sexta-feira, 1 de agosto de 2014

SENTENÇA PENAL. TORTURA X ABUSO DE AUTORIDADE.

PROCESSO N.º 171/2008
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL
RÉU: VALDEMIR DA SILVA AZEVEDO, PEDRO DOS SANTOS DA SILVA, CLESO HOLANDA COELHO E JEAN CLAUDE DOS REIS APINAGÉ


S E N T E N Ç A




I- RELATÓRIO

O Ministério Público Estadual, através de seu representante legal, no uso de suas atribuições legais e constitucionais, ofereceu denúncia em face de VALDEMIR DA SILVA AZEVEDO, PEDRO DOS SANTOS DA SILVA, CLESO HOLANDA COELHO E JEAN CLAUDE DOS REIS APINAGÉ, qualificados às fls. 02, como incurso nas sanções art. 1º, I, alínea “a” e II, C/C §4º, I, todos da Lei nº 9455/97 em relação à vítima DIORLEY FERREIRA DA SILVA e art. 1º, I, alínea “c” c/c §4º, I da Lei nº 9455/97 em relação à vítima OSEIAS SILVA LIMA, na forma do art. 69 do CPB, com arrimo nos fatos que seguem.

“consta das peças de informações em apenso, que no dia 17 de setembro de 2007, por volta das 12:00 horas, na Vila Tiburcio, neste município, os denunciados, no exercício de suas funções, com identidade e unidade de propósitos, efetuaram prisão ilegal, bem como torturaram Oseias Silva Lima E Diorley Ferreira da Silva, causando às vítimas sofrimento físico e mental, mediante espancamento, no primeiro, objetivando colher informações, e como forma de aplicar-lhe castigo pessoal, e no segundo, em razão de preconceito racial.
(...)
Diorley, que se encontrava trabalhando como pedreiro, logo que abordado se identificou. Após, indagado sobre o paradeiro da referida arma, respondeu ao grupo fardado.
Contudo, mesmo diante da resposta, os denunciados começaram a espancar Diorley, dando socos e pauladas, notadamente, na região peitoral e costas, indagando sobre a arma de fogo usada no crime praticado na noite anterior, bem como lhe castigando pelo cometimento do fato ilícito desenvolvido, que trouxe medo e insegurança à população.
Ato contínuo, os denunciados também passaram a agredir fisicamente a vítima Ozeias, que estava no interior da residência, na companhia de Diorley, sempre se referindo ao mesmo como ‘nego sem vergonha’
Inicialmente, os denunciados deram um soco na boca de Oseias, que logo foi derrubado ao chão, passando a receber chutes em um dos joelhos. Depois começaram a bater com um pedaço de pau, inclusive na cabeça.(...)”

                                  
A denuncia foi recebida às fls. 64, tendo sido determinada a citação dos réus para o interrogatório.
Às fls. 95-112,  os réus foram interrogados oportunidade em que negaram os fatos que lhe são imputados, porém confirmaram que participaram de uma operação policial realizada na Vila Tiburcio, no dia dos fatos, com o objetivo de localizar e prender DIORLEY que no dia anterior estaria portando arma de fogo e ameaçando terceiros na localidade. Todos negam as agressões contra Diorley e justificam os ferimentos na vítima OSEIAS pelo fato de o mesmo ter tentado impedir a prisão de Diorley, vindo a travar luta corporal com os policiais. Que negam ainda que as agressões a Oseias tenham sido pelo fato de o mesmo ser negro.
Às fls. 137, os acusados apresentaram defesa prévia, oportunidade em que se reservou para apreciar o mérito no momento das alegações finais, tendo arrolado testemunhas.
Às fls. 145 foi designada audiência de instrução a qual se realizou às fls. 187-195, oportunidade em que foram ouvidas a VÍTIMA OSEIAS e a testemunha MARIA DE JESUS LIMA.
Às fls. 202-212, consta a audiência de continuação oportunidade em que foram ouvidas duas testemunhas de acusação e uma de defesa.
Às fls. 214-307, foi anexada aos autos cópia da sindicância administrativa efetivada pela PMMA.
Às fls. 335, consta certidão dando conta da não intimação da vitima DIORLEY, tendo em vista que o mesmo encontra-se foragido da Delegacia Regional de Imperatriz.
Procedeu-se a inúmeras outras diligências no sentido de localizar a vítima Diorley, todas em vão uma vez que o mesmo encontra-se foragido e em local incerto e não sabido, conforme certidão de fls. 463.
Às fls. 465, determinei o encerramento da instrução processual e a intimação das partes para apresentação de alegações finais.

