Proc.
nº
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434/2014
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AÇÃO
CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA
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Demandante:
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MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
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Demandado:
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MUNICÍPIO DE AMARANTE DO MARANHÃO
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DECISÃO:
Trata-se de AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO DE TUTELA
ANTECIPADA, proposta pelo MINISTÉRIO
PÚBLICO ESTADUAL, já devidamente qualificado nos autos, em desfavor do MUNICÍPIO DE AMARANTE DO MARANHÃO,
também já qualificado.
Em síntese do
indispensável, o demandante alega que MAYSA
RODRIGUES DE SOUSA é portador de DEMATITE
ATÓPICA (CID 10 – L20), cujo tratamento médico – feito de forma particular –
recomendou acompanhamento clínico e uso de vários medicamentos pelo prazo de 02
(dois) anos “período que demandará o uso de 06 (seis) frascos de vacina
inalante, associado a um grupo de medicamentos com previsão de consumo mensal,
sendo o preço unitário do frasco R$ 700,00 (setecentos reais) e o custo total
de cada receita mensal estimando em R$ 527,77 (quinhentos e vinte e sete reais
e setenta e sete centavos), conforme laudos médicos e receitas em anexo.
Prossegue dizendo que o
beneficiário não dispõe de condições financeiras de custear os gastos do
tratamento, avaliados em R$16.866,48 (dezesseis mil, oitocentos e sessenta e
seis reais e quarenta e oito centavos)só em medicamentos.
Narra,
por fim, que provocou o Município a custear o referido tratamento de saúde, mas
este se quedou inerte até a presente data, limitando-se a informar que os
medicamentos em questão são considerados de alto custo a cargo do Estado.
.
Assim, requer o Parquet à concessão de tutela antecipada inaudita altera pars, cominando
obrigação de fazer ao Município-réu, consistente no fornecimento ou custeio de
06 frascos de vacina inalante ao preço unitário de R$ 700,00, bem como dos
medicamentos descritos nas inclusas receitas médicas, de uso mensal, num total
de R$ 527,77, pelo prazo de 02 anos, sob pena de multa cominatória.
Com a inicial vieram os
documentos de fls. 07-45.
Às fls. 46, reservei-me
para a apreciação da liminar após a manifestação do réu em 72h, através de seu
representante, nos termos do art. 2º da Lei nº 8437/92.
Às fls. 60-67, o município
apresenta manifestação oportunidade em que alega que a paciente jamais buscou o
seu tratamento terapêutico através do SUS, mas sim, por via particular; que
para incluir a paciente no SUS foi agendada uma consulta com o médico do SUS em
08.04.2014 para eventual inclusão da paciente no TFD, uma vez que em Amarante
não existe médico especialista; que o referido profissional requisitou a
realização de uma biópia, porém, os pais da paciente se negaram a submetê-la ao
exame; que nem a família nem o Ministério Público souberam informar o nome e dosagem da vacina; que
os vários medicamentos requeridos na inicial foram prescritos por três médicos
diferentes; que inexiste nos autos qualquer diagnóstico indicando a alergia,
mas tão somente a indicação de que há compatibilidade com ECZEMA OU DERMATITE;
que o próprio médico Cacildo Teodoro receita vacina inalante, mas não apresenta
o nome da mesma, pois a venda e aplicação do produto é feita na própria clínica
do mesmo, conduta vedada pelo Código de Ética Médica; que tendo a família
recusado o tratamento através do SUS não pode agora querer obrigar o Sistema
único a custear o tratamento particular; destaca que inexiste nos autos receita
da vacina, mas tão somente orçamento; finaliza requerendo o indeferimento da liminar.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. DECIDO.
Após bem analisar os
argumentos apresentados pelas partes, observo que resta claro que a paciente
possui um quadro alérgico compatível com DERMATITE ATÓPICA (CID 10 L20),
conforme laudo de fls. 18, porém, restou evidenciado, em juízo de mera
prelibação, que a família da criança recusou-se a submeter-se ao tratamento da
doença via SUS, optando pela via privada, e após, diante de sua
hipossuficiência financeira, buscou o Judiciário para compelir o Município a
arcar com os custos de uma vacina inalante – cujo nome ou princípio ativo não
veio para os autos – e de medicamentos diversos prescritos por três médicos
distintos.
