terça-feira, 5 de setembro de 2017

SENTENÇA. AÇÃO POPULAR. ACUMULO INDEVIDO DE CARGOS PÚBLICOS. SECRETARIO MUNICIPAL E FARMACEUTICO.



Processo nº 2165-28.2015.8.10.0038
Ação Popular
Requerente: ANTONIA CACILDE SOUSA LIMA
Requerido: JAIRO MADEIRA DE COIMBRA, CLEONALDO PEREIRA DINIZ, EVILASIO CARVALHO DA SILVA e MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA


SENTENÇA

I - RELATÓRIO

Trata-se de AÇÃO POPULAR ajuizada por ANTONIA CACILDE SOUSA LIMA em face do JAIRO MADEIRA DE COIMBRA, CLEONALDO PEREIRA DINIZ, EVILASIO CARVALHO DA SILVA e MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA, todos devidamente qualificados na inicial.

Alegou o autor que na condição de cidadão tomou conhecimento que no ano de 2014 foram instaurados diversos processos administrativos para fins de exoneração de servidores municipais em situação de acumulo de cargos indevidamente, em cumprimento a um TAC Nº 06/2013, firmado em 07.01.2014.
Afirma que o requerido CLEONALDO PEREIRA DINIZ, mesmo ocupando os cargos públicos de SECRETARIO MUNICIPAL DE SAÚDE DE JOÃO LISBOA/MA, FARMACÊUTICO CNES Nº 2646439 DO HOSPITAL MUNICIAPAL DE ITINGA/MA (10h/semana), FARMACÊUTICO ANALISTA CLÍNICO DO HOSPITAL MUNICIPAL DE ITINGA/MA (20h/semana) E o cargo privado de FARMACÊUTICO ANALISTA CLINICO DO LABORATÓRIO SIGMA (60h/semana), não foi abarcado pelo referido procedimento.
Sustenta que os requeridos JAIRO MADEIRA e EVILASIO CARVALHO DA SILVA, na condição de prefeito de João Lisboa e Secretario de Administração de João Lisboa, respetivamente,  tinham pleno conhecimento do fato e mantiveram-se inertes e, ainda, que CLEONALDO DINIZ não pediu licença de nenhum dos cargos ocupados e que vinha recebendo sem trabalhar nos cargos, motivo pelo qual devem ser condenados solidariamente à devolução dos valores indevidamente percebidos por CLEONALDO DINIZ, afirmando ainda que tal ato configura improbidade administrativa.
Finaliza requerendo a procedência da demanda com a exoneração de CLEONALDO PEREIRA DINIZ do cargo de SECRETARIO MUNICIPAL DE SAÚDE e suspensão dos pagamentos com condenação dos requeridos ao ressarcimento ao Erário Público do valor equivalente àqueles pagos indevidamente ao requerido CLEONALDO DINIZ desde 01.01.2013.
Às fls. 44, postergou-se a análise do pedido de liminar para depois das respostas e determinou-se a citação dos requeridos.
Às fls. 56-57, o município de João Lisboa junta aos autos ofício informando que o requerido CLEONALDO PEREIRA DINIZ ocupa é agente político vinculado a SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE.
Às fls. 64-82, CLEONALDO PEREIRA DINIZ apresentou contestação, oportunidade em que sustentou a inexistência de ato lesivo ao patrimônio público; que é possível a cumulação de cargo efetivo com o cargo em comissão; que é incabível a concessão da liminar; finaliza requerendo a improcedência da ação. Juntou documentos de fls. 83-546.
Contestação de idêntico conteúdo foi apresentada por JAIRO MADEIRA DE COIMBRA e  EVILASIO CARVALHO DA SILVA às fls. 547-561.
Às fls. 564-573, o MUNICÍPIO DE ITINGA/MA informa que o requerido, CLEONALDO PEREIRA DINIZ, ocupa cargo efetivo de FARMACÊUTICO BIOQUÍMICO, que esteve de licença sem vencimentos no período de 16.01.2013 a 15.01.2015, data em que foi reconduzido ao cargo através a PORTARIA Nº 005/2015 (FLS.567), apresentando inclusive cópias dos contracheques do mesmo do ano de 2015 (fls. 571-573).
Às fls. 571, as partes foram intimadas para especificarem eventuais provas, mas quedaram-se inertes, conforme certidão de fls. 583.
Às fls. 585, este juízo determinou a intimação da autora para incluir o município de João Lisboa no pólo passivo tendo em vista a configuração de litisconsórcio necessário.
Petição de emenda às fls. 586.
Às fls. 587 determinou-se a citação do município de João Lisboa.
Às fls. 589-606, o município apresentou contestação de idêntico conteúdo ao das anteriores, porém de forma intempestiva, conforme certidão de fls. 607.
                        Às fls. 608-610, o MP requereu novas diligências aos município de João Lisboa, Itinga e ao Laboratório Sigma.
                        Às fls. 615, o Laboratório SIGMA informa que CLEONALDO PEREIRA DINIZ não exerce qualquer atividade profissional na empresa.
                        Às fls. 619, o município de João Lisboa informa que CLEONALDO PEREIRA DINIZ exerce o cargo de Secretário municipal de Saúde, não possui carga horária definida, mas que a administração municipal funciona de segunda a sexta, das 08H as 13h.
                        Às fls. 623, o município de Itinga afirma que desconhece qualquer duplicidade de cargos ocupados no município por CLEONALDO DINIZ.
                        Às fls. 628, o MP requer nova diligência ao município de Itinga/MA, o que foi deferido.
                        Às fls. 631, o município de Itinga/MA informa que a carga horária de CLEONALDO PEREIRA DINIZ é de 40 horas semanais em regime de plantão, com lotação no Hospital Municipal de Itinga/MA.
                        Às fls. 640-645, o MP apresentou parecer pela procedência da ação com exoneração do requerido CLEONALDO PEREIRA DINIZ e condenação solidária dos quatro requeridos a devolverem os valores indevidamente percebidos por CLEONALDO DINIZ.

