Proc. nº 16/09
Ação Revisional de Contrato c/c Consignação de Pagamento c/c Manutenção de Posse c/c Pedido de Retirada do SERASA, SPC e CERIS c/c Pedido de Antecipação de Tutela.
Autora: Ana Lúcia Rodrigues
Réu: Banco ABN AMRO REAL
SENTENÇA
ANA LÚCIA RODRIGUES, qualificada na inicial, ajuizou a presente ação em face do BANCO ABN AMRO REAL, pretendendo a revisão de cláusulas constantes em contrato de financiamento do veículo FIAT PALIO FIRE FLEX, cor prata, ano 2006/2007, placa LVJ 7266, CHASSI 9BD17164G72820091, alegando que o contrato estabelece a capitalização mensal de juros, correção monetária cumulada com comissão de permanência e juros moratórios e remuneratórios acima do limite legal, onerando excessiva e unilateralmente o contrato.
Pelo referido pacto a autora deveria pagar 60 (sessenta) parcelas de R$ 885,96 (oitocentos e oitenta e cinco reais e noventa e seis centavos), valor que, após verificação por perícia contábil realizada por iniciativa da autora, extrajudicialmente, deseja ver o quantum reduzido para o valor mensal de R$ 588,64 (quinhentos e oitenta e oito reais e sessenta e quatro centavos) por entender impertinente a taxa mensal de 2,46% a. m., que constou do referido instrumento particular de financiamento com cláusula de alienação fiduciária. Para chegar ao valor de R$ 588,64, a autora entende que deve ser aplicada a limitação da taxa mensal de juros para aqueles indicados no art. 406 c/c art. 591 ambos do Código Civil e art. 161, § 1º do CTN.
Prossegue a autora, após a explanação acima, requerendo a concessão de tutela antecipada, para consignar a importância de R$ 11.397,68 (onze mil trezentos e noventa e sete reais e sessenta e oito centavos), valor que entende incontroverso e, ainda, a divisão da referida importância em 33 (trinta e três) parcelas mensais de R$ 588,64 (quinhentos e vinte e um reais e oitenta e três centavos).
Postula, ainda, em sede de tutela antecipada, a manutenção do bem em sua posse e a retirada de seu nome do cadastro de devedores. Deixou de provar o esbulho, turbação ou ameaça à sua posse e também a inscrição no referido cadastro.
Para fundamentar o pedido de tutela antecipada, a autora aponta a aplicação do art. 273 do CPC, aduzindo para a presença da verossimilhança da alegação pelo contrato firmado entre as partes, e do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, pela evolução da dívida vertiginosamente.
Juntou os documentos de fls. 11/20. Deixou de juntar o contrato celebrado ao fundamento de que o mesmo lhe foi sonegado.
Às fls. 22, este juízo determinou a citação do sujeito passivo e reservou-se para apreciar a liminar depois da resposta.
O Banco ofereceu contestação, via fac-símile, às fls. 24/46, juntando os originais no prazo legal, alegando em síntese: preliminarmente que o pedido não é determinado e no mérito que a ré é instituição financeira, que a autora teve prévio conhecimento de todas as cláusulas do contrato firmado, afastando-se a autora da boa fé objetiva que deve nortear os contrato, que estão preenchidos os requisitos de validade do negócio jurídico, sendo o contrato ato jurídico perfeito, devendo ser cumprido; que a autora pretende enriquecer-se sem causa; que não há fato superveniente a caracterizar onerosidade excessiva, tampouco lesão enquanto causa que conduza à anulabilidade do negócio, estando as taxas praticadas de acordo com a média do mercado financeiro; que as instituições financeiras não se submetem à limitação de juros; que no contrato não há cobrança de comissão de permanência e que o art. 192, §3º da CF, revogado pela EC nº 40, não era auto-aplicável.
Conclui requerendo a improcedência da ação e o não deferimento da tutela antecipada.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Decido.
DA TUTELA ANTECIPADA
Para a concessão da tutela antecipada faz-se imprescindível a presença de requisitos previsto em lei, quais sejam, a prova inequívoca que conduza à verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou o abuso do direito de defesa. Necessário, ainda, que não haja perigo de irreversibilidade da medida, consoante previsão do art. 273 do Código de Processo Civil.
Tendo em vista a medida acaba por suprimir, de início, o contraditório, deve restar devidamente claro ao magistrado o preenchimento das exigências legais, o que demanda parcimônia e equilíbrio na análise do feito, sob pena de banalização da medida.
