terça-feira, 9 de setembro de 2014

SENTENÇA CONDENATÓRIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E PREJUÍZO AO ERÁRIO. PROCEDÊNCIA.

Proc. 667-04.2009.8.10.0038
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO
RÉU: FRANCISCO ALVES DE HOLANDA


SENTENÇA


O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL propôs a presente ação de improbidade administrativa contra FRANCISCO ALVES DE HOLANDA porque, em tese, este teria praticado durante o exercício financeiro de 2001 atos de improbidade administrativa consistentes em:
1. Apropriar-se de recursos públicos com a utilização de notas fiscais falsas para prestar contas dos referidos valores;
2. Ausência de processo licitatório;
3. Ultrapassar o limite constitucional de 60% da receita corrente líquida com pagamento de pessoal.

Sustenta suas afirmações em procedimento administrativo do Tribunal de Contas do Estado (autos n. 8032/02) e Relatório de Informação Técnica nº 134/03 – CACOB – DECEAM e Relatório de Informação Técnica Conclusivo nº 68/05 UTCOG - NACOG,  onde o referido gestor de contas públicas teve suas contas referentes ao exercício 2001 recebido PARECER PRÉVIO PL-TCE Nº 130/2005 pela desaprovação,  transitado em julgado (fls. 108).

Ao final requer a concessão de medida cautelar de indisponibilidade dos bens do réu e sequestro de valores até o montante de R$ 229.740,36 atualizados monetariamente, que corresponderia ao menor valor que o requerido teria que devolver aos cofres públicos, correspondente ao somatório dos valores por si incorporados com dispêndio de dinheiro público sem licitação; e a procedência da ação para condená-lo a devolver ao Município de João Lisboa/MA, a importância de R$ 229.740,36 atualizados monetariamente, bem como a condenação do requerido nos termos do art. 9º, XII (uma vez), 10, VIII (uma vez) e 10, IX (uma vez), aplicando-lhe as cominações descritas no art. 12, I e II da Lei nº 8429/92 e o ônus da sucumbência.

Às fls. 149-v, este juízo determinou a notificação do réu apresentação de sua defesa preliminar.
O Requerido foi devidamente notificado às fls. 160, tendo apresentado manifestação prévia às fls. 161-180, oportunidade em que sustentou em preliminar a prescrição uma vez que o parecer prévio do TCE seria data de 11.05.2005 e a citação do requerido se deu em 22.06.2010; no mérito, afirma que não é razoável a responsabilização do agente político por improbidade administrativa com base apenas nas informações do TCE; que o requerido não possuía nenhuma experiência anterior com prestação de contas; que eventuais vícios devem ser imputados à equipe contábil que assessorava o requerido; que não houve apropriação de bens públicos e inexistem indícios de ser o requerido o autor da falsificação de notas fiscais ou destinatário dos valores de forma que não pode o requerido ser responsabilizado objetivamente; que inexiste dolo na conduta do agente; que não houve aplicação indevida de recursos públicos com despesas de pessoal já que a diferença de apenas 3,14% a mais que a previsão legal é insignificante para a configuração de improbidade administrativa e a própria LRF já prevê mecanismos de correção para esses casos;  Que quanto à imputação de dispensa indevida de licitação e fragmentação de despesas inexistiu qualquer dolo do requerido que seguiu estritamente as orientações de sua equipe técnica; que as compras respeitaram o limite de dispensa de licitação; que nenhum dos atos imputados ao requerido foram praticados com dolo ou má-fé, de forma que não configuram improbidade administrativa; finaliza requerendo o indeferimento da inicial por inépcia já que a mesma não identificou as notas fiscais falsas e omitiu-se em identificar o valor global das despesas tidas por fracionadas ou a extinção do feito pela prescrição; o indeferimento das medidas cautelares pleiteadas e a improcedência da ação.