Às fls. 466-469-v, o representante do Ministério Público apresentou alegações finais requerendo a condenação dos acusados nos termos da denúncia acrescida, ainda, do delito do art. 4º, I da Lei nº 4868/65.

Às fls. 472-481, a defesa requer a absolvição dos acusados por insuficiência de provas e, alternativamente, afirma que as provas indicam tão somente a autoria do delito para o acusado JEAN APINAGE, sem imputação de fatos delituosos a outros policiais. Ademais, tais fatos não chegariam a guardar tipicidade com o delito de tortura, mas tão somente com o delito de lesão corporal leve, uma vez que não restou demonstrado nos autos a elementar do “intenso sofrimento físico ou mental” já que as lesões supostamente produzidas são todas de natureza leve, devendo ser aplicado o princípio do in dubio pro reu.

É o relatório, passo a decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

QUANTO AO DELITO DE TORTURA QUE TERIA VITIMADO OSEIAS SILVA LIMA

Aos réus, o Ministério Público imputa o delito de tortura em razão de discriminação racial ou religiosa, previsto no art. 1º, I, c da Lei nº 9455/97, contra a vítima OSEIAS SILVA LIMA.
Dispõe o referido dispositivo:

Art. 1o Constitui crime de tortura:
I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causandolhe sofrimento físico ou mental:
(...)
c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
(...)
Pena – reclusão, de dois a oito anos.

A materialidade delitiva restou demonstrada a partir do depoimento da própria vítima (fls. 189-192) e das testemunhas MARIA DE JESUS SILVA LIMA e JOSE DIOMAR CARREIRO FILHO, uma vez que os dois primeiros descrevem a abordagem policial, sendo que a vítima relata que sofreu um soco na boca e um chute no joelho direito. Também demonstram a materialidade o exame de corpo de delito de fls. 61, bem como as fotografias de fls. 130-136.
A autoria, por sua vez, também restou indene de dúvidas já que a própria vítima reconheceu o acusado JEAN CLAUDE DOS REIS APINAGE como sendo o policial que lhe desferiu socos na boca, chutou seu joelho direito e desferiu pauladas. A participação dos demais acusados também fora relatada pela vítima uma vez que segundo o seu depoimento, os outros três policiais seguraram arma de fogo apontando-as para o depoente para impedir eventual fuga:

“(...) que os policiais perguntaram ao depoente onde estava a arma, tendo o depoente respondido que não sabia de arma; que os policiais deram o soco na boca do depoente e o revitaram, depois deram um chute no joelho direito do depoente; que depois disso os policiais pegaram um pedaço de pau e bateram no Diorley e no depoente; que o depoente reconhece o acusado Jean aqui presente como sendo o policial que lhe deu um soco na boca, um chute no joelho e lhe espancou com um pedaço de pau; que a participação dos outros três policiais consistiu em segurar a arma de fogo para o depoente como forma de coibir eventual fuga do depoente(...) que durante a agressão um dos policiais chamou o depoente de ‘NEGRO SEM VERGONHA’, mas o depoente não sabe dizer qual foi o policial que disse isso (...)” (DECLARAÇÕES DA VÍTIMA OSEIAS SILVA LIMA, fls. 189)