No tocante ao requisito da relevância do fundamento da demanda, deve ser entendido como a existência de prova inequívoca, capaz de convencer o juízo da verossimilhança da alegação contida no pedido, ou seja, suficiente para fazer o magistrado chegar à conclusão de que as afirmações expostas na petição inicial provavelmente correspondem à realidade.
Por relevância do fundamento da demanda, temos que exista prova inequívoca, capaz de convencer o juízo da verossimilhança da alegação contida no pedido. Ressalte-se, contudo, que a locução prova inequívoca não pode ser interpretada de forma rigorosa e absoluta, o que será necessário apenas na fase do provimento judicial final (sentença), mas sim como a prova suficiente a convencer o juiz de que as afirmações expostas na petição inicial são passíveis de corresponder à realidade, hábil a convencer o magistrado da verossimilhança da alegação. (Fumaça do Bom Direito)
No que tange ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, tal requisito, para que reste configurado, faz-se necessário: a) que seja impossível o retorno ao status quo ante (dano irreparável); b) que, mesmo sendo possível o retorno ao status quo ante, a condição econômica do réu não garanta que isso ocorrerá ou os bens lesados não sejam passíveis de quantificação de maneira a viabilizar a restituição integral dos danos causados, tal como ocorre com as lesões aos direitos da personalidade, v.g, a honra, a integridade moral, o bom nome, entre outros (dano de difícil reparação).
No caso em análise verifico que não estão presentes os requisitos exigidos em lei para a concessão da antecipação da tutela com o fim de determinar, provisoriamente, a exclusão da restrição cadastral em nome da autora, eis que não emanam dos autos provas hábeis a convencer o juízo da probabilidade de que o banco réu não tenha agido no exercício regular do seu direito ao inscrever o nome da autora em lista de inadimplentes, na medida em que a mesma, sem uma razão relevante de direito, deixou de cumprir com a sua obrigação contratual no prazo, lugar e forma convencionados. Vou mais longe! Dos autos não posso sequer concluir que a autora teve seu nome inscrito em cadastro de inadimplentes na medida em que a mesma alegou e nada provou.
Ante o exposto, indefiro a liminar pleiteada.
DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE
Entendo que a presente lide está pronta para julgamento, pois ainda que a questão de mérito seja de direito e de fato, não há necessidade de produção de prova em audiência estando o processo maduro para julgamento a teor do que dispõe o art. 330, I do CPC.
O Superior Tribunal de Justiça, recentemente, sumulou o entendimento de que não basta mais a ação revisional para descaracterizar a mora:
SÚMULA Nº 380 DO STJ: "A simples propositura da ação de revisão de contrato não inibe a caracterização da mora do autor."
Essa novel orientação visa desconstituir uma prática desleal adotada pelos advogados anteriormente. Na defesa de seus clientes devedores, os patronos ajuizavam ação revisional de contrato, sem qualquer fundamento, com o único intuito de impedir a inclusão do nome da parte nos bancos de dados de proteção ao crédito. O STJ entendia que a mera propositura dessa demanda já descaracterizava a mora e impedia a negativação do nome do devedor
Conforme a orientação atualmente adotada, a retirada do nome não se dá mais meramente pelo ajuizamento da ação, mas sim pelo cumprimento de três requisitos cumulativamente:
1. Ajuizamento de ação pelo devedor discutindo o débito
2. Fundamentação que tenha base em jurisprudência consolidada do STJ ou STF, desde que configurado ainda o fumus boni iuris.
3. Se a discussão for apenas parcial, o valor incontroverso deve ser pago ou depositado em caução.
Não vislumbro dos autos o preenchimento dos referidos requisitos. Assim, caracterizando-se a mora, correta está a manutenção do nome no cadastro de inadimplentes. Por outro lado, sendo ela afastada, não pode haver negativação, retirada do bem em litígio da posse do consumidor ou protesto do título representativo da dívida
Uso do mesmo raciocínio para indeferir o pleito de manutenção de posse do bem, uma vez que não há provas de qualquer esbulho,turbação ou ameaça à posse da autora, porém, ainda que houvesse essa prova, não mereceria acolhida, uma vez que está caracterizada a mora.
