sexta-feira, 19 de setembro de 2014

SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. EX-PREFEITO.

Proc. 669-71.2009.8.10.0038
AÇÃO PENAL
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO
RÉU: FRANCISCO ALVES DE HOLANDA


SENTENÇA


O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL propôs a presente ação penal por crime de responsabilidade contra FRANCISCO ALVES DE HOLANDA porque, em tese, este teria praticado durante o exercício financeiro de 2001 as seguintes condutas típicas:
1. Apropriar-se de recursos públicos com a utilização de notas fiscais falsas para prestar contas dos referidos valores;
2. Ultrapassar o limite constitucional de 60% da receita corrente líquida com pagamento de pessoal.

Sustenta suas afirmações em procedimento administrativo do Tribunal de Contas do Estado (autos n. 8032/02) e Relatório de Informação Técnica nº 134/03 – CACOB – DECEAM e Relatório de Informação Técnica Conclusivo nº 68/05 UTCOG - NACOG,  onde o referido gestor de contas públicas teve suas contas referentes ao exercício 2001 recebido PARECER PRÉVIO PL-TCE Nº 130/2005 pela desaprovação,  transitado em julgado (fls. 130).

Ao final requer a condenação do requerido por crime de responsabilidade previsto no art. 1º, I e III do Decreto-Lei nº 201/67 na forma do art. 69, caput, do CP.
Às fls. 146, este juízo determinou a notificação do réu apresentação de sua defesa prévia no prazo de 5 dias (art. 2º do Decreto-Lei nº 201/67).
Às fls. 147, consta certidão do oficial de justiça informando que o requerido mudou-se para a cidade de Itinga/MA.
Às fls. 324, determinou-se a expedição de carta precatória com o mesmo fim para a comarca de Itinga/MA.
O requerido foi devidamente notificado às fls. 334, porém, deixou de apresentar defesa prévia conforme certidão de fls. 335.
Às fls. 336-337, a denúncia foi recebida por este juízo o qual deixou de decretar a prisão preventiva do mesmo, por entender que não estavam presentes os requisitos do art. 312 e 313 do CPP; de igual forma deixou-se de decretar o afastamento do agente do cargo público em razão do réu não mais ocupar o referido cargo. Por fim, determinou-se a citação do requerido para responder à acusação.
Devidamente citado, o réu apresentou contestação às fls. 347-355, oportunidade em que sustentou a imprestabilidade do Relatório de Informações Técnicas nº 134/2003, bem como do próprio PARECER PRÉVIO do TCE/MA para fins de exercício do Controle Externo das Contas do Município uma vez que a competência constitucional para tal julgamento seria, exclusivamente, da Câmara Municipal; que os recursos financeiros do exercício de 2001 foram aplicados em favor da coletividade de forma que não se pode falar em prejuízos ao Erário ou à população de João Lisboa; que inexiste prova do dolo do agente; que os tipos do Decreto Lei nº 201/67 não admitem a figura culposa; que relativamente à imputação de apropriação de rendas públicas inexiste comprovação de que tais mercadorias não tenham sido aplicadas em favor da comunidade; quanto à imputação de desvio ou aplicação indevida de rendas, não há prova do alegado; que relativamente a este última imputação o analista do TCE somou despesas com autônomos e prestadores de serviço com despesas de pessoal; que o TCE não cumpriu com seu dever de advertir o gestor público do atingimento do percentual de 90% de despesas com pessoal; que o TCE/MA passou mais de um ano para julgar as contas do ano de 2001, não permitindo ao gestor as soluções de cortes de despesas previstas na própria LRF para os dois quadrimestres seguintes; finaliza requerendo a improcedência da ação penal, por ausência de provas de que o denunciado tenha no exercício financeiro de 2001, se apropriado de bens ou rendas públicas ou as desviado em proveito próprio ou alheio. Deixou de arrolar testemunhas.
Juntou cópia do projeto de Lei Orçamentária do ano de 2001.(fls. 357-492).
Às fls. 500, foi expedida carta precatória para a Comarca de São Luís, para oitivas das testemunhas arroladas na denúncia.
Às fls. 504, o requerido requer a juntada de documentos que segundo a sua ótica constituiriam fatos modificativos e extintivos do direito do autor, porém, deixou de especificar de que forma, tendo juntado o decreto que criou a CPL e cópias de procedimentos licitatórios, dos quais somente tem relação com o presente feito o constante às fls. 610-631, referente à licitação vencida pela empresa GIOFARMA, NO VALOR DE R$ 25.000,00. O demais documentos de fls. 505 a 1271 (exceto 610-631) não guardam qualquer relação com a presente ação penal.
O Ministério Público  se manifesta às fls. 1275-1278, oportunidade em que requer que seja declarada intempestiva a resposta escrita do requerido e requer a intimação do advogado do requerido do dia marcado para oitivas das testemunhas de acusação via precatória.
Às fls. 1279, o requerido requer a juntada de novos documentos que comprovariam a realização das despesas tendo juntado o decreto que criou a CPL e cópias de procedimentos licitatórios, dos quais somente tem relação com o presente feito o constante às fls. 1340-1370, referente à licitação vencida pela empresa DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS NOGUEIRA LTDA, NO VALOR DE R$ 25.000,00. O demais documentos de fls. 1280 A 1562 (exceto 1340-1370) não guardam qualquer relação com a presente ação penal.
Às fls. 1581-1583, procedeu-se à oitiva de três testemunhas, todos servidores do TCE/MA.
Às fls. 1592, tomou-se por termo o depoimento da testemunha faltante.
Às fls. 1596-15987, o Ministério Público desistiu da oitiva da testemunha DOURIVAN NEPOMUCENO MARINHO e reafirmou a impertinência temática dos documentos anexados com as imputações constantes da denúncia.
Às fls. 1599-v, designou-se audiência para o interrogatório do réu.
Às fls. 1607, realizou-se o interrogatório do acusado, oportunidade em que o mesmo negou as imputações que lhes foram feitas afirmando em relação à suposta apropriação de R$ 50.000,00 que em que pese a constatação das notas fiscais serem falsas, o processo de licitação foi regular e a empresa vencedora forneceu toda a medicação; que quanto ao excesso de gastos com pessoal, afirma que houve uma divergência de interpretação entre os cálculos do TCE/MA e do setor do contabilidade do município.