Vieram os autos conclusos.
É o relatório. DECIDO.

II – FUNDAMENTAÇÃO

DO JULGAMENTO ANTECIPADO DO LIDE

Cumpre observar que o ordenamento jurídico brasileiro permite que o juiz conheça diretamente do pedido, proferindo sentença, nos casos em que a controvérsia gravite em torno de questão eminentemente de direito ou sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência ou ainda no caso de revelia dos réus.
Desse modo, cabível é o julgamento antecipado da lide (CPC, art. 355, I), em atenção aos princípios da economia e da celeridade processuais.

MÉRITO
A Ação Popular é um meio do qual se pode valer qualquer cidadão do povo, para comparecer perante o Estado-Juiz, referindo-lhe a existência de ato lesivo ao patrimônio público, onde quer que esteja e independentemente de quem o detenha, estendendo-se ao ataque à imoralidade administrativa ou que fira qualquer outro bem entre os que pertencem ao grupo dos interesses sociais ou individuais indisponíveis.
Tal ação tem as mesmas características de todas aquelas com que alguém se volve ao Poder Judiciário, em busca do reconhecimento da detenção de um direito, ou da tutela de qualquer dos bens assim juridicamente considerados. Toda ação tem como pressuposto, que seu autor tenha interesse e legitimidade para agir. No caso desta, apenas uma condição é requerida da parte de quem a quiser ajuizar e cuja comprovação é exigida no ato: que seja eleitor.
Os atos atacáveis via ação popular, se classificam em ATOS NULOS quando são lesivos ao patrimônio público ou quando praticados ou celebrados sem observância legal (art. 2º, § único da Lei nº 4717/65). A nulidade pode se dar por motivo de INCOMPETÊNCIA, ou seja, quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou; pelo vício de FORMA e consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato; por ILEGALIDADE DO OBJETO cuja ocorrência se dá, quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo; ainda, por inexistência dos MOTIVOS e se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido; e finalmente, por desvio da FINALIDADE o que se verifica, quando o agente pratica o ato visando fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.
No presente caso o autor impugna a nomeação do requerido para o cargo de SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE sob o fundamento de sua ILEGALIDADE, pois o mesmo já exercia a profissão de professor no Estado e professor no município e, sem qualquer licença, passou a acumular indevidamente o cargo de SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE.
A acumulação remunerada de cargos é a situação em que o servidor ocupa mais de um cargo, emprego ou função pública, conforme previsão na Constituição Federal.  
 São considerados cargos, empregos ou funções públicas todos aqueles exercidos na administração direta, em autarquias, empresas públicas, sociedade de economia mista ou fundações da União, Estados ou Municípios, quer seja no regime estatutário ou no regime da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT.
A regra geral da acumulação remunerada de cargos, funções e empregos públicos é a sua proibição.
A acumulação remunerada é uma exceção à regra geral e somente é permitida para determinados cargos, funções e empregos públicos, previamente definidos na Constituição Federal e desde que haja compatibilidade de horários.
A acumulação de cargos, funções e empregos públicos encontra-se assim disciplinada na Constituição Federal: 
I) Artigo 37, incisos XVI e XVII (com redação dada pela EC 19/98 e EC 34/01):

“XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
XVII – a proibição de acumular estendese a empregos e funções e abrange autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista, suas subsidiárias, e sociedades controladas, direta ou indiretamente, pelo Poder Público;”
II) Artigo 38, III;

“Art. 38. Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício de mandato eletivo, aplicamse as seguintes disposições:
I – tratandose de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará afastado de seu cargo, emprego ou função;
II – investido no mandato de Prefeito será afastado do cargo, emprego ou função, sendolhe facultado optar pela sua remuneração;
III – investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a norma do inciso anterior;” 

III) Artigo 95, parágrafo único, I (com redação dada pela EC 19/98); 

“Art. 95. Os juízes gozam das seguintes garantias:
(...)
Parágrafo único. Aos juízes é vedado:
I – exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério;”
 
IV) Artigo 128, §5º, II, letra d) - (com redação dada pela EC 19/98);

“Art. 128. O Ministério Público abrange:
(...)
§ 5o Leis complementares da União e dos Estados, cuja iniciativa é facultada aos respectivos ProcuradoresGerais, estabelecerão a organização, as atribuições e o estatuto de cada Ministério Público, observadas, relativamente a seus membros:
(...)
II – as seguintes vedações:
(...)
d) exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério;”

V) Artigo 142, §3º, II e III (com redação dada pela EC 19/98); 

“§ 3o Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicandoselhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:
(...)
II – o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente será transferido para a reserva, nos termos da lei;
III – o militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ficará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antiguidade, contandoselhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei;”

Os Atos das Disposições Constitucionais Transitórias também regulamentam dois casos de acumulações de cargos públicos:
I) Artigo 17, §§ 1º e 2º; 
“Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.
§ 1o É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de médico que estejam sendo exercidos por médico militar na administração pública direta ou indireta.
§ 2o É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde que estejam sendo exercidos na administração pública direta ou indireta.”

