PROCESSO
N.º 171/2008
AUTOR:
MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
RÉU:
VALDEMIR DA SILVA AZEVEDO, PEDRO DOS
SANTOS DA SILVA, CLESO HOLANDA COELHO E JEAN CLAUDE DOS REIS APINAGÉ
S E
N T E N Ç A
I- RELATÓRIO
O Ministério Público Estadual, através de seu
representante legal, no uso de suas atribuições legais e constitucionais,
ofereceu denúncia em face de VALDEMIR
DA SILVA AZEVEDO, PEDRO DOS SANTOS DA SILVA, CLESO HOLANDA COELHO E JEAN CLAUDE
DOS REIS APINAGÉ, qualificados às fls. 02, como incurso nas
sanções art. 1º, I, alínea “a” e II, C/C §4º, I, todos da Lei nº 9455/97 em
relação à vítima DIORLEY FERREIRA DA SILVA e art. 1º, I, alínea “c” c/c §4º, I
da Lei nº 9455/97 em relação à vítima OSEIAS SILVA LIMA, na forma do art. 69 do
CPB, com arrimo nos fatos que seguem.
“consta
das peças de informações em apenso, que no dia 17 de setembro de 2007, por
volta das 12:00 horas, na Vila Tiburcio, neste município, os denunciados, no
exercício de suas funções, com identidade e unidade de propósitos, efetuaram
prisão ilegal, bem como torturaram Oseias Silva Lima E Diorley Ferreira da
Silva, causando às vítimas sofrimento físico e mental, mediante espancamento,
no primeiro, objetivando colher informações, e como forma de aplicar-lhe
castigo pessoal, e no segundo, em razão de preconceito racial.
(...)
Diorley,
que se encontrava trabalhando como pedreiro, logo que abordado se identificou.
Após, indagado sobre o paradeiro da referida arma, respondeu ao grupo fardado.
Contudo,
mesmo diante da resposta, os denunciados começaram a espancar Diorley, dando
socos e pauladas, notadamente, na região peitoral e costas, indagando sobre a
arma de fogo usada no crime praticado na noite anterior, bem como lhe
castigando pelo cometimento do fato ilícito desenvolvido, que trouxe medo e
insegurança à população.
Ato
contínuo, os denunciados também passaram a agredir fisicamente a vítima Ozeias,
que estava no interior da residência, na companhia de Diorley, sempre se
referindo ao mesmo como ‘nego sem vergonha’
Inicialmente,
os denunciados deram um soco na boca de Oseias, que logo foi derrubado ao chão,
passando a receber chutes em um dos joelhos. Depois começaram a bater com um
pedaço de pau, inclusive na cabeça.(...)”
A
denuncia foi recebida às fls. 64, tendo sido determinada a citação dos réus
para o interrogatório.
Às
fls. 95-112, os réus foram interrogados
oportunidade em que negaram os fatos que lhe são imputados, porém confirmaram
que participaram de uma operação policial realizada na Vila Tiburcio, no dia
dos fatos, com o objetivo de localizar e prender DIORLEY que no dia anterior
estaria portando arma de fogo e ameaçando terceiros na localidade. Todos negam
as agressões contra Diorley e justificam os ferimentos na vítima OSEIAS pelo
fato de o mesmo ter tentado impedir a prisão de Diorley, vindo a travar luta
corporal com os policiais. Que negam ainda que as agressões a Oseias tenham
sido pelo fato de o mesmo ser negro.
Às
fls. 137, os acusados apresentaram defesa prévia, oportunidade em que se
reservou para apreciar o mérito no momento das alegações finais, tendo arrolado
testemunhas.
Às
fls. 145 foi designada audiência de instrução a qual se realizou às fls.
187-195, oportunidade em que foram ouvidas a VÍTIMA OSEIAS e a testemunha MARIA
DE JESUS LIMA.
Às
fls. 202-212, consta a audiência de continuação oportunidade em que foram
ouvidas duas testemunhas de acusação e uma de defesa.
