terça-feira, 19 de janeiro de 2016

SENTENÇA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CONVÊNIO COM ATRASO EXCESSIVO. VIOLAÇÃO A PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO. CONDENAÇÃO.

PROC. 167-93.2013.8.10.0038

Vistos em Correição.

O Município de João Lisboa/MA moveu ação de RESSARCIMENTO DE DANO C/C IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA contra FRANCISCO EMILIANO RIBEIRO DE MENEZES, já qualificado, alegando que este, na condição de ex-prefeito municipal do município de João Lisboa/MA, não prestou contas referentes ao convênio nº 91/2012 celebrado com a Secretaria Estadual de Cultura que teve por objeto a realização do Carnaval de 2012 no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais).
Às fls. 30-31-v, a liminar quanto à determinação da exclusão do nome do município do cadastro de inadimplentes foi indeferida.
Às fls. 33-34 consta um pedido de reconsideração que também foi indeferido às fls. 38.
Às fls. 39 este juízo determinou a notificação do requerido para apresentação de manifestação escrita.
Às fls. 44-45-v, o requerido apresenta defesa prévia, oportunidade em que sustenta inépcia da inicial uma vez que a verba foi usada e as contas foram prestadas; no mérito, sustenta que toda a documentação referente ao convenio questionado será juntada oportundamente; que o requerido não praticou qualquer conduta que caracterize improbidade administrativa; que não há demonstração do dolo como elemento subjetivo da conduta imputada ao agente; finaliza requerendo a rejeição da inicial. Juntou documentos de fls. 46-88.
Às fls. 92, a inicial foi recebida tendo sido determinada a citação do réu para oferecer contestação.
Às fls. 94, o advogado do réu renuncia ao mandato às fls. 95, determinou-se a intimação do réu para constituir novo advogado.
Às fls. 98-103, o réu, por sua nova advogada, apresentou contestação oportunidade em que alegou em preliminar a inépcia da inicial alegando inexistir na inicial uma causa de pedir, pois as contas foram prestadas, ainda que tardiamente, conforme se verifica do protocolo de fls. 46; no mérito, sustenta que o pedido encontra-se prejudicado, já que não mais subsiste a ausência de prestação de contas; que inexiste a demonstração do dolo como elemento subjetivo da conduta imputada ao agente; que não há prova da improbidade administrativa; que o atraso na prestação de contas não induz a ocorrência de fraude; que inexiste dano ao erário; finaliza requerendo a improcedência da ação.
Ás fls. 106, este juízo determinou a intimação do autor para réplica e do MP para intervir no feito.
Às fls. 108-113, o município de João Lisboa apresenta réplica, oportunidade em que refuta a preliminar e no mérito questiona a validade dos documentos apresentados nos autos.
Às fls. 120, o MP manifesta-se nos autos requerendo que seja oficiado às Secretaria de Cultura para que a mesma informe o recebimento ou não da prestação de contas relativa ao convênio.
Às fls. 121, foi deferida a cota ministerial.
Às fls. 123-140, a Secretaria Estadual de Cultura encaminha documentação informando que as contas referentes ao Convênio nº 91/2012 SECMA informando que as contas foram apresentadas em atraso e reprovadas, tendo sido tomadas providências para a Tomada de Contas Especial.
Às fls. 141, este juízo afastou a preliminar de inépcia da inicial e determinou diligências, intimando-se ainda as partes para especificarem as provas que pretendem produzir.
Às fls. 145-210, a Secretaria de Cultura encaminha cópia integral da prestação de contas do convênio.
Às fls. 212 consta certidão da inercia das partes quanto à especificação das provas.
Às fls. 214-216, o Ministério Público oferta parecer pugnando pela procedência da demanda.
É o relatório. DECIDO.

FUNDAMENTAÇÃO

DA PRELIMINAR

INÉPCIA

Suscita o réu a inépcia da presente ação tendo em vista que as contas foram prestadas, ainda que tardiamente, no curso do processo.