Deve restar claro que as possibilidades de acumulação de cargos públicos, funções públicas e empregos públicos abrangem a Administração Direta, Autarquias, Fundações, Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista, suas subsidiárias, e Sociedades controladas, direta e indiretamente, pelo Poder Público.
Assim, qualquer situação não abrangida nas exceções acima configura caso de acumulação ilegal de cargos públicos. 
ANALISE DA ACUMULAÇÃO DE CARGOS DO CORRÉU CLEONALDO PEREIRA DINIZ
No caso em análise, observo a partir dos documentos de fls. 619 e 631-637 que o requerido CLEONALDO PEREIRA DINIZ ocupa junto ao município de João Lisboa o cargo de SECRETARIO MUNICIPAL DE SAÚDE e o cargo de FARMACEUTICO BIOQUIMICO no município de Itinga/MA (FLS. 623).
A situação jurídica do corréu CLEONALDO PEREIRA DINIZ não encontra respaldo em qualquer das regras de permissibilidade de acumulação remunerada de cargos, empregos e funções públicas em atividade, uma vez que as exceções à regra da inacumulatividade estão previstas no art. 37, XVI da CF/88, admitindo a acumulação remunerada de cargos, desde que haja compatibilidade de horários, em três hipóteses:
Art.37.(...)
“XVI – é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:
a) a de dois cargos de professor;
b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico;
c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;
Com efeito, o réu acumula um cargo privativo de profissional da saúde (FARMACÊUTICO BIOQUÍMICO) em ITINGA/MA (FLS. 623), porém, o cargo de SECRETARIO MUNICIPAL DE SAÚDE DE JOÃO LISBOA não é privativo de profissional da saúde – podendo ser ocupado por outros profissionais - e, portanto, é inacumulável com o cargo de FARMACÊUTICO ocupado pelo requerido CLEONALDO DINIZ.
Observe-se, ainda, que a Constituição, ao prever a possibilidade de acumulação, determina que esta deva observar se os cargos envolvidos são privativos de profissionais da saúde com profissão regulamentada, não cabendo a estes profissionais a extensão dessa possibilidade de acumular a qualquer outro cargo administrativo.
Segundo CARVALHO FILHO, “o novo mandamento se referiu a profissionais da saúde, ou seja, àqueles profissionais que exercem atividade técnica diretamente ligadas ao serviço de saúde, como médicos, odontólogos, enfermeiros, etc. Não alcança, portanto, os servidores administrativos que atuam em órgãos onde o serviço de saúde é prestado, como hospitais, postos de saúde, ambulatórios, etc. Por conseguinte, não são rigorosamente sinônimas as expressões “profissionais de saúde” e “profissionais da área de saúde”. Esta é mais ampla e envolve não só os servidores técnicos em saúde como todos os que trabalham na área de apoio administrativo”(MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO, rev.amp.atual, 27ed., p. 670-671).
Portanto, é inaplicável o permissivo do inciso XVI do art. 37 da Constituição Federal eis que ali é viabilizada a acumulação de dois cargos ou empregos privativos de profissionais da saúde, com profissões regulamentadas". Uma vez que Secretário Municipal é agente político, óbvio que não se trata da espécie prevista no texto constitucional, ou seja, não consiste de cargo privativo de profissional de saúde, sendo preenchido pelo critério confiança, como os demais agentes políticos auxiliares do Poder Executivo.
Nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RESSARCIMENTO. PRELIMINARES. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. NULIDADE DA DECISÃO QUE DEFERIU A QUEBRA DE SIGILO BANCÁRIO. PRECLUSÃO. ACUMULAÇÃO INDEVIDA DE CARGOS PÚBLICOS. CARGO EFETIVO DE ENGENHEIRO CIVIL E COMISSIONADO DE SECRETÁRIO MUNICIPAL DE OBRAS E URBANISMO. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 37, XVI DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. RECURSO NÃO PROVIDO (...) 5. O cargo de Secretário Municipal de Obras e Urbanismo, de natureza eminentemente política, não é passível de acumulação com emprego ou cargo público efetivo ou comissionado. 6. O ressarcimento aos cofres públicos do valor indevidamente recebido pelo servidor, em decorrência da acumulação ilegal de cargos, é medida que se impõe. (TJ-MG - AC: 10243060024912001 MG, Relator: Bitencourt Marcondes, Data de Julgamento: 09/10/2014, Câmaras Cíveis / 8ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 20/10/2014)
Portanto, o corréu CLEONALDO PEREIRA DINIZ acumula indevidamente DOIS CARGOS PÚBLICOS, situação que não se encontra abarcada em qualquer das exceções acima citadas, o que impõe a obrigação de exoneração imediata do corréu do cargo de SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE.

QUANTO AO PEDIDO DE RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO MUNICIPAL DOS VALORES PAGOS INDEVIDAMENTE PARA CLEONALDO PEREIRA DINIZ