O Ministério Público apresentou alegações finais Às fls. 1608-1615, oportunidade em que pugnou pela procedência da denúncia e condenação do acusado nas penas do art. 1º, I e III do Decreto-Lei nº 201/67 na forma do art. 69, caput, do CP.
A defesa, por sua vez, em sede de alegações finais às fls. 1616-1625, reafirma sua tese constante da defesa preliminar de fls. 347-355 afirmando imprestabilidade do Relatório de Informações Técnicas nº 448/2005 e 134/03, bem como do próprio PARECER PRÉVIO do TCE/MA para fins de exercício do Controle Externo das Contas do Município uma vez que a competência constitucional para tal julgamento seria, exclusivamente, da Câmara Municipal; que os recursos financeiros do exercício de 2001 foram aplicados em favor da coletividade de forma que não se pode falar em prejuízos ao Erário ou à população de João Lisboa; que inexiste prova do dolo do agente; que os tipos do Decreto Lei nº 201/67 não admitem a figura culposa; que relativamente à imputação de apropriação de rendas públicas inexiste comprovação de que tais mercadorias não tenham sido aplicadas em favor da comunidade; quanto à imputação de desvio ou aplicação indevida de rendas, não há prova do alegado; que relativamente a este última imputação o analista do TCE somou despesas com autônomos e prestadores de serviço com despesas de pessoal; que o TCE não cumpriu com seu dever de advertir o gestor público do atingimento do percentual de 90% de despesas com pessoal; que o TCE/MA passou mais de um ano para julgar as contas do ano de 2001, não permitindo ao gestor as soluções de cortes de despesas previstas na própria LRF para os dois quadrimestres seguintes; finaliza requerendo a improcedência da ação penal, por ausência de provas de que o denunciado tenha no exercício financeiro de 2001, se apropriado de bens ou rendas públicas ou as desviado em proveito próprio ou alheio; que as testemunhas ouvidas em juízo não especificaram quais seriam as supostas irregularidades existentes na documentação que embasa a denúncia, tendo as mesmas se limitado a dizer que tem conhecimento dos fatos; que a testemunha MARIA LUISA MAIA ARRUDA declarou que nem se recordava do caso; finaliza requerendo que seja reconhecida a nulidade decorrente da ausência do motivação da decisão que recebeu a denúncia e no mérito pela improcedência da denúncia por ausência de provas.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. DECIDO