Às fls. 182, a inicial foi recebida e foi determinada a citação do requerido e do município de João Lisboa.
Às fls. 184-354, o Ministério Público requer a juntada de documentos.
O município foi citado às fls. 359, mas não se manifestou.
Devidamente citado (fls. 367), o réu não apresentou contestação (fls. 368).
Devidamente intimado para manifestação acerca das provas que pretende produzir, o Ministério Público limitou-se a requerer a decretação da revelia e o deferimento da cautelar pleiteada (fls. 369).
Às fls. 376-378, foram deferidas as medidas cautelares de sequestro e indisponibilidade dos bens do requerido.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. DECIDO

FUNDAMENTAÇÃO

Não tendo o réu apresentado contestação, decreto a sua revelia, motivo pelo qual presumo como verdadeiros os fatos articulados na inicial (CPC, art. 319).

DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE

                                   Entendo que o caso é de julgamento antecipado da lide, uma vez que a questão de mérito, em que pese ser de fato e direito, está provada documentalmente sendo desnecessária a produção de qualquer outra prova em audiência a teor do disposto no art. 330, I do CPC.
                                   Não fosse o suficiente, cumpre destacar que o réu é revel. (CPC, art. 330, II).
                                   Importante frisar, ainda, que em que pese intimado o Ministério Público – e revel o requerido - as partes não requereram a produção de provas em audiências. (fls. 369)

PRELIMINAR DE INÉPCIA

                                   Em sua defesa prévia, o requerido sustenta a inépcia da inicial uma vez que a mesma não teria identificado as notas fiscais noticiadas na inicial, bem como deixou de indicar o valor global das despesas tidas pro fracionadas.
                                   Sem razão.
                                   Com efeito, as notas fiscais inquinadas de falsidades foram perfeitamente descritas na inicial e repousam nos autos às fls. 133-134.
                                   Quanto à alegação de omissão do valor global das despesas tidas por fracionadas, observo que a inicial imputa ao requerido a ausência de processo de licitação em dezesseis compras realizadas no ano de 2001 – todas com valores superiores a R$ 8.000,00, limite de dispensa de licitação -  e não o fracionamento de despesas.
                                   Afasto a preliminar.
                                  
DA PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO

                                   Sustenta o réu em sua resposta à notificação prévia a prescrição da presente ação de improbidade administrativa uma vez que quando do oferecimento da presente ação já teria transcorrido o prazo prescricional de 5 anos entre a data da publicação do PARECER PRÉVIO PL – TCE nº 130/2005 (11.05.2005) e a data da citação do requerido.
                                   Sem razão.
                                   Com efeito, conforme explicita o art. 23, I da Lei nº 8429/92, o prazo prescricional somente começa a correr após o término do exercício do mandato, do cargo em comissão ou da função de confiança, in verbis:

Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:
        I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

                                   Por outro lado, o próprio réu confessa em sua defesa prévia, às fls. 162, que o fim do seu mandato ocorreu no final de 2004 (31.12.2004).
                                   Portanto, considerando que a presente ação foi proposta em 10.11.2009, não há que se falar em prescrição.
                                   Rejeito a preliminar argüida.

DO MÉRITO

                                   A Improbidade administrativa tem fundamento no art. 37, parágrafo 4º da Constituição Federal tendo sido regulamentada pela Lei nº 8.429/92 legislação essa que tipificou em numerus apertus várias condutas que constituem atos de improbidade administrativa dividindo-as em três grandes grupos.
                                   O primeiro grupo é previsto no art. 9º e engloba os atos que causam enriquecimento ilícito.
                                   O segundo grupo está previsto no art. 10 e refere-se aos atos que causam prejuízo ao erário.
                                   O terceiro, por sua vez, está previsto no art. 11 e diz respeito aos atos que atentam contra os princípios da administração pública.
                                   O Ministério Público imputa ao réu a prática de atos de improbidade administrativa descritos nos artigos 9º, XII (uma vez), 10, VIII (uma vez) e 10, IX (uma vez) do referido diploma legal.
                                  