Sem razão.

O alegado abandono da causa não guarda nenhuma relação com a inépcia da inicial cujas causas encontram-se elencadas taxativamente no art. 295, § único do CPC:

Art. 295. A petição inicial será indeferida:
I – quando for inepta;
(...)
Parágrafo único. Considera-se inepta a petição inicial quando:
I – lhe faltar pedido ou causa de pedir;
II – da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;
III – o pedido for juridicamente impossível;
IV – contiver pedidos incompatíveis entre si.

Não sendo o caso de qualquer das hipóteses enumeradas, a preliminar não merece acolhida.

DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE

                                   Entendo que o caso é de julgamento antecipado da lide, uma vez que a questão de mérito, em que pese ser de fato e direito, está provada documentalmente sendo desnecessária a produção de qualquer outra prova em audiência a teor do disposto no art. 330, I do CPC.
                                   Importante frisar, ainda, que em que pese intimadas, as partes não requereram a produção de provas em audiências.

MÉRITO

DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUE VIOLOU PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Primeiramente, impende ressaltar que a improbidade administrativa é um dos maiores males envolvendo a máquina administrativa de nosso país e um dos aspectos negativos da má administração que mais justificam a implementação de um maior controle social. A expressão designa, tecnicamente, a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da administração pública de seus preceitos basilares de moralidade, legalidade e impessoalidade, ferindo de morte os princípios da Carta Republicana.
O conceito de improbidade é bem mais amplo do que o de ato lesivo ou ilegal em si. É o contrário de probidade, que significa qualidade de probo, integridade de caráter, honradez. Logo, improbidade é o mesmo que desonestidade, falta de probidade.
A Lei Federal nº 8.429/92 disciplina a matéria em questão, estabelecendo que configura improbidade administrativa o ato praticado por agente público que importe (i) enriquecimento ilícito, (ii) prejuízo ao erário e (iii) violação aos princípios da administração pública (arts. 9, 10 e 11 da Lei nº. 8.429/92).
Ressalte-se que o referido diploma legal abrange todas as pessoas nomeadas como agentes públicos, quer integrantes da administração direta, indireta e fundacional, ainda que no exercício da função em caráter transitório ou sem remuneração.
O douto José Afonso da Silva assim descreve:
14. ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. (...) Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada pelo dano ao erário e corresponde vantagem ao ímprobo ou a outrem (...). O grave desvio de conduta do agente público é que dá à improbidade administrativa uma qualificação especial, que ultrapassa a simples imoralidade por desvio de finalidade[1].

Como se vê, o renomado constitucionalista destaca a importância do princípio constitucional previsto no art. 37 da Carta Magna na determinação do que seja imoralidade administrativa, lembrando que não basta apenas a ilegalidade para que reste configurada.
Já Maria Sylvia Zanella di Pietro ensina que, para que um ato possa acarretar a incidência das penalidades estabelecidas na Lei de Improbidade Administrativa, são necessários os seguintes elementos:
a) sujeito passivo: uma das entidades mencionadas no art. 1º da Lei nº 8.429;

b) sujeito ativo: o agente público ou terceiro que induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (arts. 1º e 3º);

c) ocorrência do ato danoso descrito na lei, causador de enriquecimento ilícito para o sujeito ativo, prejuízo para o erário ou atentado contrato os princípios da Administração Pública; o enquadramento do ato pode dar-se isoladamente, em uma das três hipóteses, ou, cumulativamente, em duas ou nas três;

d) elemento subjetivo: dolo ou culpa.[2]