FUNDAMENTAÇÃO

QUANTO À PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA

Em sede de alegações finais, sustenta o requerido a ausência de fundamentação da decisão que recebeu a denúncia às fls. 336-337.
Sem razão.
Com efeito, cumpre observar que a referida decisão é datada de 07.04.2011, tendo derivado de uma análise, em juízo de mera prelibação, porém, cuidadosa, tendo em vista os indícios de autoria e materialidade delitiva relativos ao crime de responsabilidade imputado ao acusado. A denúncia apresentou "a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias", com adequada indicação da conduta ilícita imputada ao recorrente, de modo a propiciar a ele o pleno exercício do direito de defesa (art. 41 do Código de Processo Penal ).
O réu já teve inúmeras outras oportunidades de impugna-la, não o tendo feito, de forma que em que pese não tenha ainda se operado a preclusão – tendo em vista que alegada antes da prolação de sentença - a conduta do acusado revela uma incoerência processual ao suscitar tal fato somente em sede de alegações finais.
Não fosse o suficiente, merece destaque o fato de antes do seu recebimento, o réu fora devidamente notificado para apresentar alegações preliminares, porém quedou-se inerte, conforme certidão de fls. 335.
Ademais, a jurisprudência é pacífica no sentido de que a decisão de recebimento da denúncia prescinde de fundamentação exaustiva:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA.FUNDAMENTAÇÃO. DESNECESSIDADE. PRECEDENTES. TRANCAMENTO DA AÇÃOPENAL. ALEGAÇÃO DE FALTA DE JUSTA CAUSA. IMPROCEDÊNCIA. 1. Consoante entendimento desta Corte e do Pretório Excelso, adecisão de recebimento da denúncia prescinde de fundamentaçãoexaustiva. Precedentes. 2. O trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medidaexcepcional, só admissível se emergente dos autos, de formainequívoca, a ausência de indícios de autoria e de prova damaterialidade delitivas, a atipicidade da conduta ou a extinção dapunibilidade, o que inocorre na espécie. 3. No caso, a peça vestibular imputa ao paciente a conduta de vendere expor a venda, em seu estabelecimento, produto falsificado,destinado a fins terapêuticos ou medicinais, restando demonstrada ainautenticidade dos produtos por meio de laudo pericial, preenchendoassim os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal epossibilitando a deflagração penal. 4. Ordem denegada. (STJ - HC: 151406 BA 2009/0207493-3, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 20/10/2011, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 09/11/2011)

HABEAS CORPUS. DECISÃO QUE MANTÉM O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. FUNDAMENTAÇÃO. É dispensável uma fundamentação exaustiva na decisão que mantém o recebimento da denúncia. Inexistência de constrangimento ilegal. Ordem denegada. (Habeas Corpus Nº 70042638650, Quarta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Constantino Lisbôa de Azevedo, Julgado em 29/06/2011) (TJ-RS - HC: 70042638650 RS , Relator: Constantino Lisbôa de Azevedo, Data de Julgamento: 29/06/2011, Quarta Câmara Criminal, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 09/08/2011)

