terça-feira, 9 de abril de 2013

DECISÃO. LIMINAR EM AÇÃO ANULATÓRIA DE REGISTRO IMOBILIÁRIO. AUSÊNCIA DE OUTORGA MARITAL. UNIÃO ESTÁVEL. BEM IMÓVEL DE EMPRESÁRIO INDIVIDUAL DADO EM GARANTIA. CONFLITO APARENTE ENTRE ART. 1647, I E ART. 978 DO CC. INDEFERIMENTO.


PROC Nº: 289/2013
Ação Anulatória c/c com pedido de liminar
AUTOR: ANTONIO CARLOS DO NASCIMENTO
RÉU: BANCO BRADESCO S/A
DECISÃO


                        ANTONIO CARLOS DO NASCIMENTO, qualificados na inicial, ajuizou a presente Ação Anulatória c/c com pedido de liminar, com o fim de obter liminar para suspender os efeitos da averbação do ato cartorário que consolidou a propriedade do imóvel descrito às fls. 03 no patrimônio do BANCO BRADESCO S/A, o qual figura como credor fiduciário conforme se verifica na certidão de ônus reais de fls. 65, derivada de cédula de crédito Bancário Crédito Pessoal nº 237/2658/030.820-10, bem como para obrigar o BANCO BRADESCO S/A a suspender a realização de eventual leilão extrajudicial do referido imóvel, até o deslinde final da presente ação.

                        Afirma que convive em união estável com HILDEANE LEMOS SANDES, desde o ano de 1996, com quem inclusive teve dois filhos menores de idade. Prossegue afirmando que é comerciário e que sua companheira é empresária individual, tendo constituído a firma H.L SANDES – ME.

                        Sucede que a sua companheira teria firmado em 06.07.2010 um contrato bancário de empréstimo pessoal com o Banco Bradesco S/A, no valor de R$ 50.000,00, e que no referido instrumento particular foi dado como garantia da dívida o imóvel descrito na inicial, que seria de propriedade comum do casal, tendo em vista a União Estável que atrairia as regras de regime patrimonial da Comunhão Parcial de Bens.
                        Prossegue informando que em que pese a oferta espontânea do bem em garantia da avença, o autor não deu sua indispensável “outorga marital”, de forma que tal garantia seria inoponível a sua pessoa, devendo ser preservado a sua meação relativamente ao imóvel.

                        Afirma, ainda, que os valores recebidos pela sua companheira não reverteram em favor da família, mas sim e tão somente foram investidos na atividade comercial da mesma, trazendo para os autos extratos de transferência dos valores para conta corrente da empresa.

                      Diante da inadimplência de HILDEANE LEMOS SANDES, o credor fiduciário consolidou a propriedade do imóvel dado em garantia, em prejuízo da meação do requerente.

                        Afirma a necessidade de concessão da liminar uma vez que prepostos do banco já estiveram nas proximidades o imóvel, fotografando-o para incluí-lo em futuro leilão, de forma que estariam presentes os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora para a concessão da liminar.

                        No mérito, requereu a anulação do ato de consolidação da propriedade do imóvel em favor do banco e o cancelamento do registro diante da causa de anulabilidade.

                        Juntou documentos: cópia de seus documentos pessoais, comprovante de residência, certidão de nascimento de filhos menores, cópia da atos constitutivo da empresa, certidão de registro de imóvel contendo as averbações impugnadas, cópia da cédula de crédito bancário, cópia do extrato bancário de sua companheira (fls. 21-92).
Vieram os autos conclusos.

É o relatório. Decido.

DA LIMINAR PLEITEADA

                        Para a concessão da liminar faz-se imprescindível a presença de requisitos previsto em lei, quais sejam, a prova inequívoca que conduza à verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou o abuso do direito de defesa. Necessário, ainda, que não haja perigo de irreversibilidade da medida, consoante previsão do art. 273 do Código de Processo Civil.
                        Tendo em vista a medida acaba por suprimir, de início, o contraditório, deve restar devidamente claro ao magistrado o preenchimento das exigências legais, o que demanda parcimônia e equilíbrio na análise do feito, sob pena de banalização da medida.