Ao discorrer sobre o elemento volitivo, anota, ainda, a referida autora:
O enquadramento na lei de improbidade exige culpa ou dolo por parte do sujeito ativo. Mesmo quando algum ato ilegal seja praticado, é preciso verificar se houve culpa ou dolo, se houve um mínimo de má-fé que revele realmente a presença de um comportamento desonesto. (...) a aplicação da lei de improbidade exige bom-senso, pesquisa da intenção do agente, sob pena de sobrecarregar-se inutilmente o judiciário com questões irrelevantes, que podem ser adequadamente resolvidas na própria esfera administrativa. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi de punir infrações que tenham um mínimo de gravidade, por apresentarem conseqüências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros. A aplicação das medidas previstas na lei exige observância do princípio da razoabilidade, sob o seu aspecto da proporcionalidade entre meios e fins.[3]

A doutrina direciona-se, portanto, sobre a necessidade de se extrair da conduta um elemento volitivo, rechaçando-se a possibilidade de responsabilidade civil objetiva, decorrente, pura e simplesmente, da infringência à norma jurídica. Em igual sentido, posicionou-se a jurisprudência, a exemplo das ementas abaixo transcritas:
ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 1. Embora tenha havido discrepância inicial, pacificou a jurisprudência desta Corte em reconhecer que as condutas descritas no art. 11 da Lei de Improbidade dependem da presença do dolo, ainda que genérico. Consequentemente, afasta-se a responsabilidade objetiva dos administradores, não se fazendo necessária a demonstração da ocorrência de dano para a  Administração Pública. Precedentes. 2. Embargos de divergência não providos. (STJ – Primeira Seção. EREsp 917437/MG – Embargos de Divergência em Recurso Especial 2008/0236837-6. Relator: Min. Castro Meira. DJe 22/10/2010).


PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TIPIFICAÇÃO. INDISPENSABILIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO (DOLO, NAS HIPÓTESES DOS ARTIGOS 9º E 11 DA LEI 8.429/92 E CULPA, PELO MENOS, NAS HIPÓTESES DO ART. 10) PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA 1ª SEÇÃO. RECURSO PROVIDO (STJ - Primeira Seção. EREsp 479812/SP Embargos de Divergência em Recurso Especial 2007/0294026-8 – Relator: Min. Teori Albino Zavascki. DJE 27/09/2010).

De outro viés, anoto ainda que a Administração Pública é informada por vários princípios constitucionais, entre os quais se destaca o da legalidade administrativa, o que implica afirmar que toda ação do agente público deve estar expressamente prevista em lei.
Compulsando os autos, extraio que o requerido FRANCISCO EMILIANO RIBEIRO DE MENEZES, na condição de prefeito do município de JOÃO LISBOA, celebrou, na data de 15 de fevereiro de 2012, convênio com o Estado do Maranhão, através da Secretaria Estadual de Cultura, cujo objeto era execução do projeto “Carnaval  2012”, conforme instrumento contratual colacionado às fls.21-29.
Examinando o referido instrumento do convênio, verifico que FRANCISCO EMILIANO RIBEIRO DE MENEZES obrigou-se, mediante o recebimento do importe de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), a executar o objeto do convênio. A vigência do convênio era da data da assinatura (15.02.2012) até 30.05.2012, tendo a convenente o prazo de 60 dias, após o término da vigência, para prestação de contas dos recursos recebidos da concedente.
Em sua defesa prévia e contestação, sustenta o réu a carência da ação por perda do objeto, pois junta prova de que enviou as prestações de contas à Secretaria de Cultura referente ao convênio nº 91/2012 conforme protocolo e ofícios de fls. 46.

Nesse aspecto, cabe ressaltar que a prestação de contas foi enviada com atraso de mais de 01 (um) ano, pois segundo a cláusula oitava do convênio (fls. 153) as contas deveriam ser prestadas em 60 dias do término da vigência do convênio, seja, considerando que a vigência do convênio estava compreendida no período de 15.02.2012 a 30.05.2012 (cláusula décima primeira), tais contas deveriam ser prestadas até 30.07.2012, mas somente foram protocoladas em 21.08.2013 (fls.46), ou seja, com mais de um ano de atraso e seis meses após o ajuizamento da presente ação (25.02.2013).

