Proc. 669-71.2009.8.10.0038
AÇÃO PENAL
AUTOR: MINISTÉRIO
PÚBLICO
RÉU: FRANCISCO ALVES DE
HOLANDA
SENTENÇA
O MINISTÉRIO PÚBLICO
ESTADUAL propôs a presente ação penal por crime de responsabilidade contra FRANCISCO ALVES DE HOLANDA porque, em
tese, este teria praticado durante o exercício financeiro de 2001 as seguintes
condutas típicas:
1. Apropriar-se de recursos públicos com a utilização de
notas fiscais falsas para prestar contas dos referidos valores;
2. Ultrapassar o limite constitucional de 60% da receita
corrente líquida com pagamento de pessoal.
Sustenta suas afirmações em procedimento administrativo do
Tribunal de Contas do Estado (autos n. 8032/02) e Relatório de Informação
Técnica nº 134/03 – CACOB – DECEAM e Relatório de Informação Técnica Conclusivo
nº 68/05 UTCOG - NACOG, onde o referido
gestor de contas públicas teve suas contas referentes ao exercício 2001
recebido PARECER PRÉVIO PL-TCE Nº 130/2005 pela desaprovação, transitado em julgado (fls. 130).
Ao final requer a condenação do requerido por crime de
responsabilidade previsto no art. 1º, I e III do Decreto-Lei nº 201/67 na forma
do art. 69, caput, do CP.
Às fls. 146, este juízo determinou a notificação do réu apresentação
de sua defesa prévia no prazo de 5 dias (art. 2º do Decreto-Lei nº 201/67).
Às fls. 147, consta certidão do oficial de justiça informando
que o requerido mudou-se para a cidade de Itinga/MA.
Às fls. 324, determinou-se a expedição de carta precatória
com o mesmo fim para a comarca de Itinga/MA.
O requerido foi devidamente notificado às fls. 334, porém,
deixou de apresentar defesa prévia conforme certidão de fls. 335.
Às fls. 336-337, a denúncia foi recebida por este juízo o
qual deixou de decretar a prisão preventiva do mesmo, por entender que não
estavam presentes os requisitos do art. 312 e 313 do CPP; de igual forma
deixou-se de decretar o afastamento do agente do cargo público em razão do réu
não mais ocupar o referido cargo. Por fim, determinou-se a citação do requerido
para responder à acusação.
Devidamente citado, o réu apresentou contestação às fls.
347-355, oportunidade em que sustentou a imprestabilidade do Relatório de
Informações Técnicas nº 134/2003, bem como do próprio PARECER PRÉVIO do TCE/MA
para fins de exercício do Controle Externo das Contas do Município uma vez que
a competência constitucional para tal julgamento seria, exclusivamente, da
Câmara Municipal; que os recursos financeiros do exercício de 2001 foram
aplicados em favor da coletividade de forma que não se pode falar em prejuízos
ao Erário ou à população de João Lisboa; que inexiste prova do dolo do agente;
que os tipos do Decreto Lei nº 201/67 não admitem a figura culposa; que
relativamente à imputação de apropriação de rendas públicas inexiste
comprovação de que tais mercadorias não tenham sido aplicadas em favor da
comunidade; quanto à imputação de desvio ou aplicação indevida de rendas, não
há prova do alegado; que relativamente a este última imputação o analista do
TCE somou despesas com autônomos e prestadores de serviço com despesas de pessoal;
que o TCE não cumpriu com seu dever de advertir o gestor público do atingimento
do percentual de 90% de despesas com pessoal; que o TCE/MA passou mais de um
ano para julgar as contas do ano de 2001, não permitindo ao gestor as soluções
de cortes de despesas previstas na própria LRF para os dois quadrimestres
seguintes; finaliza requerendo a improcedência da ação penal, por ausência de
provas de que o denunciado tenha no exercício financeiro de 2001, se apropriado
de bens ou rendas públicas ou as desviado em proveito próprio ou alheio. Deixou
de arrolar testemunhas.
Juntou cópia do projeto de Lei Orçamentária do ano de
2001.(fls. 357-492).
