Proc. 202-87.2012.8.10.0038
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO
RÉU: FRANCISCO EMILIANO RIBEIRO DE MENEZES
SENTENÇA
O MINISTÉRIO PÚBLICO
ESTADUAL propôs a presente ação de improbidade administrativa contra FRANCISCO EMILIANO RIBEIRO DE MENEZES porque,
em tese, praticado atos de improbidade administrativa consistentes em fraudar a
licitude do procedimento licitatório referente à contratação de empresa para
prestar serviços de transporte escolar para alunos da Zona Rural com recursos
oriundos do Convenio nº 127/2006 – SEEDUC no valor de R$ 16.500, alegando em
síntese que houve um simulacro de licitação já que o procedimento estaria
eivado de nulidades descritas na petição inicial.
Sustenta em suas afirmações que tal conduta configura ato de
improbidade administrativa tipificado no art. 10, VIII da Lei de Improbidade
Administrativa, motivo pelo qual requer a procedência da ação para condená-lo a
devolver ao Município de João Lisboa/MA, a importância de R$ R$ 34.504,22 (valor
atualizado até o ajuizamento da ação), atualizados monetariamente, bem como a
condenação do requerido nos termos do art. 10, VIII, aplicando-lhe as
cominações descritas no art. 12, II da Lei nº 8429/92 e o ônus da sucumbência.
Às fls. 373, este juízo determinou a notificação do requerido
para apresentação de manifestação escrita.
Às fls. 379-384, o requerido apresentou defesa preliminar
oportunidade em que no mérito imputa eventuais falhas ou nulidades do processo
licitatório para a CPL e Assessor Jurídico; sustenta a inépcia a inicial por
não ter colocado os profissionais da CPL e Assessoria jurídica no pólo passivo
da demanda; afirma a regularidade da licitação; que não houve qualquer prejuízo
ao erário; que o serviço foi prestado; que trata-se de mera irregularidade e
não de improbidade; que os recursos não foram sacados de uma só vez na boca do
caixa, pois os pagamentos foram feitos em cheques nominais à empresa vencedora;
que no máximo o réu agiu culposamente; que não há prova do dolo; finaliza
requerendo a improcedência da ação.
Às fls. 385-387 a inicial foi recebida e determinada a
citação do requerido.
Devidamente citado, o réu apresentou contestação às fls.
400-411, oportunidade em que sustentou em preliminar a inépcia da inicial uma
vez que da narração dos fatos não decorre logicamente um pedido, dificultando o
direito de defesa do réu; no mérito sustenta que não houve improbidade; que não
há provas do alegado e que as contas de gestão do exercício de 2006 foram
aprovadas junto ao TCE; que não restou configurado o tipo do art. 10, VIII da
Lei nº 8429/92; que não há provas de que os serviços não tenham sido prestados;
que o valor foi pago no patamar contratado; que não houve dano ao erário; que
não restou demonstrado o elemento subjetivo; que o MP limita-se a pedir o
ressarcimento ao erário com base em suposta fraude da licitação, não havendo
provas de que o serviço não tenha sido prestado; finaliza requerendo a
improcedência da ação.
Às fls. 414-416, o MP oferta réplica.
Às fls. 417, determinei a intimação do município para
querendo integrar a lide.
Às fls. 420, consta certidão da inércia do município.
ÀS fls. 421, determinei a intimação das partes para
especificarem as provas que pretendem produzir.
Às fls. 422, o MP disse não possuir outras provas a produzir
e requereu o julgamento antecipado da lide.
Às fls. 424, o réu afirma não possuir outras provas a
produzir.
Vieram os autos conclusos.
É o
relatório. DECIDO
FUNDAMENTAÇÃO
PRELIMINAR DE INÉPCIA
Sustenta
o requerido em sua contestação de fls. 400-411, a inépcia da inicial sob o
fundamento de que da narração dos fatos não decorre logicamente um pedido na
medida em que a inicial não individualizou as condutas imputadas ao requerido o
que prejudicaria o seu direito de defesa..
Sem
razão.
Com
efeito, observo que a inicial narra logicamente fatos consistentes na realização
de procedimento licitatório eivado de vícios que maculam sua validade
atribuindo-lhe a conotação de uma simulação em prejuízo do princípio da
moralidade, legalidade e da concorrência pública. o que em tese caracterizaria
os atos de improbidade administrativa previstos no art. 10, VIII da LIA cuja
sanções estão previstas no art. 12, II do mesmo diploma.
Portanto,
a inicial apresenta-se como um todo lógico e inteligível e permitiu ao requerido
a correta compreensão da imputação bem como a apresentação de sua defesa de
forma que tenho a inicial como apta para o fim colimado.
Afasto
a preliminar.
DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE
Entendo que o caso é
de julgamento antecipado da lide, uma vez que a questão de mérito, em que pese
ser de fato e direito, está provada documentalmente sendo desnecessária a
produção de qualquer outra prova em audiência a teor do disposto no art. 330, I
do CPC.
Importante frisar,
ainda, que em que pese intimadas, as partes não requereram a produção de provas
em audiências.
DO MÉRITO
A
Improbidade administrativa tem fundamento no art. 37, parágrafo 4º da
Constituição Federal tendo sido regulamentada pela Lei nº 8.429/92 legislação
essa que tipificou em numerus apertus
várias condutas que constituem atos de improbidade administrativa dividindo-as
em três grandes grupos.
O
primeiro grupo é previsto no art. 9º e engloba os atos que causam
enriquecimento ilícito.
O
segundo grupo está previsto no art. 10 e refere-se aos atos que causam prejuízo
ao erário.
O
terceiro, por sua vez, está previsto no art. 11 e diz respeito aos atos que
atentam contra os princípios da administração pública.
O
Ministério Público imputa ao réu a prática de atos de improbidade administrativa
descritos nos artigos 10, VIII do referido diploma legal.
DA FRUSTAÇÃO
DA LICITUDE DO PROCESSO LICITATÓRIO
O
art. 10, VIII, da Lei nº 8429/92 dispõe que constitui ato de improbidade
administrativa que causa lesão ao erário a frustação da licitude do processo
licitatório:
“Art. 10. Constitui ato de
improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão,
dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação,
malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no
artigo 1o desta Lei, e notadamente:
(...)
VIII – frustrar a
licitude de processo licitatório ou dispensa‑lo indevidamente;”
“Frustrar
a licitação, para a Lei nº 8429/92, compreende qualquer conduta de agente
público e/ou competidor, individual ou plural, destinada a desviar a competição
pública pré-processual, transformando o certame de seleção de eventuais
contratantes com o Poder Público em ocasião para favorecimentos, fraudes e toda
espécie de expedientes ilícitos tendentes a prestigiar os interesses
particulares em prejuízo do interesse público.” (FAZZIO JUNIOR, Waldo.
Improbidade Administrativa. 2ª Ed.São Paulo: Atlas, 2014, p.264)
Analisando
os autos verifico que o Ministério Público imputa ao requerido a fraude no
procedimento licitatório da contratação de empresa para o fornecimento de
transporte escolar de alunos da zona Rural de João Lisboa/MA, no ano de 2006,
com recursos oriundos do convênio nº 197/2006 celebrado entre o município de
João Lisboa e o Estado do Maranhão através da Secretaria Estadual de Educação..
Segundo a inicial, o certame licitatório foi realizado com
inúmeros vícios que macularam sua licitude, dentre os quais destaca-se o
descumprimento do art. 22, §3º da Lei nº 8.666/93, uma vez que tendo sido
escolhida a modalidade de licitação CONVITE, as empresas convidadas deveriam
ostentar em seus respectivos contratos sociais o objeto TRANSPORTE ESCOLAR,
porém, nenhuma delas o possuía à época do certame.
Analisando as provas, constato que de fato as licitantes não
poderiam ter sido convidadas ou serem aceitas para concorrerem, pois não
possuíam habilitação técnica na época da licitação, não atuavam no ramo
licitado.
Tais fatos estão demonstrados no autos a partir da simples
verificação dos contratos sociais das empresas M. F. OFFICE SERVICE LTDA (FLS.
340-355), PASA CONSTRUÇÕES E COMERCIO LTDA (fls. 356-363) e NOVA
EMPREENDIMENTOS E CONTRUÇÕES LTDA (fls. 311-339).
Observe-se que a vencedora do certame (NOVA EMPREENDIMENTOS E
CONSTRUÇÕES LTDA) somente veio a ter em seu objeto social o TRANSPORTE ESCOLAR
MUNICIPAL, INTERMUNICIPAL E INTERESTADUAL em 14.04.2011 (fls. 318-321), após a
6ª ALTERAÇÃO do seu objeto social na Junta Comercial do Maranhão, ou seja,
quase 06 (seis) anos após o certame licitatório e a própria prestação do
serviço.
Outro ponto que merece destaque é que o próprio órgão de
controle interno da Secretaria de Educação do Estado, quando da análise da
prestação de contas, já havia identificado tal irregularidade conforme consta
da notificação ao requerido de fls. 51.
Portanto, as provas demonstram que houve, de fato, burla ao
procedimento licitatório já que nenhum dos concorrentes poderiam participar do
certame.