                        No tocante ao requisito da relevância do fundamento da demanda, deve ser entendido como a existência de prova inequívoca, capaz de convencer o juízo da verossimilhança da alegação contida no pedido, ou seja, suficiente para fazer o magistrado chegar à conclusão de que as afirmações expostas na petição inicial provavelmente correspondem à realidade.

Por relevância do fundamento da demanda, temos que exista prova inequívoca, capaz de convencer o juízo da verossimilhança da alegação contida no pedido. Ressalte-se, contudo, que a locução prova inequívoca não pode ser interpretada de forma rigorosa e absoluta, o que será necessário apenas na fase do provimento judicial final (sentença), mas sim como a prova suficiente a convencer o juiz de que as afirmações expostas na petição inicial são passíveis de corresponder à realidade, hábil a convencer o magistrado da verossimilhança da alegação (Fumaça do Bom Direito).

                        No que tange ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, tal requisito, para que reste configurado, faz-se necessário: a) que seja impossível o retorno ao status quo ante (dano irreparável); b) que, mesmo sendo possível o retorno ao status quo ante, a condição econômica do réu não garanta que isso ocorrerá ou os bens lesados não sejam passíveis de quantificação de maneira a viabilizar a restituição integral dos danos causados, tal como ocorre com as lesões aos direitos da personalidade, v.g, a honra, a integridade moral, o bom nome, entre outros (dano de difícil reparação).

                        No caso em análise verifico que as razões invocadas pelo impetrante são insuficientes para concessão de liminar, uma vez que não vislumbro o requisito do fumus boni iuris.
                        Com efeito, observo que ao contrário do que consta da inicial, o imóvel dado em garantia real não fora adquirido pelo casal, mas sim pela firma individual H.L. SANDES – ME, conforme verifico na certidão de registro imobiliário de fls. 31-32.

                        Tal informação é relevante uma vez que, em que pese a natureza jurídica de empresária individual, o que confunde o patrimônio da empresa com o patrimônio da pessoa natural, resta induvidoso que ao celebrar o contrato bancário com o requerido a Sra. HILDEANE LEMOS SANDES o fez com o claro objetivo de impulsionar seu negócio empresarial. Aliás, o bem dado em garantia foi o próprio imóvel que alberga o estabelecimento da mesma cujo nome de fantasia é PAPELARIA E VARIEDADES SANTA RITA (fls. 30).

Define o art. 966 do Código Civil que empresário é aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

Empresário individual é a pessoa física que se obriga através de seu próprio nome, responde com seus bens pessoais, assume responsabilidade ilimitada, incide pessoalmente em falência e pode pleitear sua recuperação judicial ou extrajudicial.
Nesse sentido, o empresário individual nada mais é que a pessoa natural que exerce a atividade empresarial de forma profissional e habitual, organizando a atividade, produzindo ou realizando a circulação de bens ou serviços e, por fim, com o objetivo de lucro.

À pessoa natural é conferida personalidade, que é adquirida com o nascimento com vida, conforme o art. 2º do CC.

Assim, sendo pessoa natural, o empresário individual possui personalidade jurídica, não pelo fato de exercer a atividade empresarial, mas em razão de ser pessoa natural. O empresário individual, conquanto inscrito no CNPJ, não deixa de ser pessoa física, não havendo distinção entre o patrimônio da firma individual e o da pessoa física.

Em razão da ausência de um desdobramento de personalidade jurídica, o empresário individual responde integralmente pelas dívidas contraídas, seja em razão de obrigação decorrente da atividade empresarial, seja de obrigação oriunda da esfera pessoal.
Feita essa pequena digressão acerca da natureza jurídica do empresário individual e sua responsabilidade em relação a terceiros que com ele negociem, cumpre observar que o art. 1647, I do Código Civil foi excepcionado, pelo art. 978 do mesmo CC, exatamente na hipótese do empresário individual que aliena ou grava de ônus real o imóvel constante do ativo da firma individual, tendo em vista a necessidade de liberdade nos negócios típico do Direito Empresarial.

                        Dispõem os art. 1647, I e art. 978 do CC:

Art. 1.647. Ressalvado o disposto no art. 1.648, nenhum dos cônjuges pode, sem autorização do outro, exceto no regime da separação absoluta:
I – alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis;
(...)