Dessarte, não há dúvida de que o réu infringiu as normas que o obrigavam, na qualidade de administrador da coisa pública, a prestar contas tempestivamente de numerários repassados pelo Governo Federal para ser investido em benefício das comunidades locais, inclusive causando embaraços ao Município quando da realização de novos convênios.

Note-se que não se aplica ao caso vertente o posicionamento jurisprudencial que isenta da incidência da Lei de Improbidade o mero atraso na prestação de contas, haja vista que houve injustificada delonga: a prestação relativa a 2012 veio a ser apresentada ao órgão competente da SECRETARIA ESTADUAL DE CULTURA após mais de um ano, e isso depois de provocação do ex-gestor por via judicial (6 meses após o ajuizamento da demanda).

Ratifico que o STJ, guardião da lei federal, tem entendido que o simples atraso na prestação de Contas não configura ato de improbidade administrativa, todavia a hipótese em exame é distinta. No caso, a prestação de contas somente ocorreu após o ajuizamento da ação, quando já exauridos seus efeitos nefastos à municipalidade, ou seja, após o Município se encontrar inadimplente perante o Estado e, conseqüentemente, com os repasses de verbas suspensos. Assim, adotar esse fundamento constituiria a criação de causa extintiva da improbidade administrativa (como o pagamento na esfera penal dos crimes tributários), o que, efetivamente, não me parece possível tendo em vista que a ação visa tutelar direitos indisponíveis (LIA, art. 17, § 1º).

Neste diapasão:

APELAÇÃO CÍVEL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CONVÊNIO. ATRASO DESPROPORCIONAL. DOLO DO AGENTE CARACTERIZADO. I - O atraso desproporcional e desarrazoado na apresentação das contas, que ocorreu apenas após a propositura da ação originária e mais de 8 (oito) meses após encerrado o prazo para a sua devida prestação, caracteriza ato de improbidade administrativa tipificado no art. 11 da Lei nº 8.429/92. II - A conduta dolosa do agente público está caracterizada, in casu, pela inexistência de justificativa para o atraso na prestação de contas e, por via de consequência, pela vontade livre e consciente de agir em desacordo com a lei. III - Apelo provido. (Apelação Cível nº 30659/2011 (115268/2012), 1ª Câmara Cível do TJMA, Rel. Raimunda Santos Bezerra. j. 26.04.2012, DJe 29.05.2012).

CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITO. LEI 8.429/1992 ART. 11, VI. PRESTAÇÃO DE CONTAS APÓS O AJUIZAMENTO DA AÇÃO. ATRASO. OMISSÃO. ATO DE IMPROBIDADE. RAZOABILIDADE. REJEIÇÃO DA INICIAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Em que pese haver entendimento jurisprudencial de que a prestação de contas tardia afasta a hipótese de ato de improbidade nos termos do art. 11, inc. IV, da Lei 8.429/1992, o atraso desproporcional e desarrazoado caracteriza ato ímprobo, uma vez que a apresentação das contas ocorreu só após a propositura da demanda e mais de 1 (um) ano e meio após o termo final para a sua devida prestação. 2. Para a caracterização de ato de improbidade, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou ser necessário, tão somente, comprovar a ocorrência de culpa "lato sensu" (dolo direto ou eventual ou culpa) para a caracterização de ato de improbidade. Restariam feridos os preceitos principiológicos da Lei de Improbidade Administrativa caso fosse exigido 'dolo direto' na hipótese, na medida em que ficaria por demais dificultada a prova da conduta, mediante necessidade de ser demonstrado o agir com propósito lesivo (ao patrimônio ou aos princípios). 3. Está caracterizado, em tese, na hipótese, ato de improbidade que atentou contra os Princípios da Administração Pública, não sendo cabível, portanto, a rejeição da inicial, com fundamento no § 8º do artigo 17 da LIA. 4. Apelações providas. (Apelação Cível nº 2007.37.00.004400-0/MA, 4ª Turma do TRF da 1ª Região, Rel. Mário César Ribeiro, Rel. Convocado Guilherme Mendonça Doehler. j. 16.01.2012, unânime, DJ 30.01.2012).