Às fls. 500, foi expedida carta precatória para a Comarca de
São Luís, para oitivas das testemunhas arroladas na denúncia.
Às fls. 504, o requerido requer a juntada de documentos que
segundo a sua ótica constituiriam fatos modificativos e extintivos do direito
do autor, porém, deixou de especificar de que forma, tendo juntado o decreto
que criou a CPL e cópias de procedimentos licitatórios, dos quais somente tem
relação com o presente feito o constante às fls. 610-631, referente à licitação
vencida pela empresa GIOFARMA, NO VALOR DE R$ 25.000,00. O demais documentos de
fls. 505 a 1271 (exceto 610-631) não guardam qualquer relação com a presente
ação penal.
O Ministério Público se
manifesta às fls. 1275-1278, oportunidade em que requer que seja declarada
intempestiva a resposta escrita do requerido e requer a intimação do advogado
do requerido do dia marcado para oitivas das testemunhas de acusação via
precatória.
Às fls. 1279, o requerido requer a juntada de novos
documentos que comprovariam a realização das despesas tendo juntado o decreto
que criou a CPL e cópias de procedimentos licitatórios, dos quais somente tem
relação com o presente feito o constante às fls. 1340-1370, referente à
licitação vencida pela empresa DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS NOGUEIRA LTDA, NO
VALOR DE R$ 25.000,00. O demais documentos de fls. 1280 A 1562 (exceto
1340-1370) não guardam qualquer relação com a presente ação penal.
Às fls. 1581-1583, procedeu-se à oitiva de três testemunhas,
todos servidores do TCE/MA.
Às fls. 1592, tomou-se por termo o depoimento da testemunha
faltante.
Às fls. 1596-15987, o Ministério Público desistiu da oitiva
da testemunha DOURIVAN NEPOMUCENO MARINHO e reafirmou a impertinência temática
dos documentos anexados com as imputações constantes da denúncia.
Às fls. 1599-v, designou-se audiência para o interrogatório
do réu.
Às fls. 1607, realizou-se o interrogatório do acusado,
oportunidade em que o mesmo negou as imputações que lhes foram feitas afirmando
em relação à suposta apropriação de R$ 50.000,00 que em que pese a constatação
das notas fiscais serem falsas, o processo de licitação foi regular e a empresa
vencedora forneceu toda a medicação; que quanto ao excesso de gastos com
pessoal, afirma que houve uma divergência de interpretação entre os cálculos do
TCE/MA e do setor do contabilidade do município.
O Ministério Público apresentou alegações finais Às fls.
1608-1615, oportunidade em que pugnou pela procedência da denúncia e condenação
do acusado nas penas do art. 1º, I e III do Decreto-Lei nº 201/67 na forma do
art. 69, caput, do CP.
A defesa, por sua vez, em sede de alegações finais às fls.
1616-1625, reafirma sua tese constante da defesa preliminar de fls. 347-355
afirmando imprestabilidade do Relatório de Informações Técnicas nº 448/2005 e
134/03, bem como do próprio PARECER PRÉVIO do TCE/MA para fins de exercício do
Controle Externo das Contas do Município uma vez que a competência
constitucional para tal julgamento seria, exclusivamente, da Câmara Municipal;
que os recursos financeiros do exercício de 2001 foram aplicados em favor da
coletividade de forma que não se pode falar em prejuízos ao Erário ou à população
de João Lisboa; que inexiste prova do dolo do agente; que os tipos do
Decreto Lei nº 201/67 não admitem a figura culposa; que relativamente à
imputação de apropriação de rendas públicas inexiste comprovação de que tais
mercadorias não tenham sido aplicadas em favor da comunidade; quanto à
imputação de desvio ou aplicação indevida de rendas, não há prova do alegado;
que relativamente a este última imputação o analista do TCE somou despesas com
autônomos e prestadores de serviço com despesas de pessoal; que o TCE não
cumpriu com seu dever de advertir o gestor público do atingimento do percentual
de 90% de despesas com pessoal; que o TCE/MA passou mais de um ano para julgar
as contas do ano de 2001, não permitindo ao gestor as soluções de cortes de
despesas previstas na própria LRF para os dois quadrimestres seguintes;
finaliza requerendo a improcedência da ação penal, por ausência de provas de
que o denunciado tenha no exercício financeiro de 2001, se apropriado de bens
ou rendas públicas ou as desviado em proveito próprio ou alheio; que as
testemunhas ouvidas em juízo não especificaram quais seriam as supostas
irregularidades existentes na documentação que embasa a denúncia, tendo as
mesmas se limitado a dizer que tem conhecimento dos fatos; que a testemunha MARIA
LUISA MAIA ARRUDA declarou que nem se recordava do caso; finaliza requerendo
que seja reconhecida a nulidade decorrente da ausência do motivação da decisão
que recebeu a denúncia e no mérito pela improcedência da denúncia por ausência
de provas.