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PENAL E PROCESSO PENAL. VIOLAÇÃO DO ART. 619 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA. 1. Não há falar em violação do artigo 619 do Código de Processo Penal na hipótese em que acórdão recorrido utilizou fundamentação suficiente para solucionar a controvérsia, sem incorrer em omissão, contradição, obscuridade ou ambiguidade. 2. Afasta-se a alegação de ofensa ao artigo 6º da Lei nº 8.038/90 se utilizada motivação adequada para o recebimento de denúncia relativa a processo de competência originária, tendo concluído o Tribunal pela ausência de elementos que justificassem a rejeição ou a improcedência da acusação de plano. 3. Agravo regimental improvido. (STJ - AgRg no Ag: 1360424 SP 2010/0184195-6, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 18/04/2013, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 29/04/2013)

Portanto, tendo a decisão de recebimento da denúncia como devidamente fundamentada, motivo pela qual afasto a nulidade suscitada.

DO MÉRITO

QUANTO AO DELITO DE APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE BENS OU RENDAS PÚBLICAS (art. 1º, I do Decreto Lei nº 201/1967)

                                   Em sua inicial, imputa o representante ministerial ao réu a conduta típica de apropriação de recursos públicos referentes ao exercício financeiro do ano de 2001 num total de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) uma vez que teria prestado contas junto ao TCE/MA fazendo uso de DUAS notas fiscais falsas emitidas por empresas inexistentes denominadas GIOFARMA – DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS LTDA e DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS NOGUEIRA LTDA, no valor unitário de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais).
                                   Dispõe o art. 1º, I do Decreto Lei nº 201/1967:

Art. 1º. São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
I – apropriarse de bens ou rendas públicas, ou desviálos em proveito próprio ou alheio;

                                   A materialidade delitiva encontra-se devidamente demonstrada uma vez que repousa nos autos cópias das duas notas fiscais falsas emitidas pelas empresas GIOFARMA – DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS LTDA e DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS NOGUEIRA LTDA, no valor unitário de R$ 25.000,00 (fls. 75 e 77).

As notas fiscais são falsas porque tais empresas não existem, de forma que a razão social ou nome da empresa seria divergente do CNPJ e Inscrição Estadual que pertenceriam a outras empresas que não possuem qualquer atividade relacionada com o suposto serviço prestado ou bem alienado ao município, conforme se verifica da resposta da Secretaria Estadual da Fazenda ao ofício subscrito pelo Ministério Público durante das investigações que subsidiaram a inicial acusatória do presente feito (fls.128).
Analisando as provas, constato que às fls. 75, foi anexado aos autos a nota fiscal nº 0291, emitida pela empresa GIOFARMA – DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS LTDA, relativa a compra de medicamentos, datada de 29.06.2001, num total de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais). Às fls. 77, foi anexado aos autos a nota fiscal nº 0180, emitida pela empresa DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS NOGUEIRA LTDA, relativa a compra de medicamentos, sem data, num total de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais).

Entretanto, o Relatório de Informação Técnica Conclusivo nº 68/05 UTCOG-NACOG (fls. 53) constatou que “as firmas GIOFARMA – DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS LTDA E DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS NOGUEIRA LTDA não possuíam autorização para impressão de documentos fiscais – AIDF, após consulta ao módulo SIAT, da Gerência da Receita Estadual – GERE/MA, presumindo tratar-se de documento inidôneo, no que foi encaminhado para GERE/MA, que confirmou a falsidade das notas fiscais(...)”.

