentido contrário, ou seja, de que o autor, por si ou por prepostos, de alguma forma, não empreendesse qualquer conduta a veicular, subjetiva ou objetivamente, traços do exercício de uma posse. Tal fato é corroborado com o pequeno lapso temporal (4 dias) entre a notícia do esbulho e o seu registro junto à DEPOL local.

A posse exterioriza-se pelo exercício de poder sobre a coisa. Porém, a visibilidade de que a pessoa está em contato com a coisa não é suficiente para caracterizar a situação jurídica de possuidor. A qualificação de um fato como posse depende da investigação de sua origem e do título em que se diz fundada.

Compulsando os autos, verifico que os autores foram legitimamente investidos, faticamente, na posse do imóvel desde o dia 01.03.2013. E somente foram desapossados no último dia 04.01.2014, após as investidas contra coisa por parte de prepostos do requerido que, segundo o boletim de ocorrência, cercou a área com arame liso e madeira de lei, desmatou-a com o uso de tratores e em seguida plantou semente de capim.

Portanto, a atual posse do requerido é inquinada de vício, na medida em que os boletins de ocorrência policial anexados aos autos que fora obtida de forma clandestina, às escondidas, sem o consentimento do autor,  o que caracteriza sua ilicitude, diante do ordenamento jurídico.
A posse é clandestina (clam) quando se adquire via processo de ocultamento em relação àquele contra quem é praticado o apossamento (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. Cit., p. 23). É um defeito relativo: oculta-se da pessoa que tem interesse em retomar a posse, embora possa ser ela pública para os demais.

A inicial narra o esbulho contra o imóvel. Segundo a petição inicial: “(...) o requerido, que é seu vizinho, na data citada (04.01.2014), invadiu parte da propriedade do requerente, passou seu trator na terra, cercou a área e iniciou o cultivo da terra, tudo, clandestina e ilegalmente.(...)”

As fotografias de fls. 30-34, corroboram as alegações contidas na petição inicial.
A cópia da planta topográfica do imóvel, destaca a área invadida que, segundo a petição inicial, atingiria cerca de 15 (quinze) alqueires ao sul do imóvel questionado. (fls. 35)

Acerca da liminar pleiteada, dispõe o art. 927 e 928 do CPC:

Art. 927. Incumbe ao autor provar:
I – a sua posse;
II – a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
III – a data da turbação ou do esbulho;
IV – a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegra­ção.
Art. 928. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do man­dado liminar de manutenção ou de reintegração; no caso contrário, determinará que o autor justifique previa­mente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada.

Por tais argumentos, que demonstram satisfatoriamente, em juízo de cognição sumária, mera prelibação, preenchimento dos pressupostos ao deferimento da medida liminar de reintegração de posse, acrescidos da inclusão desta causa àquelas que a doutrina convencionou chamar de ação de força nova, por estar dentro do prazo de ano e dia da data do esbulho, autorizadora do deferimento da medida antecipatória de reintegração, nos termos do artigo 924, 927 e 928 do Código de Processo Civil, outra solução não há senão conceder preambularmente a reintegração de posse ao autor.

Com efeito, observo que o autor demonstrou estar legitimamente investidos na POSSE do imóvel em litígio, seja pelos títulos do imóveis descritos nas fls. 12-14, adquirida em 01.03.2013 (fls. 12-18), demonstrando a tradição da posse por instrumento particular de Promessa de Compra e Venda (pois a posse tem um valor econômico), corroborado pela Procuração de fls. 16-18 que substabelece o autor nos poderes de administrar e alienar os imóveis nela descritos.

O ESBULHO também restou caracterizado sumariamente nos autos conforme boletim de ocorrência policial de fls. 19; a data do esbulho também consta dos autos, ou seja, ocorreu desde o dia 04.01.2014, data em que o requerido determinou que prepostos cercassem a área com arame liso e madeira de lei, desmatassem-a com o uso de tratores e em seguida plantassem sementes de capim, tudo sem o consentimento do requerente. Por fim, a perda da posse remanesce até os dias atuais desde o desapossamento.
Portanto, entendo devidamente preenchidos os requisitos para a concessão da liminar pleiteada. Nesse mesmo sentido segue jurisprudência:
 “MEDIDA CAUTELAR - Liminar - Deferimento - Admissibilidade - Reintegração de posse - Irrelevância da alegada invalidade e inveracidade do documento instrutório da inicial - Esbulho possessório verificado na audiência de justificação de posse - Artigo 928 do Código de Processo Civil - Fase procedimental, ademais, onde não é lícito ao demandado produzir provas, limitando-se tão somente a fiscalizar a regularidade da audiência - Decisão summaria cognitio mantida - Recurso não provido. A prova necessária e suficiente para que o Juiz conceda a liminar de reintegração é apenas prova de verossimilhança dos fatos alegados pelo autor.” (TJ/SP, Relator: Mohamed Amaro - Agravo de Instrumento n. 232.531-2 - Campinas - 04.08.94)
Por tudo que se foi argumentado, bem com pelas provas escorreitas colacionadas aos autos, resta delineada a posse, sua perda, o esbulho e sua época, elementos tais indispensáveis ao deferimento da medida liminar reintegratória e, analisados pelo magistrado e constatada suas presenças, conduzem, invariavelmente, a concessão do pleito ao requerente.

ANTE O EXPOSTO, DEFIRO A REINTEGRAÇÃO LIMINAR pleiteada por JOSE PEREIRA FALCAO, em desfavor de MIGUEL DE SOUSA RESENDE e/ou quem os acompanhe no local, o fazendo em virtude do preenchimento dos requisitos insculpidos no artigo 924, 927 e 928 do Código de Processo Civil, devendo o processo seguir em seus ulteriores termos, intimando-se o requerido desta decisão e CITANDO-O para, querendo, apresentar contestação no prazo legal de 15 (quinze) dias.

Sendo necessário, autorizo, desde já, o cumprimento da medida liminar mediante arrombamento e com o uso de força policial.

Oficie-se À SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, COMANDO DA POLÍCIA MILITAR, 14º BATALHÃO DA POLÍCIA MILITAR E DELEGACIA REGIONAL DE POLÍCIA CIVIL DE IMPERATRIZ a fim de que seja providenciado o efetivo cumprimento da presente decisão.

Intime-se e Cumpra-se.

Amarante do Maranhão/MA, 03 de abril de 2014.


                                                  Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da Comarca de Amarante do Maranhão