Às
fls. 214-307, foi anexada aos autos cópia da sindicância administrativa
efetivada pela PMMA.
Às
fls. 335, consta certidão dando conta da não intimação da vitima DIORLEY, tendo
em vista que o mesmo encontra-se foragido da Delegacia Regional de Imperatriz.
Procedeu-se
a inúmeras outras diligências no sentido de localizar a vítima Diorley, todas
em vão uma vez que o mesmo encontra-se foragido e em local incerto e não
sabido, conforme certidão de fls. 463.
Às
fls. 465, determinei o encerramento da instrução processual e a intimação das
partes para apresentação de alegações finais.
Às
fls. 466-469-v, o representante do Ministério Público apresentou alegações
finais requerendo a condenação dos acusados nos termos da denúncia acrescida,
ainda, do delito do art. 4º, I da Lei nº 4868/65.
Às
fls. 472-481, a defesa requer a absolvição dos acusados por insuficiência de
provas e, alternativamente, afirma que as provas indicam tão somente a autoria
do delito para o acusado JEAN APINAGE, sem imputação de fatos delituosos a
outros policiais. Ademais, tais fatos não chegariam a guardar tipicidade com o
delito de tortura, mas tão somente com o delito de lesão corporal leve, uma vez
que não restou demonstrado nos autos a elementar do “intenso sofrimento físico
ou mental” já que as lesões supostamente produzidas são todas de natureza leve,
devendo ser aplicado o princípio do in
dubio pro reu.
É o
relatório, passo a decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO.
QUANTO AO DELITO DE TORTURA QUE TERIA
VITIMADO OSEIAS SILVA LIMA
Aos réus, o Ministério Público imputa o delito de tortura
em razão de discriminação racial ou religiosa, previsto no art. 1º, I, c da Lei nº 9455/97, contra a vítima
OSEIAS SILVA LIMA.
Dispõe o referido dispositivo:
Art. 1o Constitui crime de tortura:
I – constranger alguém com emprego de violência ou grave
ameaça, causando‑lhe
sofrimento físico ou mental:
(...)
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
(...)
Pena – reclusão, de dois a oito anos.
A materialidade delitiva restou demonstrada a partir do
depoimento da própria vítima (fls. 189-192) e das testemunhas MARIA DE JESUS
SILVA LIMA e JOSE DIOMAR CARREIRO FILHO, uma vez que os dois primeiros
descrevem a abordagem policial, sendo que a vítima relata que sofreu um soco na
boca e um chute no joelho direito. Também demonstram a materialidade o exame de
corpo de delito de fls. 61, bem como as fotografias de fls. 130-136.
A
autoria, por sua vez, também restou indene de dúvidas já que a própria vítima
reconheceu o acusado JEAN CLAUDE DOS REIS APINAGE como sendo o policial que lhe
desferiu socos na boca, chutou seu joelho direito e desferiu pauladas. A
participação dos demais acusados também fora relatada pela vítima uma vez que
segundo o seu depoimento, os outros três policiais seguraram arma de fogo
apontando-as para o depoente para impedir eventual fuga:
“(...)
que os policiais perguntaram ao depoente onde estava a arma, tendo o depoente
respondido que não sabia de arma; que os policiais deram o soco na boca do
depoente e o revitaram, depois deram um chute no joelho direito do depoente;
que depois disso os policiais pegaram um pedaço de pau e bateram no Diorley e
no depoente; que o depoente reconhece o acusado Jean aqui presente como sendo o
policial que lhe deu um soco na boca, um chute no joelho e lhe espancou com um
pedaço de pau; que a participação dos outros três policiais consistiu em
segurar a arma de fogo para o depoente como forma de coibir eventual fuga do
depoente(...) que durante a agressão um dos policiais chamou o depoente de
‘NEGRO SEM VERGONHA’, mas o depoente não sabe dizer qual foi o policial que
disse isso (...)” (DECLARAÇÕES DA VÍTIMA OSEIAS SILVA LIMA, fls. 189)
Entretanto,
observo que o Ministério Público incide em erro ao proceder à subsunção dos
fatos ao tipo penal.