Às fls. 128, a Secretaria de Estado da Fazenda, por sua vez, em resposta ao ofício nº 169/2009 – 1ªPJJL, subscrito pelo promotor de justiça, Dr. Tarcísio Bonfim, informa que após análise das notas fiscais e das informações disponíveis no SISTEMA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA – SIAT desta Secretaria, constatou que:

  1. Quanto NF 0291, emitida pela GIOFARMA – DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS LTDA que tanto o CNPJ quanto a Inscrição Estadual da nota fiscal pertencem à empresa Comercial Couronapas LTDA, devidamente habilitada e ativa, com atividade e endereço diferentes da GIOFARMA, portanto o documento fiscal seria falso e a empresa GIOFARMA– DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS LTDA, não existe, tendo sido, ainda, anexado aos autos cópia da Ficha Cadastral da verdadeira proprietária do CNPJ e Inscrição Estadual informadas na Nota Fiscal em referência (fls. 133-134).
  2. Quanto à NF 0180, emitida pela DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS NOGUEIRA LTDA, que tanto o CNPJ quanto a inscrição Estadual são inválidos, portanto, o documento é falso e tal empresa não existe, tendo sido juntado cópia da consulta ao cadastro às fls. 135-137.

Portanto, a prova anexada aos autos é robusta quanto à utilização de Notas Fiscais falsas com o objetivo de tentar justificar supostas despesas, num total de R$ 50.000,00, efetivadas com recursos públicos quando da prestação de contas junto ao TCE, de forma que se permitisse o desvio e apropriação de tais valores, em proveito próprio pelo requerido, destacando-se que o mesmo os possuía sob sua guarda e responsabilidade em decorrência de ocupar o cargo de prefeito, ordenador de despesas, no exercício de 2001.

Merece ainda destaque o fato de que as referidas empresas participaram de licitação da modalidade carta-convite, possuindo, portanto, anteriores cadastros junto ao município de Joao Lisboa (fls. 1357 e 1359) subscritos pelo próprio acusado, e ambas empresas fictícias disputaram os processos licitatórios, sendo que em 05.06.2001, foi vencedora a firma fictícia DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS NOGUEIRA LTDA (FLS. 1340-1370); e em 08.06.2001, foi vencedora a firma fictícia GIOFARMA – DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS LTDA (FLS. 610-631).

A autoria, por sua vez, também restou evidenciada uma vez que a prestação de contas do exercício financeiro de 2001 do município de João Lisboa/MA foi feita pelo requerido que à época ocupava o cargo de prefeito municipal e ordenador de despesas, conforme se verifica do Relatório de Informação Técnica nº 134/03 (fls. 10-22) e do próprio interrogatório do acusado onde o mesmo confessa que era o ordenador de despesas do município.(fls. 1607).

                                    O elemento subjetivo do tipo também restou demonstrado uma vez que agindo como agiu, restou evidenciado o dolo do agente, caracterizado pela livre e consciente vontade de incorporar ao seu patrimônio verbas públicas, mediante a utilização de notas fiscais falsas na respectiva prestação de contas com o objetivo de fraudar a fiscalização do TCE/MA.

Quanto a tese de defesa de que os Relatórios de Informações Técnicas nº 448/05 e 134/03 e o respectivo Parecer Prévio do TCE seriam imprestáveis para fins de controle externo, pois a competência para julgamento das Contas seria da Câmara Municipal, tal fundamentação é imprestável para afastar eventual tipicidade da conduta do denunciado; quanto a alegação de que houve aplicação regular dos recursos públicos, as provas dos autos apontam em sentido contrário já que as referidas despesas foram justificadas com notas fiscais falsas e de empresas inexistentes; quanto ao elemento subjetivo do tipo, o mesmo já fora explicitado nas razões supra.