Vieram os autos conclusos.
É o
relatório. DECIDO
FUNDAMENTAÇÃO
QUANTO À
PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA
Em sede de alegações finais, sustenta o requerido a ausência
de fundamentação da decisão que recebeu a denúncia às fls. 336-337.
Sem razão.
Com efeito, cumpre observar que a referida decisão é datada
de 07.04.2011, tendo derivado de uma análise, em juízo de mera prelibação,
porém, cuidadosa, tendo em vista os indícios de autoria e materialidade
delitiva relativos ao crime de responsabilidade imputado ao acusado. A denúncia apresentou
"a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias",
com adequada indicação da conduta ilícita imputada ao recorrente, de modo a
propiciar a ele o pleno exercício do direito de defesa (art. 41 do Código de
Processo Penal ).
O réu já teve inúmeras outras oportunidades de impugna-la,
não o tendo feito, de forma que em que pese não tenha ainda se operado a
preclusão – tendo em vista que alegada antes da prolação de sentença - a
conduta do acusado revela uma incoerência processual ao suscitar tal fato
somente em sede de alegações finais.
Não fosse o suficiente, merece destaque o fato de antes do
seu recebimento, o réu fora devidamente notificado para apresentar alegações
preliminares, porém quedou-se inerte, conforme certidão de fls. 335.
Ademais, a jurisprudência é pacífica no sentido de que a
decisão de recebimento da denúncia prescinde de fundamentação exaustiva:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. RECEBIMENTO DA
DENÚNCIA.FUNDAMENTAÇÃO. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. TRANCAMENTO DA AÇÃOPENAL.
ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA. IMPROCEDÊNCIA. 1. Consoante entendimento
desta Corte e do Pretório Excelso, adecisão de recebimento da denúncia
prescinde de fundamentaçãoexaustiva. Precedentes. 2. O trancamento da ação
penal por meio do habeas corpus é medidaexcepcional, só admissível se emergente
dos autos, de formainequívoca, a ausência de indícios de autoria e de prova
damaterialidade delitivas, a atipicidade da conduta ou a extinção
dapunibilidade, o que inocorre na espécie. 3. No caso, a peça vestibular imputa
ao paciente a conduta de vendere expor a venda, em seu estabelecimento, produto
falsificado,destinado a fins terapêuticos ou medicinais, restando demonstrada
ainautenticidade dos produtos por meio de laudo pericial, preenchendoassim os
requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal epossibilitando a deflagração
penal. 4. Ordem denegada. (STJ - HC: 151406 BA 2009/0207493-3, Relator:
Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 20/10/2011, T6 - SEXTA TURMA, Data
de Publicação: DJe 09/11/2011)
HABEAS CORPUS. DECISÃO QUE MANTÉM O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA.
FUNDAMENTAÇÃO. É dispensável uma fundamentação exaustiva na decisão que mantém
o recebimento da denúncia. Inexistência de constrangimento ilegal. Ordem
denegada. (Habeas Corpus Nº 70042638650, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de
Justiça do RS, Relator: Constantino Lisbôa de Azevedo, Julgado em 29/06/2011)
(TJ-RS - HC: 70042638650 RS , Relator: Constantino Lisbôa de Azevedo, Data de
Julgamento: 29/06/2011, Quarta Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da
Justiça do dia 09/08/2011)
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENAL E PROCESSO
PENAL. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA.
FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. 1. Não há falar em violação do artigo 619 do Código de
Processo Penal na hipótese em que acórdão recorrido utilizou fundamentação
suficiente para solucionar a controvérsia, sem incorrer em omissão,
contradição, obscuridade ou ambiguidade. 2. Afasta-se a alegação de ofensa ao
artigo 6º da Lei nº 8.038/90 se utilizada motivação adequada para o recebimento
de denúncia relativa a processo de competência originária, tendo concluído o
Tribunal pela ausência de elementos que justificassem a rejeição ou a
improcedência da acusação de plano. 3. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg
no Ag: 1360424 SP 2010/0184195-6, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS
MOURA, Data de Julgamento: 18/04/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação:
DJe 29/04/2013)
Portanto, tendo a decisão de recebimento da denúncia como
devidamente fundamentada, motivo pela qual afasto a nulidade suscitada.
DO MÉRITO
QUANTO AO
DELITO DE APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE BENS OU RENDAS PÚBLICAS (art. 1º, I do
Decreto Lei nº 201/1967)
Em
sua inicial, imputa o representante ministerial ao réu a conduta típica de
apropriação de recursos públicos referentes ao exercício financeiro do ano de
2001 num total de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) uma vez que teria prestado
contas junto ao TCE/MA fazendo uso de DUAS notas fiscais falsas emitidas por
empresas inexistentes denominadas GIOFARMA – DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS LTDA
e DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS NOGUEIRA LTDA, no valor unitário de R$
25.000,00 (vinte e cinco mil reais).
Dispõe
o art. 1º, I do Decreto Lei nº 201/1967:
Art. 1º. São crimes de responsabilidade dos Prefeitos
Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do
pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
I – apropriar‑se de bens ou rendas
públicas, ou desviá‑los em proveito próprio ou
alheio;
A
materialidade delitiva encontra-se devidamente demonstrada uma vez que repousa
nos autos cópias das duas notas fiscais falsas emitidas pelas empresas GIOFARMA
– DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS LTDA e DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS NOGUEIRA
LTDA, no valor unitário de R$ 25.000,00 (fls. 75 e 77).
As notas fiscais são falsas porque tais empresas não existem,
de forma que a razão social ou nome da empresa seria divergente do CNPJ e
Inscrição Estadual que pertenceriam a outras empresas que não possuem qualquer
atividade relacionada com o suposto serviço prestado ou bem alienado ao
município, conforme se verifica da resposta da Secretaria Estadual da Fazenda
ao ofício subscrito pelo Ministério Público durante das investigações que
subsidiaram a inicial acusatória do presente feito (fls.128).
Analisando as provas, constato que às fls. 75, foi anexado
aos autos a nota fiscal nº 0291, emitida pela empresa GIOFARMA – DISTRIBUIDORA
DE MEDICAMENTOS LTDA, relativa a compra de medicamentos, datada de 29.06.2001,
num total de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais). Às fls. 77, foi anexado
aos autos a nota fiscal nº 0180, emitida pela empresa DISTRIBUIDORA DE
MEDICAMENTOS NOGUEIRA LTDA, relativa a compra de medicamentos, sem data, num
total de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais).
Entretanto, o Relatório de Informação Técnica Conclusivo nº
68/05 UTCOG-NACOG (fls. 53) constatou que “as
firmas GIOFARMA – DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS LTDA E DISTRIBUIDORA DE
MEDICAMENTOS NOGUEIRA LTDA não possuíam autorização para impressão de
documentos fiscais – AIDF, após consulta ao módulo SIAT, da Gerência da Receita
Estadual – GERE/MA, presumindo tratar-se de documento inidôneo, no que foi
encaminhado para GERE/MA, que confirmou a falsidade das notas fiscais(...)”.