É
que o delito do art. 1º, I, c da Lei
nº 9455/97, exige para a sua configuração um elemento subjetivo do tipo
específico: “por motivo de discriminação racial ou religiosa”.
Tal
elemento subjetivo específico não restou demonstrado nos autos.
Durante
a instrução, somente a vítima fez referência a possível discriminação afirmando
que ‘durante a agressão um dos policiais chamou o depoente de negro sem
vergonha’.
A
própria mãe da vítima em seu depoimento às fls. 193, nega que tenha escutado
tal frase preconceituosa.
Mas,
cumpre destacar que ainda que se considere que de fato um dos policiais tenha
se referido a vítima como ‘negro sem vergonha” tal fato não revela que o motivo
do eventual espancamento da vítima tenha sido pelo fato de a mesma ser negra,
de forma que não restou demonstrado o dolo específico de tal delito.
Como
argumento de reforço, cumpre destacar que no seu interrogatório um dos
policiais destaca que ambas as vítimas, em que pese serem mestiços, tem cor da
pele mais clara que a sua própria pele, o que revela a incoerência de tal
imputação:
“(...)
que tanto Oseias quanto Diorley são de cor morena, mas de tom mais claro que o
depoente(...) (interrogatório de VALDEMIR DA SILVA AZEVEDO, FLS. 98)
Portanto,
entendo que o caso é de aplicação da chamada emendatio libelli, prevista no
art. 383, caput, do CPP:
“Art.
383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa,
poderá atribuir‑lhe
definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena
mais grave.
§ 1o
se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de
proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o
disposto na lei.”
Conforme
anotado por ANTONIO LUIZ DA CAMARA LEAL, “a
denuncia ou a queixa não firmam para o acusado o direito a uma condenação mais
benigna, assim como não o acorrentam a uma condenação mais grave, desde que as
provas coligidas durante a instrução criminal imponham diversa classificação do
delito, quer para suavizá-lo, quer para agravá-lo. O juiz não deve basear-se
nos termos da acusação, mas no que ficar apurado a favor ou contra o acusado,
tendo em vista os vários elementos de convicção colhidos no processo” (COMENTÁRIOS
AO CODIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO, V.3, P.13)
Por
conseguinte, dou nova definição aos fatos articulados na inicial acusatória
para subsumi-los ao delito de abuso de autoridade previsto no art. 3º, i e art. 4º, I, ambos da Lei nº 4898/65:
“Art.
3o Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
(...)
i) à
incolumidade física do indivíduo;”
(...)
“Art.
4o Constitui também abuso de autoridade:
a)
ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as
formalidades legais ou com abuso de poder;
(...)”
QUANTO AO DELITO DE TORTURA QUE TERIA
VITIMADO DIORLEY FERREIRA DA SILVA PREVISTO NO ART. 1º, I, ‘a’ da Lei nº
9455/97.
Da
Imputação Inicial.
Aos réus VALDEMIR
DA SILVA AZEVEDO, PEDRO DOS SANTOS DA SILVA, CLESO HOLANDA COELHO E JEAN CLAUDE
DOS REIS APINAGÉ, o Ministério Público imputa a prática do crime previsto
no art. 1º, I, a da Lei nº 9455/97
contra a vítima DIORLEY FERREIRA DA SILVA.
Dispõe
o art. 1º, I, a, da Lei nº 9455/97:
“Art. 1º Constitui
crime de tortura:
I – constranger alguém com emprego de
violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a)
com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira
pessoa;”
A
inicial acusatória imputa a conduta de o acusado após indagação policial acerca
do paradeiro de uma arma de fogo utilizada na prática de crime no dia anterior,
e após a devida resposta acerca da localização do objeto, ter sido espancado a
socos e pontapés, na região peitoral e costas.