Colaciono precedente em situação análoga:

APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE RESPONSABILIDADE DE PREFEITO. PECULATO-DESVIO. ART. 1º, INC. I, DO DECRETO-LEI 201/67. PRELIMINARES REJEITADAS. PROCESSAMENTO E DENÚNCIA DE EX-PREFEITO POR CRIME PREVISTO NO DECRETO-LEI 201/67. POSSIBILIDADE. MATÉRIA SUMULADA (SUM. 703/STF). NÃO OFERECIMENTO DA DENÚNCIA CONTRA OS PRETENSOS CO-AUTORES DO CRIME. INEXISTÊNCIA DE PROVAS QUANTO À IDENTIFICAÇÃO, ATUAÇÃO E DOLO DE TERCEIROS. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE. COMPETÊNCIA DO JUIZ SINGULAR PARA PROCESSAR E JULGAR EX-PREFEITO. CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORRENTE. PROCEDIMENTO APLICADO ADEQUADAMENTE E SEM SUPRIMIR OU RESTRINGIR PRAZOS DE DEFESA. INAPLICABILIDADE, NO ÂMBITO DO JUÍZO SINGULAR, DO RITO DA LEI 8038/90. MÉRITO. VERBA RECEBIDA PELO MUNICÍPIO ATRAVÉS DE CONVÊNIO PARA APLICAÇÃO EM PROGRAMA DE AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE. MATERIALIDADE COMPROVADA. EXIBIÇÃO DE NOTA FISCAL FORJADA PARA COMPROVAR PRETENSA AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS. PROVA DOCUMENTAL QUE DEMONSTRA A FALSIDADE MATERIAL E IDEOLÓGICA DA NOTA FISCAL. DESNECESSIDADE DE PROVA PERICIAL PARA ATESTAR A FALSIDADE, NO CASO CONCRETO. DESTINAÇÃO REGULAR OU LÍCITA DA VERBA NÃO DEMONSTRADA. DOLO DO AGENTE EVIDENCIADO. CONDENAÇÃO CONFIRMADA. DOSIMETRIA DA PENA. NECESSIDADE DE READEQUAÇÃO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO EM PARTE. I. "Declarada a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 84 do CPP, acrescidos pela Lei 10.628/02 (ADIN 2.797/DF), compete ao juiz singular o julgamento da ação penal de crime praticado por ex-prefeito durante seu mandato." II. "A extinção do mandato de Prefeito não impede a instauração de processo pela prática dos crimes previstos no art. 1º do Decreto-lei 201/1967." III. Não é possível admitir a impunidade de um pretenso co-autor do delito porque os demais co-autores não foram identificados. Outrossim, não pode o Ministério Público abusar de suas prerrogativas e funções, ajuizando ação penal de forma indiscriminada, sem que haja a devida identificação dos co-autores e sua efetiva vinculação com a conduta apontada como delituosa. Por isso, não há que se falar em inépcia da denúncia ajuizada apenas conta parte dos pretensos autores do crime, se desconhecidos os demais. IV. A adoção do rito ordinário, adaptado àquele previsto no Decreto-lei 201/67, porque a denúncia imputava ao apelante o cometimento de crime de responsabilidade cumulado com crime comum previsto no Código Penal (qual seja, o de uso de documento falso, previsto no art. 304 do CP) possibilitou ao réu apelante o pleno exercício do direito de ampla defesa. Não era aplicável no caso a adoção do rito da Lei 8.038/90, porque esta se aplica aos procedimentos criminais contra autoridades que tramitam originariamente perante os órgãos colegiados (tribunais) e não perante o Juízo singular. V. "A defesa preliminar é aplicada nos casos de crimes funcionais, praticados por funcionário público no exercício de suas funções ou em razão destas, mas apenas nos casos dos delitos descritos nos art. 312 a art. 326, do Código Penal, que tratam dos crimes funcionais próprios." VI. Caracteriza o crime do art. 1º, inc. I do Decreto-lei 201/67, o desvio de verba pública, que não foi aplicada na destinação específica a que se destinava (no caso, fixada em Convênio) nem em qualquer outra de interesse público, valendo-se o Prefeito de documento comprovadamente falso (nota fiscal forjada) para tentar simular o emprego regular do recurso. (TJ-PR - ACR: 4995486 PR 0499548-6, Relator: Lilian Romero, Data de Julgamento: 18/09/2008, 2ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 7718)

 Portanto, relativamente ao referido tipo penal, o caso é de procedência da denúncia.