Às fls. 128, a Secretaria de Estado da Fazenda, por sua vez,
em resposta ao ofício nº 169/2009 – 1ªPJJL, subscrito pelo promotor de justiça,
Dr. Tarcísio Bonfim, informa que após análise das notas fiscais e das
informações disponíveis no SISTEMA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA – SIAT desta
Secretaria, constatou que:
- Quanto NF 0291, emitida pela
GIOFARMA – DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS LTDA que tanto o CNPJ quanto a
Inscrição Estadual da nota fiscal pertencem à empresa Comercial Couronapas
LTDA, devidamente habilitada e ativa, com atividade e endereço diferentes
da GIOFARMA, portanto o documento fiscal seria falso e a empresa GIOFARMA–
DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS LTDA, não
existe, tendo sido, ainda, anexado aos autos cópia da Ficha
Cadastral da verdadeira proprietária do CNPJ e Inscrição Estadual
informadas na Nota Fiscal em referência (fls. 133-134).
- Quanto à NF 0180, emitida pela
DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS NOGUEIRA LTDA, que tanto o CNPJ quanto a
inscrição Estadual são inválidos, portanto, o documento é falso e tal
empresa não existe, tendo sido juntado cópia da consulta ao cadastro às
fls. 135-137.
Portanto, a prova anexada aos autos é robusta quanto à utilização de Notas Fiscais falsas
com o objetivo de tentar justificar supostas despesas, num total de R$
50.000,00, efetivadas com recursos públicos quando da prestação de contas junto
ao TCE, de forma que se permitisse o desvio e apropriação de tais valores, em
proveito próprio pelo requerido, destacando-se que o mesmo os possuía sob sua
guarda e responsabilidade em decorrência de ocupar o cargo de prefeito,
ordenador de despesas, no exercício de 2001.
Merece ainda destaque o fato de que as referidas empresas
participaram de licitação da modalidade carta-convite, possuindo, portanto, anteriores cadastros junto ao
município de Joao Lisboa (fls. 1357 e 1359) subscritos pelo próprio acusado, e
ambas empresas fictícias disputaram os processos licitatórios, sendo que em
05.06.2001, foi vencedora a firma fictícia DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS
NOGUEIRA LTDA (FLS. 1340-1370); e em 08.06.2001, foi vencedora a firma fictícia
GIOFARMA – DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS LTDA (FLS. 610-631).
A autoria, por sua vez, também restou evidenciada uma vez que
a prestação de contas do exercício financeiro de 2001 do município de João
Lisboa/MA foi feita pelo requerido que à época ocupava o cargo de prefeito
municipal e ordenador de despesas, conforme se verifica do Relatório de
Informação Técnica nº 134/03 (fls. 10-22) e do próprio interrogatório do
acusado onde o mesmo confessa que era o ordenador de despesas do
município.(fls. 1607).
O elemento subjetivo do
tipo também restou demonstrado uma vez que agindo como agiu, restou evidenciado
o dolo do agente, caracterizado pela livre e consciente vontade de incorporar
ao seu patrimônio verbas públicas, mediante a utilização de notas fiscais
falsas na respectiva prestação de contas com o objetivo de fraudar a
fiscalização do TCE/MA.
Quanto a tese de defesa de que os Relatórios de Informações
Técnicas nº 448/05 e 134/03 e o respectivo Parecer Prévio do TCE seriam
imprestáveis para fins de controle externo, pois a competência para julgamento
das Contas seria da Câmara Municipal, tal fundamentação é imprestável para
afastar eventual tipicidade da conduta do denunciado; quanto a alegação de que
houve aplicação regular dos recursos públicos, as provas dos autos apontam em
sentido contrário já que as referidas despesas foram justificadas com notas
fiscais falsas e de empresas inexistentes; quanto ao elemento subjetivo do
tipo, o mesmo já fora explicitado nas razões supra.
Colaciono precedente em situação análoga:
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE
RESPONSABILIDADE DE PREFEITO. PECULATO-DESVIO. ART. 1º, INC. I, DO DECRETO-LEI
201/67. PRELIMINARES REJEITADAS. PROCESSAMENTO E DENÚNCIA DE EX-PREFEITO POR
CRIME PREVISTO NO DECRETO-LEI 201/67. POSSIBILIDADE. MATÉRIA SUMULADA (SUM.
