domingo, 12 de julho de 2015

IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSENCIA DE COMPROVAÇÃO DE DESPESAS. APLICAÇÃO A MENOR NA EDUCAÇÃO. AUSENCIA DE PROCESSOS LICITATÓRIOS. CONTAS EXERCICIO 2004.



Proc. 470-49.2009.8.10.0038
AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO
RÉU: FRANCISCO ALVES DE HOLANDA


SENTENÇA


O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL propôs a presente ação de improbidade administrativa contra FRANCISCO ALVES DE HOLANDA porque, em tese, este teria praticado durante o exercício financeiro de 2004 atos de improbidade administrativa consistentes em:
1. Aplicação de percentual a menor na manutenção e desenvolvimento do ensino
2. Ausência de processo licitatório;
3. Ausência de comprovantes de despesas;

Sustenta suas afirmações em procedimento administrativo do Tribunal de Contas do Estado (autos n. 3628/2005) e Relatório de Informação Técnica nº 007/06 – UTCOG/NACOG, e Relatório de Informação Técnica Conclusivo nº 35/2007 – NACOG/UTCOG (FLS. 131-137), onde o referido gestor de contas públicas teve suas contas referentes ao exercício 2004 recebido PARECER PRÉVIO PL-TCE Nº 178/2007 (fls. 85) pela desaprovação e Acórdão PL-TCE nº 325/2007 (fls. 86-87) pela desaprovação das contas do exercício 2004 e aplicação de multa no valor de R$ 5.000,00, por irregularidades formais (em razão de irregularidades apontadas no Relatório de Informações Técnicas Conclusivo nº 35/2007 – UTCOG/NACOG), responsabilização do gestor a repor ao erário municipal o valor de R$ 1.038.087,02, acrescido de multa no valor de R$ 103.808,70; responsabilizar o gestor em multa de R$ 21.600,00, em razão do não encaminhamento e da não-comprovação da publicação do relatório resumido de execução orçamentária e dos relatórios de gestão fiscal,   transitado em julgado após provimento parcial do PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO para tão-somente reduzir o valor da multa por irregularidade formal de R$ 5000,00 para R$ 4900,00, tendo em vista a apresentação de procedimentos licitatórios no valor de R$ 348.927,78, restando ausentes R$ 1.744.167,56, mantendo incólume as demais condenação (fls. 105-106 e 109).

Ao final requer a concessão de medida cautelar de indisponibilidade dos bens do réu e sequestro de valores até o montante de R$ 2.485.747,53 atualizados monetariamente, que corresponderia ao menor valor que o requerido teria que devolver aos cofres públicos, correspondente ao somatório dos valores por si incorporados com dispêndio de dinheiro público sem licitação e com fragmentação de despesas; e a procedência da ação para condená-lo a devolver ao Município de João Lisboa/MA, a importância de R$ 2.485.747,53 atualizados monetariamente, bem como a condenação do requerido nos termos do art. 9º, XI (uma vez), 10, VII (duas vezes) e 11, I (uma vez), aplicando-lhe as cominações descritas no art. 12, I, II e III da Lei nº 8429/92 e o ônus da sucumbência.