Com efeito, verifico que as prestações de contas, ao contrário do que afirmado na inicial, foram enviadas para os órgãos de controle interno da Secretaria de Cultura do Estado nos dias 21.08.2013, conforme protocolo e ofícios de fls. 46, fato confirmado pela própria Secretaria de Estado em ofício de fls. 124.

Compulsando os autos, extrai-se que o promovido, que na época dos fatos exercia o cargo de Prefeito Municipal de João Lisboa/MA, e tinha o dever de apresentar prestação de Contas referente ao convenio em análise junto à Secretaria de Cultura do Estado.
No entanto, o requerido descumpriu com o ônus, posto que não prestou contas no momento oportuno, cujo prazo expirou em 30.07.2012, apresentando a prestação de contas de forma extemporânea em 21.08.2013.

Assim sendo, verifica-se que o ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração púbica encontra-se devidamente configurado, uma vez que o promovido, na condição de Prefeito de João Lisboa/MA, deixou de prestar contas, no tempo e forma devidos, referentes ao Convenio nº 91/2012 junto à Secretaria de Cultura do Estado.

Neste particular, insta pontuar que a Constituição Federal, em seu art.70, fixa o dever genérico de prestação de contas a todo aquele, pessoa física ou jurídica, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens ou valores de natureza pública.
Infere-se, portanto, que a apresentação da prestação de contas, no tempo exigido por lei, permite à Administração aferir a legalidade dos atos praticados e comprovar o efetivo cumprimento do convênio firmado.

Outrossim, o art. 11, inciso VI, da Lei nº. 8.429/92 estabelece que constitui ato de improbidade administrativa deixar de prestar contas no prazo e condições fixados em lei. Vejamos:
Art. 11- Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:
VI- deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo.

Frise-se, por oportuno, que o ato de improbidade administrativa em questão se consuma na atuação omissiva do gestor público em deixar de prestar contas no prazo e na forma disciplinados em lei, apresentando-se como ação de natureza formal, a qual se integraliza a despeito de qualquer resultado futuro.
A ausência de prestação de contas é tão grave que a lei a erigiu à condição de ato de improbidade administrativa, em outras palavras, em ato que fere a moral e probidade da Administração pública, princípios constitucionais que devem ser seguidos por aqueles que representam o Poder Público.
No dizer do doutrinador Silvio Antonio Marques (in Improbidade Administrativa, Ed. Saraiva, 2010, p. 125)

Pratica ato ímprobo que infringe princípios o agente público que deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo (art. 11, VI, da Lei n. 8.429/92). [...] A caracterização do ato ímprobo ocorrerá na hipótese de o agente ter a obrigação funcional de prestar contas e, dolosamente, deixar transcorrer o prazo previsto na norma específica do órgão ou entidade pública.

Nesse sentido, segue jurisprudência de nossos tribunais:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92, ART. 11, VI. ATOS QUE ATENTAM CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DESNECESSIDADE DE OCORRÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. - Os atos que atentam contra os princípios da Administração Pública são condutas ímprobas previstas no art. 11 da Lei 8.429/92 e independem de demonstração de dano aos cofres públicos ou enriquecimento ilícito. II - Deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo constitui ato violador dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e de lealdade do servidor, que lesam a moralidade administrativa, enquadrando-se na hipótese de improbidade tipificada no inc. VI do art. 11 da Lei 8.429/92. III - Como não houve comprovação de dano aos cofres públicos ou enriquecimento ilícito, o quantum da multa civil deve ser reduzido. IV - Apelo provido em parte apenas para reduzir a multa civil. (TRF1 – Terceira Turma. AC 20051 BA 2003.33.00.020051-9. Relator: Des. Federal Cândido Ribeiro. Julgamento: 03/11/2009)

