Processo nº. 9000711-94.2013.8.10.0066
DECISÃO
Trata-se de Habeas Corpus Preventivo com
pedido de liminar, impetrado por K. A. S., já qualificada, tendo
em vista que pretende realizar aborto eugênico, uma vez que o feto que traz em
seu ventre teria má formação congênita, requerendo, em razão disso, a expedição
de salvo conduto, que deve abranger todos os profissionais que porventura atuem
no procedimento.
Alega a paciente que no mês de junho do
corrente ano realizou exame de ultrassonografia, através do qual ficou
constatada malformação “grave da calota craniana com exposição de meninges e
massa cerebral na região occipital” do feto. O laudo do referido exame concluiu
que o feto possui meningomielocele.
Aduz, ainda, que a medida pleiteada encontra
respaldo na Jurisprudência, inclusive em decisão da Suprema Corte, uma vez que essa
autorizou a interrupção terapêutica da gestação de feto anencefálico.
Sustenta, adiante, que a própria vida da
paciente/gestante corre risco, diante da possibilidade de abortamento espontâneo,
podendo tal situação, futuramente, inviabilizar novas gestações.
Juntou laudo de exame de ultrassonografia à
fl. 13.
Vieram os autos conclusos para apreciação do
pedido de liminar.
Relatado
no essencial. Decido.
Inicialmente,
cabe trazer a colação o conceito técnico de meningomielocele: a mielomeningocele caracteriza-se por uma
falha no fechamento do tubo neural que compromete a medula, os arcos vertebrais
e o manto cutâneo, localizando-se na linha média, em qualquer nível da coluna
vertebral, tendo, no entanto, predileção pela região lombossacra, onde ocorrem
75% dos casos. A lesão pode estar completamente coberta por pele ou apresentar uma
área de tecido róseo, ricamente vascularizado.
Imprescindível ressaltar que essa doença
congênita, embora causada por um defeito no tubo neural, tal qual a
anencefalia, não se confunde com essa, que é
definida na literatura médica como a má-formação fetal congênita por defeito do
fechamento do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto não apresenta
os hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduo do tronco
encefálico.
Feitas
essas considerações iniciais, passo à análise do pleito da paciente.
Conforme
lições da hermenêutica constitucional, no conflito aparente de normas de
envergadura constitucional, deve-se fazer um juízo de ponderação para com base
na proporcionalidade afastar a aplicação da norma que protege um bem jurídico
que, no caso concreto, emerge como de menor valor.
É
firme nesse juízo de ponderação de valores que entendo que o caso em análise
deve prevalecer o bem maior do seu humano, qual seja, a vida, pois, em que pese
os relevantes fundamentos invocados pelos interessados, desde o meu olhar não
estou convencido de que possa o Poder Judiciário, sem ofensa à Lei Maior,
autorizar o aborto fora dos casos expressamente previstos nos art. 128 e seus
incisos do Diploma Material Penal, quais sejam, o aborto necessário para salvar
a vida da gestante e o aborto humanitário, nos casos de gravidez resultante de
estupro, in verbis:
Art. 128. Não se pune o
aborto praticado por médico:
I – se
não há outro meio de salvar a vida da gestante;
II –
se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da
gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Portanto,
a legislação penal e a Constituição Federal tutelam a vida como bem maior a ser
preservado, sendo as hipóteses em que se admite atentar contra ela, elencadas
de modo restrito.
No
caso dos autos, não restou demonstrado qualquer perigo à vida da gestante, nem
se comprovou a inviabilidade da vida extra-uterina do feto, sabido, ainda, que,
embora seja uma enfermidade de gravidade variável, com efeitos muitas vezes
devastadores, essa doença congênita é passível de tratamento, conforme diversos
estudos já realizados na comunidade médica, notadamente no período neonatal.[1]
Ademais, inobstante haja decisão do Supremo Tribunal Federal, que declarou a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, todos do Código Penal (ADPF 54 / DF - DISTRITO FEDERAL - ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL - Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO - Julgamento: 12/04/2012 – Órgão Julgador: Tribunal Pleno - ACÓRDÃO ELETRÔNICO - DJe-080 - DIVULG 29-04-2013 - PUBLIC 30-04-2013), não é esse o caso dos autos, no qual o feto sofre da doença denominada meningomielocele.
Como
se não bastasse, a medida liminar pleiteada, acaso fosse deferida, teria o
condão de exaurir definitivamente o mérito, sem qualquer possibilidade de
retrocessão de seus efeitos, o que formalmente representa mais um óbice para a
sua concessão, a teor do que dispõe o art. 273, parágrafo 2º do CPC.
Ante o exposto e o que mais dos autos consta, indefiro a liminar requerida,
uma vez que, neste juízo de prelibação, de análise apenas perfunctória, não
vislumbro a presença do requisito da verossimilhança das alegações, e observo
que a medida, caso deferida, seria irreversível, em ofensa ao disposto no art.
273, caput e parágrafo 2º, do CPC de aplicação analógica conforme previsão do art. 3º do CPP.
Intime-se.
Abra-se vista ao
representante do Ministério Público Estadual.
Amarante
do Maranhão/MA, 08 de Julho de 2013
Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular
da Comarca de Amarante do Maranhão
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