Entretanto, observo que o Ministério Público incide em erro ao proceder à subsunção dos fatos ao tipo penal.
É que o delito do art. 1º, I, c da Lei nº 9455/97, exige para a sua configuração um elemento subjetivo do tipo específico: “por motivo de discriminação racial ou religiosa”.
Tal elemento subjetivo específico não restou demonstrado nos autos.
Durante a instrução, somente a vítima fez referência a possível discriminação afirmando que ‘durante a agressão um dos policiais chamou o depoente de negro sem vergonha’.
A própria mãe da vítima em seu depoimento às fls. 193, nega que tenha escutado tal frase preconceituosa.
Mas, cumpre destacar que ainda que se considere que de fato um dos policiais tenha se referido a vítima como ‘negro sem vergonha” tal fato não revela que o motivo do eventual espancamento da vítima tenha sido pelo fato de a mesma ser negra, de forma que não restou demonstrado o dolo específico de tal delito.
Como argumento de reforço, cumpre destacar que no seu interrogatório um dos policiais destaca que ambas as vítimas, em que pese serem mestiços, tem cor da pele mais clara que a sua própria pele, o que revela a incoerência de tal imputação:

“(...) que tanto Oseias quanto Diorley são de cor morena, mas de tom mais claro que o depoente(...) (interrogatório de VALDEMIR DA SILVA AZEVEDO, FLS. 98)

Portanto, entendo que o caso é de aplicação da chamada emendatio libelli, prevista no art. 383, caput, do CPP:

“Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuirlhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave.
§ 1o se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.”

Conforme anotado por ANTONIO LUIZ DA CAMARA LEAL, “a denuncia ou a queixa não firmam para o acusado o direito a uma condenação mais benigna, assim como não o acorrentam a uma condenação mais grave, desde que as provas coligidas durante a instrução criminal imponham diversa classificação do delito, quer para suavizá-lo, quer para agravá-lo. O juiz não deve basear-se nos termos da acusação, mas no que ficar apurado a favor ou contra o acusado, tendo em vista os vários elementos de convicção colhidos no processo” (COMENTÁRIOS AO CODIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO, V.3, P.13)
Por conseguinte, dou nova definição aos fatos articulados na inicial acusatória para subsumi-los ao delito de abuso de autoridade previsto no art. 3º, i e art. 4º, I, ambos da Lei nº 4898/65:
“Art. 3o Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
(...)
i) à incolumidade física do indivíduo;”
(...)
“Art. 4o Constitui também abuso de autoridade:
a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;
(...)”

 QUANTO AO DELITO DE TORTURA QUE TERIA VITIMADO DIORLEY FERREIRA DA SILVA PREVISTO NO ART. 1º, I, ‘a’ da Lei nº 9455/97.

Da Imputação Inicial.

Aos réus VALDEMIR DA SILVA AZEVEDO, PEDRO DOS SANTOS DA SILVA, CLESO HOLANDA COELHO E JEAN CLAUDE DOS REIS APINAGÉ, o Ministério Público imputa a prática do crime previsto no art. 1º, I, a da Lei nº 9455/97 contra a vítima DIORLEY FERREIRA DA SILVA.

Dispõe o art. 1º, I, a,  da Lei nº 9455/97:

“Art. 1º Constitui crime de tortura:
I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental:
a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa;”

A inicial acusatória imputa a conduta de o acusado após indagação policial acerca do paradeiro de uma arma de fogo utilizada na prática de crime no dia anterior, e após a devida resposta acerca da localização do objeto, ter sido espancado a socos e pontapés, na região peitoral e costas.

A materialidade delitiva restou demonstrada a partir do exame de corpo de delito de fls. 20 que comprova que a vítima sofreu lesões corporais leves decorrentes de agressão física, consistente em “hematoma de três centímetros na região inguinal esquerda, escoriações no ombro esquerdo e região escapular, pequeno hematoma no couro cabeludo.
A vítima OSEIAS SILVA LIMA, às fls. 189, confirma que os policiais pegaram um pedaço de pau e bateram no Diorley.