Tal situação restou
evidenciada pelas receitas de médicos particulares constantes dos autos às fls.
19-25 e a recusa ao tratamento do SUS consta do ofício de fls. 33-34 e na
petição de fls. 31.
Nesse aspecto, desde o meu
olhar, não é razoável obrigar o município a arcar com um tratamento particular
quando disponível o mesmo tratamento dentro do SUS, sob pena de desequilíbrio
do Sistema.
Em se tratando de antecipação dos efeitos da
tutela, necessário se faz verificar a presente dos requisitos elencados no art.
273 do CPC,
quais sejam, que a prova inequívoca conduz à verossimilhança de dano
irreparável ou de difícil reparação, nos termos do artigo 273, I do CPC.
Isso porque o provimento antecipatório tem cunho satisfativo e não de mera
garantia ou acautelamento.
No
dizer de Humberto Theodoro Júnior, (O Processo Civil Brasileiro no Liminar do
Novo Século. Ed. Forense. 1a Ed. 1999 - P. 81):
"há antecipação de tutela porque o juiz se
adianta para, antes do momento reservado ao normal julgamento do mérito,
conceder à parte um provimento que, de ordinário, somente deveria ocorrer
depois de exaurida a apreciação de toda a controvérsia e prolatada a sentença
definitiva."
A ausência de um dos
requisitos enseja o indeferimento da medida de urgência, que antecipa os
efeitos da tutela.
O primeiro requisito
é a verossimilhança, pela qual a parte obrigatoriamente deverá demonstrar que
seu pleito é verdadeiro ou muito próximo da verdade, ou seja, que suas
alegações se aproximam da verdade e do Direito. A lei no caso não exige a prova
absoluta da verdade, pois esta será apurada no decorrer da instrução
processual. O que exige sim é a demonstração de um grau de probabilidade da
verdade.
Para a configuração
do primeiro requisito, encontrado no caput do art. 273 do CPC,
exige-se prova documental que espelhe irrefutavelmente necessidade e eficiência
da vacina e medicamentos prescritos pelo médico.
No presente caso,
não é possível chegar-se a tal conclusão, pois sequer consta dos autos o nome
ou princípio ativo da “vacina inalante” receituada às fls. 19. Ademais, foram
juntados aos autos várias receitas de diferentes medicamentos prescritos por
três médicos diferentes e que aparentemente não trabalharam em equipe.
Portanto, desde o
meu olhar, as provas anexadas aos autos são insuficientes para comprovação da
eficiência do tratamento pretendido, além de inexistir direito subjetivo da
parte de pleitear o tratamento particular quando existe tal tratamento via SUS.
Em breve consulta ao
sitio eletrônico http://drauziovarella.com.br/letras/d/dermatite-atopica/,
verifico que o tratamento da doença pode ser feito por outros meios, menos
custosos, ao Município:
Dermatite atópica (ou eczema atópico)
é um processo inflamatório crônico da pele caracterizado por lesões
avermelhadas, que coçam muito e, às vezes, descamam. Geralmente, elas se
localizam na face das crianças pequenas e nas dobras do joelho e cotovelo das
crianças maiores e dos adultos. A dermatite atópica pode estar associada a
outras atopias, como bronquite, asma e rinite, por exemplo.
Ainda não se conhecem as possíveis
causas da dermatite atópica, mas há evidências de que predisposição genética e
histórico familiar de atopias influenciam o aparecimento da enfermidade.
Sabe-se, também, que alguns fatores
de risco funcionam como gatilho das crises. Entre eles destacam-se: substâncias
irritantes (poeira domiciliar, conservantes, produtos de limpeza e usados na
lavagem das roupas), tecidos de lã e sintéticos, frio intenso, ambientes secos,
calor e transpiração, estresse emocional.
Sintomas
* coceira, que piora com a
transpiração;
* lesões avermelhadas que podem
apresentar vesículas e escoriações e funcionam como porta de entrada para
bactérias.
Diagnóstico
O diagnóstico leva em conta a
coceira, a localização das lesões, a história familiar e a associação com
outras atopias.
Tratamento
O tratamento da dermatite atópica
começa com os cuidados com a pele que, em geral, é seca. Para tanto, é
importante tomar banhos rápidos, não muito quentes, com pouca aplicação de
sabonete e passar cremes hidratantes.