A materialidade delitiva restou demonstrada a partir do exame
de corpo de delito de fls. 20 que comprova que a vítima sofreu lesões corporais
leves decorrentes de agressão física, consistente em “hematoma de três
centímetros na região inguinal esquerda, escoriações no ombro esquerdo e região
escapular, pequeno hematoma no couro cabeludo.
A vítima OSEIAS SILVA LIMA, às fls. 189, confirma que os
policiais pegaram um pedaço de pau e bateram no Diorley.
A
autoria, entretanto, não ficou bem evidenciada, uma vez que nenhuma das
testemunhas ouvidas em juízo souberam apontar qual dos agentes denunciados
praticou as agressões contra a vítima DIORLEY.
A
vítima Diorley não chegou a ser ouvida em juízo, por se encontrar foragida, em
local incerto e não sabido, mas durante a investigação limitou-se a imputar as
agressões sofridas ao policiais, sem descrever a conduta de cada um deles.
“(...)
que perguntaram quem era Diorley; que o declarante respondeu que se tratava do
próprio; que logo perguntaram pela arma de fogo e deram o soco nas costa do
declarante; que o declarante disse que estava na sua casa, no Brejão; (...) que
logo algemaram o declarante e lhe deram várias pauladas, tanto no peito como
nas costas (...)” (DECLARAÇÕES DA VÍTIMA DIORLEY FERREIRA DA SILVA em sede de
investigação administrativa pelo MP, fls. 11)
Entretanto,
observo que o Ministério Público incide em erro ao proceder à subsunção dos
fatos ao tipo penal.
É
que o delito do art. 1º, I, a da Lei
nº 9455/97, exige para a sua configuração um elemento subjetivo do tipo
específico: “obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira
pessoa”.
Tal
elemento subjetivo específico não restou demonstrado nos autos.
Analisando
as provas trazidas as aos não restou configurado que a vítima Diorley tenha
sofridos as agressões com o fito de informar aos policiais a localização da
arma de fogo utilizada na perpetração dos delitos no dia anterior.
Conforme
se verifica da declaração acima, da própria vítima em sede administrativa, a
mesma logo que indagada já informou aos policiais a localização da referida
arma de fogo.
Tal
versão também é corroborada pela outra vítima em suas declarações:
“(...)que
em certo momento chegou os policiais na casa do depoente perguntando por
Diorley, tendo Diorley se apresentado à polícia; que os policiais perguntaram a
Diorley por uma arma de fogo, e Diorley disse que não estava com ele no
momento, mas estava em sua casa(...) que depois disso os policiais pegaram um
pedaço de pau e bateram no Diorley e no depoente (..) (DEPOIMENTO DE OSEIAS
SILVA LIMA, fls. 189)
Portanto,
não se pode concluir que a vítima sofreu agressões físicas com o fim precípuo
de informar os agentes acerca da localização da arma de fogo, já que os
policiais já estavam cientes de tal localização desde o momento em que
indagaram a vítima a primeira vez, de forma que não se pode reconhecer o
elemento subjetivo específico do referido tipo penal.
Portanto,
entendo que o caso é de aplicação da chamada EMENDATIO LIBELLI, prevista no
art. 383, caput, do CPP:
“Art.
383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa,
poderá atribuir‑lhe
definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena
mais grave.
§ 1o
se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de
proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o
disposto na lei.”
Conforme
anotado por ANTONIO LUIZ DA CAMARA LEAL, “a
denuncia ou a queixa não firmam para o acusado o direito a uma condenação mais
benigna, assim como não o acorrentam a uma condenação mais grave, desde que as
provas coligidas durante a instrução criminal imponham diversa classificação do
delito, quer para suavizá-lo, quer para agravá-lo. O juiz não deve basear-se
nos termos da acusação, mas no que ficar apurado a favor ou contra o acusado,
tendo em vista os vários elementos de convicção colhidos no processo”
(COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO, V.3, P.13)
Por
conseguinte, dou nova definição aos fatos articulados na inicial acusatória
para subsumi-los ao delito de abuso de autoridade previsto no art. 3º, i da Lei nº 4898/65:
“Art.
