sexta-feira, 12 de abril de 2013

SENTENÇA. AÇÃO DE USUCAPIÃO. IMÓVEL RURAL. NÃO DEMONSTRAÇÃO DOS REQUISITOS LEGAIS. IMPROCEDÊNCIA.


Autos n°. 6482010
Ação de Usucapião imóvel Rural
Requerente: SILVANE PEREIRA DOS SANTOS
Requerido: ANTONIO GOMES DE ABREU

SENTENÇA

Vistos, em correição.

SILVANE PEREIRA DOS SANTOS, já qualificado, ajuizou a presente ação de Reintegração de Posse em desfavor de ANTONIO GOMES DE ABREU, alegando, em síntese, que há mais de vinte anos initerruptos é possuidor manso e pacífico de uma área de 13 (treze) ha (hectares) na Fazenda Sussuapara, registrada no Cartório da cidade de Amarante-MA, sob o n.º de ordem 10.592, de fls 66/67 do livro 03-M.
Afirma que habita e cultiva a referida área rural há mais de vinte anos de forma mansa, pacífica, initerrupta e de boa-fé, e que no local existem ainda marcos divisórios originais feitos por seu pai, antecessor na posse.
Em sede de contestação (fls. 31/33) o requerido ANTONIO GOMES DE ABREU controverte os fatos afirmando que o autor não preenche os requisitos do Usucapião; que há cerca de 20 anos o pai do autor plantou uma roça na propriedade do requerido e desde então não realizou qualquer outra benfeitoria; que a área em litígio funciona como reserva nativa da propriedade do réu uma vez que encontra-se às margens do riacho Casa Só; que em 2004, o requerido foi surpreendido com uma derrubada de vegetação promovida pela pai do autor, o SR. Germano, mas o requerido ajuizou uma ação de interdito proibitório em 2006 a qual findou-se em 2010; que a referida ação possessória é suficiente para demonstrar o não preenchimento do requsito temporal; que não é verdade que o requerente resida com a família no local.
Juntou documentos de fls. 35-47, dentre os quais uma escritura pública de compra e venda da área em litígio, datada de 02.12.1972.
Eventuais interessados foram citados por edital (fls. 56)
Devidamente intimadas, a fazenda pública federal e municipal não manifestaram interesse na lide (fls. 53 e 57-61), fazenda estadual quedou-se inerte (fl. 62).
Após citação por edital de eventuais interessados não houve manifestação (fls. 55/56).
Às fls. 63, proferi despacho saneador, oportunidade em que fixei como pontos controvertidos a demonstração dos requisitos do usucapião extraordinário: lapso temporal, inexistência de oposição e animus domini, tanto do requerente quanto do seu genitor, já que deseja unir eventuais posses, tendo designado audiência de instrução (fls. 63).
Audiência de Instrução às fls. 72/77, oportunidade em que foram ouvidas 04 testemunhas e um informante, tendo sido declarado o encerramento da instrução e intimadas as partes para apresentação de alegações finais em forma de memoriais.

Alegações finais do requerido (fls. 87/92), tendo sido desentranhadas a do requerente por intempestivas (fl. 100-v).
Parecer do Ministério Público pela improcedência da ação (fls. 102/104)
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Decido.
Trata-se na espécie de Ação de Usucapião de imóvel Rural onde o autor alega habitar e cultivar o referido imóvel por si e por seus antecessores há mais de 20 (vinte) anos, de forma mansa e pacífica, contínua e sem oposição e com “animus domini”, sobre a área, exercendo ali atividade produtiva e lá morando com sua família.

A Usucapião define-se como modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais pela posse prolongada e qualificada pro requisitos estabelecidos em lei. Várias são as modalidades de Usucapião previstas no ordenamento: USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO, USUCAPIÃO ORDINÁRIO, USUCAPIÃO ESPECIAL CONSTITUCIONAL E USUCAPIÃO COLETIVO DO ESTATUTO DA CIDADE.
Dispõe o art. 1238 do Código Civil:
Art. 1.238. Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquirelhe a propriedade, independentemente de título e boafe; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis.
Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzirsea a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.