Às fls. 646, este juízo determinou a notificação do réu apresentação de sua defesa preliminar, o que foi feito às fls. 691.
O Requerido foi devidamente notificado às fls. 691, porém, não apresentou defesa preliminar.
Em parecer de fls. 694-697, o MP requereu a citação do Município para querendo integrar a lide, bem como o recebimento da inicial e a citação do réu para querendo apresentar contestação, o que foi deferido Às fls. 698.
Às fls. 741, o município foi citado, mas não se manifestou e às fls. 706 o réu também fora citado e novamente deixou escoar o seu prazo de resposta, conforme certidão de fls. 707-v.
Em novo parecer o MP requer a oitiva das testemunhas arroladas na inicial.(fls. 711-712).
Às fls. 726-729, foram ouvidas três testemunhas arroladas pelo MP.
Às fls. 738, o requerido requer habilitação nos autos.
Às fls. 740 apresenta petição requerendo a juntada de documentos que supostamente seriam cópias dos procedimentos licitatórios que não foram apresentados junto ao TCE na época própria, mas que demonstrariam ser fatos impeditivos e modificativos do direito do autor.
Juntou documentos de fls. 748-3014.
Em parecer de fls. 3020-3022, o representante do Ministério Público afirma a invalidade da documentação juntada, suscita diversos indícios de que tais documentos teriam sido forjados após a prestação de contas junto ao TCE, dentre outros, pelos seguintes termos: 1) não há demonstração do chamamento das empresas através de convite; 2) A documentação apresentada não foi juntada quando da época da prestação de contas junto ao TCE e nem em sede de pedido de reconsideração; 3) os documentos foram fabricados de uma só vez, os pareceres jurídicos são idênticos e genéricos em todos os processos licitatórios; 4) as atas de julgamento das licitações foram feitas sem a presença de qualquer representante da empresa vencedora.
Às fls. 3023 foi designada audiência de conciliação a qual se realizou às fls. 3035-3036, oportunidade em que foi deferido prazo de 15 dias para juntada dos originais dos documentos relativos aos processos licitatórios.
Os referidos originais foram apresentados às fls. 3038-5476.
Às fls. 5480, foi indeferido o pedido de nomeação de perito para aferir eventual falsidade documental e/ou analise e emissão de parecer. Após, determinou-se a intimação das partes para apresentação de alegações finais.
Às fls. 5480-v, o MP requer, novamente que sejam apresentados os documentos originais.
Às fls. 5481, indeferi tal requerimento, tendo em vista que o requerido já havia apresentado a documentação original às fls. 3037-5476.
Às fls. 5482-5485-v, o representante do Ministério Público apresenta alegações finais oportunidade em que reitera os termos da inicial e requer a condenação do réu nas penas do art. 9º, X e XI, art. 10, VII e art. 11, I, todos da LEI nº 8429/92, impondo-se, quanto ao ressarcimento do dano o valor de R$ 5.730.289,90.
O réu, em sede de alegações finais, sustenta em preliminar ausência de motivação da sentença como violação ao princípio do contraditório para ao fim  requerer a revogação do despacho de recebimento da inicial e profira novo despacho para possibilitar a defesa do requerido; no mérito, afirma que não é razoável a responsabilização do agente político por improbidade administrativa com base apenas nas informações do TCE; que não estão presentes os requisitos necessários para a configuração de atos de improbidade administrativa já que não há demonstração do necessário dolo como elemento subjetivo do tipo e, ainda, que não há demonstração de dano ao patrimônio público; que quanto à alegação de ausência de licitação, fragmentação de despesas e ausência de comprovantes de despesas, afirma que tal imputação não se sustenta já que foram juntados aos autos cópias de 197 licitações e 07 dispensas de licitação questionadas na inicial, o que constituiria fato impeditivo ou modificativo do direito do autor, de forma que os recursos foram empregados em favor da coletividade não se podendo falar em prejuízo ao erário; relativamente à fragmentação de despesas, que não há prova do dolo do agente e nega que tenha havido fracionamento de despesas com vistas a obtenção de dispensa indevida de licitação;  que quanto à suposta aplicação de percentual a menor na manutenção e desenvolvimento do ensino,  requerido afirma que não ocorreu tal prática e que a receita total do município em 2004 foi de R$ 12.859.451,13 e que a despesa com educação foi de R$ 5.173.907,69, de forma que teriam sido gastos com educação 40,23% das receitas; que quanto à ausência dos comprovantes de despesas, afirma que não há prova nos autos de que as mercadorias adquiridas não tenha sido aplicadas em favor da comunidade; que nenhum dos atos imputados ao requerido foram praticados com dolo ou má-fé, de forma que não configuram improbidade administrativa; não havendo prova das improbidades imputadas na inicial, devem ser indeferidos os pedido de restituição ao erário, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil; após, invoca os requisitos do ato administrativo e os princípios do direito administrativo para afirmar a incorreção do modo de proceder do Ministério Público; finaliza requerendo o indeferimento das medidas cautelares pleiteadas e a improcedência da ação.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório. DECIDO

FUNDAMENTAÇÃO

QUANTO À PRELIMINAR DE NULIDADE DA DECISÃO QUE RECEBEU A INICIAL

Em sede de alegações finais, sustenta o requerido a ausência de fundamentação da decisão que recebeu a inicial às fls. 698.
Sem razão.
Com efeito, cumpre observar que a referida decisão é datada de 04.05.2010, tendo derivado de uma análise, em juízo de mera prelibação, porém, cuidadosa, verificando o magistrado que não seria caso de rejeição da ação por não ter se convencido da inexistência do ato de improbidade, da improcedência da ação ou da inadequação da via eleita.(art. 17, §8º, LIA), tanto mais porque o réu, em que pese devidamente notificado, não apresentou qualquer manifestação.
Ademais, devidamente intimado da referida decisão, o requeiro manteve-se inerte, não tendo sequer apresentado contestação, motivo pelo qual o declaro revel.
Destaco que o próprio art. 17, §10 da LIA, prevê a possibilidade de recurso por parte do requerido relativamente a decisão de recebimento da inicial, de forma que não o tendo exercido à época própria, o caso é de preclusão temporal:

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.
(...)
§ 10. Da decisão que receber a petição inicial, caberá agravo de instrumento.

Portanto, tendo a decisão de recebimento da denúncia como fundamentada, motivo pela qual afasto a nulidade suscitada.

