quinta-feira, 2 de junho de 2016

SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. EMENDATIO LIBELLI. ROUBO CONSUMADO. MORTE TENTADA. TENTATIVA DE LATROCÍNIO.

Processo nº: 2665-94.2015.8.10.0038 (26682015)
Incidência Penal: art. 157, §3º c/c art. 14, II, do CP
Autor: Ministério Público Estadual
Réus: RUYRLAN CUNHA OLIVEIRA

S E NT E N Ç A

I- RELATÓRIO
O Ministério Público Estadual, através de seu representante legal, no uso de suas atribuições legais e constitucionais, ofereceu denúncia em face de RUYRLAN CUNHA OLIVEIRA, qualificado às fls. 0/01, como incurso nas sanções do art. 157, §3º, do CP, com arrimo nos fatos que seguem.
“Consta do incluso Inquérito Policial que por volta das 21h20 horas do dia 25 de novembro de 2015, nesta cidade, os denunciados, em comunhão de desígnios, munidos de armas de fogo e utilizando um moto YAMAHA XTZ 125XE, placa NXG 0442, efetuaram um assalto contra Antônio Eliandro Barbosa Silva, tendo sido presos pela polícia militar, em flagrante delito, logo após o crime, durante as diligências realizadas em busca da dupla.
Consta dos autos que, na noite do fato, Samuel Araújo dos Santos e Ruyrlan da Cunha Oliveira, munidos de arma de fogo, adentraram na residência de Crislany de Sousa Dias, namorada de Antônio Eliandro Barbosa Silva, e encontraram-no deitado do sofá da sala, tendo o acusado Samuel Araújo dos Santos, empunhando um revólver calibre 38, exigido-lhe a entrega do cordão de ouro que tinha em seu pescoço e a chave da motocicleta HONDA BROS, de cor preta.
Ato contínuo o denunciado Samuel efetuou disparo de arma de fogo e que atingiu a vítima no lado direito de seu peito, tenda esta, apesar do disparo, conseguido travar luta corporal e imobilizar o acusado Samuel e, enquanto tentava tirar a arma de fogo das mãos do mesmo, acabado por efetuar disparos, tendo um deles atingido o denunciado Ruyrlan da Cunha Oliveira no peito, vindo este a cair no chão da sala da residência.
Ruyrlan ainda conseguiu se levantar e fugir do local a pé, deixando para trás seu comparsa que era imobilizado pela vítima, mas que conseguiu se desvencilhar desta e também fugiu do local, na motocicleta YAMAHA XTZ 125XE, placa NXG 0442 na qual haviam chegado, levando consigo uma das armas de fogo utilizadas no crime.
Assim que a polícia chegou ao local recebeu de um dos vizinhos da vítima um dos revólveres calibre 38 utilizados no assalto, que estava na via pública, e saiu no encalço dos assaltantes, encontrando o acusado Samuel Araújo dos Santos caído em frente a “Oficina do Bio”, com o outro revólver calibre 38 e o cordão de ouro que havia acabado de subtrair, conforme auto de exibição e apreensão de fls. 21.
Samuel foi preso em flagrante delito e encaminhado ao Hospital Municipal de Imperatriz, para onde a vítima também havia sido encaminhado, bem como onde também foi localizado e preso em flagrante o acusado Ruyrlan Cunha de Oliveira que lá [...]”.
À fl. 75, a denúncia foi recebida.
Às fls. 79/80, o acusado foi citado para apresentar resposta à acusação, o que fez às fls. 85/89.
Mantido o recebimento da denúncia (fl. 90), foi realizada audiência de instrução e julgamento às fls. 107/114, com continuação às fls. 130/136.
O Ministério Público apresentou alegações finais às fls. 155/161, onde pugnou pela condenação do acusado nas penas do art. 157, §3º, primeira parte, do CP.
A defesa apresentou alegações finais às fls. 198/214, onde alegou que a versão do acusado se coaduna com aquela apresentada pela testemunha Marcos Silva Reis de que, logo ao adentrar a residência da vítima, foi baleado e se evadiu do local; que não ficou realmente demonstrada a participação do acusado; que o acusado não tinha conhecimento das reais intenções de Samuel; que estava apenas pegando uma carona e pilotando a moto; que devem prevalecer os princípios do in dubio pro reo e da presunção de inocência; que o réu é primário; que não ficou demonstrado o dolo do acusado; que não houve risco de morte à vítima ou incapacidade para ocupações habituais por mais de 30 (trinta) dias, nem debilidade permanente de membro; que a participação do acusado foi de menor importância; requer a absolvição do acusado; alternativamente, desclassificação do crime para roubo simples; que seja reconhecida a participação de menor importância do acusado.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Decido.