Caso se faça necessário e a critério do médico que acompanha o caso, podem ser indicados os seguintes medicamentos: corticóides de uso tópico, imunossupressores e anti-histamínicos. Antibióticos só devem ser utilizados quando houver infecção bacteriana.
Caso se faça necessário e a critério do médico que acompanha o caso, podem ser indicados os seguintes medicamentos: corticóides de uso tópico, imunossupressores e anti-histamínicos. Antibióticos só devem ser utilizados quando houver infecção bacteriana.
Recomendações
* Identifique os fatores de risco que
ajudam a desencadear as crises para evitá-los. Essa é a melhor forma de
prevenir a dermatite atópica;
* Tome banhos rápidos, não muito
quentes, use pouco sabonete e aplique hidratantes para impedir o ressecamento
da pele;
* Prefira as roupas de algodão às de
lã ou fabricadas com tecido misto ou sintético;
* Mantenha abertas as janelas e
portas para que o ar circule pelos ambientes;
* Procure assistência médica tão logo
surjam os sintomas para evitar que o quadro se agrave.
Por outro lado, a
documentação colacionada à inicial, sem sombra de dúvida, revela que o
interessado necessita de realização de tratamento
médico para acompanhamento de sua saúde.
Destarte, pelos
documentos carreados, fica evidente que realmente a criança tem problema de saúde,
situação esta que se subsume ao exato alcance do que dispõe o art. 196 do Texto Constitucional.
Prevê ainda a Carta Magna a universalidade da cobertura e
do atendimento pela seguridade social (parágrafo único, I, do art. 194) e o
atendimento integral como diretriz das ações e serviços públicos de saúde (art.
198, II).
Nada obstante,
percebo que a família da paciente optou por não obedecer ao procedimento
administrativo para recebimento do tratamento, o que se revela irrazoável,
porém, não retira o direito da
paciente de receber o tratamento ofertado pelo Sistema Único.
É exatamente por esse motivo que entendo que há
necessidade NECESSIDADE DE UMA DECISÃO PRÓ-ATIVA DO JUDICIÁRIO que resguarde o
direito à vida e saúde da paciente. Segundo o Princípio da Instrumentalidade
das Formas, o processo não é um fim em si mesmo, mas sim um meio para resguardo
do direito material.
O caso em questão, como bem
se depreende da análise dos autos, envolve matéria que evidencia o dever da
prestação de obrigação pautada, inicialmente, no Princípio da Dignidade da
Pessoa Humana, em sua vertente mais abrangente do Direito à Vida, mas
especificadamente no Direito à Saúde, consagrado no art. 196 e no art. 198,
§1º, ambos da Constituição Federal/88, verbis:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do
Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”
“Art. 198. (omissis)
§
1º O sistema único de saúde será
financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade
social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
além de outras fontes.” (grifei)
Nesse
sentido, cristalina é a lição do ilustre doutrinador Antônio Jeová dos Santos:
“[...]
a vida e a saúde revestem-se de indiscutível interesse social, o que transcende
do meramente privado e se projetam mais além, até a órbita da ordem pública,
dado que está em jogo, em definitivo, e nada mais nem nada menos que o direito
à vida e a poder seguir vivendo na mesma plenitude de que se gozava até então;
a que não se antecipe a própria morte e a que não se limitem ou cerceiem as
faculdades vitais do indivíduo; direito à vida que é o primeiro de todos os
direitos personalíssimos e o valor supremo, pois se não se está vivo, não é
possível gozar os demais direitos". (SANTOS, Antônio Jeová dos. Dano
Moral. São Paulo: Editora Revistas dos Tribunais, 4ª ed., p. 481).
Desse
modo, ao se tratar sobre a adoção de medidas que pretendem resguardar o direito
à vida, a análise do pleito não deve ser enfocada, pura e simplesmente, no
pedido que constou na liminar para obrigar o demandado a custear as despesas do
tratamento do demandante, na medida em que, possuindo o dever Constitucional de
assegurar a saúde aos seus cidadãos, ao Poder Público (aqui representado pelo Município
de Amarante do Maranhão/MA), resta, tão somente (e essencialmente!), planejar,
com responsabilidade, as suas despesas frente às suas receitas, como forma de
resguardar, em seu orçamento, parcela suficiente para atender aos anseios daqueles
que necessitam de seu apoio em um dos momentos mais difíceis da vida, qual
seja, a busca pela cura (ou tratamento) de uma doença grave, que afeta não
apenas o enfermo, como também toda a sua família.