DA APROPRIAÇÃO INDEVIDA DE RECURSOS PÚBLICOS

                                   O art. 9º, XI, da Lei nº 8429/92 dispõe que constitui ato de improbidade administrativa que gera enriquecimento ilícito a incorporação ao próprio patrimônio de valores ou verbas públicas:

Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
(...)
XI – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei;

                                   Analisando os autos verifico que o Ministério Público imputa ao requerido a apropriação do valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) relativo à importância constante de duas notas fiscais falsas, emitidas pelas empresas GIOFARMA – Distribuidora de Medicamentos Ltda e Distribuidora de Medicamentos Nogueira Ltda, no valor unitário de R$ 25.000,00, as quais foram utilizadas na prestação de contas de recursos públicos utilizados no exercício 2001.
Segundo a inicial, tais empresas não existem, de forma que a razão social ou nome da empresa seria divergente do CNPJ e Inscrição Estadual que pertenceriam a outras empresas que não possuem qualquer atividade relacionada com o suposto serviço prestado ou bem alienado ao município.
Analisando as provas, constato que às fls. 133, foi anexado aos autos a nota fiscal nº 0291, emitida pela empresa GIOFARMA – DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS LTDA, relativa a compra de medicamentos, datada de 29.06.2001, num total de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais). Às fls. 134, foi anexado aos autos a nota fiscal nº 0180, emitida pela empresa DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS NOGUEIRA LTDA, relativa a compra de medicamentos, sem data, num total de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais).

Entretanto, o Relatório de Informação Técnica Conclusivo nº 68/05 UTCOG-NACOG (fls. 120) constatou que “as firmas GIOFARMA – DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS LTDA E DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS NOGUEIRA LTDA não possuíam autorização para impressão de documentos fiscais – AIDF, após consulta ao módulo SIAT, da Gerência da Receita Estadual – GERE/MA, presumindo tratar-se de documento inidôneo, no que foi encaminhado para GERE/MA, que confirmou a falsidade das notas fiscais(...)”.

Às fls. 131, a Secretaria de Estado da Fazenda, por sua vez, em resposta ao ofício nº 169/2009 – 1ªPJJL, subscrito pelo promotor de justiça, Dr. Tarcísio Bonfim, informa que após análise das notas fiscais e das informações disponíveis no SISTEMA DE ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA – SIAT desta Secretaria, constatou que:

  1. Quanto NF 0291, emitida pela GIOFARMA – DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS LTDA que tanto o CNPJ quanto a Inscrição Estadual da nota fiscal pertencem à empresa Comercial Couronapas LTDA, devidamente habilitada e ativa, com atividade e endereço diferentes da GIOFARMA, portanto o documento fiscal seria falso e a empresa GIOFARMA– DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS LTDA, não existe, tendo sido, ainda, anexado aos autos cópia da Ficha Cadastral da verdadeira proprietária do CNPJ e Inscrição Estadual informadas na Nota Fiscal em referência (fls. 137-139).
  2. Quanto à NF 0180, emitida pela DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS NOGUEIRA LTDA, que tanto o CNPJ quanto a inscrição Estadual são inválidos, portanto, o documento é falso e tal empresa não existe, tendo sido juntado cópia da consulta ao cadastro às fls. 140-141.

Portanto, a prova anexada aos autos é robusta quanto à utilização de Notas Fiscais falsas com o objetivo de tentar justificar supostas despesas, num total de R$ 50.000,00, efetivadas com recursos públicos quando da prestação de contas junto ao TCE, de forma que se permitisse o desvio e apropriação de tais valores, em proveito próprio pelo requerido, destacando-se que o mesmo os possuía sob sua guarda e responsabilidade em decorrência de ocupar o cargo de prefeito, ordenador de despesas, no exercício de 2001.

                                    O elemento subjetivo do tipo também restou demonstrado uma vez que agindo como agiu, restou evidenciado o dolo do agente, caracterizado pela livre e consciente vontade de incorporar ao seu patrimônio verbas públicas, mediante a utilização de notas fiscais falsas na respectiva prestação de contas.