Passo a apreciar o pleito quanto ao pedido de consignação em pagamento:
O Réu comprovou sumariamente, a avença entabulada entre as partes, consubstanciada em contrato de financiamento para aquisição de veículo, com garantia de alienação fiduciária, bem como a mora do Autor.
Deflui que a autora não comprovou satisfatoriamente o fato constitutivo de seu direito, verificando-se que o contrato de financiamento foi dividido em 60 parcelas, das quais a autora adimpliu apenas 27 parcelas.
Quanto aos juros remuneratórios, insta anotar que as instituições financeiras, regidas pela Lei 4.595/64, não se subordinam à limitação da taxa legal de juros prevista no Dec. 22.626/33, tendo o STF consagrado entendimento pela não autoaplicabilidade do art. 192, § 3º da Constituição Federal (hodiernamente já revogado pela Emenda nº 40/03), atraindo a aplicação das súmulas 596 e 648 da Corte Excelsa à espécie, de modo que perfeitamente cabível a cobrança de juros superiores a 12% ao ano para remuneração do capital, consubstanciado no crédito usufruído pelo cliente.
O Superior Tribunal de Justiça tem entendido também que não se aplica o art. 591 c/c 406 do Código Civil aos contratos bancários, não estando submetidos à limitação de juros remuneratórios. Apenas os juros moratórios ficam circunscritos ao teto de 1% ao mês para os contratos bancários não regidos por legislação específica. Rememorando, juros remuneratórios são aqueles pactuados entre as partes como uma forma de retribuição pela disponibilidade do numerário, enquanto que juros moratórios são aqueles estipulados como uma forma de punição pelo atraso no cumprimento da obrigação estabelecida.
De acordo com a Súmula 596 do STF, as instituições financeiras não se sujeitam também à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), salvo hipóteses específicas. É possível que sejam pactuados juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, sem que essa cláusula, por si só, seja inválida. É necessário analisar se os índices aplicáveis desfavoravelmente ao consumidor se encontram flagrantemente exorbitantes para que somente então se possa falar em revisão por parte do judiciário do que fora aventado pelas partes.
Nesse diapasão, NÃO SE COGITA DE VANTAGEM EXAGERADA OU ABUSIVIDADE, A COMPORTAR INTERVENÇÃO ESTATAL NA ECONOMIA PRIVADA DO CONTRATO, com espeque na legislação consumerista ou civilista, quando é certo que os índices adotados inserem-se dentro da realidade comum operada no mercado financeiro, sendo induvidoso que os correntistas têm plena ciência dos mesmos quando livremente aderem à operação e utilizam o crédito disponibilizado.
Mesmo se analisada a questão à luz do art. 25 do ADCT, não vejo como acolher a tese de limitação dos juros. Poder-se-ia até argumentar que o dispositivo em foco teria retirado do Conselho Monetário Nacional o poder normativo para dispor sobre as taxas de juros, após findo o prazo de 180 (cento e oitenta) dias previsto no seu bojo. Sucede que a competência do CMN continua intangível, por força de prorrogação assegurada pela própria Lei Maior, e materializada através de sucessivas medidas provisórias e leis federais editadas desde então.
Logo, até que o Congresso Nacional elabore lei que venha dispor sobre eventual limitação de juros, devem prevalecer os atos emanados do Conselho Monetário Nacional, à míngua de revogação expressa.
No que toca à prática de eventual capitalização, tem-se que a referida metodologia de cálculo passou a ser admitida, quando pactuada, desde o advento da MP nº 1.963-17, de 31/03/00, posteriormente reeditada como MP nº 2.170-36, de 23/08/01, que passaram a permitir a capitalização de juros em periodicidade inferior a um ano, afastando assim a aplicabilidade da Súmula nº 121 do STF à espécie, posto que o contrato em apreço foi firmado já sob a égide do diploma sobredito.
Nesse sentido decisão do STJ:
“Admite-se a capitalização mensal nas operações realizadas pelas instituições financeiras integrantes do Sistema Financeiro Nacional, celebradas a partir de 31 de março de 2000, data da primitiva publicação do artigo 5º da Medida Provisória 1.963-17/2000, atualmente reeditada sob o nº 2.170-36/2001.” STJ, AgRg no ....., Rel. Min. Castro Filho, 15/02/05)
Ademais, o contrato possui uma particularidade especial: foi contraído para pagamento em parcelas pré-fixadas (diversamente do que se passa, v.g, nos contratos de cheque especial, cartão de crédito, etc.). Logo, o Autor teve prévia e inequívoca ciência do valor total do crédito liberado e do valor unitário das parcelas.