Dois elementos sempre estão presentes em qualquer modalidade de Usucapião, o tempo e a posse. Não basta a posse normal (ad interdicta), exigindo-se posse ad usucapionem, na qual, além da visibilidade do domínio, deve ter o usucapiente uma posse com qualidades especiais, previstas no art. 1238 do Código Civil: prazo de 15 anos, sem interrupção(posse contínua), nem oposição (posse pacífica), e ter como seu o imóvel (animus domini).
Especificamente em relação ao usucapião extraordinário, no presente caso verifico que não há clara demonstração dos requsiitos para aquisição originária da propriedade.
Com efeito, conforme se viu adiante, o autor da ação deveria demonstrar a sua posse mansa, pacífica e continua pelo prazo mínimo de quinze anos retroativamente ao ajuizamento da presente demanda.
Sucede que a análise da prova produzida nos autos não permite a aferição de tal lapso temporal.
Por conseguinte, tendo a ação sido ajuizado em 28.10.2010, deveria restar demonstrado nos autos a posse do autor, bem como dos seus antecessores desde pelo menos 28.10.1995.
Entretanto, as provas produzidas durante a instrução não apontam, com o grau de certeza que se faz necessário, para o preenchimento de tal requisito, conforme se observa nos depoimentos da tetemunhas:

“(...) que no ano de 1972 ou 1973 tomou conhecimento que Luiz Cantuária vendeu sua área para o requerido; que não sabe dizer se Luiz Cantuária já tinha vendido a área para Germano Cachoeira (...)”(DEPOIMENTO DE PEDRO NEIVA CARREIRO, fls. 74)
“(...) que é filho do requerido; que teve conhecimento através de seu pai que o mesmo adquiriu a terra do senhor Luiz Cantuária em 1972; Que Germano fez uma roça no local e depois cercou o local(...); que a cerca ficou no local por todos esses anos, porém, nem Germano nem seu filho trabalharam na terra por esses tempos, vindo a fazê-lo somente em 2005 quando foi feito um açude no local(...) (DEPOIMENTO DE FABRICIO SOBRINHO, fls. 75)

Tais informações são corroboradas pela escritura pública que comprova que o requerido adquiriu a área por compra feita ao Senhor Luiz Cantuária ainda no ano de 1972.
Por outro lado, a instrução somente revelou que o autor SILVANE veio efetivamente a ter posse do imóvel no ano de 2005, sendo importante observar que em 15.09.2006, o autor ajuizou uma ação de interdito proibitório contra o pai do requerente, GERMANO CACHOEIRA, demonstrando efetivamente a sua oposição séria contra a ocupação por parte do requerido, conforme se verifica nos autos do processo nº 643/2006 (812006), fato que inegavelmente afasta a qualificação do requsito temporal como posse mensa e pacífica:
“(...) que possui uma terra vizinha a área em litígio; que chegou no local há uns 12 anos atrás; que quando chegou já observou que as margens do rio onde fica a área em litígio já havia uma capoeira; que o depoente não viu roça no local e nem pasto de animal; que somente há aproximadamente 04 anos atrás o depoente passou a vê que no local havia capim e um açude; que depois de vê o capim começou a observar que o Sr. Silvane passou a colocar o gado no local(...) que não sabia de quem era a área até a mesma ser roçada(..) que Silvane mora em uma casa dentro da fazenda de seu pai que fica ao lado da área em litígio; (...) que não sabe quem é o dono da área mas sabe que o SILVANE trabalha na área; (...) que soube que houve o ajuizamento de uma ação na justiça em função dessa área(...) (DEPOIMENTO DE RAUL BARROS, FLS. 76)

                        Portanto, não há como reconhecer a presença de requisitos do Usucapião para a declaração de aquisição da propriedade pelo requerido, já que o mesmo, não se desincumbiu de seu ônus probandi, pois não conseguiu demonstrar com prova robusta sequer o requisito temporal, bem como, porque o requerido fez prova de que não houve posse mansa e pacífica por parte do autor, mas sim, houve a demonstração de séria oposição por parte do sujeito passivo via interditos proibitório datado do ano de 2006.
                        Inexistindo posse contínua e sem interrupção, ficou interrompido eventual prazo de contagem para a Ação de Usucapião, pois ocorreu oposição eficaz por parte do títular da propriedade contra quem corre a Usucapião.

