sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

LIMINAR EM REINTEGRAÇÃO DE POSSE. POSSE INJUSTA. CLANDESTINIDADE. DEFERIMENTO.

Autos nº. 1659-36.2013.8.10.0066 – Ação de Reintegração de Posse

Requerente: ANTONIO AUGUSTO NASCIMENTO MACHADO e MARIA CLÉLIA FALCÃO MACHADO
Requerido: ADÃO ORQUISA SOARES e outros

DECISÃO
ANTONIO AUGUSTO NASCIMENTO MACHADO e MARIA CLÉLIA FALCÃO MACHADO, qualificados à fl. 02, ajuizaram a presente ação de Reintegração de Posse em desfavor de ADÃO ORQUISA SOARES e outros, alegando, em síntese, que são legítimos possuidores e proprietários do imóvel descrito à fl. 03 e que estão sofrendo esbulho possessório por parte dos requeridos, que, a partir do mês de abril do ano de 2013.
Relatam que foram até a área conversar com os requeridos, que concordaram em se retirar, requerendo um prazo, não tendo, entretanto, até o mês de setembro de 2013, cumprido o acordado.
Em razão disso, entregaram ao Sr. FRANCISCO DE ASSIS BATISTA MOURA uma notificação para que os réus deixassem a área (fl. 16), porém, somente o próprio notificado teria se retirado da área, permanecendo os demais no local. Posteriormente, em outubro de 2013, novos esbulhadores teriam se instalado no local.
Postula a concessão de liminar com o fim de ver resguardado o seu direito à posse.
Requer, igualmente, a antecipação da tutela, com a determinação da demolição das construções realizadas das construções realizadas irregularmente, bem como, ao final da ação, a cominação de pena para o caso de novo esbulho.
Instruiu o pedido com certidão do registro do imóvel, cadeia dominial, certidão de ônus, notificação para desocupação, declaração da Associação de Pequenos Produtores e Produtoras Rurais do Projeto de Assentamento Belo Monte III, bem como ofícios que requerem o encaminhamento da proposta de compra e venda do imóvel.
À fl. 27, este juízo negou o benefício da justiça gratuita e determinou o recolhimento das custas.
Custas recolhidas à fl. 29.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Decido.
A reintegração de posse é o remédio processual adequado à restituição da posse àquele que a tenha perdido em razão de um esbulho, sendo privado de seu poder físico sobre a coisa. Não é suficiente o incômodo; essencial é que a agressão provoque a perda da possibilidade de controle e atuação material no bem antes possuído, uma vez que nos termos do art. 926 do CPC: “o possuidor tem o direito de ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no caso de esbulho”.
O esbulho se caracteriza em situações em que a posse é subtraída por qualquer dos vícios objetivos, enumerados no art. 1200 do Código Civil, quais sejam: a violência, precariedade e clandestinidade.
O autor, titular da posse, assim como o nu proprietário, tanto pode ser autor como réu nas ações possessórias, segundo interpretação do art. 1.197 do Código Civil e art. 95 e ss. do Estatuto da Terra, in verbis:
Art. 1.197. A posse direta, de pessoa que tem a coisa em seu poder, temporariamente, em virtude de direito pessoal, ou real, não anula a indireta, de quem aquela foi havida, podendo o possuidor direto defender a sua posse contra o indireto.
Em seus comentários ao Código Civil, NELSON NERY JÚNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY esclarecem que "tanto o possuidor direto quanto o possuidor indireto – como, por exemplo, o nu-proprietário, o dono da coisa empenhada, o locador etc. - têm direito à defesa de sua posse, contra terceiros, por meio dos interditos possessórios".
No presente caso, resta evidenciado que os autores tinham a posse do imóvel, a qual foi adquirida por sucessão universal já que a litisconsorte MARIA CLÉLIA FALCÃO MACHADO é herdeira necessária do anterior proprietário MECENAS PEREIRA FALCÃO sendo tal domínio devidamente registrado no Cartório de Registro de Imóveis desde 15.01.1992 (fls. 10).
Feitas tais considerações, analisando os autos, a luz da documentação que instrui a inicial, pode-se constatar que os autores provaram a posse justa, nos termos do art. 1200 do CC (Art. 1.200. É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.),  do imóvel FAZENDA BELO MONTE, adquirida em 15.01.1992 (fls. 26-29), demonstrando a tradição da posse por sucessão universal.