Art. 978. O empresário casado pode, sem necessidade de outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar os imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravalos de ônus real.


                        Portanto, como regra, de fato faz necessário a outorga uxória ou marital com o fito de alienar ou gravar bens imóveis de ônus real. Porém, considerando que o ordenamento jurídico não deve ser interpretado em tiras, mas sim como um todo lógico e indivisível, tal regra é excepcionada nos casos em que o empresário casado – e com maior razão o que vive em União Estável – alienar ou gravar de ônus real imóveis que integrem o patrimônio da empresa. Exatamente o caso do autos.

                        O art. 978 do CC dispensa, portanto, a outorga conjugal para a alienação de bens imóveis, bem como a instituição de ônus real, desde que incluídos no ativo do empresário individual casado.            

Trata-se de uma dispensa específica, dependente da destinação conferida à coisa – no caso dos autos a coisa alberga o estabelecimento da empresa – excepcionado a regra geral exposta no inciso I do art. 1647 do CC.
                       
Nesse sentido MARCELO FORTES BARBOSA FILHO, in CODIGO CIVIL COMENTADO, ORGANIZADOR CEZAR PELUSO, fls. 988 e 989, ed. MANOLE):

“Pretende-se dar maior liberdade ao empresário individual, evitando fique ele tolhido na necessidade de agilidade e rapidez na celebração de negócios jurídicos, isto é, estirpando obstáculos ao desenvolvimento da atividade empresarial. A falta de aquiescência do cônjuge do empresário individual, portanto, não causará qualquer mácula à validade das alienações e constituições de direitos reais incidentes sobre imóveis utilizados no exercício da empresa, merecendo aplausos a inovação legislativa.”

                        Traz-se à baila, ainda, a lição de Ricardo Fiúza:

“No que se refere às firmas individuais, que não adquirem personalidade jurídica própria, a norma em referência estabelece que, relativamente ao patrimônio imobiliário destinado pelo empresário para o exercício de sua atividade, tais bens poderão ser alienados ou gravados de ônus reais sem a necessidade de consentimento do respectivo cônjuge, uma vez que os bens imóveis diretamente afetados à atividade da empresa não estão compreendidos no patrimônio conjugal.” (FIÚZA, Ricardo. Novo código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 884.)

Sílvio de Salvo Venosa afirma que há que se examinar no caso concreto se o imóvel está relacionado com o patrimônio da empresa. O dispositivo abre válvulas a fraudes, com necessidade de permanente revisão judicial.

Já, para Marilene Silveira Guimarães esse dispositivo confirma a forte tendência de total autonomia na disposição do patrimônio imóvel, embora também traduza a hierarquização do direito empresarial em relação ao direito de família, com a inclusão de outros princípios diferentes dos que alicerçavam este direito no Código Civil de 1916, mais protetivo da célula familiar.

                        Portanto, não vislumbro, prima facie, correção na tese do autor de que o negócio jurídico seria anulável diante de sua não ciência da celebração do contrato bancário com garantia real, uma vez que sua companheira é empresária individual, de forma que, neste momento, em juízo de mera prelibação, tenho como válido o negócio jurídico, quanto mais levando-se em consideração o disposto no art. 978 do CC.

Não fosse o suficiente, cumpre observar, ainda, que durante o curso do negócio jurídico questionado, a Sra. HILDEANE LEMOS SANDES afirmou, deliberadamente, ser solteira, conforme se infere de sua qualificação às fls. 29, 35 e 36, o que também demonstra violação da boa fé objetiva prevista no art. 422 do CC. Ademais, cumpre observar que a dívida fora contraída pela empresa individual que indubitavelmente é uma das fontes de renda da família.

DA CONCLUSÃO.

ANTE O EXPOSTO, INDEFIRO AS LIMINARES PLEITEADAS, por ausência de fumus boni iuris.

Defiro os benefícios da Justiça Gratuita.

Cite-se  o requerida, para, querendo, apresentar resposta no prazo legal, sob pena de revelia e confissão quanto à matéria fática.

Expedientes necessários. Cumpra-se.

Amarante do Maranhão, 08 de abril de 2013.


Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular da Comarca de Amarante do Maranhão

3 comentários: