terça-feira, 19 de janeiro de 2016

SENTENÇA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITO. FRUSTAÇÃO DA LICITUDE DA LICITAÇÃO. CONDENAÇÃO.

Proc. 202-87.2012.8.10.0038
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO
RÉU: FRANCISCO EMILIANO RIBEIRO DE MENEZES


SENTENÇA


O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL propôs a presente ação de improbidade administrativa contra FRANCISCO EMILIANO RIBEIRO DE MENEZES porque, em tese, praticado atos de improbidade administrativa consistentes em fraudar a licitude do procedimento licitatório referente à contratação de empresa para prestar serviços de transporte escolar para alunos da Zona Rural com recursos oriundos do Convenio nº 127/2006 – SEEDUC no valor de R$ 16.500, alegando em síntese que houve um simulacro de licitação já que o procedimento estaria eivado de nulidades descritas na petição inicial.

Sustenta em suas afirmações que tal conduta configura ato de improbidade administrativa tipificado no art. 10, VIII da Lei de Improbidade Administrativa, motivo pelo qual requer a procedência da ação para condená-lo a devolver ao Município de João Lisboa/MA, a importância de R$ R$ 34.504,22 (valor atualizado até o ajuizamento da ação), atualizados monetariamente, bem como a condenação do requerido nos termos do art. 10, VIII, aplicando-lhe as cominações descritas no art. 12, II da Lei nº 8429/92 e o ônus da sucumbência.
Às fls. 373, este juízo determinou a notificação do requerido para apresentação de manifestação escrita.
Às fls. 379-384, o requerido apresentou defesa preliminar oportunidade em que no mérito imputa eventuais falhas ou nulidades do processo licitatório para a CPL e Assessor Jurídico; sustenta a inépcia a inicial por não ter colocado os profissionais da CPL e Assessoria jurídica no pólo passivo da demanda; afirma a regularidade da licitação; que não houve qualquer prejuízo ao erário; que o serviço foi prestado; que trata-se de mera irregularidade e não de improbidade; que os recursos não foram sacados de uma só vez na boca do caixa, pois os pagamentos foram feitos em cheques nominais à empresa vencedora; que no máximo o réu agiu culposamente; que não há prova do dolo; finaliza requerendo a improcedência da ação.
Às fls. 385-387 a inicial foi recebida e determinada a citação do requerido.
Devidamente citado, o réu apresentou contestação às fls. 400-411, oportunidade em que sustentou em preliminar a inépcia da inicial uma vez que da narração dos fatos não decorre logicamente um pedido, dificultando o direito de defesa do réu; no mérito sustenta que não houve improbidade; que não há provas do alegado e que as contas de gestão do exercício de 2006 foram aprovadas junto ao TCE; que não restou configurado o tipo do art. 10, VIII da Lei nº 8429/92; que não há provas de que os serviços não tenham sido prestados; que o valor foi pago no patamar contratado; que não houve dano ao erário; que não restou demonstrado o elemento subjetivo; que o MP limita-se a pedir o ressarcimento ao erário com base em suposta fraude da licitação, não havendo provas de que o serviço não tenha sido prestado; finaliza requerendo a improcedência da ação.
Às fls. 414-416, o MP oferta réplica.
Às fls. 417, determinei a intimação do município para querendo integrar a lide.
Às fls. 420, consta certidão da inércia do município.
ÀS fls. 421, determinei a intimação das partes para especificarem as provas que pretendem produzir.
Às fls. 422, o MP disse não possuir outras provas a produzir e requereu o julgamento antecipado da lide.
Às fls. 424, o réu afirma não possuir outras provas a produzir.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. DECIDO

FUNDAMENTAÇÃO

PRELIMINAR DE INÉPCIA
                              
Sustenta o requerido em sua contestação de fls. 400-411, a inépcia da inicial sob o fundamento de que da narração dos fatos não decorre logicamente um pedido na medida em que a inicial não individualizou as condutas imputadas ao requerido o que prejudicaria o seu direito de defesa..
Sem razão.
Com efeito, observo que a inicial narra logicamente fatos consistentes na realização de procedimento licitatório eivado de vícios que maculam sua validade atribuindo-lhe a conotação de uma simulação em prejuízo do princípio da moralidade, legalidade e da concorrência pública. o que em tese caracterizaria os atos de improbidade administrativa previstos no art. 10, VIII da LIA cuja sanções estão previstas no art. 12, II do mesmo diploma.
Portanto, a inicial apresenta-se como um todo lógico e inteligível e permitiu ao requerido a correta compreensão da imputação bem como a apresentação de sua defesa de forma que tenho a inicial como apta para o fim colimado.
Afasto a preliminar.
DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE

Entendo que o caso é de julgamento antecipado da lide, uma vez que a questão de mérito, em que pese ser de fato e direito, está provada documentalmente sendo desnecessária a produção de qualquer outra prova em audiência a teor do disposto no art. 330, I do CPC.
Importante frisar, ainda, que em que pese intimadas, as partes não requereram a produção de provas em audiências.

DO MÉRITO

                                   A Improbidade administrativa tem fundamento no art. 37, parágrafo 4º da Constituição Federal tendo sido regulamentada pela Lei nº 8.429/92 legislação essa que tipificou em numerus apertus várias condutas que constituem atos de improbidade administrativa dividindo-as em três grandes grupos.
                                   O primeiro grupo é previsto no art. 9º e engloba os atos que causam enriquecimento ilícito.
                                   O segundo grupo está previsto no art. 10 e refere-se aos atos que causam prejuízo ao erário.
                                   O terceiro, por sua vez, está previsto no art. 11 e diz respeito aos atos que atentam contra os princípios da administração pública.
                                   O Ministério Público imputa ao réu a prática de atos de improbidade administrativa descritos nos artigos 10, VIII do referido diploma legal.
                                  
DA FRUSTAÇÃO DA LICITUDE DO PROCESSO LICITATÓRIO

                                   O art. 10, VIII, da Lei nº 8429/92 dispõe que constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário a frustação da licitude do processo licitatório:

“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1o desta Lei, e notadamente:
(...)
VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensalo indevidamente;”

                                   “Frustrar a licitação, para a Lei nº 8429/92, compreende qualquer conduta de agente público e/ou competidor, individual ou plural, destinada a desviar a competição pública pré-processual, transformando o certame de seleção de eventuais contratantes com o Poder Público em ocasião para favorecimentos, fraudes e toda espécie de expedientes ilícitos tendentes a prestigiar os interesses particulares em prejuízo do interesse público.” (FAZZIO JUNIOR, Waldo. Improbidade Administrativa. 2ª Ed.São Paulo: Atlas, 2014, p.264)
                                   Analisando os autos verifico que o Ministério Público imputa ao requerido a fraude no procedimento licitatório da contratação de empresa para o fornecimento de transporte escolar de alunos da zona Rural de João Lisboa/MA, no ano de 2006, com recursos oriundos do convênio nº 197/2006 celebrado entre o município de João Lisboa e o Estado do Maranhão através da Secretaria Estadual de Educação..
Segundo a inicial, o certame licitatório foi realizado com inúmeros vícios que macularam sua licitude, dentre os quais destaca-se o descumprimento do art. 22, §3º da Lei nº 8.666/93, uma vez que tendo sido escolhida a modalidade de licitação CONVITE, as empresas convidadas deveriam ostentar em seus respectivos contratos sociais o objeto TRANSPORTE ESCOLAR, porém, nenhuma delas o possuía à época do certame.

Analisando as provas, constato que de fato as licitantes não poderiam ter sido convidadas ou serem aceitas para concorrerem, pois não possuíam habilitação técnica na época da licitação, não atuavam no ramo licitado.
Tais fatos estão demonstrados no autos a partir da simples verificação dos contratos sociais das empresas M. F. OFFICE SERVICE LTDA (FLS. 340-355), PASA CONSTRUÇÕES E COMERCIO LTDA (fls. 356-363) e NOVA EMPREENDIMENTOS E CONTRUÇÕES LTDA (fls. 311-339).
Observe-se que a vencedora do certame (NOVA EMPREENDIMENTOS E CONSTRUÇÕES LTDA) somente veio a ter em seu objeto social o TRANSPORTE ESCOLAR MUNICIPAL, INTERMUNICIPAL E INTERESTADUAL em 14.04.2011 (fls. 318-321), após a 6ª ALTERAÇÃO do seu objeto social na Junta Comercial do Maranhão, ou seja, quase 06 (seis) anos após o certame licitatório e a própria prestação do serviço.
Outro ponto que merece destaque é que o próprio órgão de controle interno da Secretaria de Educação do Estado, quando da análise da prestação de contas, já havia identificado tal irregularidade conforme consta da notificação ao requerido de fls. 51.

Portanto, as provas demonstram que houve, de fato, burla ao procedimento licitatório já que nenhum dos concorrentes poderiam participar do certame.