DO USUCAPIÃO ESPECIAL RURAL

                        Também não se pode reconhecer eventual Usucapião Especial Constitucional previsto no art. 191 da Constituição Federal e art. 1.239 do Código Civil, que exigem determinados requisitos para serem deferidos àqueles que o perseguem, senão vejamos.
Colaciono os dispositivos legais:

“Art. 191. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como seu, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra, em zona rural, não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirir-lhe-á a propriedade.”

“Art. 1.239. Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinquenta hectares, tornandoa produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia, adquirirlheá a propriedade.”

Em simples análise dos dispositivos constatam-se os requisitos para aquisição de propriedade de terra rural: a) Posse initerrupta por no mínimo 5 (cinco) anos ; b) Sem oposição; c) Área não superior a 50 ha (hectares); d) Produtividade da terra; e) Moradia na Área, f) Não ser Proprietário de Imóvel Rural ou Urbano.
A análise desses requisitos deve ser feita com base nas provas produzidas nos autos, mormente testemunhal, em seu conjunto harmônico e em cotejo com o conjunto sistemático de requisitos constitucionais.
É necessário constar que a ausência de um único requisito dentre os supra elencados desautoriza a aquisição da área em litígio, tendo em vista que o usucapião rural só se efetiva com o preenchimento de todos os requisitos acima.
Assim, os depoimentos das testemunhas apontam que o requerente não satisfaz os requisitos ‘b’ , ‘e’ e ‘f’ conforme acima classificado para fins pedagógicos de compreensão senão vejamos:
Quanto ao requisito ‘b’ (Sem oposição):

“(...)Que tem conhecimento que houve o ajuizamento de uma ação na justiça em função dessa área (...)” (Depoimento da testemunha RAUL RODRIGUES BARROS, fl. 76)
No que pertine ao requisito ‘e’ (ter moradia na área):

“(...)Que o Silvane mora em uma casa dentro da fazenda de seu pai que fica ao lado da área em litígio (...)” (Depoimento da testemunha RAUL RODRIGUES BARROS, fl. 76)


Por fim, quanto ao requisito ‘f’ (Não ser Proprietário de Imóvel Rural ou Urbano):

“(...)Que Silvane possui uma casa na sede de Amarante, um caminhão e uma moto (...)” (Depoimento da testemunha ANTONIO DOS REIS ARAÚJO DE SOUSA, fl. 73)
“(...) Que o autor possui uma casa na Rua Bonfim Teixeira e além disso possui um caminhão e uma moto (...)” (Depoimento do informante GERMANO PEREIRA DOS SANTOS, pai do autor, fl. 77)

Ademais, o requerido juntou à fl. 94 cópia de pedido de aforamento de terreno urbano localizado na Rua Bonfim Teixeira realizado pelo requerente junto ao Município de Amarante do Maranhão datada de 05 de Abril de 1988, coadunando-se com o depoimento prestado pelo genitor do autor.
Diante dessas considerações, outro caminho não resta senão a improcedência da ação, tendo em vista o não preenchimento na totalidade dos requisitos constitucionais para a aquisição da propriedade rural.

DISPOSITIVO
ANTE O EXPOSTO, JULGO IMPROCEDENTE a ação e todos os pedidos deduzidos na inicial, tendo em vista o não preenchimento dos requisitos legais e constitucionais para a concessão do pleito e JULGO EXTINTO O PROCESSO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, com base no art. 269, I do CPC.
Condeno o autor ao pagamento de Custas e Honorários Advocatícios ao advogado do réu, que fixo em R$ 678,00 (seiscento e setenta e oito reais) tendo em consideração o disposto no art. 20, §4º do CPC.
P.RI.C
Após o trânsito em julgado, arquive-se com baixa definitiva no sistema

Amarante do Maranhão/MA, 12 de abril de 2013.

 


Juiz Glender Malheiros Guimarães

                                         Titular da Comarca de Amarante do Maranhão/MA

Nenhum comentário:

Postar um comentário