Neste
sentido, tenho que a medida ora requerida no sentido amplo de resguardo da vida
e saúde da paciente, pode ser atendida em menor extensão com a determinação do
requerido para inclusão da paciente em TFD com vistas a receber atendimento por
especialista em Dermatologia através do SUS, sem que isso represente ofensa aos
princípios da separação dos poderes, do devido processo legal, da legalidade ou
mesmo da reserva do possível[1],
ao contrário, traduz-se num ato de grandeza, legalidade e, sobretudo, de
respeito à vida de um cidadão, pois o Estado é custeado pelos administrados
através dos tributos em geral (art. 198, § 1º[2],
CF/88), justamente para que possa prestar assistência médica, dentre outras,
àqueles que não tiverem condições de buscá-las na rede privada ou com recursos
próprios.
Ademais,
frisa-se que a questão aqui debatida, não representa (ou visa representar)
qualquer tipo de “ingerência indevida” do Poder Judiciário nos atos
administrativos do apelante, porquanto, é fundamental se reconhecer que; “o intuito
maior da Carta Magna foi o de assegurar a todo cidadão, independentemente de
sua condição econômica e social, o direito à saúde, impondo, para tanto, ao
Estado, o dever constitucional de garantir, por meio de políticas sociais e
econômicas, ações que possam permitir a todos o acesso à assistência médica e
farmacológica”[3], de onde
o juiz não estará violando o princípio da “separação de poderes”, mas,
exercendo a função jurisdicional que lhe é atribuída, a qual dentre outros
ideais consagra que: “a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito – XXXV, art. 5º, da
CF/88”.
ANTE O EXPOSTO, e com lastro em tudo o
mais que dos autos consta, presentes os pressupostos de concessão da medida
judicial suplicada, CONCEDO TUTELA DE URGÊNCIA para obrigar o requerido a
incluir a criança MAYSA RODRIGUES DE SOUZA no programa do TFD, vinculado ao
SUS, com o objetivo de que a mesma
receba o tratamento médico adequado, com médico especialista, para o tratamento
e cura da enfermidade que a assola, nos moldes previstos na
Portaria n.º55/1999, expedida pelo Ministério da Saúde, no prazo de 10 dias,
sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais), em favor da paciente,
ficando também esta com a obrigação de colaborar com o referido tratamento sob
pena de revogação da liminar.
Cite-se
o réu para, querendo, contestar a ação
no prazo legal, ciente que, não contestada à ação, se presumirão aceitos como
verdadeiros os fatos articulados pelo autor (CPC, arts. 188), e no mesmo ato
intime-se-lhe desta da decisão.
Intime-se,
também, o Secretário Municipal de Saúde
e o Prefeito desta decisão, bem como para comprovar o cumprimento da tutela
antecipada, nos moldes requeridos na inicial, em 10 (dez) dias, advertindo-lhes
que o não cumprimento da obrigação no prazo assinalado lhe incidirá a multa
consignada ao norte.
Ciência
ao representante do Ministério Público Estadual.
Intime-se.
Cumpra-se.
Amarante
do Maranhão/MA, 15 de abril de 2014.
Juiz Glender
Malheiros Guimarães
Titular
da Comarca de Amarante do Maranhão
[1]
“(...)
é indevida a arguição do princípio da reserva do possível em detrimento
do mínimo existencial, porquanto somente depois de atingido o mínimo
existencial é que se pode cogitar da efetivação de outros gastos, de sorte que
a omissão injustificada da Administração em efetivar as políticas públicas
essenciais à promoção de dignidade humana não deve ser assistida passivamente
pelo Poder Judiciário, pois não é mero departamento do Poder Executivo, mas
Poder que detém parcela de soberania nacional. (TJ/MA. 3ª Câmara Cível. Agravo de Instrumento
nº 24228/2009. Rel. Des. Cleones Carvalho Cunha. J. em 25/08/2009). (grifei)
[2] Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde
integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único,
organizado de acordo com as seguintes diretrizes: § 1º O sistema único de saúde
será financiado, nos termos do artigo 195, com recursos do orçamento da
seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
além de outras fontes.