sábado, 8 de agosto de 2015

SENTENÇA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA EM OBRIGAÇÃO DE FAZER. BOA FÉ OBJETIVA. DESCUMPRIMENTO DE DEVERES ANEXOS. INADIMPLENCIA CONFIGURADA.



Processo nº  180-92.2013.8.10.0038
Exequente: MIGUEL DE SOUZA RESENDE E IRENE MOREIRA DE RESENDE
EXECUTADO: SUZANO PAPEL E CELULOSE SA

Vistos etc.
                         
Trata-se de cumprimento de sentença que homologou transação extrajudicial celebrada entre as partes e submetida a homologação em juízo às fls. 452-459.
A divergência deu-se quanto ao integral cumprimento ou não do item 3.7 – A do acordo supra.
EM audiência realizada às fls. 531-532, as partes requereram suspensão do processo até o dia 12.12.2014, o que foi deferido por este juízo, porém, não tendo obtido êxito conciliatório, foi determinada a realização de perícia, na modalidade vistoria, com o fito de esclarecer se houve o efetivo cumprimento da obrigação de fazer, nos termos constantes do termo de transação homologado judicialmente.
Este juízo apresentou quesitos Às fls. 532.
O exequente apresentou quesitos e indicou assistente técnico às fls. 543-548.
O executado apresentou quesitos e apresentou assistente técnico às fls. 579-580.
Às fls. 581-582, o perito informa o dia e hora da vistoria.
Às fls. 585, este juízo indeferiu a juntada dos quesitos do executado, por intempestivos.
Às fls. 588-602, o perito apresenta o seu laudo.
Às fls. 603, as partes foram intimadas da juntada do laudo pericial e para querendo os assistentes técnicos apresentarem parecer.
Às fls. 607-608, o executado apresenta petição afirmando a tempestividade de seus quesitos.
Às fls. 610-615, os exequentes apresentam manifestação sobre o laudo pericial.
Às fls. 616-621, o executado se manifestou acerca do laudo pericial, suscitando a sua nulidade tendo em vista o não recebimento dos quesitos do executado.
Às fls. 623, reconsiderei a decisão de não recebimento dos quesitos do executado e determinei a complementação do laudo pericial para que fossem respondidos os quesitos do executado.
Às fls. 628-630, o perito respondeu aos quesitos do executado.
Às fls. 632-634, os exequentes manifestaram-se sobre o laudo complementar.
A`S fls. 636-639, os executados também se manifestam quando ao laudo pericial complementar.
Às fls. 640-642, os exequentes comprovam o integral deposítos dos honorários periciais.
Às fls. 645, este juízo determinou a intimação do perito para complementar a resposta ao quesito M apresentado pelos expropriados.
Às fls. 646-649, o perito apresenta a resposta.
Às fls. 656-659, os exequentes manifestam-se acerca deste último laudo.
As fls. 660-661-v, o executado também se manifesta sobre o último laudo.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. DECIDO.

Após conciliarem-se por termo extrajudicial de fls. 452-459, as partes iniciaram nova divergência agora durante a fase do cumprimento da sentença relativamente ao integral cumprimento da obrigação de fazer constante da cláusula 3.7 – A, do supra citado acordo.

O cerne de tal divergência gerou em torno de eventual descumprimento de deveres anexos (derivados do principio da Boa Fé Objetivo conforme preceitua o art. 422 do CC) por parte do executado que teria executado a obra consistente em “uma passagem inferior posicionada transversalmente à linha ferroviária sob a plataforma da estrada com três metros de largura e três metros de altura”, porém, teria deixado de executar “serviços de drenagem de aguas pluviais na área do entorno da obra”.