703/STF). NÃO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA CONTRA OS PRETENSOS CO-AUTORES DO CRIME.
INEXISTÊNCIA DE PROVAS QUANTO À IDENTIFICAÇÃO, ATUAÇÃO E DOLO DE TERCEIROS.
AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE. COMPETÊNCIA DO JUIZ
SINGULAR PARA PROCESSAR E JULGAR EX-PREFEITO. CERCEAMENTO DE DEFESA
INOCORRENTE. PROCEDIMENTO APLICADO ADEQUADAMENTE E SEM SUPRIMIR OU RESTRINGIR
PRAZOS DE DEFESA. INAPLICABILIDADE, NO ÂMBITO DO JUÍZO SINGULAR, DO RITO DA LEI
8038/90. MÉRITO. VERBA RECEBIDA PELO MUNICÍPIO ATRAVÉS DE CONVÊNIO PARA
APLICAÇÃO EM PROGRAMA DE AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE. MATERIALIDADE
COMPROVADA. EXIBIÇÃO DE NOTA FISCAL
FORJADA PARA COMPROVAR PRETENSA AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS. PROVA DOCUMENTAL QUE
DEMONSTRA A FALSIDADE MATERIAL E IDEOLÓGICA DA NOTA FISCAL. DESNECESSIDADE DE
PROVA PERICIAL PARA ATESTAR A FALSIDADE, NO CASO CONCRETO. DESTINAÇÃO REGULAR
OU LÍCITA DA VERBA NÃO DEMONSTRADA. DOLO DO AGENTE EVIDENCIADO. CONDENAÇÃO
CONFIRMADA. DOSIMETRIA DA PENA. NECESSIDADE DE READEQUAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E
PROVIDO EM PARTE. I. "Declarada a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do
art. 84 do CPP, acrescidos pela Lei 10.628/02 (ADIN 2.797/DF), compete ao juiz
singular o julgamento da ação penal de crime praticado por ex-prefeito durante
seu mandato." II. "A extinção do mandato de Prefeito não impede a
instauração de processo pela prática dos crimes previstos no art. 1º do
Decreto-lei 201/1967." III. Não é possível admitir a impunidade de um
pretenso co-autor do delito porque os demais co-autores não foram
identificados. Outrossim, não pode o Ministério Público abusar de suas
prerrogativas e funções, ajuizando ação penal de forma indiscriminada, sem que
haja a devida identificação dos co-autores e sua efetiva vinculação com a
conduta apontada como delituosa. Por isso, não há que se falar em inépcia da
denúncia ajuizada apenas conta parte dos pretensos autores do crime, se
desconhecidos os demais. IV. A adoção do rito ordinário, adaptado àquele
previsto no Decreto-lei 201/67, porque a denúncia imputava ao apelante o
cometimento de crime de responsabilidade cumulado com crime comum previsto no
Código Penal (qual seja, o de uso de documento falso, previsto no art. 304 do
CP) possibilitou ao réu apelante o pleno exercício do direito de ampla defesa.
Não era aplicável no caso a adoção do rito da Lei 8.038/90, porque esta se
aplica aos procedimentos criminais contra autoridades que tramitam
originariamente perante os órgãos colegiados (tribunais) e não perante o Juízo
singular. V. "A defesa preliminar é aplicada nos casos de crimes
funcionais, praticados por funcionário público no exercício de suas funções ou
em razão destas, mas apenas nos casos dos delitos descritos nos art. 312 a art.
326, do Código Penal, que tratam dos crimes funcionais próprios." VI. Caracteriza o crime do art. 1º, inc.
I do Decreto-lei 201/67, o desvio de verba pública, que não foi aplicada na
destinação específica a que se destinava (no caso, fixada em Convênio) nem em
qualquer outra de interesse público, valendo-se o Prefeito de documento
comprovadamente falso (nota fiscal forjada) para tentar simular o emprego
regular do recurso. (TJ-PR - ACR: 4995486 PR 0499548-6, Relator: Lilian
Romero, Data de Julgamento: 18/09/2008, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação:
DJ: 7718)
Portanto,
relativamente ao referido tipo penal, o caso é de procedência da denúncia.