Deflui que os elementos informativos insertos no contrato são suficientes para aferição das taxas de juros mensal e anual, permitindo ao consumidor oportunidade prévia de avaliar o custo-benefício da operação e o grau de endividamento daí advindo, não se cogitando assim de “surpresa”, “onerosidade excessiva” ou “elevação imprevista do saldo devedor” por obra de eventual capitalização.
Por fim, não se pode olvidar que a capitalização anual sempre foi legítima (art. 4º Dec. 22.626/33 e art. 591 CC/2002).
No período de mora, há previsão de incidência de comissão de permanência à taxa do contrato ou de mercado, juros moratórios de 12% ao ano, e multa de 2%, encargos lícitos cuja cumulação reputa-se admissível (Súmulas 294 e 296 do STJ).
Segue jurisprudência acerca do tema:
AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - JUROS REMUNERATÓRIOS - INAPLICABILIDADE DAS DISPOSIÇÕES LIMITADORAS DA LEI DE USURA - CAPITALIZAÇÃO DE JUROS - AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL - AFASTAMENTO - EXTINÇÃO DA BUSCA E APREENSÃO - IMPOSSIBILIDADE. A Lei de Usura não é aplicável às instituições de crédito integrantes do Sistema Financeiro Nacional, podendo as mesmas cobrar juros superiores a 12% ao ano. A capitalização mensal de juros, autorizada pela Medida Provisória 1.963/17, de 31 de março de 2000, com a reedição sob o nº 2.170/36 de 23 de agosto de 2001, pode ser aplicada para os contratos celebrados a partir da entrada em vigor daquela primeira espécie normativa, conforme entendimento hoje consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça, desde que expressamente pactuada. O fundamento da ação de busca e apreensão é o inadimplemento das prestações pelo devedor fiduciário, mora que resta configurada mesmo no caso de revisão de uma ou mais cláusulas contratuais, prestando-se a medida unicamente para a adequação de valores, e não para a desconstituição do débito. Ainda que se verificassem presentes no contrato de financiamento com alienação fiduciária cláusulas que se considerem abusivas, a mora continua presente, persistindo o débito para com a instituição financeira, ainda que em menor montante. (TJMG, Ap. Cível ..... , Rel. Des. Osmando Almeida, 27/03/07) (grifos nossos)
Não fosse o suficiente, colaciono recente súmula vinculante que expressa o mesmo entendimento:
SÚMULA VINCULANTE N. 07: “A norma do parágrafo terceiro do art. 192 da Constituição, revogada pela Emenda Constitucional 40/2003, que limitava a taxa de jurus reais a 12% ao ano, tinha a sua aplicabilidade condicionada à edição de Lei Complementar”
Na verdade a referida súmula é a repetição da Súmula n. 648 do STF. Sua intenção foi esclarecer a necessidade de edição de lei complementar para passar a ser exigível a taxa máxima de juros reais de 12% ao ano, cobrados nas operações de crédito, lei que jamais foi editada, tendo o referido dispositivo constitucional sido refogado pela EC 40/03 de 25.05.2003.
Por fim é importante frisar que o entendimento aqui exposto está em consonância com o julgamento paradigmático do RESP 1.061.530, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJE 10/03/2009 - trata-se de julgamento ocorrido mediante o processamento de recurso repetitivo, que fixou a orientação a ser adotada para a apreciação de casos semelhantes, tal como a presente lide.
ANTE O EXPOSTO, indefiro todas as tutelas antecipadas requeridas, uma vez que, não vislumbro a presença do requisito da verossimilhança das alegações tal como exige o art. 273, caput, do CPC para a concessão da liminar pleiteada e JULGO IMPROCEDENTE A PRESENTE AÇÃO por entender que não há mácula a ser defenestada no contrato bancário respectivo que, por isso, reputo como ato jurídico perfeito, devendo-se em nome da segurança jurídica das relações privadas ser cumprido tal como estipulado.
Condeno, ainda, o autor em custas, despesas processuais e honorários advocatícios, estes no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) a teor do que dispõe o art. 20, §4º do CPC.
P.R.I.
Transitado em julgado, arquivem-se.
Matias Olímpio/PI, 18 de maio de 2009.
Glender Malheiros Guimarães
Juiz de Direito Substituto