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA. FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA. REQUISITOS. NÃO CARACTERIZAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N.º 10.628/2002. INCONSTITUCIONALIDADE DE FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO DE CHEFE DO EXECUTIVO MUNICIPAL, NO EXERCÍCIO DO CARGO. NÃO CABIMENTO. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ATRASO NO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS DOS SERVIDORES MUNICIPAIS. AUSÊNCIA DE DIVULGAÇÃO DAS CONTAS NA CÂMARA MUNICIPAL. ARTS. 48 E 49 DA LEI COMPLEMENTAR N.º 101/2000. ATOS DE IMPROBIDADE. ART. 10, CAPUT E ART. 11, II, IV E VI DA LEI N.º 8.429/92. ENQUADRAMENTO. INICIAL. RECEBIMENTO. – (...) III - o atraso no pagamento do funcionalismo público municipal, bem como a ausência total de divulgação da disponibilização das contas perante a Câmara Municipal, são condutas atentatórias aos princípios da administração pública, suficientes para o enquadramento nos arts. 10 e 11, II, IV e VI, da Lei n.º 8.429/92, não exigindo a produção de resultado para restar evidenciada a prática de ato de improbidade. Ação que deve ser recebida para o fato ser devidamente apurado na instrução processual; - ação de improbidade administrativa recebida. (TJMA – Tribunal Pleno. Ação de Improbidade Administrativa 162162004 MA. Relator: Dês. Cleones Carvalho Cunha. Data de Julgamento: 09/12/2004)

Desta feita, após a análise acurada dos meios de provas coligidos aos autos, tem-se por demonstrado que o promovido ao deixar de prestar contas referentes ao Convênio nº 91/2012, praticou ato de improbidade administrativa consubstanciado em violação a princípios constitucionais, perfazendo, com este comportamento, o ato de improbidade administrativa tipificado no art. 11, VI, da Lei 8.429/1992.
Quanto ao elemento subjetivo, vislumbro que restou demonstrada o dolo consistente na vontade livre e consciente do réu de deixa de prestar contas no tempo e forma devidos mesmo estando obrigado a fazê-lo. Portanto, diante da inércia do demandado em cumprir com o seu dever constitucional de prestação de contas relativas ao referido convênio, enquanto destinatário de recursos públicos vinculados a finalidade específica, resta evidenciada a vontade livre e consciente do requerido em não fazê-lo, fato que configura o dolo enquanto elemento subjetivo da conduta ímproba que lhe é imputada.

Nesse aspecto, necessário destacar que o ora requerido deixou de prestar contas no tempo e forma devidos inviabilizando o exame comparativo das despesas supostamente realizadas, e dificultando a fiscalização da efetiva aplicação dos recursos que lhe foram destinados por intermédio do convênio objeto do presente feito, violando dever funcional que lhe competia, já que exercia a titularidade do Poder Legislativo Municipal à época dos fatos.
Tal inviabilidade, inclusive foi corroborada pelo próprio sistema de controle interno da Secretaria de Cultura que após analise da documentação enviada, concluiu pela desaprovação das contas com encaminhamento para Tomada de Contas Especial, conforme ofício e documentação de fls. 123-140 e fls. 145-210.

Com efeito, a ausência de prestação de contas fere o princípio da publicidade que deve nortear a atividade dos gestores públicos. De outra banda a sua desaprovação revela aplicação indevida e espúria das referidas verbas, inviabilizando o controle dos gastos do administrador público, em afronta ao princípio da Moralidade Administrativa, revelando imperiosa a condenação daquele que o pratica, nas penas do art. 12, III, da Lei n.º 8.429/92

Ademais, tinha pleno conhecimento da obrigação que lhe era imposta, e detinha os elementos materiais para viabilizar o cumprimento do dever de prestar contas, dentro do prazo estipulado pela legislação vigente. Portanto, o descumprimento do ônus de sua responsabilidade caracteriza o ato de improbidade por ele praticado.