II - FUNDAMENTAÇÃO.
O representante ministerial imputa ao acusado a conduta descrita no art. 157, §3º, primeira parte, do CPB, que dispõe:
Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
(...)
§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.
A materialidade do crime encontra-se devidamente demonstrada através do Auto de Exibição e Apreensão de fl. 21 que revela a apreensão da arma de fogo, do cordão subtraído da vítima e das munições intactas e deflagradas, pelo laudo do exame de corpo de delito feito na vítima (fls. 164), além dos depoimentos coerentes e uniformes da vítima e das testemunhas ouvidas tanto em sede administrativa quanto judicial.
 Quanto à autoria delitiva, a mesma também restou demonstrada, conforme se observa das declarações da vítima e das testemunhas, que revelam a ocorrência do grave crime contra o patrimônio da vítima com o objetivo de subtrair-lhe seu cordão de ouro e sua motocicleta, com utilização de pelo menos uma arma de fogo que fora utilizada pelo corréu Samuel que adentrou a casa onde a vítima de encontrava, anunciou o roubo e de pronto efetuou um disparo na altura do peito direito da vítima que ainda travou luta corporal com o algoz, vindo também SAMUEL a ser atingido na altura da costela.
Também merece destaque o auxílio material prestado pelo acusado RUYRLAN CUNHA OLIVEIRA que dentro da divisão de tarefas articulada pelos réus para a execução do delito, ficou responsável por aguardar na moto o retorno do Samuel para dar-lhe fuga, tendo, ainda, ao perceber que houve luta corporal do Samuel com a vítima, tentado adentrar a casa, momento em recebeu um tiro, caiu ferido, levantou-se e empreendeu fuga.
A vítima ANTONIO ELIANDRO BARBOSA SILVA, narra com riqueza de detalhes os momentos de terror que vivenciou:
“(...)QUE no dia dos fatos por volta de 21:00 horas encontrava-se deitado no sofá da sala da casa de sua namorada assistindo TV; QUE de repente os dois denunciados entraram pela porta da frente que estava entreaberta, ambos armados com revolveres e anunciaram o assalto dizendo “passa o cordão, passa a chave da moto”; QUE os acusados, não recordando qual dos dois, logo efetuaram um disparo que pegou na altura do peito direito do declarante; QUE tal disparo transfixou o corpo do declarante; QUE mesmo ferido o declarante caiu do sofá e já se atracou com um dos assaltantes; QUE tiveram outros tiros; QUE durante a briga corporal o revólver do acusado foi disparado por aproximadamente 03 vezes; QUE sabe que um desses tiros atingiu o  acusado RUYRLAN; QUE não sabe em que região RUYRLAN foi atingido; QUE reconhece o acusado aqui presente como sendo a pessoa que recebeu o tiro; QUE pelo que recorda a luta corporal se deu com SAMUEL e não com o acusado aqui presente; QUE durante a luta corporal percebeu que RUYRLAN já estava saindo pela porta da rua; (...) QUE o cordão subtraído estava avaliado em mais de R$ 8.000,00; QUE não conhecia nem o acusado aqui presente e nem SAMUEL; QUE ao chegar no hospital soube que um dos assaltantes estava sendo atendido, mas devido seu estado de debilidade não conseguiu ver quem era; QUE o cordão do declarante foi encontrado em poder do acusado SAMUEL; QUE o declarante passou 08 dias internado no hospital Socorrão em Imperatriz-MA. ÀS PERGUNTAS DO ADVOGADO DO RÉU, respondeu: QUE ambos os acusados entraram juntos e por esse motivo o declarante não recorda quem deu a voz de assalto; QUE pelo menos um dos acusados estava de capacete; (...) QUE somente foi subtraído do declarante o cordão de ouro o qual foi restituído, porém, quebrado e faltando um pedaço; QUE não teve conhecimento que uma das armas de fogo foi encontrada na rua. ÀS PERGUNTAS COMPLEMENTARES DO MAGISTRADO, respondeu: QUE o projétil entrou pelo peito direito do autor atravessou o pulmão e saiu pelas costas; (...) QUE até hoje possui dificuldades de respirar e está impossibilitado de trabalhar. (depoimento da vítima ANTONIO ELIANDRO BARBOSA SILVA, prestado em juízo, à fl. 111).