DO EXCESSO DE GASTOS COM PESSOAL

Sustenta o Ministério Público que o requerido durante a sua gestão no ano de 2001 procedeu a gastos com despesas de pessoal acima dos limites preceituados pela legislação de regência, conforme previsão do art. 19, III da LC nº 101/2000, o qual prevê como limite máximo de gastos com pessoal 60% da receita corrente líquida, tendo o requerido gasto 63,14%, o que, em tese, configuraria o delito previsto no art. 1º, III do Decreto Lei nº 201/67:

Art. 1º. São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipais, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:
(...)
III – desviar, ou aplicar indevidamente, rendas ou verbas públicas;

Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:
(...)
III – Municípios: 60% (sessenta por cento).

Por sua vez a mesma LRF estabelece índices máximos de repartição de limites globais com despesas de pessoal relativamente ao município estabelecendo o limite de 54% de gasto com pessoal do Executivo e 6% com gasto de pessoal do Legislativo:

Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais: (...)
III – na esfera municipal:
a) 6% (seis por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver;
b) 54% (cinquenta e quatro por cento) para o Executivo.

Analisando as provas anexadas aos autos, observo a partir do Relatório de Informação Técnica nº 134/03 (fls. 17-18) que a Receita Corrente Líquida do Município no ano de 2001 foi de R$ 7.098.200,14 e o percentual de aplicação com pessoal foi de R$ 4.215.079,82, no Poder Executivo (correspondente a 59,38% da Receita Corrente Líquida) e R$ 267.367,42, no Poder Legislativo (correspondente a 3,76% da Receita Corrente Líquida), atingindo um percentual de 63,14% da RCL.

Sendo assim, resta evidenciado que foi ultrapassado o limite de gastos com pessoal de 60% previsto na LRF.

                                    A ilegalidade resta evidenciada nos autos pela violação aos princípios da administração pública ( legalidade e moralidade), sendo dispensável a prova do prejuízo.

A conduta do requerido violou o previsto no art. 19, III da Lei de Responsabilidade Fiscal, o qual obriga o Poder Executivo a gastar no máximo 60% da Receita Corrente Líquida com pessoal.

Porém, é necessária certa prudência na interpretação das normas ali inseridas, já que sua amplitude importa em risco para o magistrado, induzindo-o a tachar de típicas condutas puramente irregulares. Assim, deve restar demonstrado dolo, má-fé, desonestidade do administrador atrelada à afronta a princípio constitucional da Administração Pública, para se admitir a imposição de penalidades àquele.
Confesso que não detectei, no caso, dolo, má-fé ou desonestidade do réu, ou seja, não ficou comprovado, por força do artigo 18, § único do CP, que o ex-Prefeito Municipal de João Lisboa tinha a intenção de aplicar indevidamente a verba pública para atingir fim ilícito ou proibido quando efetuou gastos com pessoal 3,14% acima do limite previsto na LRF. Nesse ponto cumpre destacar que a LFR havia sido publicada um ano antes, sendo, àquela altura, relativamente nova e impondo várias e novas obrigações aos gestores.
Como se não bastasse, não consta dos autos nenhum alerta do próprio TCE relativamente ao atingimento do limite de 90% de gastos com pessoal direcionado ao Município de João Lisboa, conforme previsão constante do art. 59, §1º, II da LRF:
Art. 59. O Poder Legislativo, diretamente ou com o auxílio dos Tribunais de Contas, e o sistema de controle interno de cada Poder e do Ministério Público, fiscalizarão o cumprimento das normas desta Lei Complementar, com ênfase no que se refere a:
(...)
§ 1º Os Tribunais de Contas alertarão os Poderes ou órgãos referidos no art. 20 quando constatarem:
(...)
II – que o montante da despesa total com pessoal ultrapassou 90% (noventa por cento) do limite;
Sendo assim, estou convencido de que se está diante de típico caso de inabilidade ou incompetência, não de desonestidade ou má-fé.
Sendo assim, ausente o elemento subjetivo do dolo, presente mera culpa derivada de imperícia ou imprudência, não tenho como demonstrado todos os elementos do tipo do art. 1º, III do Decreto-Lei nº 201/67.
DISPOSITIVO

