terça-feira, 16 de julho de 2013

LIMINAR EM HC PREVENTIVO. AUTORIZAÇÃO PARA ABORTO EUGÊNICO. MENINGOMIELOCELE. INDEFERIMENTO.

Processo nº. 9000711-94.2013.8.10.0066

DECISÃO

           
Trata-se de Habeas Corpus Preventivo com pedido de liminar, impetrado por K. A. S., já qualificada, tendo em vista que pretende realizar aborto eugênico, uma vez que o feto que traz em seu ventre teria má formação congênita, requerendo, em razão disso, a expedição de salvo conduto, que deve abranger todos os profissionais que porventura atuem no procedimento.

Alega a paciente que no mês de junho do corrente ano realizou exame de ultrassonografia, através do qual ficou constatada malformação “grave da calota craniana com exposição de meninges e massa cerebral na região occipital” do feto. O laudo do referido exame concluiu que o feto possui meningomielocele.

Aduz, ainda, que a medida pleiteada encontra respaldo na Jurisprudência, inclusive em decisão da Suprema Corte, uma vez que essa autorizou a interrupção terapêutica da gestação de feto anencefálico.

Sustenta, adiante, que a própria vida da paciente/gestante corre risco, diante da possibilidade de abortamento espontâneo, podendo tal situação, futuramente, inviabilizar novas gestações.

Juntou laudo de exame de ultrassonografia à fl. 13.

Vieram os autos conclusos para apreciação do pedido de liminar.

Relatado no essencial. Decido.

Inicialmente, cabe trazer a colação o conceito técnico de meningomielocele: a mielomeningocele caracteriza-se por uma falha no fechamento do tubo neural que compromete a medula, os arcos vertebrais e o manto cutâneo, localizando-se na linha média, em qualquer nível da coluna vertebral, tendo, no entanto, predileção pela região lombossacra, onde ocorrem 75% dos casos. A lesão pode estar completamente coberta por pele ou apresentar uma área de tecido róseo, ricamente vascularizado.

Imprescindível ressaltar que essa doença congênita, embora causada por um defeito no tubo neural, tal qual a anencefalia, não se confunde com essa, que é definida na literatura médica como a má-formação fetal congênita por defeito do fechamento do tubo neural durante a gestação, de modo que o feto não apresenta os hemisférios cerebrais e o córtex, havendo apenas resíduo do tronco encefálico.

Feitas essas considerações iniciais, passo à análise do pleito da paciente.

Conforme lições da hermenêutica constitucional, no conflito aparente de normas de envergadura constitucional, deve-se fazer um juízo de ponderação para com base na proporcionalidade afastar a aplicação da norma que protege um bem jurídico que, no caso concreto, emerge como de menor valor.

É firme nesse juízo de ponderação de valores que entendo que o caso em análise deve prevalecer o bem maior do seu humano, qual seja, a vida, pois, em que pese os relevantes fundamentos invocados pelos interessados, desde o meu olhar não estou convencido de que possa o Poder Judiciário, sem ofensa à Lei Maior, autorizar o aborto fora dos casos expressamente previstos nos art. 128 e seus incisos do Diploma Material Penal, quais sejam, o aborto necessário para salvar a vida da gestante e o aborto humanitário, nos casos de gravidez resultante de estupro, in verbis:

Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:
I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

Portanto, a legislação penal e a Constituição Federal tutelam a vida como bem maior a ser preservado, sendo as hipóteses em que se admite atentar contra ela, elencadas de modo restrito.

No caso dos autos, não restou demonstrado qualquer perigo à vida da gestante, nem se comprovou a inviabilidade da vida extra-uterina do feto, sabido, ainda, que, embora seja uma enfermidade de gravidade variável, com efeitos muitas vezes devastadores, essa doença congênita é passível de tratamento, conforme diversos estudos já realizados na comunidade médica, notadamente no período neonatal.[1]

Ademais, inobstante haja decisão do Supremo Tribunal Federal, que declarou a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo é conduta tipificada nos artigos 124, 126, 128, incisos I e II, todos do Código Penal (ADPF 54 / DF - DISTRITO FEDERAL - ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL - Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO - Julgamento:  12/04/2012 – Órgão Julgador: Tribunal Pleno - ACÓRDÃO ELETRÔNICO - DJe-080 - DIVULG 29-04-2013 - PUBLIC 30-04-2013), não é esse o caso dos autos, no qual o feto sofre da doença denominada meningomielocele.
 
Como se não bastasse, a medida liminar pleiteada, acaso fosse deferida, teria o condão de exaurir definitivamente o mérito, sem qualquer possibilidade de retrocessão de seus efeitos, o que formalmente representa mais um óbice para a sua concessão, a teor do que dispõe o art. 273, parágrafo 2º do CPC.

Ante o exposto e o que mais dos autos consta, indefiro a liminar requerida, uma vez que, neste juízo de prelibação, de análise apenas perfunctória, não vislumbro a presença do requisito da verossimilhança das alegações, e observo que a medida, caso deferida, seria irreversível, em ofensa ao disposto no art. 273, caput e parágrafo 2º, do CPC de aplicação analógica conforme previsão do art. 3º do CPP.

Intime-se.
Abra-se vista ao representante do Ministério Público Estadual.

Amarante do Maranhão/MA, 08 de Julho de 2013



Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular da Comarca de Amarante do Maranhão

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