O princípio da boa-fé objetiva preconiza e exige dos contratantes um padrão concreto de conduta reta, proba, íntegra, zelosa que os contratantes devem guardar entre si sob pena de estarem em última análise descumprindo o contrato. Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery definem:
“A boa fé objetiva impõe ao contratante um padrão de conduta, de modo que deve agir como um ser humano reto, vale dizer, com probidade, honestidade e lealdade. Assim, reputa-se celebrado o contrato com todos esses atributos que decorrem da boa-fé objetiva. Daí a razão pela qual o juiz, ao julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, deve dar por pressuposta a regra jurídica de agir com retidão, nos padrões do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do lugar”.
Numa relação contratual as partes devem agir com zelo, respeito e probidade, considerando não só a letra fria do contrato, mas o exercício regular dos direitos ali previstos, a função social das disposições, e os deveres de agir com retidão, segurança, consideração, informação plena e por vezes o sigilo.
É no contexto do princípio da boa-fé objetiva que surge a necessidade de as partes observarem os chamados deveres anexos, acessórios ou laterais do contrato.
Isso porque num contrato há as chamadas cláusulas centrais ou nucleares que nada mais são do que as principais obrigações das partes dentro do contrato. Desse modo, é dever nuclear do locador de um auditório ceder a posse direta da coisa locada, enquanto que ao locatário incumbe pagar a quantia fixada.
Ocorre que a boa-fé objetiva impõe às partes contratantes deveres que não são os centrais ou nucleares, mas que estão anexos, marginais, laterais ao contrato e que muitas vezes nem sequer foram redigidos.
São obrigações decorrentes justamente daquela justa expectativa que existe em nossas relações sociais de sempre lidar com pessoas íntegras e probas. São deveres de proteção ao contratante.
São deveres que concernem principalmente à segurança do contratante, ao sigilo que resguarda a intimidade e a vida privada do cidadão, à plena informação dos termos contratados, evitando subterfúgios ou penumbras de interpretação no contrato, ao zelo e à lealdade que os contratantes devem guardar um em relação ao outro.
NO presente caso não restam dúvidas de que as cláusulas centrais do negócio jurídico celebrado entre as partes e submetido a homologação judicial foram efetivamente cumpridas, na medida em que o próprio perito em seu laudo de fls. 591, responde afirmativamente ao quesito quanto à construção de “uma passagem inferior posicionada transversalmente à linha ferroviária sob a plataforma da estrada com três metros de largura e três metros de altura”.
Porém, ao ser indagado acerca da viabilidade técnica sobre o ponto de vista da engenharia, o próprio expert responde que “(...) no entanto, não foram executados serviços de drenagem de aguas pluviais na área do entorno da obra, fato que provoca erosões em terrenos adjacentes (foto 1), com depósito de sedimentos em locais impróprios, como na obra executada – superior a 70 cm (foto 2 e 3) e ‘afogamento’ ou entupimento do bueiro existente (seta) ao lado da passagem inferior (foto 4).”(fls. 591)
Por fim, conclui o perito que: “A obra está inviável tecnicamente do ponto de vista da engenharia até que sejam corrigidos os problemas de drenagem das aguas pluviais”(fls. 592)
Destaco que no caso sub exame a obrigação principal constante do negócio jurídico entabulado entre as partes foi cumprida, ao menos em suas disposições centrais, mas ocorreu violação da boa-fé objetiva, por descumprimento dos deveres anexos que integram o negócio jurídico por força deste princípio maior conduzindo-me a conclusão de que houve inadimplemento nos termos do art. 389 do CC.
Situação similar ocorre quando alguém ocorre contrata um pintor para pintar seu apartamento e o mesmo, em que pese ter feito o seu serviço de pintura das paredes, causou danos aos móveis da casa, violando deveres anexos de zelo para com o patrimônio do contratante.
O Conselho da Justiça Federal (Enunciado n.º 24 do Conselho da Justiça Federal, prolatado na 1ª Jornada de Direito Civil.) manifestou-se no sentido de que [...] a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de culpa. Assim, a inobservância de qualquer dos deveres laterais decorrentes da boa-fé objetiva corresponde simplesmente a um inadimplemento por parte do contratante, passível, portanto de condenação no âmbito civil (art. 389).”
Quanto às alegações do executado de que não estaria obrigado a realizar serviços de manutenção da obra, verifico que em verdade, o serviço de drenagem no entorno da passagem inferior – com a construção de canaletas e bueiro em concreto nos moldes existentes na lateral da estrada (conforme solução sugerida pelo perito Às fls. 592) para permitir o direcionamento das águas pluviais ao riacho existente ao lado, desviando do túnel ou passagem inferior, além das demais providencias constantes das fls. 647 e 648 do laudo do perito, não configuram um serviço de manutenção, mas sim, deveres laterais do executado com o fito de garantir a plena utilidade da obra de engenharia contratada entre as partes.
Por outro lado, tratando-se de inadimplemento de obrigação de fazer, aplica-se o disposto no art.. 461, §5º do CPC:
“Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
(...)
§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático  equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.”



Ante o exposto, DETERMINO A INTIMAÇÃO DO EXECUTADO para no prazo de 20 (vinte) ÚTEIS, realizar obras para viabilizar a utilização da PASSAGEM INFERIOR PARA VEÍCULOS OU GADO o ano inteiro, sem assoreamento, consistentes em:

1)     REMOÇÃO E LIMPEZA DE TODO DEPÓSITO DE SEDIMENTOS NO BUEIRO E NA PASSAGEM INFERIOR;
2)     CONSTRUIR SISTEMA DE DRENAGEM SUPERFICIAL PARA AS ÁGUAS PLUVIAIS COM CANALETAS E BUEIRO DE CONCRETO PARA PERMITIR O DIREICIONAMENTO DAS AGUAS PLUVIAIS AO RIACHO EXISTEM AO LADO, DESVIANDO-AS DO TÚNEL OU PASSAGEM INFERIOR;
3)     PREPARAR O TERRENO (250M² PARA CADA LADO EM FORMA TRAPEZOIDAL) NAS ENTRADAS DA PASSAGEM INFERIOR, COM ATERRO LATERÍTICO (PIÇARRA) COMPACTADO E COM SUPERFÍCIE A NÃO PERMITIR EMPOÇAMENTO DE ÁGUAS.
4)     CONSTRUÇÃO DAS “BOCAS” DO BUEIRO DA ESTRADA VICINAL, RETRATADAS NA FOTO DE FLS. 648.

TUDO ISSO, SOB PENA DE MULTA COMINATÓRIA DIÁRIA DE R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos do art. 461, §5º do CPC, a ser revestida em favor do exequente.
Por fim, condeno a executada a pagar ao exequente os honorários periciais já antecipados, devidamente atualizados, bem como as custas e despesas processuais e honorários advocatícios, este no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a teor do disposto no art. 20, §4º do CPC.
P.R.I.
Transitado em julgado, arquivem-se.

João Lisboa/MA, 07 de agosto de 2015.

 


Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa


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