3o Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
(...)
i) à
incolumidade física do indivíduo;”
(...)
Não
reconheço como devidamente demonstrada a ilegalidade da restrição da liberdade
da referida vítima, uma vez que no dia anterior estava praticando delitos nas
proximidades do local onde foi presa, podendo, em tese, restar configurada a
situação do chamado flagrante impróprio, prevista no art. 302 do CPP.
QUANTO
AO DELITO DE TORTURA QUE TERIA VITIMADO DIORLEY FERREIRA DA SILVA PREVISTO NO
ART. 1º, II, da Lei nº 9455/97.
Da
Imputação Inicial.
Aos réus VALDEMIR
DA SILVA AZEVEDO, PEDRO DOS SANTOS DA SILVA, CLESO HOLANDA COELHO E JEAN CLAUDE
DOS REIS APINAGÉ, o Ministério Público imputa a prática do crime previsto
no art. 1º, II, da Lei nº 9455/97 contra a vítima DIORLEY FERREIRA DA SILVA.
Dispõe
o art. 1º, II da Lei nº 9455/97:
“Art. 1o Constitui
crime de tortura:
(...)
II – submeter
alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave
ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de
aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena – reclusão, de
dois a oito anos.”
A
inicial acusatória imputa a conduta de o acusado após indagação policial acerca
do paradeiro de uma arma de fogo utilizada na prática de crime no dia anterior,
e após a devida resposta acerca da localização do objeto, ter sido espancado a
socos e pontapés, na região peitoral e costas, bem como lhe castigando pelo
cometimento do fato ilícito desenvolvido, que trouxe medo e insegurança à
população.
A materialidade delitiva restou demonstrada a partir do
exame de corpo de delito de fls. 20 que comprova que a vítima sofreu lesões
corporais leves decorrentes de agressão física, consistente em “hematoma de
três centímetros na região inguinal esquerda, escoriações no ombro esquerdo e
região escapular, pequeno hematoma no couro cabeludo. A vítima OSEIAS SILVA
LIMA, Às fls. 189, confirma que os policiais pegaram um pedaço de pau e bateram
no Diorley.
A
autoria, entretanto, não ficou bem evidenciada, uma vez que nenhuma das
testemunhas ouvidas em juízo souberam apontar qual dos agentes denunciados
praticou as agressões contra a vítima DIORLEY.
A
vítima Diorley não chegou a ser ouvida em juízo, por se encontrar foragida, em
local incerto e não sabido, mas durante a investigação limitou-se a imputar as
agressões sofridas ao policiais, sem descrever a conduta de cada um deles.
“(...)
que perguntaram quem era Diorley; que o declarante respondeu que se tratava do
próprio; que logo perguntaram pela arma de fogo e deram o soco nas costa do
declarante; que o declarante disse que estava na sua casa, no Brejão; (...) que
logo algemaram o declarante e lhe deram várias pauladas, tanto no peito como
nas costas (...)” (DECLARAÇÕES DA VÍTIMA DIORLEY FERREIRA DA SILVA em sede de
investigação administrativa pelo MP, fls. 11)
Entretanto,
observo que o Ministério Público incide em erro ao proceder à subsunção dos
fatos ao tipo penal.
É
que o delito do art. 1º, II da Lei nº
9455/97, exige para a sua configuração um elemento subjetivo do tipo
específico: “aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”.
Tal
elemento subjetivo específico não restou demonstrado nos autos.
Analisando
as provas trazidas as aos não restou configurado que a vítima Diorley tenha
sofridos as agressões porque teria praticado delito no dia anterior causando
intranquilidade à população.
Também
não parece coerente, a acusação imputar a motivação das agressões à vítima ora
com o fito de obter informação ora com o objetivo de castigar a vítima.
Sobre
o referido delito GUILHERME DE SOUSA NUCCI afirma: “note-se que não se trata de submeter alguém a uma situação de mero
maltrato, mas, sim, ir além disso, atingindo uma forma de ferir com prazer ou
outro sentimento igualmente reles para o contexto”.
