segunda-feira, 11 de abril de 2011

SENTENÇA ANULA ELEIÇÃO CÂMARA DE MONTES ALTOS

Proc. nº 219/2010
MANDADO DE SEGURANÇA
Impetrantes: JOSE GARIBALDI FERRAZ DE SOUZA, JACI DE SOUSA FONSECA, ADRIANO MESQUITA SILVA E ARISTIDES DIAS AGUIAR
IMPETRADO: PRESIDENTE DA CÂMARA DE VEREADORES DO MUNICÍPIO DE MONTES ALTOS

SENTENÇA

                        JOSE GARIBALDI FERRAZ DE SOUZA, JACI DE SOUSA FONSECA, ADRIANO MESQUITA SILVA E ARISTIDES DIAS AGUIAR, qualificados na inicial, impetraram o presente mandado de segurança, com o fim de obter a anulação da eleição da MESA DIRETORA da Câmara Municipal de Montes Altos, ocorrida no dia 03.12.2010, alegando que a mesma fora viciada por dois motivos:

1 – que o atual presidente se candidatou a reeleição para o mesmo cargo fato que teria violado o art. 23, parágrafo 1º da Lei Orgânica do Município de Montes Altos;

2 – que um dos vereadores votantes seria parte ilegítima para figurar no colégio eleitoral tendo em vista que não mais estaria investido na função, pois teria cessado a sua investidura com o retorno da vereadora titular, anteriormente licenciada, dias antes do pleito.

                        Juntou documentos.

                        Este juízo concedeu liminar determinando a suspensão da eleição da Mesa Diretora da Câmara de Vereadores do Município de Montes Altos que reelegeu para o mesmo cargo seu atual presidente o vereador CIRILO NERES CARDOSO. (fls. 117-118)

A autoridade coatora foi intimada da decisão e apresentou informações às fls. 121-128 e juntou documentos de fls. 129-132.

O Ministério Público ofertou parecer às fls. 134-136, oportunidade em que opinou pela concessão da segurança pleiteada fundando suas razões na hierarquia da Lei Orgânica Municipal sobre o Regimento Interno da Câmara.

Vieram os autos conclusos, tendo este juízo convertido o julgamento em diligência para indeferir o pedido de justiça gratuita e determinar a diligência do art. 7º, II da Lei nº 12016/2009.

As custas foram recolhidas e o município cientificado a ingressar no feito manifestou-se às fls. 156-160 e juntou documentos de fls. 161- 170, oportunidade em que manifestou-se no sentido de ser declarada a validade do processo eleitoral da Câmara Municipal de Montes Altos/MA, uma vez que os vícios alegados na inicial inexistiram e a reeleição da mesa diretora encontra previsão no Regimento Interno da Casa.

É o relatório. Decido.
FUNDAMENTAÇÃO:

DO MÉRITO:

A ação de mandado de segurança consiste em um instrumento constitucional destinado a proteger direito líquido e certo quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder (ação ou omissão) for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (CF, art. 5º, LXIX):
Art. 5º. Omissis.
(...)
LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso do poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público.”

O controle de atos administrativos pelo Judiciário é mais restrito que aquele que se opera pela própria Administração Pública, pois ao Judiciário somente cabe analisar a legalidade do ato, o fazendo à partir da análise de cada um dos elementos que compõe o ato administrativo impugnado, portanto, somente pode se dar quando se evidencia uma ilegalidade.

Os requisitos do mandado de segurança são direito líquido e certo, que é aquele que pode ser comprovado de plano, por meio de documentos, independentemente da produção de provas, e ato de autoridade, consistente na ação ou omissão do Poder Público, por meio de seus agentes, no exercício de suas funções, incluindo atos de agentes da administração pública direta, indireta (autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista), bem como atos de concessionárias e permissionárias de serviço público e dirigentes de entidades de classe.

Pleiteiam os impetrantes a anulação da eleição da Mesa Diretora da Câmara Municipal de Montes Altos sustentando vícios no processo eleitoral.