                        Pretende o autor, ainda, que os requeridos sejam obrigados a ressacir os valores vertidos para o pagamento do salário de CLEONALDO PEREIRA DINIZ desde 01.01.2013, em função do acúmulo ilegal de cargos públicos.
Nesse ponto merece análise a jurisprudência brasileira para casos de acumulação irregular de cargos.
Para a mais recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em matéria de acumulação irregular de cargos públicos, uma vez comprovada a efetiva prestação do serviço e a boa-fé do servidor, estaria afastada a aplicação da Lei de Improbidade Administrativa por se tratar de mera irregularidade. Isso é o que se pode concluir da análise do julgamento de Agravo Regimental no Recurso Especial 1.245.622 – RS:
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ACUMULAÇÃO DE CARGOSPÚBLICOS. AUSÊNCIA DE DOLO OU MÁ-FÉ. PRESTAÇÃO EFETIVA DE SERVIÇOPÚBLICO. MODICIDADE DA CONTRAPRESTAÇÃO PAGA AO PROFISSIONALCONTRATADO. INEXISTÊNCIA DE DESVIO ÉTICO OU DE INABILITAÇÃO MORALPARA O EXERCÍCIO DO MUNUS PÚBLICO. CONFIGURAÇÃO DE MERAIRREGULARIDADE ADMINISTRATIVA. 1. "A Lei n. 8.429/92 visa a resguardar os princípios da administração pública sob o prisma do combate à corrupção, da imoralidade qualificada e da grave desonestidade funcional, não se coadunando com a punição de meras irregularidades administrativas ou transgressões disciplinares, as quais possuem foro disciplinar adequado para processo e julgamento." (Nesse sentido: REsp1.089.911/PE, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, julgado em17.11.2009, DJe 25.11.2009.) 2. Na hipótese de acumulação de cargos, se consignada a efetiva prestação de serviço público, o valor irrisório da contraprestação paga ao profissional e a boa-fé do contratado, há de se afastar a violação do art. 11 da Lei n. 8.429/1992, sobretudo quando as premissas fáticas do acórdão recorrido evidenciam a ocorrência de simples irregularidade e inexistência de desvio ético ou inabilitação moral para o exercício do múnus público. (Precedente: REsp 996.791/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 8.6.2010, DJe 27.4.2011.) Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no REsp: 1245622 RS 2011/0046726-8, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 16/06/2011, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/06/2011)

Assim, verifica-se que, segundo a jurisprudência do STJ, a acumulação de cargos irregular não configura necessariamente um ato de improbidade administrativa, devendo ser considerada uma série de elementos no caso concreto.
O primeiro aspecto a se analisar é se houve ou não a efetiva prestação dos serviços e se a mesma se deu de forma satisfatória, sem trazer prejuízo a nenhum dos órgãos envolvidos.
No caso dos autos, não houve alegação de descumprimento da carga horária e os documentos de fls. 619 e 632-637 afirmam que houve prestação de serviços pelo requerido nos dois cargos acumulados indevidamente, inexistindo informação nos autos de cumprimento insatisfatório das referidas atribuições.
Com relação à boa-fé do contratado, entendo que a mesma é específica, ou seja, refere-se apenas à vontade de exercer as atividades de maneira eficiente e não causar prejuízo, mesmo estando o servidor ciente de que se trata de uma acumulação irregular de cargos públicos.
Nesse sentido:
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MÉDICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. INCOMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. I - A acumulação lícita de cargos exige que se atenda ao requisito da compatibilidade de horários, a teor do art. 119 da Lei 8.112/90. II - As sanções do art. 12, da Lei 8.429/92 não são necessariamente cumulativas, cabendo ao magistrado a sua dosimetria. III - Não é devida a devolução dos valores percebidos a título de salários quando verificado que o trabalho foi efetivamente prestado, ainda que as nomeações tenham sido irregulares, visto que seria o mesmo que admitir enriquecimento sem causa da União. IV - Apelação provida em parte. Sentença reformada. (AC 2003.41.00.005421-8/RO, Rel. Desembargador Federal Cândido Ribeiro.Terceira Turma. TRF1. Publicado em 21 de setembro de 2007).
Há que se registrar a subjetividade da expressão “valor irrisório da contraprestação paga ao profissional” constante do Acórdão paradigma. Desde o meu olhar, por tal expressão deve-se entender que trata-se de valor que não excede ao que é praticado habitualmente para serviços da mesma natureza e que não resulte em enriquecimento sem causa ou prejuízo ao Erário.
Destaque-se, ainda, que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, ao julgar acumulação irregular de cargos em municípios distintos, reforça que a boa-fé do servidor é sempre presumida, uma vez que deve ser comprovada a má-fé de maneira inequívoca:
EMENTA: Remessa oficial e apelação cível voluntária. Ação civil pública. Acumulação indevida de cargos públicos. Má-fé ausente. Direito de opção. Falta de oportunidade para ser exercido. Improbidade administrativa não caracterizada. Sentença confirmada. 1. Rejeitada a petição inicial da ação civil pública na qual foi veiculada pretensão de ressarcimento do erário público, está presente o duplo grau de jurisdição obrigatório. A remessa deve ser, de ofício, conhecida. 2. A boa-fé sempre é presumida. Assim, a má-fé desafia comprovação. 3. O funcionário público que esteja acumulando mais de um cargo público de forma irregular tem o direito de optar por apenas um deles. 4. Ausente a prova da má-fé na acumulação indevida de cargos e não tendo sido ensejada oportunidade para a opção, resta afastada a suposta improbidade administrativa. Revela-se, portanto, correta a sentença que deixou de receber a petição inicial. 5. Remessa oficial conhecida de ofício. 6. Apelação cível voluntária conhecida. 7. Sentença que deixou de receber a petição inicial confirmada no reexame necessário, prejudicado o recurso voluntário. (Apelação Cível N° 1.0439.08.086621-3/001. Rel. Desembargador Caetano Levi Lopes. 2ª Câmara Cível. TJ-MG. Publicado em 05 de novembro de 2009.