                        A testemunha MARCOS SILVA DOS REIS corrobora a versão da vítima, somente havendo pequena divergência sobre o comportamento do acusado RUYRLAN já que a vítima afirma que o mesmo adentrou o imóvel juntamente com Samuel e a testemunha afirma que RUYRLAN adentrou instantes depois:
“(...) QUE trabalha como vigia na quadra que fica em frente a casa da CRISLANY, namorada da vítima; QUE no momento do crime por volta de 21:00 horas, estava dentro de seu carro em frente a quadra localizada em frente a casa da namorada da vítima e percebeu quando os dois acusados chegaram, pararam uma moto Yamaha YBR de cor Laranja e o garupa desceu da moto e foi em direção a casa e entrou pela porta; QUE a porta estava semi-aberta; QUE ambos os acusados estavam de capacete; QUE o individuo que desceu da moto e estava na garupa era o SAMUEL; (...) QUE O ACUSADO RUYRLAN TAMBÉM DESCEU DA MOTO E DIRIGIU-SE PARA A ENTRAR NA CASA, MAS LOGO NO MOMENTO EM QUE FOI ENTRANDO PELA PORTA E SUMIU DO CAMPO DE VISÃO DO DEPOENTE, LOGO EM SEGUIDA RECEBEU UM TIRO E JÁ CAIU PARA FORA DA CASA; QUE o tiroteio se iniciou logo no momento que RUYRLAN entrou na sala; (...) QUE ouviu vários tiros, aproximadamente 07; QUE quando RUYRLAN caiu, metade do corpo ficou dentro da sala e outra metade ficou fora da casa; QUE logo em seguida RUYRLAN levantou-se e saiu já sem capacete; QUE reconhece o acusado que foi retirado da sala de audiência no inicio do depoimento como sendo o indivíduo que levou o tiro, caiu com metade do corpo para fora da casa e em seguida levantou-se e saiu a pé; QUE logo após RUYRLAN fugir a pés, o depoente ligou seu veículo e saiu em disparada; QUE percebeu que RUYRLAN estava ferido e não possuía tanta desenvoltura para correr; QUE foi o depoente que ligou para a Polícia; QUE depois tomou conhecimento de que foi levado um cordão da vítima. ÀS PERGUNTAS DO ADVOGADO DO RÉU, respondeu: QUE não sabe informar se foi encontrada alguma arma dentro da casa da vítima; QUE entretanto soube que foram apreendidas duas armas de fogo; QUE desconhece que ELIANDRO costume portar arma de fogo, mas no dia seguinte chegou a ver uma faca dentro da casa suja de sangue e com a lâmina torta; QUE confirmar que o primeiro a entrar na casa foi SAMUEL e em seguida RUYRLAN que nem teve tempo de nada e já foi levando tiro; QUE não conhecia o acusado. (depoimento da testemunha MARCOS SILVA DOS REIS, prestado em juízo, à fl. 114).
Em seu interrogatório judicial o acusado RUYRLAN negou as imputações que lhes foram feitas, limitando-se a dizer que somente estava de carona com SAMUEL e que desconhecia as pretensões de SAMUEL ao adentrar a casa da vítima. Porém, tal versão não encontra qualquer respaldo nos demais elementos de provas contidos nos autos, em especial, diante da contradição com a versão que apresentou aos policiais que o encontraram no Hospital local, onde o acusado tentou passar-se por vítima:
“(...) QUE não é verdadeira a imputação que lhe é feita; QUE no dia dos fatos dirigiu-se para esta cidade sozinho para encontrar-se com duas garotas chamadas Nubia e Nelita na praça da cidade nova; (...) QUE quando estava na parada em companhia das meninas reconheceu Samuel passando de moto e gritou pedindo carona; (...); QUE Samuel foi indicando o caminho e pediu para o interrogando parar em frente uma casa; QUE Samuel desceu da moto e pediu para o interrogando esperar; QUE o interrogando percebeu que Samuel estava discutindo com alguém da casa; QUE o interrogando desceu para ver o que tinha acontecido e quando ia chegando na porta da casa, levou um tiro no peito; QUE caiu no chão, levantou-se e saiu; QUE nega que estivesse armado no momento em que Samuel foi roubar a vítima; QUE não sabia que Samuel pretendia roubar a vítima; QUE PRESENCIOU O DEPOIMENTO DO SGT. AZEVEDO E NÃO SABE DIZER PORQUE O SARGENTO INFORMOU QUE QUANDO ENCONTROU O INTERROGANDO NO HOSPITAL O MESMO TERIA INVENTADO UMA HISTORIA DE TER SIDO ASSALTADO E LEVADO UM TIRO