Quanto a alegação constante da defesa prévia de que o Ministério Público não teria identificado os documentos que seriam falseados e que o requerido não seria o autor da falsificação, as mesmas não podem prosperar, pois, em relação à primeira observo que os documentos falsos foram devidamente apontados pelo autor em sua inicial e repousam nos autos às fls. 133 e 134; quanto à segunda alegação, não se imputa ao réu a falsificação do documento, mas sim a utilização do documento falso em sua prestação de contas com o fim de incorporar verba pública ao seu patrimônio. Ademais, não se trata de responsabilidade objetiva, já que o mesmo, na condição de ordenador de despesas, utilizou de forma livre e consciente o dinheiro, e juntou em sua prestação de contas documento falso para justificar a despesa, de forma que se presume a incorporação da verba ao seu patrimônio.

Observe-se que nos termos do art. 10, caput,  da Lei nº 8429/92, o elemento subjetivo do tipo exige o dolo.

Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TIPIFICAÇÃO. INDISPENSABILIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO (DOLO, NAS HIPÓTESES DOS ARTIGOS 9º E 11 DA LEI 8.429/92 E CULPA, PELO MENOS, NAS HIPÓTESES DO ART. 10). PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA 1ª SEÇÃO. RECURSO PROVIDO.

(STJ - EREsp: 479812 SP 2007/0294026-8, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Julgamento: 25/08/2010, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 27/09/2010)


QUANTO À AUSÊNCIA DE PROCESSO LICITATÓRIO

                                   Sustenta o Ministério Público que o requerido, durante a sua gestão no ano de 2001, não realizou licitação para a aquisição de diversos bens, tais como: material para a construção civil, , gêneros alimentícios e material de limpeza, material escolar, material de expediente e medicamentos, tendo listado às fls. 05, todas as despesas com dispensa indevida de licitação, mesmo referindo-se a compras que ultrapassem os limites da licitação dispensada (R$ 8.000,00).
                                   O art. 10, VIII da Lei nº 8429/92 dispõe que constitui ato de improbidade administrativa que causa prejuízo ao Erário frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá­lo indevidamente:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
(...)
 VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá­lo indevidamente;

                                   No presente caso, o Ministério Público lista um total de 16 (dezesseis) contratações que teriam sido levadas a efeito no exercício financeiro de 2001, pelo requerido, sem licitação, o que teria gerado um desvio orçamentário de R$ 229.740,36 (duzentos e vinte e nove mil, setecentos e quarenta reais e trinta e seis centavos).

                                   Fixados tais pontos, passo a aferição da ocorrência ou não de dispensa indevida de licitação.
No presente caso, restou evidenciado que o requerido procedeu a diversas compras que superam em muito àquele limite de dispensa de licitação (R$ 8.000,00) de forma que, diante da inexistência de prévio processo licitatório, tal omissão encontra subsunção no art. 10, VIII da Lei nº 8429/92.

Portanto, restou evidenciado nos autos que a municipalidade de João Lisboa foi lesada no valor de R$ 229.740,36 (duzentos e vinte e nove mil, setecentos e quarenta reais e trinta e seis centavos), correspondente ao somatório das despesas efetuadas com dispensa indevida de licitação.

                                    O elemento subjetivo do tipo também restou demonstrado uma vez que agindo como agiu, restou evidenciado o dolo do agente, caracterizado pela livre e consciente vontade de dispensar indevidamente a licitação, mesmo ciente ilegalidade de sua conduta. Ou, no mínimo, sua culpa in eligendo, culpa grave, ao escolher mal as pessoas que colocou em cargos vitais da administração relativamente à análise jurídica do procedimento de licitação.

Observe-se que nos termos do art. 10, caput,  da Lei nº 8429/92, o elemento subjetivo do tipo satisfaz-se tanto com o dolo quanto com a culpa.

Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TIPIFICAÇÃO. INDISPENSABILIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO (DOLO, NAS HIPÓTESES DOS ARTIGOS 9º E 11 DA LEI 8.429/92 E CULPA, PELO MENOS, NAS HIPÓTESES DO ART. 10). PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA 1ª SEÇÃO. RECURSO PROVIDO.

(STJ - EREsp: 479812 SP 2007/0294026-8, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Julgamento: 25/08/2010, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 27/09/2010)

Quanto a alegação da defesa prévia de que os documentos enviados ao TCE comprovam a realização de licitações, a mesma não pode prosperar, pois o próprio TCE confirma a inexistência de qualquer prova nesse sentido conforme se verifica do Relatório de Informações Técnicas de fls. 21.

DO EXCESSO DE GASTOS COM PESSOAL

Sustenta o Ministério Público que o requerido durante a sua gestão no ano de 2001 procedeu a gastos com despesas de pessoal acima dos limites preceituados pela legislação de regência, conforme previsão do art. 19, III da LC nº 101/2000, o qual prevê como limite máximo de gastos com pessoal 60% da receita corrente líquida:

Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:
(...)
III – Municípios: 60% (sessenta por cento).

Por sua vez a mesma LRF estabelece índices máximos de repartição de limites globais com despesas de pessoal relativamente ao município estabelecendo o limite de 54% de gasto com pessoal do Executivo e 6% com gasto de pessoal do Legislativo:

Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais: (...)
III – na esfera municipal:
a) 6% (seis por cento) para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver;
b) 54% (cinquenta e quatro por cento) para o Executivo.

Analisando as provas anexadas aos autos, observo a partir do Relatório de Informação Técnica nº 134/03 (fls. 24) que a Receita Corrente Líquida do Município no ano de 2001 foi de R$ 7.098.200,14 e o percentual de aplicação com pessoal foi de R$ 4.215.079,82, no Poder Executivo (correspondente a 59,38% da Receita Corrente Líquida) e R$ 267.367,42, no Poder Legislativo (correspondente a 3,76% da Receita Corrente Líquida), atingindo um percentual de 63,14% da RCL.

Sendo assim, resta evidenciado que foi ultrapassado o limite de gastos com pessoal de 60% previsto na LRF.

                                    A ilegalidade resta evidenciada nos autos pela violação aos princípios da administração pública ( legalidade e moralidade), sendo dispensável a prova do prejuízo.

A conduta do requerido violou flagrantemente o previsto no art. 19, III da Lei de Responsabilidade Fiscal, o qual obriga o Poder Executivo a gastar no máximo 60% da Receita Corrente Líquida com pessoal.

Diante disto, entendo ser inquestionável a subsunção do ato do apelante nas hipóteses do art. 11, caput, da Lei n.º 8.429/1992, "in verbis":

"Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência; (...)."
Porém, é necessária certa prudência na interpretação das normas ali inseridas, já que sua amplitude importa em risco para o magistrado, induzindo-o a tachar de ímprobas condutas puramente irregulares. Assim, deve restar demonstrado dolo, má-fé, desonestidade do administrador atrelada à afronta a princípio constitucional da Administração Pública, para se admitir a imposição de penalidades àquele.
Oportuna, nesse momento, a lição de MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, em sua obra Direito Administrativo, 15.ed., p.689, acerca da necessária presença de dolo ou má-fé do agente, em situações como a analisada:
“No caso da lei de improbidade, a presença do elemento subjetivo é tanto mais relevante pelo fato de ser objetivo primordial do legislador constituinte o de assegurar a probidade, a moralidade, a honestidade dentro da Administração Pública. Sem um mínimo de má-fé, não se pode cogitar da aplicação de penalidades tão severas como a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública.”
Recordo, ainda, as palavras da eminente Ministra ELIANA CALMON, no julgamento do REsp n. 534.575-PR, DJ 29.03.2004:
O art. 11 respaldou-se na CF para indicar os deveres impostos ao administrador, destacando-se assim a honestidade, a imparcialidade, a legalidade e a lealdade às instituições.
Entretanto, a conduta comissiva ou omissiva não pode ser culposa, exigindo-se o dolo como elemento subjetivo e indispensável à configuração do tipo. O agente público precisa estar, conseqüentemente, consciente de que viola esses deveres.
Na figura do inciso I, o agente tem por objetivo, ao praticar o ato, atingir um fim ilícito ou proibido, muito embora não haja enriquecimento ilícito capaz de causar prejuízo ao erário. O tipo não contempla tal particularidade, que, se existir, levará a tipificação para os arts. 9º ou 10.
A figura em exame contempla duas situações:
a) o agente pretende atingir um finalidade ilícita;
b) o agente pratica um ato com desvio de finalidade, em outras palavras, o ato é praticado em desacordo com a vontade legal, mas também com consciente violação de um dever. (Destacamos)
Vale conferir julgado do colendo STJ, verbis:
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO ADMINISTRADOR PÚBLICO.
1. A Lei 8.429/92 da Ação de Improbidade Administrativa, que explicitou o cânone do art. 37, § 4º da Constituição Federal, teve como escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos de improbidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art. 9º); b) que causem prejuízo ao erário público (art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), aqui também compreendida a lesão à moralidade administrativa.
2. Destarte, para que ocorra o ato de improbidade disciplinado pela referida norma, é mister o alcance de um dos bens jurídicos acima referidos e tutelados pela norma especial.
3. No caso específico do art. 11, é necessária cautela na exegese das regras nele insertas, porquanto sua amplitude constitui risco para o intérprete induzindo-o a acoimar de ímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público e preservada a moralidade administrativa.
(omissis)
6. É cediço que a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo. Consectariamente, a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela má-fé do administrador. A improbidade administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a desonestidade, o que não restou comprovado nos autos pelas informações disponíveis no acórdão recorrido, calcadas, inclusive, nas conclusões da Comissão de Inquérito. (omissis). (REsp 480387/SP, Ministro LUIZ FUX, DJ 24.05.2004)
De igual forma tem decidido o TJMG:
EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. REPASSE. DUODÉCIMO. ATRASO. DOLO. NEGLIGÊNCIA. DANO PATRIMONIAL. AUSENTES. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
Improcedente a pretensão inicial desta ação civil pública, quando não se verifica prova segura de que o réu, quando no exercício do cargo de Prefeito do Município de Resplendor, agiu com dolo ou negligência ou acarretou prejuízo ao erário, no repasse atrasado de duodécimos à Câmara Municipal, a possibilitar o reconhecimento de improbidade administrativa. Rejeita-se a preliminar e dá-se provimento à apelação. (APELAÇÃO CÍVEL N. 1.0543.04.911037-1/002 - COMARCA DE RESPLENDOR - Relator Desembargador ALMEIDA MELO - Julgamento 23.03.2006 - Data da Publicação: 28.03.2006) (Destacamos)
Confesso que não detectei, no caso, dolo, má-fé ou desonestidade do réu, ou seja, não ficou comprovado, por força do artigo 333, I, do CPC e do artigo 17, § 6º, da Lei n.8.429, de 1992, que o ex-Prefeito Municipal de João Lisboa tinha a intenção de atingir fim ilícito ou proibido quando efetuou gastos com pessoal 3,14% acima do limite previsto na LRF. Nesse ponto cumpre destacar que a LFR havia sido publicada um ano antes, sendo, àquela altura, relativamente nova e impondo várias e novas obrigações aos gestores.
Como se não bastasse, não consta dos autos nenhum alerta do próprio TCE relativamente ao atingimento do limite de 90% de gastos com pessoal direcionado ao Município de João Lisboa, conforme previsão constante do art. 59, §1º, II da LRF:
Art. 59. O Poder Legislativo, diretamente ou com o auxílio dos Tribunais de Contas, e o sistema de controle interno de cada Poder e do Ministério Público, fiscalizarão o cumprimento das normas desta Lei Complementar, com ênfase no que se refere a:
(...)
§ 1º Os Tribunais de Contas alertarão os Poderes ou órgãos referidos no art. 20 quando constatarem:
(...)
II – que o montante da despesa total com pessoal ultrapassou 90% (noventa por cento) do limite;
Sendo assim, estou convencido de que se está diante de típico caso de inabilidade ou incompetência, não de desonestidade.
Sendo assim, ausente o elemento subjetivo do dolo, presente mera culpa derivada de imperícia ou imprudência, não tenho como demonstrado todos os elementos do tipo do art. 11 da Lei nº 8429/92.
DISPOSITIVO