Portanto, havendo prova nos autos de que, em que pese a indevida acumulação de cargos públicos pelo requerido, houve a efetiva prestação de serviços, entendo que a Administração Pública não pode se locupletar da força de trabalho do réu, sob pena de configuração de enriquecimento sem causa da municipalidade, motivo pelo qual entendo indevido o pleito de ressarcimento dos salários pagos à CLEONALDO PEREIRA DINIZ, até a presente data, motivo pelo qual indefiro o pleito.

Por fim, considerando que a ação fora proposta também contra o SECRETÁRIO DE ADMINISTRAÇÃO DO MUNICÍPIO, EVILASIO CARVALHO DA SILVA, verifico que o mesmo não possui qualquer poder de nomeação ou exoneração em relação a outro SECRETARIO MUNICIPAL, motivo pelo qual reconheço “ex officio” sua ilegitimidade passiva para figurar na presente demanda.

III - DISPOSITIVO

ANTE O EXPOSTO, neste momento concedo a liminar requerida por reconhecer o fumus boni iuris consubstanciado no acúmulo de cargos públicos indevidamente e o periculum in mora na medida em que a manutenção do status quo obrigaria o município a permanecer pagando salários à requerida, para determinar a imediata suspensão de CLEONALDO PEREIRA DINIZ das atividades que exerce como SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais) sobre o patrimônio pessoal do prefeito municipal, nos termos do art. 5º, §4º da Lei nº 4717/65 c/c art. 536, §1º do CPC e julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação popular para ANULAR O ATO DE NOMEAÇÃO DE CLEONALDO PEREIRA DINIZ para o cargo de SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE, com efeitos a partir de 15.01.2015, data do encerramento da sua licença não remunerada no município de Itinga/MA, tendo em vista a sua flagrante ilegalidade com fundamento no art. 2º, “c” da Lei nº 4717/65.

Deixo de condenar os requeridos JAIRO MADEIRA DE COIMBRA, CLEONALDO PEREIRA DINIZ E MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA ao ressarcimento dos salários de Secretário Municipal de Saúde, por reconhecer a boa-fé na sua percepção já que houve efetiva prestação dos serviços e inexistiu efetivo prejuízo ao Erário Municipal, nos termos da fundamentação supra.

Condeno os réus JAIRO MADEIRA DE COIMBRA e CLEONALDO PEREIRA DINIZ, solidariamente, em custas e despesas processuais e honorários advocatícios os quais, fixo desde logo em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do art. 85, §8º do CPC.
Dispensada a remessa necessária no termos do art. 496, §3º, II do CPC.

Publique-se. Registre-se. Intime-se.
João Lisboa/MA, 25 de agosto de 2017.

 

Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa

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