Lado outro, destaco que o dinheiro da licitação foi todo
sacado de uma só vez, mediante cheque para o próprio município de João Lisboa,
conforme cópia do cheque (fls. 152-153) e extratos de fls.158, entretanto, o
próprio representante da empresa, ouvido em sede extrajudicial, nos autos da
investigação, afirma que recebia o dinheiro mensalmente em parcelas. Afirmou
ainda ter prestado o serviço contratado:
“(...); que o declarante jamais recebeu
dinheiro em espécie como pagamento pelo serviço de locação de ônibus; que o
declarante não sabe dizer a origem dos recursos, pois recebia os cheques ou as
ordens bancárias da Prefeitura de João Lisboa/MA; (...) que a locação do
veículo contratada junto à empresa do depoente abrangia apenas o veículo e o
motorista, pois o combustível era custeado pela própria prefeitura; (...) que o
referido veículo foi locado pela empresa do depoente e utilizado para cumprir o
contrato celebrado com a prefeitura de João Lisboa; (..) (ELI COELHO MARINHO,
fls. 367)
Destaco que o réu possuía a guarda e responsabilidade dos
recursos públicos em decorrência de ocupar o cargo de prefeito, ordenador de
despesas, no exercício de 2006.
Portanto, tenho como demonstrados os fatos constitutivos do direito
do autor, na medida em que restou evidenciada a burla ao procedimento
licitatório (CPC, art. 333, I), em que pese não ter conseguido demonstrar o
prejuízo ao erário público, já que não há provas da inexecução do serviço e o
depoimento de fls. 367 demonstra que houve efetiva prestação do mesmo, motivo
pelo qual os fatos devem ser subsumidos ao tipo do art. 11, da LIA, assente que
caracteriza-se como violação dos princípios constitucionais da impessoalidade e
da moralidade administrativa.
O
elemento subjetivo do tipo também restou demonstrado uma vez que agindo como
agiu, restou evidenciado o dolo do agente, caracterizado pela livre e
consciente vontade de frustrar a licitude do procedimento licitatório, mediante
a permissão e habilitação de empresas sem capacidade técnica e que não possuem
como objeto social o serviço licitado, qual seja, FORNECIMENTO DE TRANSPORTE
ESCOLAR MUNICIPAL, maculando dessa forma os princípios da legalidade,
moralidade e concorrência, inviabilizando a efetivação da eficiência
administrativa.
Quanto a alegação constante da contestação de que a
responsabilidade não seria do prefeito, mas sim de sua equipe técnica (Comissão
Permanente de Licitação e Assessoria Jurídica), a mesma não prospera, pois, é o
prefeito quem escolhe tais pessoas para ocupar tais cargos de confiança, motivo
pelo qual, se eventualmente escolheu mal, incide em culpa in elegendo quanto à escolha de seus subornados para cargos de
tamanho relevo e responsabilidade na Administração Pública. Além disso, o réu
participa ativamente do processo licitatório, pois é ele quem homologa o
procedimento (fls. 135), celebra o contrato (fls. 137-140) e determina os
pagamentos.
Observe-se que nos termos do art. 11, caput, da Lei nº 8429/92, o elemento subjetivo do tipo exige o
dolo.
Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA.
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TIPIFICAÇÃO. INDISPENSABILIDADE DO ELEMENTO
SUBJETIVO (DOLO, NAS HIPÓTESES DOS ARTIGOS 9º E 11 DA LEI 8.429/92 E CULPA,
PELO MENOS, NAS HIPÓTESES DO ART. 10). PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA 1ª
SEÇÃO. RECURSO PROVIDO.
(STJ - EREsp: 479812 SP 2007/0294026-8, Relator: Ministro
TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Julgamento: 25/08/2010, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO,
Data de Publicação: DJe 27/09/2010)
Por tais razões, tenho por configurado os atos ímprobos
imputados ao requerido, previstos no art. 11, caput, da Lei nº 8429/92.
DISPOSITIVO
Em razão do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a
presente ação de improbidade administrativa, por ter o réu praticado atos
descritos nos artigos 11, caput, da Lei 8.429/1992, condenando-o nas seguintes
penas:
a) Pelos atos descritos no art. 11, caput, da Lei 8.429/1992,
referentes a frustração da licitude do processo licitatório, condeno o réu: à suspensão dos direitos políticos
pelo prazo de três anos, pela violação aos princípios da impessoalidade e
moralidade administrativa e concorrência hígida em prejuízo da eficiência
administrativa; e à proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de
pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Tendo em vista a sucumbência
do réu, condeno-o ao pagamento das custas processuais. Deixo de condenar em
honorários tendo em vista que o autor é o Ministério Público Estadual.
Publique-se, Registre-se e Intimem-se as partes, inclusive o
Ministério Público.
Intime-se o Ministério Público.
João Lisboa/MA, 14 de janeiro de 2016.
Juiz Glender
Malheiros Guimarães
Titular da 1ª Vara da Comarca de João
Lisboa
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