DURANTE O ASSALTO; QUE PRESENCIOU O DEPOIMENTO DO SOLDADO EDSON QUE TAMBÉM INFORMOU QUE O INTERROGANDO TERIA DITO TER SIDO VÍTIMA DE UM ASSALTO, MAS O INTERROGANDO NEGA ESSA HISTÓRIA; QUE NÃO SABE EXPLICAR PORQUE OS POLICIAIS ESTÃO TRAZENDO ESTA VERSÃO PARA O JUÍZO; QUE conhece Samuel de Davinópolis-MA; QUE o pai do depoente tem um bar em Davinópolis e o interrogando costuma ir visitá-lo; QUE não possui nenhuma desavença nem com Soldado Edson, nem com SGT. Azevedo. (...); QUE não sabe explicar porque a própria vítima disse que o interrogando levou um tiro assim que entrou na casa (...); QUE Samuel já tinha sido preso e a pouco tempo estava solto; QUE era apenas conhecido de Samuel; QUE esta arrependido e quer uma oportunidade (interrogatório do acusado GLEYSON PEREIRA DE SOUSA, prestado em juízo, à fl. 127).
A verdade é que a participação de RUYRLAN na empreitada criminosa foi relevante, pois a ele caberia a direção da moto utilizada para a fuga da dupla, além de ter tentado dar “cobertura” ao correu SAMUEL ao perceber que travou-se luta corporal no interior da residência.
Quanto ao elemento subjetivo do tipo, este restou devidamente demonstrado nos autos e consistiu na vontade livre o consciente de RUYRLAN de participar do roubo armado contra a vítima ELIANDRO, no interior da residência da mesma com a intensão de subtrair-lhe o cordão e a motocicleta, tendo ainda, assumido o risco do cometimento do crime de homicídio contra a vítima que ao reagir foi alvejada com um disparo de arma de fogo na altura do peito.
Portanto, tratando-se o latrocínio de delito complexo, cujos crimes-meios são a morte e o roubo, resta evidenciado o dolo direto quanto à subtração mediante grave ameaça pelo uso da arma de fogo e dolo eventual ao assumir o risco do cometimento de crime de latrocínio já que consentiu com a utilização de arma de fogo.
Restou claro nos autos que o acusado e o corréu agiram premeditadamente, com animus furandi e emprego de arma de fogo, aderindo um à conduta do outro.
Ciente de que ambos estavam armados, o acusado tinha plena consciência de que a prática do delito poderia ter como desdobramento o cometimento de lesões graves ou até mesmo o óbito da vítima.
Ou seja, a qualificação pelo resultado mais grave surge como desdobramento causal  - não previsto, porém aceito pelos réus -  das ações antecedentes. E, justamente por isto, não se exige para a sua configuração que o meliante tenha agido com dolo específico com relação ao resultado.
Em caso semelhante, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
“No roubo, mormente praticado com arma de fogo, respondem, de regra, pelo resultado morte, situado evidentemente em pleno desdobramento causal da ação delituosa, todos que, mesmo não agindo diretamente na execução da morte, contribuíram para a execução do tipo fundamental (Precedentes). Se assumiram o risco, pelo evento, respondem. (HC 35895-DF. Rel. Min. Felix Fischer. DJU de 4.10.2004, p. 334). E assim é porque o roubo qualificado pelo resultado morte não precisa, necessariamente, ser integralmente doloso. O evento de maior gravidade (morte) é reconhecido seja na forma de dolo, seja na forma de culpa. A exigência de dolo se limita ao roubo (cf. J. F. Mirabete in "Código Penal Anotado", Atlas, 2001, p. 997; Guilherme de Souza Nucci in "Código Penal Comentado", RT, 3ª ed., 2002, p. 520; L. Régis Prado in "Curso de Direito Penal Brasileiro", 2º ed. RT, vol. 2, p. 400; Damásio E.de Jesus in "Direito Penal", Saraiva, vol. 2, 17ª ed., p. 311; Fernando Carpez in "Cursos de Direito Penal", Saraiva, vol. 2, p. 393). Desta forma, em casos como o estruturado na instância comum, não há que se falar de participação dolosamente distinta ou desvio subjetivo entre partícipes. O resultado lesivo, como restou claro, estava na linha do desdobramento causal.” (REsp. 418813-DF. Rel. Min. Felix Fischer)
Portanto, entendo que o caso é de aplicação da chamada EMENDATIO LIBELLI, prevista no art. 383, caput, do CPP:

“Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuirlhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave.”

Conforme anotado por ANTONIO LUIZ DA CAMARA LEAL, “a denuncia ou a queixa não firmam para o acusado o direito a uma condenação mais benigna, assim como não o acorrentam a uma condenação mais grave, desde que as provas coligidas durante a instrução criminal imponham diversa classificação do delito, quer para suavizá-lo, quer para agravá-lo. O juiz não deve basear-se nos termos da acusação, mas no que ficar apurado a favor ou contra o acusado, tendo em vista os vários elementos de convicção colhidos no processo” (COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO, V.3, P.13)
No presente caso, tendo-se realizado tão-somente a subtração e não a morte, resta evidente que estamos diante de uma tentativa de latrocínio e não de um roubo com resultado lesão corporal grave, como quer a acusação.
Por conseguinte, dou nova definição aos fatos articulados na inicial acusatória para subsumi-los ao delito de abuso de autoridade previsto no art. 157, §3º, segunda parte c/c art. 14, II do CPB:

“Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência à pessoa, ou depois de havêla, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:
Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.:
(...)
§ 3o Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.

........
“Art. 14. Dizse o crime:
(...)
II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente.

Portanto, após minuciosa analise das provas após a instrução, dou aos fatos nova definição jurídica para, fazendo uso da chamada EMENDATIO LIBELLI, prevista no art. 383, caput, do CPP, para enquadra-los como TENTATIVA DE LATROCÍNIO prevista no art. 157, §3º, segunda parte c/c art. 14, II e art. 29, caput, todos do CP.
Observe-se que as ações praticadas na empreitada foram suficientes e idôneas para a consumação da subtração do patrimônio da vítima, bem como para a consumação do homicídio que somente não ocorreu por circunstância alheia a vontade do acusado, qual seja, a pronta intervenção médica.
Destaque-se, por fim, que o exame de corpo de delito concluiu que resultou perigo de vida à vítima (fls. 164).
Quanto a tese defensiva de participação de menor importância do acusado, a mesma não pode prosperar já que exerceu papel fundamental para o objetivado sucesso da empreitada criminosa, atraindo, portanto, a aplicação da Teoria do Dominio do Fato relativamente ao concurso de agentes ocorrido, sendo verdadeiro coautor do crime de roubo.
Nesse sentido:

PENAL: ROUBO - ASSALTO A BANCO - PROVAS DENSAS E HARMÔNICAS DE AUTORIA - CONFISSÃO DE CO-RÉU - RECONHECIMENTO - MOTORISTA DE VEÍCULO QUE DÁ FUGA AOS COMPARSAS - AÇÃO FUNDAMENTAL AO ÊXITO DA EMPREITADA CRIMINOSA - PENAS QUE ATENDEM AO COMANDO DO ART. (...) (TJ-DF - APELAÇÃO CRIMINAL : ACR 19990710142098 DF 1ª Turma Criminal - Relator: P. A. ROSA DE FARIAS – Julgamento: 23/05/2002 – Publicação: DJU 14/08/2002 pág. 66)