Em razão do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação de improbidade administrativa, por ter o réu praticado atos descritos nos artigos 9º, XI e 10, VIII, todos da Lei 8.429/1992, condenando-o nas seguintes penas:

a)     Pelos atos descritos no art. 9º, XI, da Lei 8.429/1992, referentes a apropriação indevida de recursos públicos, a ressarcir ao MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA/MA a quantia correspondente ao prejuízo sofrido pela municipalidade, num total de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, a contar desde a data das supostas compras (29.06.2001), a teor do art. 398 do CC e das Súmulas n. 43 e 54 do E. STJ. Condeno o réu ainda: à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de oito anos, pela gravidade do ato que configura inclusive delito de peculato-apropriação em prejuízo da saúde pública municipal; ao pagamento de multa civil no montante correspondente a duas vezes o valor do acréscimo patrimonial (prejuízo sofrido pelo município); e, por fim, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.
b)    Pelos atos descritos no art. 10, VIII, da Lei 8.429/1992, referentes a ausência de processo licitatório (dispensa indevida de licitação), a ressarcir ao MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA/MA a quantia correspondente ao prejuízo sofrido pela municipalidade, num total de R$ 229.740,36 (duzentos e vinte e nove mil, setecentos e quarenta reais e trinta e seis centavos), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, a contar desde a data de cada dispensa indevida de licitação, a teor do art. 398 do CC e das Súmulas n. 43 e 54 do E. STJ. Condeno o réu ainda: à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, pela gravidade do ato que ofendeu o direito a livre concorrência, impedindo-a; ao pagamento de multa civil no montante correspondente a duas vezes o prejuízo sofrido pelo município; e, por fim, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. Indefiro o pedido de perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do réu por não ter restado provado a incorporação dos valores supra ao patrimônio do requerido.

Em face do resultado do julgamento, confirmo os efeitos da cautelar de indisponibilidade dos bens do requerido deferida às fls. 376-378-v, fixando, entretanto, o quantum indisponível para o valor de R$ 900.000,00 (novecentos mil reais), valor aproximado do somatório das condenações para tornar indisponíveis os bens imóveis do réu, eventualmente existentes nesta comarca e em outras comarcas, para garantir eventual ressarcimento ao erário público, em montante suficiente para suportar o pagamento de R$ 900.000,00 (novecentos mil reais), valor aproximado do somatório das condenações.

Oficie-se ao cartório de registro de imóveis local,  da Comarca de Imperatriz, Grajaú/MA e São Luís/MA para que averbe à margem dos registros de imóveis eventualmente em nome do réu, a indisponibilidade dos referidos bens.

A liquidação da presente sentença dar-se-a por simples cálculos a cargo do autor.
Tendo em vista a sucumbência do réu, condeno-o ao pagamento das custas processuais. Deixo de condenar em honorários tendo em vista que o autor é o Ministério Público Estadual.

Publique-se, Registre-se e Intimem-se as partes, inclusive o Ministério Público.

Intime-se o Ministério Público.

                                    
João Lisboa/MA, 03 de setembro de 2014.

 



Juiz Glender Malheiros Guimarães


Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa

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