A autoria, entretanto, não ficou bem evidenciada, uma vez que nenhuma das testemunhas ouvidas em juízo souberam apontar qual dos agentes denunciados praticou as agressões contra a vítima DIORLEY.

A vítima Diorley não chegou a ser ouvida em juízo, por se encontrar foragida, em local incerto e não sabido, mas durante a investigação limitou-se a imputar as agressões sofridas ao policiais, sem descrever a conduta de cada um deles.

“(...) que perguntaram quem era Diorley; que o declarante respondeu que se tratava do próprio; que logo perguntaram pela arma de fogo e deram o soco nas costa do declarante; que o declarante disse que estava na sua casa, no Brejão; (...) que logo algemaram o declarante e lhe deram várias pauladas, tanto no peito como nas costas (...)” (DECLARAÇÕES DA VÍTIMA DIORLEY FERREIRA DA SILVA em sede de investigação administrativa pelo MP, fls. 11)


Entretanto, observo que o Ministério Público incide em erro ao proceder à subsunção dos fatos ao tipo penal.
É que o delito do art. 1º, I, a da Lei nº 9455/97, exige para a sua configuração um elemento subjetivo do tipo específico: “obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa”.
Tal elemento subjetivo específico não restou demonstrado nos autos.
Analisando as provas trazidas as aos não restou configurado que a vítima Diorley tenha sofridos as agressões com o fito de informar aos policiais a localização da arma de fogo utilizada na perpetração dos delitos no dia anterior.
Conforme se verifica da declaração acima, da própria vítima em sede administrativa, a mesma logo que indagada já informou aos policiais a localização da referida arma de fogo.
Tal versão também é corroborada pela outra vítima em suas declarações:

“(...)que em certo momento chegou os policiais na casa do depoente perguntando por Diorley, tendo Diorley se apresentado à polícia; que os policiais perguntaram a Diorley por uma arma de fogo, e Diorley disse que não estava com ele no momento, mas estava em sua casa(...) que depois disso os policiais pegaram um pedaço de pau e bateram no Diorley e no depoente (..) (DEPOIMENTO DE OSEIAS SILVA LIMA, fls. 189)


Portanto, não se pode concluir que a vítima sofreu agressões físicas com o fim precípuo de informar os agentes acerca da localização da arma de fogo, já que os policiais já estavam cientes de tal localização desde o momento em que indagaram a vítima a primeira vez, de forma que não se pode reconhecer o elemento subjetivo específico do referido tipo penal.
Portanto, entendo que o caso é de aplicação da chamada EMENDATIO LIBELLI, prevista no art. 383, caput, do CPP:

“Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuirlhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave.
§ 1o se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.”

Conforme anotado por ANTONIO LUIZ DA CAMARA LEAL, “a denuncia ou a queixa não firmam para o acusado o direito a uma condenação mais benigna, assim como não o acorrentam a uma condenação mais grave, desde que as provas coligidas durante a instrução criminal imponham diversa classificação do delito, quer para suavizá-lo, quer para agravá-lo. O juiz não deve basear-se nos termos da acusação, mas no que ficar apurado a favor ou contra o acusado, tendo em vista os vários elementos de convicção colhidos no processo” (COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO, V.3, P.13)
Por conseguinte, dou nova definição aos fatos articulados na inicial acusatória para subsumi-los ao delito de abuso de autoridade previsto no art. 3º, i da Lei nº 4898/65:
“Art. 3o Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
(...)
i) à incolumidade física do indivíduo;”
(...)

Não reconheço como devidamente demonstrada a ilegalidade da restrição da liberdade da referida vítima, uma vez que no dia anterior estava praticando delitos nas proximidades do local onde foi presa, podendo, em tese, restar configurada a situação do chamado flagrante impróprio, prevista no art. 302 do CPP.