Segundo
o referido autor, a tortura “é um método de submissão de uma pessoa a
sofrimento atroz, físico ou mental, contínuo e ilícito, para obtenção de
qualquer outra coisa ou para servir de castigo por qualquer razão”.
Importante
destacar que a CF equiparou a tortura a crime hediondo, o considera
inafiançável e insuscetível de graça ou anistia (Art. 5º , XLIII).
Portanto,
a tipificação de tal delito deve ser feita de maneira cautelosa, devendo ser
aferido com segurança o real elemento subjetivo que norteiou a conduta do
agente, uma vez que existe uma linha absolutamente tênue entre a configuração
do delito de tortura e o de abuso de autoridade.
Portanto,
não se pode concluir que a vítima sofreu agressões físicas com o fim precípuo
de submeter a vítima a intenso
sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal, de
forma que não se pode reconhecer o elemento subjetivo específico do referido
tipo penal.
Portanto,
entendo que o caso é de aplicação da chamada emendatio libelli, prevista no
art. 383, caput, do CPP:
“Art.
383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa,
poderá atribuir‑lhe
definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena
mais grave.
§ 1o
se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de
proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o
disposto na lei.”
Conforme
anotado por ANTONIO LUIZ DA CAMARA LEAL, “a
denuncia ou a queixa não firmam para o acusado o direito a uma condenação mais
benigna, assim como não o acorrentam a uma condenação mais grave, desde que as
provas coligidas durante a instrução criminal imponham diversa classificação do
delito, quer para suavizá-lo, quer para agravá-lo. O juiz não deve basear-se
nos termos da acusação, mas no que ficar apurado a favor ou contra o acusado,
tendo em vista os vários elementos de convicção colhidos no processo”
(COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO, V.3, P.13)
Por
conseguinte, dou nova definição aos fatos articulados na inicial acusatória
para subsumi-los ao delito de abuso de autoridade previsto no art. 3º, i da Lei nº 4898/65:
“Art.
3o Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
(...)
i) à
incolumidade física do indivíduo;”
(...)
DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO
PUNITIVA
Uma vez procedida à desclassificação, na sentença, das
imputações que constaram na inicial acusatória para os delitos do art. 3º, i (3x) e art. 4º, I, todos da Lei nº
4898/65, passo a analisar eventual prescrição da pretensão punitiva uma vez que
se trata de matéria de ordem pública.
De
acordo com o art. 6º, §3º, ‘a’, ‘b’ e
‘c’, que os delitos de abuso de
autoridade serão punidos com pena de multa, pena privativa de liberdade de 15
dias a 06 (seis) meses de detenção e perda do cargo e inabilitação para o
exercício de qualquer outra função pelo prazo de até três anos.
Portanto,
a pena privativa de liberdade máxima em abstrato é de 06 (seis) meses.
Segundo
o art. 109, VI do CPB, uma pena até 06 (seis) meses prescreve em 03 (três)
anos.
A
denuncia foi recebida em 31.03.2008.
Portanto,
considerando que entre a data do recebimento da denúncia e a presente data
decorreu período superior a seis anos, entendo que a pretensão punitiva do
estado foi fulminada ante a ocorrência da prescrição em abstrato da pretensão
punitiva tendo como conseqüência a extinção da punibilidade dos réus.
DISPOSITIVO
ANTE O EXPOSTO e o que mais dos
autos consta, DECLARO EXTINTA A
PUNIBILIDADE dos acusados VALDEMIR
DA SILVA AZEVEDO, PEDRO DOS SANTOS DA SILVA, CLESO HOLANDA COELHO E JEAN CLAUDE
DOS REIS APINAGÉ, já qualificado, nos
termos do art. 107, VI do CPB c/c art. 109, III do CPB.
Procedam-se
as anotações e comunicações necessárias.
Transitada em
julgado, arquive-se.
P.R.I.
João Lisboa/MA, 21 de julho de 2014.
Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular
da 1ª Vara de João Lisboa
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