Ademais, convém destacar que a posse dos autores foi exteriorizada por diversas formas, dentre as quais a tentativa de desocupação amigável da área supostamente efetuada em abril de 2013, a própria notificação extrajudicial direcionada a um dos esbulhadores, supostamente um dos líderes, efetuada em 06.09.2013, as tratativas com vistas a alienação da área em litígio narradas nos documentos de fls. 17-25.

Das provas colhidas não ocorre nenhum juízo, em sentido contrário, ou seja, de que os autores, por si ou por prepostos, de alguma forma, não empreendesse qualquer conduta a veicular, subjetiva ou objetivamente, traços do exercício de uma posse.
A posse exterioriza-se pelo exercício de poder sobre a coisa. Porém, a visibilidade de que a pessoa está em contato com a coisa não é suficiente para caracterizar a situação jurídica de possuidor. A qualificação de um fato como posse depende da investigação de sua origem e do título em que se diz fundada.
Compulsando os autos, verifico que os autores foram legitimamente investidos, na posse e domínio do imóvel por longo período, desde o dia 15.01.1992. E somente foram desapossados no último mês de março de 2013, após serem informados por vizinhos que os requeridos instalaram-se na área em litígio.
Portanto, a atual posse dos requeridos é inquinada de vício, na medida em que as notificações verbal e escrita extrajudiciais anexados aos autos demonstram que a mesma fora obtida de maneira clandestina, às escondidas, o que caracteriza sua ilicitude, diante do ordenamento jurídico.
A posse é clandestina quando se adquire via processo de ocultamento em relação àquele contra quem é praticado o apossamento. É um defeito relativo: oculta-se da pessoa que tem interesse em retomar a posse, em bora possa ser ela pública para os demais. Na clandestinidade, o possuidor não percebe a violação de seus direitos e, por isso, não pode reagir.
A inicial narra atos de clandestinidade, já que os esbulhadores aproveitaram-se da ausência física dos proprietários – residente em Barra do Corda/MA - para instalarem-se no imóvel rural.

Acerca da liminar pleiteada, dispõe o art. 927 e 928 do CPC:

Art. 927. Incumbe ao autor provar:
I – a sua posse;
II – a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
III – a data da turbação ou do esbulho;
IV – a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegra­ção.
Art. 928. Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do man­dado liminar de manutenção ou de reintegração; no caso contrário, determinará que o autor justifique previa­mente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada.