QUANTO À PARTICIPAÇÃO DE VEREADOR SUPLENTE

Sustentam os impetrantes que a eleição estaria viciada, pois dela teria participado com direito a voto o vereador RAIMUNDO LIMA DE MORAIS, suplente que assumiu a vaga em decorrência da licença para tratar de assuntos particulares deferida à titular DIANA MIRANDA BASTOS FERRAZ.

Na esteira do teor do parecer ministerial, entendo que dos autos não consta qualquer requerimento ou prova de que a vereadora licenciada teria requerido o seu retorno à ativa, mas tão somente às fls. 20, consta um requerimento subscrito por terceiro, parte ilegítima para pleitear em nome próprio direito alheio.

Sendo assim, considerando que a via estreita do Mandado de Segurança não comporta dilação probatória, somente admitindo prova pré-constituída, tenho por não provado o requerimento de retorno da vereadora licenciada, motivo pelo qual tenho por hígida a participação com voto do suplente.

DA CANDIDATURA DA AUTORIDADE COATORA PARA REELEIÇÃO NO CARGO DE PRESIDENTE DA MESA DIRETORA.

No que concerne à pretensão de reeleição do então presidente da mesa diretora para novo biênio consecutivo, entendo que tal pretensão encontra óbice na legislação municipal, qual seja, o art. 23, §1º da Lei Orgânica do Município em que pese a permissão contida no art. 9º do Regimento Interno da Câmara Municipal.

Dispõem os referidos dispositivos:

“Art. 23. (...)
§ 1º. O mandato da Mesa será de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.”

“Art. 9º. O Mandato da Mesa será de dois anos, sendo permitida a reeleição de qualquer dos seus membros para o mesmo cargo, na mesma legislatura.”

Portanto, trata-se de típico conflito aparente de normas cuja solução atrai a aplicação, em primeiro lugar do princípio da Hierarquia das Normas.

As normas jurídicas são elos da cadeia de regras vigentes, são padrões de comportamento que visam a  ordenação e o bem social.

As leis, aqui consideradas em sentido amplo, variam de importância conforme a natureza da matéria de que tratam. Submetem-se a uma ordem preferencial de importância, obedecem a uma hierarquia, de tal modo que o comando de uma lei não pode ser recusado por outra lei hierarquicamente inferior. A Lei Orgânica e o Regimento Interno do Município se enquadram nesse contexto.

A Constituição Federal ocupa o ápice da “pirâmide hierárquica”; é a mais importante das leis e não pode ser contrariada por nenhuma outra norma.

No plano municipal, a hierarquia das normas também deve ser observada, de acordo com a seguinte ordem:
a)      Lei Orgânica;
b)      Leis Complementares;
c)      Leis Ordinárias;
d)      Leis Delegadas;
e)      Demais atos normativos (decretos, portarias, resoluções, etc).

O município brasileiro integra a federação como ente dotado de capacidade de auto-organização e de autonomia administrativa e financeira. Pode elaborar sua própria Lei Orgânica, baseado no “caput” do art. 29 da CF/88, que assim dispõe:
“Art. 29.  O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos.”

A Lei Orgânica é também denominada Carta Própria e, segundo a doutrina pátria, equivale à Constituição Municipal.

O Regimento Interno, por sua vez, segundo o renomado administrativista Hely Lopes Meirelles, é:

“... o regulamento da Câmara, não é lei. É ato administrativo-normativo, como são os demais regulamentos, com a só particularidade de se destinar a regular os trabalhos da Edilidade.” (in Direito Municipal Brasileiro; 10º ed; Malheiros Editores; 1998)

Nesse sentido colacionou precedentes de Tribunais:

REMESSA EX OFFICIO HIERARQUIA DAS NORMAS - LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO - SUPERIORIDADE HIERÁRQUICA EM RELAÇAO AO REGIMENTO INTERNO DA CÂMARA MUNICIPAL - REMESSA CONHECIDA - SENTENÇA MANTIDA.
1). As normas possuem uma hierarquia, que deve ser respeitada, sendo que a Lei Orgânica do Município retira seu fundamento de validade da própria Constituição Federal, razão pela qual goza de supremacia hierárquica em relação ao Regimento Interno da Câmara Municipal. Ademais, é cediço que qualquer outro ato normativo Municipal deve fundamentar-se nas disposições da Lei Orgânica que rege o Município.
2). Remessa conhecida e sentença mantida.
(Remessa ex officio nº 46050004632, 2ª Câmara Cível do TJES, rel. Elpídio José Duque, j. 19.06.2007, public. 25.07.2007)


TJMG-247467) APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DE PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL. SUPOSTA VIOLAÇÃO AO PROCESSO LEGISLATIVO. INOCORRÊNCIA.
Por questões de hierarquia e fundamento de validade, deve a Lei Orgânica do Município prevalecer sobre o Regimento Interno da Câmara de Vereadores, quando divergentes acerca do quorum de aprovação de projeto de lei. Recurso conhecido e desprovido.
(Apelação Cível nº 0098684-90.2009.8.13.0103, 3ª Câmara Cível do TJMG, Rel. Albergaria Costa. j. 05.08.2010, unânime, Publ. 31.08.2010).


Assim sendo, o Regimento Interno deve disciplinar as atividades legislativas, fiscalizadoras e administrativas da Câmara Municipal, de forma a dotá-la dos mecanismos necessários não apenas à consecução de todas as atribuições que a Constituição Federal e a Lei Orgânica lhe conferem, como também constitui instrumento eficaz para a defesa das prerrogativas conferidas aos vereadores, ao mesmo tempo em que lhes prescreve deveres. O Regimento Interno é aprovado pelo plenário e veiculado através de Resolução.

Por tudo o que foi exposto, e ainda, segundo  o princípio da hierarquia das leis, a Lei Orgânica, que possui “status” de Constituição Municipal, é hierarquicamente superior ao Regimento Interno da Edilidade, devendo portanto prevalecer sobre este.  

Portanto, definida hierarquia da Lei Orgânica Municipal sobre a Resolução da Câmara que veiculou o regimento interno, tenho que viciado o procedimento de eleição da Câmara Municipal de Montes Altos/MA, pois o candidato que restou vitorioso com a maioria absoluta dos votos no último dia 03.12.2010 – autoridade coatora aqui apontada - é inelegível para o cargo de Presidente da Mesa Diretora conforme vedação contida na Lei Orgânica do Município.

Sendo assim e levando-se em consideração do princípio da Unicidade das Chapas, entendo que restou viciado todo o processo eleitoral, motivo pelo qual o mesmo deve ser refeito com reabertura de prazo para inscrição das chapas que concorreram aos cargos em disputa.

Portanto, correta a concessão da liminar, bem como a sua confirmação como se faz na presente decisão, uma vez reconhecida violação à direito líquido e certo dos impetrantes, vereadores da municipalidade, de participarem de um processo eleitoral hígido.

DISPOSITIVO:

ANTE O EXPOSTO, CONCEDO A SEGURANÇA PLEITEADA, confirmando os efeitos da liminar anteriormente deferida e por conseqüência DECLARO A NULIDADE DA ELEIÇÃO DA MESA DIRETORA DA CÂMARA MUNICIPAL DE MONTES ALTOS/MA, ocorrida em 03.12.2010, devendo o processo eleitoral ser refeito, no prazo de 15 (quinze) dias, com reabertura de prazo para inscrição das chapas que desejarem concorrer aos cargos em disputa e demais atos, na forma prevista pela Legislação Municipal e pelo Regimento Interno da respectiva Casa Legislativa, sob pena de multa diária sob o patrimônio pessoal do impetrado no valor de R$ 1000,00 (mil reais).
Sem custas, uma vez que o sujeito passivo é a Fazenda Pública.
Sem honorários, uma vez que se trata de mandado de segurança (Súmula nº  105 do STJ).

P.R.I, e com o transito em julgado, arquive-se.

Montes Altos/MA, 28 de março de 2011.


Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular da Comarca de Amarante do Maranhão
Respondendo pela Comarca de Montes Altos

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