DO EXCESSO
DE GASTOS COM PESSOAL
Sustenta o Ministério Público que o requerido durante a sua
gestão no ano de 2001 procedeu a gastos com despesas de pessoal acima dos
limites preceituados pela legislação de regência, conforme previsão do art. 19,
III da LC nº 101/2000, o qual prevê como limite máximo de gastos com pessoal 60%
da receita corrente líquida, tendo o requerido gasto 63,14%, o que, em tese,
configuraria o delito previsto no art. 1º, III do Decreto Lei nº 201/67:
Art. 1º. São crimes de responsabilidade dos Prefeitos
Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do
pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
(...)
III – desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas
públicas;
Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169
da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em
cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente
líquida, a seguir discriminados:
(...)
III – Municípios: 60% (sessenta por cento).
Por sua vez a mesma LRF estabelece índices máximos de
repartição de limites globais com despesas de pessoal relativamente ao
município estabelecendo o limite de 54% de gasto com pessoal do Executivo e 6%
com gasto de pessoal do Legislativo:
Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não
poderá exceder os seguintes percentuais: (...)
III – na esfera municipal:
a) 6% (seis por cento) para o Legislativo, incluído o
Tribunal de Contas do Município, quando houver;
b) 54% (cinquenta e quatro por cento) para o Executivo.
Analisando as provas anexadas aos autos, observo a partir do
Relatório de Informação Técnica nº 134/03 (fls. 17-18) que a Receita Corrente
Líquida do Município no ano de 2001 foi de R$ 7.098.200,14 e o percentual de
aplicação com pessoal foi de R$ 4.215.079,82, no Poder Executivo (correspondente a 59,38% da
Receita Corrente Líquida) e R$ 267.367,42, no Poder Legislativo (correspondente a 3,76% da
Receita Corrente Líquida), atingindo
um percentual de 63,14% da RCL.
Sendo assim, resta evidenciado que foi ultrapassado o limite
de gastos com pessoal de 60% previsto na LRF.
A ilegalidade resta
evidenciada nos autos pela violação aos princípios da administração pública (
legalidade e moralidade), sendo dispensável a prova do prejuízo.
A conduta do requerido violou o previsto
no art. 19, III da Lei de
Responsabilidade Fiscal, o qual obriga o Poder Executivo a gastar no
máximo 60% da Receita Corrente Líquida com pessoal.
Porém,
é necessária certa prudência na interpretação das normas ali inseridas, já que
sua amplitude importa em risco para o magistrado, induzindo-o a tachar de típicas
condutas puramente irregulares. Assim, deve restar demonstrado dolo, má-fé,
desonestidade do administrador atrelada à afronta a princípio constitucional da
Administração Pública, para se admitir a imposição de penalidades àquele.
Confesso que não detectei, no caso,
dolo, má-fé ou desonestidade do réu, ou seja, não ficou comprovado, por força do artigo 18, § único do CP,
que o ex-Prefeito Municipal de João Lisboa tinha a intenção de aplicar
indevidamente a verba pública para atingir fim ilícito ou proibido quando efetuou
gastos com pessoal 3,14% acima do limite previsto na LRF. Nesse ponto cumpre
destacar que a LFR havia sido publicada um ano antes, sendo, àquela altura,
relativamente nova e impondo várias e novas obrigações aos gestores.
Como
se não bastasse, não consta dos autos nenhum alerta do próprio TCE
relativamente ao atingimento do limite de 90% de gastos com pessoal direcionado
ao Município de João Lisboa, conforme previsão constante do art. 59, §1º, II da
LRF:
Art.
59. O Poder Legislativo, diretamente ou com o auxílio dos Tribunais de Contas,
e o sistema de controle interno de cada Poder e do Ministério Público,
fiscalizarão o cumprimento das normas desta Lei Complementar, com ênfase no que
se refere a:
(...)
§ 1º
Os Tribunais de Contas alertarão os Poderes ou órgãos referidos no art. 20
quando constatarem:
(...)