QUANTO AO DELITO DE TORTURA QUE TERIA VITIMADO DIORLEY FERREIRA DA SILVA PREVISTO NO ART. 1º, II, da Lei nº 9455/97.

Da Imputação Inicial.

Aos réus VALDEMIR DA SILVA AZEVEDO, PEDRO DOS SANTOS DA SILVA, CLESO HOLANDA COELHO E JEAN CLAUDE DOS REIS APINAGÉ, o Ministério Público imputa a prática do crime previsto no art. 1º, II, da Lei nº 9455/97 contra a vítima DIORLEY FERREIRA DA SILVA.

Dispõe o art. 1º, II  da Lei nº 9455/97:

“Art. 1o Constitui crime de tortura:
(...)
II – submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo.
Pena – reclusão, de dois a oito anos.”

A inicial acusatória imputa a conduta de o acusado após indagação policial acerca do paradeiro de uma arma de fogo utilizada na prática de crime no dia anterior, e após a devida resposta acerca da localização do objeto, ter sido espancado a socos e pontapés, na região peitoral e costas, bem como lhe castigando pelo cometimento do fato ilícito desenvolvido, que trouxe medo e insegurança à população.

A materialidade delitiva restou demonstrada a partir do exame de corpo de delito de fls. 20 que comprova que a vítima sofreu lesões corporais leves decorrentes de agressão física, consistente em “hematoma de três centímetros na região inguinal esquerda, escoriações no ombro esquerdo e região escapular, pequeno hematoma no couro cabeludo. A vítima OSEIAS SILVA LIMA, Às fls. 189, confirma que os policiais pegaram um pedaço de pau e bateram no Diorley.
A autoria, entretanto, não ficou bem evidenciada, uma vez que nenhuma das testemunhas ouvidas em juízo souberam apontar qual dos agentes denunciados praticou as agressões contra a vítima DIORLEY.
A vítima Diorley não chegou a ser ouvida em juízo, por se encontrar foragida, em local incerto e não sabido, mas durante a investigação limitou-se a imputar as agressões sofridas ao policiais, sem descrever a conduta de cada um deles.

“(...) que perguntaram quem era Diorley; que o declarante respondeu que se tratava do próprio; que logo perguntaram pela arma de fogo e deram o soco nas costa do declarante; que o declarante disse que estava na sua casa, no Brejão; (...) que logo algemaram o declarante e lhe deram várias pauladas, tanto no peito como nas costas (...)” (DECLARAÇÕES DA VÍTIMA DIORLEY FERREIRA DA SILVA em sede de investigação administrativa pelo MP, fls. 11)


Entretanto, observo que o Ministério Público incide em erro ao proceder à subsunção dos fatos ao tipo penal.
É que o delito do art. 1º, II da Lei nº 9455/97, exige para a sua configuração um elemento subjetivo do tipo específico: “aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”.
Tal elemento subjetivo específico não restou demonstrado nos autos.
Analisando as provas trazidas as aos não restou configurado que a vítima Diorley tenha sofridos as agressões porque teria praticado delito no dia anterior causando intranquilidade à população.
Também não parece coerente, a acusação imputar a motivação das agressões à vítima ora com o fito de obter informação ora com o objetivo de castigar a vítima.
Sobre o referido delito GUILHERME DE SOUSA NUCCI afirma: “note-se que não se trata de submeter alguém a uma situação de mero maltrato, mas, sim, ir além disso, atingindo uma forma de ferir com prazer ou outro sentimento igualmente reles para o contexto”.
Segundo o referido autor, a tortura “é um método de submissão de uma pessoa a sofrimento atroz, físico ou mental, contínuo e ilícito, para obtenção de qualquer outra coisa ou para servir de castigo por qualquer razão”.
Importante destacar que a CF equiparou a tortura a crime hediondo, o considera inafiançável e insuscetível de graça ou anistia (Art. 5º , XLIII).
Portanto, a tipificação de tal delito deve ser feita de maneira cautelosa, devendo ser aferido com segurança o real elemento subjetivo que norteiou a conduta do agente, uma vez que existe uma linha absolutamente tênue entre a configuração do delito de tortura e o de abuso de autoridade.
Portanto, não se pode concluir que a vítima sofreu agressões físicas com o fim precípuo de submeter a vítima a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal, de forma que não se pode reconhecer o elemento subjetivo específico do referido tipo penal.
Portanto, entendo que o caso é de aplicação da chamada emendatio libelli, prevista no art. 383, caput, do CPP:

“Art. 383. O juiz, sem modificar a descrição do fato contida na denúncia ou queixa, poderá atribuirlhe definição jurídica diversa, ainda que, em consequência, tenha de aplicar pena mais grave.
§ 1o se, em consequência de definição jurídica diversa, houver possibilidade de proposta de suspensão condicional do processo, o juiz procederá de acordo com o disposto na lei.”

Conforme anotado por ANTONIO LUIZ DA CAMARA LEAL, “a denuncia ou a queixa não firmam para o acusado o direito a uma condenação mais benigna, assim como não o acorrentam a uma condenação mais grave, desde que as provas coligidas durante a instrução criminal imponham diversa classificação do delito, quer para suavizá-lo, quer para agravá-lo. O juiz não deve basear-se nos termos da acusação, mas no que ficar apurado a favor ou contra o acusado, tendo em vista os vários elementos de convicção colhidos no processo” (COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL BRASILEIRO, V.3, P.13)
Por conseguinte, dou nova definição aos fatos articulados na inicial acusatória para subsumi-los ao delito de abuso de autoridade previsto no art. 3º, i da Lei nº 4898/65:
“Art. 3o Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
(...)
i) à incolumidade física do indivíduo;”
(...)


DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA

Uma vez procedida à desclassificação, na sentença, das imputações que constaram na inicial acusatória para os delitos do art. 3º, i (3x) e art. 4º, I, todos da Lei nº 4898/65, passo a analisar eventual prescrição da pretensão punitiva uma vez que se trata de matéria de ordem pública.

                                   De acordo com o art. 6º, §3º, ‘a’, ‘b’ e ‘c’, que os delitos de abuso de autoridade serão punidos com pena de multa, pena privativa de liberdade de 15 dias a 06 (seis) meses de detenção e perda do cargo e inabilitação para o exercício de qualquer outra função pelo prazo de até três anos.

Portanto, a pena privativa de liberdade máxima em abstrato é de 06 (seis) meses.

Segundo o art. 109, VI do CPB, uma pena até 06 (seis) meses prescreve em 03 (três) anos.

A denuncia foi recebida em 31.03.2008.

Portanto, considerando que entre a data do recebimento da denúncia e a presente data decorreu período superior a seis anos, entendo que a pretensão punitiva do estado foi fulminada ante a ocorrência da prescrição em abstrato da pretensão punitiva tendo como conseqüência a extinção da punibilidade dos réus.


DISPOSITIVO


                                   ANTE O EXPOSTO e o que mais dos autos consta, DECLARO EXTINTA A PUNIBILIDADE dos acusados VALDEMIR DA SILVA AZEVEDO, PEDRO DOS SANTOS DA SILVA, CLESO HOLANDA COELHO E JEAN CLAUDE DOS REIS APINAGÉ, já qualificado, nos termos do art. 107, VI do CPB c/c art. 109, III do CPB.

                                   Procedam-se as anotações e comunicações necessárias.

                                   Transitada em julgado, arquive-se.       

P.R.I.  

                                  
João Lisboa/MA, 21 de julho de 2014.

 


Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara de João Lisboa






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