Quanto à tese defensiva de desclassificação do crime, tipificando-a como roubo com violência imprópria do art. 157, §1º do CP, a mesma não pode prosperar já que as provas constantes dos autos apontam para uso da violência desde o momento do anuncio do roubo.
III - DISPOSITIVO:
ANTE O EXPOSTO e o que mais dos autos consta JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A DENÚNCIA, para condenar o réu RUYRLAN CUNHA OLIVEIRA, já qualificado, como incurso nas sanções do art. 157, §3º, segunda parte c/c art. 14, II  e art. 29, caput, todos do CP, fazendo uso da permissão do art. 383, caput, do CPP.
 Passo à dosimetria da pena.
 Em atenção ao disposto no art. 59 e seguintes do Código Penal, especialmente o art. 68 do aludido diploma legal, que elegeu o Sistema Trifásico de Nelson Hungria para a quantificação das sanções aplicáveis aos condenados, passo à fixação da pena:
Quanto à culpabilidade, a conduta do acusado denotou elevada reprovabilidade, pois o crime foi praticado a noite, com disparos de armas de fogo e com invasão da residência da vítima. Os antecedentes criminais são bons. Conduta social considerada normal. Personalidade considerada normal. Os motivos comuns à espécie, qual seja, a obtenção de lucro fácil. Circunstância do crime não são relevantes. Conseqüências do crime foram graves, pois até hoje a vítima encontra-se com limitações físicas. Comportamento da vítima em nada contribuiu para a ocorrência do evento criminoso. A situação financeira do réu é precária.
Há preponderância de circunstâncias judiciais favoráveis, pelo que entendo como suficientes para prevenção e reprovação dos delitos a pena de 20 (vinte) anos de reclusão e 10 (dez) dias-multa, no valor de 1/30 do salário mínimo à época do crime.
Não há circunstâncias agravantes ou atenuantes, nem tampouco causas de aumento.
Vislumbro a causa de diminuição derivada da tentativa, prevista no art. 14, parágrafo único, do CPB, motivo pelo qual reduzo a pena de metade, tendo em vista que houve cumprimento de relevante “iter criminis” pelos corréus em direção à consumação do delito, com subtração consumada do patrimônio da vítima e disparo de arma no peito da vítima. Assim, torno a pena definitiva em 10 (dez) anos de reclusão.
A pena de reclusão deverá ser cumprida inicialmente no regime fechado (CP, art. 33, §2º, ‘a’) e a pena de multa paga no prazo de 10 (dez) dias após o trânsito em julgado da sentença (art. 50, CP).
Incabível a substituição por penas restritivas de direitos, pelo não atendimento ao requisito do inciso I do art. 44 do CPB.
Mantenho a prisão preventiva do sentenciado, por entendê-la necessária uma vez demonstrado o preenchimento dos seus requisitos cautelares do art. 312 e 313 do CPP. Com efeito, há provas da materialidade e autoria delitivas, conforme se demonstrou ao longo da fundamentação da presente sentença, o que revela o chamado FUMUS DELICTI. O PERICULUM LIBERTATIS também encontra-se demonstrado e revela-se a presente medida cautelar como garantia da ordem pública diante da periculosidade do agente que associou-se a um comparsa para com uso de arma de fogo praticar gravíssimo delito previsto no CPB, no interior da residência da vítima, local, à noite e durante o seu descanso, como disparos de vários tiros, inclusive em região vital do corpo da vítima, causando verdadeiro pânico na pacata cidade de João Lisboa, demonstrando pouca ou nenhuma sensibilidade com a vida do próximo, tudo com o objetivo de obtenção de lucro fácil a partir da subtração da patrimônio da vítima. São dados fáticos, emanados dos autos que revelam que a manutenção da prisão do acusado revela-se necessária, adequada e proporcional, merecendo destaque o fato de que se trata de crime grave, punido com pena de reclusão máxima em abstrato superior a 04 anos, não sendo suficientes ou adequados, desde o meu olhar, a substituição da prisão por medidas cautelares diversas da prisão previstas no art. 319 do CPP.
Recomende-se o réu na prisão em que se encontra.
Condeno o réu, ainda, em custas e despesas processuais, mas dispenso o pagamento tendo em vista o que dispõe a Lei de Custas acerca do réu pobre.
Deixo de fixar um valor mínimo de indenização tendo em vista que a vítima recuperou o seu patrimônio (CPP, art. 387, IV).
Em atenção ao disposto no art. 387, §2º do CPP (§ 2o  O tempo de prisão provisória, de prisão administrativa ou de internação, no Brasil ou no estrangeiro, será computado para fins de determinação do regime inicial de pena privativa de liberdade. (incluído pela Lei nº 12.736, de 2012)), detraio a quantidade de tempo de cumprimento de prisão provisória (26/11/2015 a 01/06/2016), totalizando 06 (seis) meses e 06 (quatro) dias, remanescendo 09 anos, 05 meses e 24 dias de reclusão, a ser cumprido em regime inicialmente fechado, uma vez que se trata de crime hediondo (art. 2º, §1º da Lei nº 8072/90).

Transitada em julgado a sentença:
1) Seja lançado o nome do réu no rol dos culpados nos termos do art. 393, II do CPP, bem como providenciar o registro no rol dos antecedentes criminais.
2) Oficie-se à Justiça Eleitoral em atenção ao art. 15, III da Constituição Federal;
3) Expeça-se guia de execução definitiva.
P.R.I.
João Lisboa/MA, 01 de junho de 2016.

Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa 

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