Lado outro, destaco que o dinheiro da licitação foi todo sacado de uma só vez, mediante cheque para o próprio município de João Lisboa, conforme cópia do cheque (fls. 152-153) e extratos de fls.158, entretanto, o próprio representante da empresa, ouvido em sede extrajudicial, nos autos da investigação, afirma que recebia o dinheiro mensalmente em parcelas. Afirmou ainda ter prestado o serviço contratado:

(...); que o declarante jamais recebeu dinheiro em espécie como pagamento pelo serviço de locação de ônibus; que o declarante não sabe dizer a origem dos recursos, pois recebia os cheques ou as ordens bancárias da Prefeitura de João Lisboa/MA; (...) que a locação do veículo contratada junto à empresa do depoente abrangia apenas o veículo e o motorista, pois o combustível era custeado pela própria prefeitura; (...) que o referido veículo foi locado pela empresa do depoente e utilizado para cumprir o contrato celebrado com a prefeitura de João Lisboa; (..) (ELI COELHO MARINHO, fls. 367)

Destaco que o réu possuía a guarda e responsabilidade dos recursos públicos em decorrência de ocupar o cargo de prefeito, ordenador de despesas, no exercício de 2006.
Portanto, tenho como demonstrados os fatos constitutivos do direito do autor, na medida em que restou evidenciada a burla ao procedimento licitatório (CPC, art. 333, I), em que pese não ter conseguido demonstrar o prejuízo ao erário público, já que não há provas da inexecução do serviço e o depoimento de fls. 367 demonstra que houve efetiva prestação do mesmo, motivo pelo qual os fatos devem ser subsumidos ao tipo do art. 11, da LIA, assente que caracteriza-se como violação dos princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade administrativa.

                                   O elemento subjetivo do tipo também restou demonstrado uma vez que agindo como agiu, restou evidenciado o dolo do agente, caracterizado pela livre e consciente vontade de frustrar a licitude do procedimento licitatório, mediante a permissão e habilitação de empresas sem capacidade técnica e que não possuem como objeto social o serviço licitado, qual seja, FORNECIMENTO DE TRANSPORTE ESCOLAR MUNICIPAL, maculando dessa forma os princípios da legalidade, moralidade e concorrência, inviabilizando a efetivação da eficiência administrativa.

Quanto a alegação constante da contestação de que a responsabilidade não seria do prefeito, mas sim de sua equipe técnica (Comissão Permanente de Licitação e Assessoria Jurídica), a mesma não prospera, pois, é o prefeito quem escolhe tais pessoas para ocupar tais cargos de confiança, motivo pelo qual, se eventualmente escolheu mal, incide em culpa in elegendo quanto à escolha de seus subornados para cargos de tamanho relevo e responsabilidade na Administração Pública. Além disso, o réu participa ativamente do processo licitatório, pois é ele quem homologa o procedimento (fls. 135), celebra o contrato (fls. 137-140) e determina os pagamentos.

Observe-se que nos termos do art. 11, caput, da Lei nº 8429/92, o elemento subjetivo do tipo exige o dolo.

Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TIPIFICAÇÃO. INDISPENSABILIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO (DOLO, NAS HIPÓTESES DOS ARTIGOS 9º E 11 DA LEI 8.429/92 E CULPA, PELO MENOS, NAS HIPÓTESES DO ART. 10). PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA 1ª SEÇÃO. RECURSO PROVIDO.

(STJ - EREsp: 479812 SP 2007/0294026-8, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Julgamento: 25/08/2010, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 27/09/2010)


Por tais razões, tenho por configurado os atos ímprobos imputados ao requerido, previstos no art. 11, caput, da Lei nº 8429/92.

DISPOSITIVO


Em razão do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação de improbidade administrativa, por ter o réu praticado atos descritos nos artigos 11, caput, da Lei 8.429/1992, condenando-o nas seguintes penas:

a)     Pelos atos descritos no art. 11, caput, da Lei 8.429/1992, referentes a frustração da licitude do processo licitatório, condeno o réu: à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos, pela violação aos princípios da impessoalidade e moralidade administrativa e concorrência hígida em prejuízo da eficiência administrativa; e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

Tendo em vista a sucumbência do réu, condeno-o ao pagamento das custas processuais. Deixo de condenar em honorários tendo em vista que o autor é o Ministério Público Estadual.

Publique-se, Registre-se e Intimem-se as partes, inclusive o Ministério Público.

Intime-se o Ministério Público.

                                    
João Lisboa/MA, 14 de janeiro de 2016.

 



Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa




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