ANTE O EXPOSTO e o que mais dos autos consta JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A DENÚNCIA, para CONDENAR o réu FRANCISCO ALVES DE HOLANDA, já qualificado, como incurso nas sanções do art. 1º, I do DECRETO LEI Nº 201/67.
Passo a dosimetria da pena.
Em atenção ao art. 59 e seguintes do Código Penal, especialmente o art. 68 do aludido diploma legal, que elegeu o Sistema Trifásico de Nelson Hungria para a quantificação das sanções aplicáveis ao condenado, passo à fixação da pena:

Quanto à culpabilidade, o acusado a denotou elevada reprovabilidade, uma vez que usou de complexo método fraudatório desde o procedimento licitatório até a prestação de contas para obter a indevida aprovação da verba pública, divorciando-se totalmente do reto agir. Os antecedentes criminais são imaculados. Conduta social considerada normal. A sua personalidade não revela tendência enfermiça. Os motivos do crime foram reprováveis, eis que só pensou na obtenção do lucro fácil. As circunstâncias do crime não são favoráveis pois utilizou-se de notas fiscais falsas e empresas fantasmas para justificar as despesas. As conseqüências do crime foram graves, tendo em vista que o dinheiro público desviado seria destinado a compra de medicamentos para o hospital municipal, em prejuízo da população joaolisboense. Sobre o comportamento da vítima, prejudicado tendo em vista que a vitíma é a administração pública.

Há preponderância de circunstâncias judiciais favoráveis pelo que entendo como suficientes para prevenção e reprovação dos delitos a pena base pelo delito do art. 1º,I do Decreto-Lei nº 201/67 de 06 (seis) anos de reclusão.

Inexistem circunstâncias atenuantes ou agravantes ou causas de aumento ou diminuição, motivo pelo qual torno definitiva a pena em 06 (seis) anos de reclusão.

Para regime de cumprimento pena privativa de liberdade acima aplicada fixo o regime semi-aberto, nos termos do que determina o art. 33, §2º, b do CPB.

Incabível o sursis (art. 77, CP) ou a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos nos termos do art. 44 do CPB, diante do quantum de pena aplicada.
Permito ao réu o direito de recorrer em liberdade, tendo em vista que tenho com desnecessária a decretação de sua prisão neste momento, estando ausentes dos requisitos da prisão preventiva previstos no art. 312 e 313 do CPP.

Transitada em julgado a sentença e em atenção ao disposto no art. 2º do Decreto-Lei nº 201/67:

a) seja lançado o nome do réu no rol dos culpados nos termos do art. 393, II do CPP, bem como providenciar o registro no rol dos antecedentes criminais;
b) oficie-se ao local de cumprimento da pena restritiva de direitos, no sentido de informar a pena imposta ao réu, bem como que informe este Juízo, mensalmente, sobre o efetivo cumprimento da mesma;
c) Oficie-se à Justiça Eleitoral em atenção ao art. 15, III da Constituição Federal;
d) Deixo de decretar a perda do cargo de prefeito uma vez que o mandato do acusado já findou desde 31.12.2004.
e) Declaro a inabilitação do condenado, pelo prazo de cinco anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação.
f) Condeno o sentenciado a reparar o dano causado ao erário público do município de João Lisboa/MA, no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), devidamente atualizado, podendo eventual pagamento relativo à ação civil pública por Improbidade Administrativa nº 667-04.2009.8.10.0038, ser compensado com a presente condenação em reparação civil.

P.R.I.
João Lisboa/MA, 15 de setembro de 2014.

Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa


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