II –
que o montante da despesa total com pessoal ultrapassou 90% (noventa por cento)
do limite;
Sendo
assim, estou convencido de que se está diante de típico caso de inabilidade ou
incompetência, não de desonestidade ou má-fé.
Sendo
assim, ausente o elemento subjetivo do dolo, presente mera culpa derivada de
imperícia ou imprudência, não tenho como demonstrado todos os elementos do tipo
do art. 1º, III do Decreto-Lei nº 201/67.
DISPOSITIVO
ANTE O EXPOSTO e o que mais dos autos consta JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A DENÚNCIA,
para CONDENAR o réu FRANCISCO ALVES DE HOLANDA, já
qualificado, como incurso nas sanções do art. 1º, I do DECRETO LEI Nº 201/67.
Passo a dosimetria da pena.
Em atenção ao art. 59
e seguintes do Código Penal, especialmente o art. 68 do aludido diploma
legal, que elegeu o Sistema Trifásico de Nelson Hungria para a quantificação
das sanções aplicáveis ao condenado, passo
à fixação da pena:
Quanto à culpabilidade,
o acusado a denotou elevada reprovabilidade, uma vez que usou de complexo
método fraudatório desde o procedimento licitatório até a prestação de contas
para obter a indevida aprovação da verba pública, divorciando-se totalmente do
reto agir. Os antecedentes criminais são
imaculados. Conduta social considerada
normal. A sua personalidade não revela tendência enfermiça. Os motivos
do crime foram reprováveis, eis que só pensou na obtenção do lucro fácil.
As circunstâncias do crime não são favoráveis pois utilizou-se de notas
fiscais falsas e empresas fantasmas para justificar as despesas. As conseqüências
do crime foram graves, tendo em vista que o dinheiro público desviado seria
destinado a compra de medicamentos para o hospital municipal, em prejuízo da
população joaolisboense. Sobre o comportamento da vítima, prejudicado
tendo em vista que a vitíma é a administração pública.
Há preponderância de circunstâncias judiciais favoráveis pelo
que entendo como suficientes para prevenção e reprovação dos delitos a pena
base pelo delito do art. 1º,I do Decreto-Lei nº 201/67 de 06 (seis) anos de reclusão.
Inexistem circunstâncias atenuantes ou agravantes ou causas
de aumento ou diminuição, motivo pelo qual torno definitiva a pena em 06 (seis) anos de reclusão.
Para regime de cumprimento
pena privativa de liberdade acima aplicada fixo o regime semi-aberto, nos termos do que determina o art. 33, §2º, b do CPB.
Incabível o sursis (art. 77, CP) ou a substituição
da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos termos do art. 44
do CPB, diante do quantum de pena aplicada.
Permito ao réu o direito de
recorrer em liberdade, tendo em vista que tenho com desnecessária a decretação
de sua prisão neste momento, estando ausentes dos requisitos da prisão
preventiva previstos no art. 312 e 313 do CPP.
Transitada em julgado a sentença e em atenção ao disposto no
art. 2º do Decreto-Lei nº 201/67:
a) seja lançado o nome do
réu no rol dos culpados nos termos do art. 393, II do CPP, bem como
providenciar o registro no rol dos antecedentes criminais;
b)
oficie-se ao local de cumprimento da pena restritiva de direitos, no sentido de
informar a pena imposta ao réu, bem como que informe este Juízo, mensalmente,
sobre o efetivo cumprimento da mesma;
c)
Oficie-se à Justiça Eleitoral em atenção ao art. 15, III da Constituição
Federal;
d) Deixo de
decretar a perda do cargo de prefeito uma vez que o mandato do acusado já
findou desde 31.12.2004.
e) Declaro
a inabilitação do condenado, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de
cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação.
f) Condeno o sentenciado a reparar o
dano causado ao erário público do município de João Lisboa/MA, no valor de R$
50.000,00 (cinquenta mil reais), devidamente atualizado, podendo eventual
pagamento relativo à ação civil pública por Improbidade Administrativa nº 667-04.2009.8.10.0038, ser compensado com a
presente condenação em reparação civil.
P.R.I.
João
Lisboa/MA, 15 de setembro de 2014.
Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular
da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa
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