Processo nº 180-92.2013.8.10.0038
Exequente: MIGUEL DE SOUZA RESENDE E
IRENE MOREIRA DE RESENDE
EXECUTADO: SUZANO PAPEL E CELULOSE SA
Vistos etc.
Trata-se de cumprimento de sentença que homologou transação
extrajudicial celebrada entre as partes e submetida a homologação em juízo às
fls. 452-459.
A divergência deu-se quanto ao integral cumprimento ou não do
item 3.7 – A do acordo supra.
EM audiência realizada às fls. 531-532, as partes requereram
suspensão do processo até o dia 12.12.2014, o que foi deferido por este juízo,
porém, não tendo obtido êxito conciliatório, foi determinada a realização de
perícia, na modalidade vistoria, com o fito de esclarecer se houve o efetivo
cumprimento da obrigação de fazer, nos termos constantes do termo de transação
homologado judicialmente.
Este juízo apresentou quesitos Às fls. 532.
O exequente apresentou quesitos e indicou assistente técnico
às fls. 543-548.
O executado apresentou quesitos e apresentou assistente
técnico às fls. 579-580.
Às fls. 581-582, o perito informa o dia e hora da vistoria.
Às fls. 585, este juízo indeferiu a juntada dos quesitos do
executado, por intempestivos.
Às fls. 588-602, o perito apresenta o seu laudo.
Às fls. 603, as partes foram intimadas da juntada do laudo
pericial e para querendo os assistentes técnicos apresentarem parecer.
Às fls. 607-608, o executado apresenta petição afirmando a
tempestividade de seus quesitos.
Às fls. 610-615, os exequentes apresentam manifestação sobre
o laudo pericial.
Às fls. 616-621, o executado se manifestou acerca do laudo
pericial, suscitando a sua nulidade tendo em vista o não recebimento dos
quesitos do executado.
Às fls. 623, reconsiderei a decisão de não recebimento dos
quesitos do executado e determinei a complementação do laudo pericial para que
fossem respondidos os quesitos do executado.
Às fls. 628-630, o perito respondeu aos quesitos do
executado.
Às fls. 632-634, os exequentes manifestaram-se sobre o laudo
complementar.
A`S fls. 636-639, os executados também se manifestam quando
ao laudo pericial complementar.
Às fls. 640-642, os exequentes comprovam o integral deposítos
dos honorários periciais.
Às fls. 645, este juízo determinou a intimação do perito para
complementar a resposta ao quesito M apresentado pelos expropriados.
Às fls. 646-649, o perito apresenta a resposta.
Às fls. 656-659, os exequentes manifestam-se acerca deste
último laudo.
As fls. 660-661-v, o executado também se manifesta sobre o
último laudo.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. DECIDO.
Após conciliarem-se por termo extrajudicial de fls. 452-459,
as partes iniciaram nova divergência agora durante a fase do cumprimento da
sentença relativamente ao integral cumprimento da obrigação de fazer constante
da cláusula 3.7 – A, do supra citado acordo.
O cerne de tal divergência gerou em torno de eventual
descumprimento de deveres anexos (derivados do principio da Boa Fé Objetivo
conforme preceitua o art. 422 do CC) por parte do executado que teria executado
a obra consistente em “uma passagem inferior posicionada transversalmente à
linha ferroviária sob a plataforma da estrada com três metros de largura e três
metros de altura”, porém, teria deixado de executar “serviços de drenagem de
aguas pluviais na área do entorno da obra”.
O
princípio da boa-fé objetiva preconiza e exige dos contratantes um padrão
concreto de conduta reta, proba, íntegra, zelosa que os contratantes devem
guardar entre si sob pena de estarem em última análise descumprindo o contrato.
Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery definem:
“A
boa fé objetiva impõe ao contratante um padrão de conduta, de modo que deve
agir como um ser humano reto, vale dizer, com probidade, honestidade e
lealdade. Assim, reputa-se celebrado o contrato com todos esses atributos que
decorrem da boa-fé objetiva. Daí a razão pela qual o juiz, ao julgar demanda na
qual se discuta a relação contratual, deve dar por pressuposta a regra jurídica
de agir com retidão, nos padrões do homem comum, atendidas as peculiaridades
dos usos e costumes do lugar”.
Numa
relação contratual as partes devem agir com zelo, respeito e probidade,
considerando não só a letra fria do contrato, mas o exercício regular dos
direitos ali previstos, a função social das disposições, e os deveres de agir
com retidão, segurança, consideração, informação plena e por vezes o sigilo.
É
no contexto do princípio da boa-fé objetiva que surge a necessidade de as
partes observarem os chamados deveres anexos, acessórios ou laterais do
contrato.
Isso
porque num contrato há as chamadas cláusulas centrais ou nucleares que nada mais
são do que as principais obrigações das partes dentro do contrato. Desse modo,
é dever nuclear do locador de um auditório ceder a posse direta da coisa
locada, enquanto que ao locatário incumbe pagar a quantia fixada.
Ocorre
que a boa-fé objetiva impõe às partes contratantes deveres que não são os
centrais ou nucleares, mas que estão anexos, marginais, laterais ao contrato e
que muitas vezes nem sequer foram redigidos.
São
obrigações decorrentes justamente daquela justa expectativa que existe em
nossas relações sociais de sempre lidar com pessoas íntegras e probas. São
deveres de proteção ao contratante.