Nesse sentido, é a orientação jurisprudencial:

APELAÇAO CÍVEL. EX -PREFEITO. AÇAO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE. PRESTAÇAO DE CONTAS EXTEMPORÂNEA. LESAO A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS.
1.Os agentes públicos no exercício de mandato, independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, estão submetidos às penas previstas na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade), fato que, evidentemente, conduz à subsunção de ex-prefeitos aos preceitos da referida legislação.
2. Pode o Parquet, a qualquer momento, ressalvado o lapso prescricional para aplicação de sanções, ajuizar ação para combater suposta improbidade por apresentação tardia de prestação de contas, bem como por eventual enriquecimento ilícito e dano ao Erário daí decorrentes.
4.Recurso conhecido e improvido. (APC 201000010050318 PI, Relator: Des. José Ribamar Oliveira, Data de Julgamento: 28/06/2011, 2a. Câmara Especializada Cível)

“[...] Atraso na prestação de contas de candidato. Rejeição de contas pelo TCU. Inelegibilidade. [...] I - A prestação extemporânea de contas pelo candidato ao cargo de Prefeito configura hipótese de crime de responsabilidade e ato de improbidade administrativa, além de acarretar prejuízos à municipalidade, impedida de celebrar novos convênios de transferência de recursos. (Ac. de 25.8.2009 no AgR-AgR-REspe nº 33.292, rel. Min. Ricardo Lewandowski.)

Registre-se, por oportuno, que nos casos do artigo 11, a Primeira Seção do STJ unificou a tese de que o elemento subjetivo necessário para caracterizar a improbidade é o dolo genérico, ou seja, a vontade de realizar ato que atente contra os princípios da administração pública.

Diante das argumentações acima postas, assiste razão ao autor, devendo o requerido ser condenado nas penas impostas no art. 12 da Lei nº. 8.429/92, por ter praticado ato de improbidade administrativa.

A respeito desta temática, apresentamos os seguintes julgados do STJ, que corroboram o entendimento ora exposto:

ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SECRETÁRIO DE FAZENDA MUNICIPAL. APLICABILIDADE DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA A AGENTES POLÍTICOS MUNICIPAIS. USO INDEVIDO DE VERBA PÚBLICA. OMISSÃO QUANTO À PRESTAÇÃO DE CONTAS.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica no sentido de que se aplicam a agentes políticos municipais, tais como prefeitos e secretários municipais, as sanções previstas na Lei 8.429/1992.
3. Omissão do agravante em instaurar Tomada de Contas Especial, para cobrança do que foi gasto indevidamente, configurando ofensa aos princípios da Administração Pública, nos termos do art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa. (AgRg no Ag 1286329/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/08/2010, DJe 28/04/2011).
ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – FALTA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS – AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO – VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS – ART. 11, VI, DA LEI 8.429/92.
1. O art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/92  prevê, expressamente, que constitui ato de improbidade administrativo deixar de prestar contas quando o agente estiver obrigado a fazê-lo.
2. A jurisprudência desta Corte, quanto ao resultado do ato, firmou-se no sentido de que se configura ato de improbidade a lesão a princípios administrativos, o que, em princípio, independe da ocorrência de dano ou lesão ao erário público. (REsp 852.671/BA, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/04/2010, DJe 03/05/2010).

Nesses termos, resta efetivamente demonstrada a caracterização do ato de improbidade administrativa pelo ex-gestor municipal, passível de aplicação das sanções cominadas na Lei de Improbidade Administrativa.