Por tais argumentos, que demonstram satisfatoriamente, em juízo de cognição sumária, mera prelibação, preenchimento dos pressupostos ao deferimento da medida liminar de reintegração de posse, acrescidos da inclusão desta causa àquelas que a doutrina convencionou chamar de ação de força nova, por estar dentro do prazo de ano e dia da data do esbulho, autorizadora do deferimento da medida antecipatória de reintegração, nos termos do artigo 924, 927 e 928 do Código de Processo Civil, outra solução não há senão conceder preambularmente a reintegração de posse ao autor.
Com efeito, observo que os autores demonstraram estarem legitimamente investidos na POSSE do imóvel em litígio, seja pelos registros imobiliários que indicam que a FAZENDA BELO MONTE fora adquirida em 15.01.1992 (fls. 10), demonstrando a tradição da posse por sucessão hereditária; notificações verbais e escritas demonstrando sua irresignação desde o primento momento em que teve ciência da invasão (fls. 05).
O ESBULHO também restou caracterizado sumariamente nos autos conforme notificação extrajudicial de fls. 05 e declaração da presidente da Associação de produtores Rurais do Assentamento Belo Monte IIII (fls. 17-21; a data do esbulho também consta dos autos, ou seja, ocorreu desde o mês de março de 2013, data em que o grupo liderado pelos requeridos teria se instalado na FAZENDA BELO MONTE e desapossado ilicitamente os autores, mediante atos de clandestinidade. Por fim, a perda da posse remanesce até os dias atuais desde o desapossamento.
Portanto, entendo devidamente preenchidos os requisitos para a concessão da liminar pleiteada. Nesse mesmo sentido segue jurisprudência:
 “MEDIDA CAUTELAR - Liminar - Deferimento - Admissibilidade - Reintegração de posse - Irrelevância da alegada invalidade e inveracidade do documento instrutório da inicial - Esbulho possessório verificado na audiência de justificação de posse - Artigo 928 do Código de Processo Civil - Fase procedimental, ademais, onde não é lícito ao demandado produzir provas, limitando-se tão somente a fiscalizar a regularidade da audiência - Decisão summaria cognitio mantida - Recurso não provido. A prova necessária e suficiente para que o Juiz conceda a liminar de reintegração é apenas prova de verossimilhança dos fatos alegados pelo autor.” (TJ/SP, Relator: Mohamed Amaro - Agravo de Instrumento n. 232.531-2 - Campinas - 04.08.94)
Por tudo que se foi argumentado, bem com pelas provas escorreitas colacionadas aos autos, resta delineada a posse, sua perda, o esbulho e sua época, elementos tais indispensáveis ao deferimento da medida liminar reintegratória e, analisados pelo magistrado e constatada suas presenças, conduzem, invariavelmente, a concessão do pleito ao requerente.
Ante o exposto, DEFIRO A REINTEGRAÇÃO LIMINAR pleiteada por ANTONIO AUGUSTO NASCIMENTO MACHADO e MARIA CLELIA FALCAO MACHADO, em desfavor de ADÃO ORQUISA SOARES, CLEOMAR DE TAL, MARIA RAIMUNDA DOS SANTOS SILVA, JÂNIO DOS SANTOS CONCEIÇÃO, EDIMILSON FERREIRA DA SILVA, REGIDA BENA DE SOUSA, MARILENE MENDES DOS SANTOS, RAIMUNDO SANTOS RIBEIRO, ROBSON SOARES CALDAS, MARIA DA CONCEIÇÃO SOUSA, DOMINGOS ORQUISA SOARES, ORIZAN DA SILVA SOUSA, ERISMAR DA SILVA SOUSA, MILTON CARLOS DE OLIVEIRA, DEUZINELE DA SILVA SOUSA, ROMÁRIO CARNEIRO DE SOUSA, ANTONIA GOMES DA SILVA e ESMERALDO PAÇA RODRIGUES, conhecido como “PIMENTA”, e/ou quem os acompanhe no local, o fazendo em virtude do preenchimento dos requisitos insculpidos no artigo 924, 927 e 928 do Código de Processo Civil, devendo o processo seguir em seus ulteriores termos, intimando-se o requerido desta decisão e para, querendo, apresentar contestação no prazo legal de 15 (quinze) dias.
Outros pessoas instaladas na Fazenda Belo Monte, que participaram do referido esbulho devem ser intimados e citados por edital com prazo de 30 (trinta) dias, para querendo apresentar contestação no mesmo prazo.
Sendo necessário, autorizo, desde já, o cumprimento da medida liminar mediante arrombamento e com o uso de força policial.
Oficie-se À SECRETARIA DE SEGURANÇA PÚBLICA, COMANDO DA POLÍCIA MILITAR, 3º BATALHÃO DA POLÍCIA MILITAR E DELEGACIA REGIONAL DE POLÍCIA CIVIL DE IMPERATRIZ a fim de que seja providenciado o efetivo cumprimento da presente decisão.
Intime-se e Cumpra-se.
Amarante do Maranhão/MA, 07 de fevereiro de 2014.


Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da Comarca de Amarante do Maranhão


Um comentário:

  1. Privilegiou-se pessoas que mantinham um imóvel abandonado e sem função social ao ponto de só perceberem uma ocupação um bom tempo depois?

    Não me parece justo.

    Enquanto o judiciário continuar tratando as terras do país como meras aquisições de papéis, legitimadas nas capitanias hereditárias da vida, teremos sem terras e sem tetos, o que é inadmissível num século de tanta abundância.

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