São
deveres que concernem principalmente à segurança do contratante, ao sigilo que
resguarda a intimidade e a vida privada do cidadão, à plena informação dos
termos contratados, evitando subterfúgios ou penumbras de interpretação no
contrato, ao zelo e à lealdade que os contratantes devem guardar um em relação
ao outro.
NO
presente caso não restam dúvidas de que as cláusulas
centrais do negócio jurídico celebrado entre as partes e submetido a
homologação judicial foram efetivamente cumpridas, na medida em que o próprio
perito em seu laudo de fls. 591, responde afirmativamente ao quesito quanto à
construção de “uma passagem inferior posicionada transversalmente à linha
ferroviária sob a plataforma da estrada com três metros de largura e três
metros de altura”.
Porém,
ao ser indagado acerca da viabilidade técnica sobre o ponto de vista da
engenharia, o próprio expert responde
que “(...) no entanto, não foram executados serviços de drenagem de aguas
pluviais na área do entorno da obra, fato que provoca erosões em terrenos
adjacentes (foto 1), com depósito de sedimentos em locais impróprios, como na
obra executada – superior a 70 cm (foto 2 e 3) e ‘afogamento’ ou entupimento do
bueiro existente (seta) ao lado da passagem inferior (foto 4).”(fls. 591)
Por
fim, conclui o perito que: “A obra está inviável tecnicamente do ponto de vista
da engenharia até que sejam corrigidos os problemas de drenagem das aguas
pluviais”(fls. 592)
Destaco
que no caso sub exame a obrigação
principal constante do negócio jurídico entabulado entre as partes foi cumprida,
ao menos em suas disposições centrais, mas ocorreu violação da boa-fé objetiva,
por descumprimento dos deveres anexos que integram o negócio jurídico por força
deste princípio maior conduzindo-me a conclusão de que houve inadimplemento nos
termos do art. 389 do CC.
Situação
similar ocorre quando alguém ocorre contrata um pintor para pintar seu
apartamento e o mesmo, em que pese ter feito o seu serviço de pintura das
paredes, causou danos aos móveis da casa, violando deveres anexos de zelo para
com o patrimônio do contratante.
O
Conselho da Justiça Federal (Enunciado n.º 24 do Conselho da Justiça Federal,
prolatado na 1ª Jornada de Direito Civil.) manifestou-se no sentido de
que [...] a violação
dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independentemente de
culpa. Assim, a inobservância de qualquer dos deveres laterais decorrentes
da boa-fé objetiva corresponde simplesmente a um inadimplemento por parte do
contratante, passível, portanto de condenação no âmbito civil (art. 389).”
Quanto
às alegações do executado de que não estaria obrigado a realizar serviços de
manutenção da obra, verifico que em verdade, o serviço de drenagem no entorno
da passagem inferior – com a construção de canaletas e bueiro em concreto nos
moldes existentes na lateral da estrada (conforme solução sugerida pelo perito
Às fls. 592) para permitir o direcionamento das águas pluviais ao riacho
existente ao lado, desviando do túnel ou passagem inferior, além das demais
providencias constantes das fls. 647 e 648 do laudo do perito, não configuram
um serviço de manutenção, mas sim, deveres laterais do executado com o fito de
garantir a plena utilidade da obra de engenharia contratada entre as partes.
Por outro lado, tratando-se de inadimplemento de obrigação de
fazer, aplica-se o disposto no art.. 461, §5º do CPC:
“Art.
461. Na ação que tenha por objeto o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela
específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências
que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
(...)
§ 5o
Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a
requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso,
busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e
impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força
policial.”
Ante o exposto, DETERMINO A INTIMAÇÃO DO EXECUTADO para no
prazo de 20 (vinte) ÚTEIS, realizar
obras para viabilizar a utilização da PASSAGEM INFERIOR PARA VEÍCULOS OU GADO o
ano inteiro, sem assoreamento, consistentes em:
1) REMOÇÃO E
LIMPEZA DE TODO DEPÓSITO DE SEDIMENTOS NO BUEIRO E NA PASSAGEM INFERIOR;
2)
CONSTRUIR SISTEMA DE DRENAGEM SUPERFICIAL PARA AS ÁGUAS
PLUVIAIS COM CANALETAS E BUEIRO DE CONCRETO PARA PERMITIR O DIREICIONAMENTO DAS
AGUAS PLUVIAIS AO RIACHO EXISTEM AO LADO, DESVIANDO-AS DO TÚNEL OU PASSAGEM
INFERIOR;
3)
PREPARAR O TERRENO (250M² PARA CADA LADO EM FORMA
TRAPEZOIDAL) NAS ENTRADAS DA PASSAGEM INFERIOR, COM ATERRO LATERÍTICO (PIÇARRA)
COMPACTADO E COM SUPERFÍCIE A NÃO PERMITIR EMPOÇAMENTO DE ÁGUAS.
4)
CONSTRUÇÃO DAS “BOCAS” DO BUEIRO DA ESTRADA VICINAL,
RETRATADAS NA FOTO DE FLS. 648.
TUDO ISSO, SOB
PENA DE MULTA COMINATÓRIA DIÁRIA DE R$ 5.000,00 (cinco mil reais), nos termos
do art. 461, §5º do CPC, a ser revestida em favor do exequente.
Por fim,
condeno a executada a pagar ao exequente os honorários periciais já
antecipados, devidamente atualizados, bem como as custas e despesas processuais
e honorários advocatícios, este no valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a
teor do disposto no art. 20, §4º do CPC.
P.R.I.
Transitado
em julgado, arquivem-se.
João Lisboa/MA, 07 de agosto de 2015.
Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa
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