DAS PENALIDADES APLICÁVEIS

Nos termos do artigo 12, I, II e III da LIA (Lei 8.429/92), são penalidade aplicáveis aos agentes públicos que, no exercício de suas funções, pratiquem atos de improbidade administrativa: (i) o ressarcimento do dano; (ii) multa civil; (iii) perda dos valores ilicitamente incorporados ao patrimônio do agente, (iv) perda da função pública; (v) proibição de contratar com o poder público e (vi) suspensão dos direitos políticos.

Assim sendo, verificada a conduta ímproba e desonesta de agente público na condução de interesses públicos, caberá ao Judiciário a aplicação das reprimendas designadas no citado artigo 12 da Lei 8.429/92.

Observe-se que as penalidades deverão ser aplicadas obedecendo a parâmetros de proporcionalidade entre a natureza do ato de improbidade e a extensão do dano causado à coletividade, sob pena de serem inquinadas de inconstitucionais.

Na hipótese em apreço, verifica-se que o prejuízo causado à coletividade foi relevante, mas de pequena monta uma vez que o promovido deixou de prestar contas de convenio nº 91/2012 junto à SECMA, no momento oportuno, bem como, suas contas foram rejeitadas, consoante PARECER TECNICO SCC/SUFIN/SECMA Nº 329/2013 e DECISÃO da Secretária de Estado de Cultura datada de 18.12.2013. (fls. 207-2010)
Diante de todos esses fatores, deverá o promovido receber censura deste juízo, ficando condenado nas sanções de ressarcimento ao erário, suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o poder público, nos patamares a seguir fixados.
Mostra-se incabível, in casu, a condenação à perda da função pública, uma vez que prejudicada pelo transcurso do prazo de seu mandato.

Quanto ao pedido de retirada da negativação do Município de João Lisboa/MA do sistema de inadimplência da Secretaria Estadual de Cultura, não o conheço, já que o Estado do Maranhão não figurou no pólo passivo da presente demanda.

DISPOSITIVO:

Por todo o exposto, e por tudo mais que dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão condenatória deduzida na inicial e, por consequência, CONDENO o requerido, FRANCISCO EMILIANO RIBEIRO DE MENEZES, ex-Prefeito Municipal de João Lisboa, por violação à norma contida no art. 11, inciso VI, da Lei 8.429/92 (LIA).
Outrossim, considerando a extensão do dano causado à coletividade, a gradação da improbidade praticada, sua repercussão no erário público, bem como as demais diretrizes normativas insculpidas no artigo 12, inciso III e parágrafo único da Lei 8.429/1992, APLICO AO REQUERIDO AS SEGUINTES PENALIDADES:

I)       Suspensão dos direitos políticos pelo período de 03 (três) anos;
II)       Ressarcimento integral do Dano no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) devidamente atualizado pelo INPC;

III)     Proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que seja por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo período de 03 (três) anos.

Outras Diligências:

a) Notifique-se o Ministério Público Estadual.
b) Intime-se o Município de João Lisboa/MA, a fim de que tome conhecimento da presente sentença.
c) Custas processuais por conta do condenado.
d) Após o trânsito em julgado da sentença, oficie-se à Câmara Municipal, remetendo-lhes cópia dessa decisão, para os fins de direito e, especialmente, para as anotações, nos registros respectivos, da proibição acima determinada, bem como ao Tribunal Regional Eleitoral – TRE/MA e ao Cartório da 58ª Zona Eleitoral, acerca da suspensão dos direitos políticos pelo prazo epigrafado, nos termos do art. 15, V, e art. 37, § 4º, da Constituição Federal e art. 71, inciso II, do Código Eleitoral.
e) Com o trânsito em julgado, inclua-se a presente condenação no Cadastro do CNJ de condenados por atos de improbidade (Resolução nº 44 de 20 de novembro de 2007).
Publique-se. Registre-se. Intimem-se as partes.
Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, com baixa na distribuição.
Cumpra-se.
João Lisboa/MA, 13 de janeiro de 2016.

Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa




[1] DA SILVA, José Afonso. Comentário contextual à Constituição. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.348.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 813.
[3] Idem. p.823.

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