DO MÉRITO

                                   A Improbidade administrativa tem fundamento no art. 37, parágrafo 4º da Constituição Federal tendo sido regulamentada pela Lei nº 8.429/92 legislação essa que tipificou em numerus apertus várias condutas que constituem atos de improbidade administrativa dividindo-as em três grandes grupos.
                                   O primeiro grupo é previsto no art. 9º e engloba os atos que causam enriquecimento ilícito.
                                   O segundo grupo está previsto no art. 10 e refere-se aos atos que causam prejuízo ao erário.
                                   O terceiro, por sua vez, está previsto no art. 11 e diz respeito aos atos que atentam contra os princípios da administração pública.
                                   O Ministério Público imputa ao réu a prática de atos de improbidade administrativa descritos nos artigos 9º, XI (uma vez); art. 10, VIII (duas vezes); art. 11, I (uma vez) do referido diploma legal.

APLICAÇÃO DE PERCENTUAL A MENOR NA EDUCAÇÃO

Sustenta o Ministério Público que o requerido durante a sua gestão no ano de 2004 deixou de aplicar o percentual mínimo constitucionalmente previsto para a área da educação, uma vez que deveria ter aplicado o percentual mínimo naquele exercício financeiro de 25% quando na verdade foi aplicado tão-somente 8,72%, violando assim, o art. 212 da Constituição Federal.

Afirma que tal conduta gerou graves prejuízos para a população de João Lisboa que ficou alijada de um maior número de vagas , de profissionais da educação, reforma de escolas e outros serviços educacionais.

Em sede de alegações finais, o requerido limitou-se a informar que na verdade gastou 40,23% do Orçamento, sem qualquer prova nesse sentido.

Dispõe o art. 212 da CF:

Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.

Analisando os autos e as provas, observo que de fato o requerido não cumpriu com a sua obrigação constitucional tendo aplicado na Manutenção e Desenvolvimento do Ensino o valor de R$ 512.070,02 (8,72%) quando em verdade deveria ter aplicado, no mínimo, R$ 1.468.672,27 (25% da receita de impostos e transferências que naquele ano atingiu o montante de R$ 5.874.689,06).(fls. 133-134)
Como se não bastasse o município somente aplicou somente 13,42% dos recursos destinados à educação com o Ensino Fundamental quando deferia ter gasto, no mínimo, 15%, nos termos do art. 60 do ADCT.(fls. 37)
Também os recursos do FUNDEF foram gastos de maneira ilegal uma vez que devendo gastar 60% com magistério e 40% com outras despesas, o fez somente no percentual respectivo de 47,09% com remuneração de profissionais do magistério, descumprindo o art. 60, §5º do ADCT e art. 7º da Lei nº 9394/96.(fls. 38 e 107)
Portanto, aqui restou exaustivamente demonstrada a ilegalidade na gestão do orçamento público. Ilegalidade essa que se revela de forma qualificada já que ao deixar de empregar os recursos na educação da forma preconizada pela lei, abriu possibilidade de desviá-lo para outras despesas obscuras e de mais difícil fiscalização, o que revela a má-fé do agente público ordenador de despesas.
Quanto ao elemento subjetivo, este restou evidenciado pelo dolo, consistente na vontade livre de deixar de cumprir as determinações legais e constitucionais, com o fim de desviar verbas originalmente destinadas à educação em prejuízo do desenvolvimento em sede municipal de tal serviço essencial.
Quanto à tese de defesa de que teria havido um erro contábil pelos técnicos do TCE que não teriam levado em consideração os gastos efetuados pelo município referentes à obrigação patronal (INSS EMPRESA) num total de R$ 798.147,36, observo às fls. 133, que o relatório de informações técnicas do recurso complementar nº 02/2008 UTCOG-NACOG constata que “Contudo, há que se observar que esse valor se refere a todos os servidores da Prefeitura, e não somente àqueles da educação (....)”.
Por tais, razões tenho por configurado o ato improbo imputado ao requerido, previsto no art. 11, caput, da Lei nº 8429/92.
                                  
DA AUSÊNCIA DE PROCESSO LICITATÓRIO

                                   O art. 10, VIII da Lei nº 8429/92 dispõe que constitui ato de improbidade administrativa que causa prejuízo ao Erário frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá­lo indevidamente:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
(...)
 VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá­lo indevidamente;

                                   Analisando os autos verifico que em que pese a revelia do réu, o mesmo veio para os autos e juntou farta documentação infirmando em parte as imputações do Ministério Público relativas à inexistência de prévia licitação para a aquisição dos produtos descritos às fls. 03-17 e 21-22.
                                   Os documentos juntados aos autos às fls. 748-3014, não são hábeis a demonstrar a existência fática dos procedimentos licitatórios aos quais o autor imputa a inexistência, pois 1) não há demonstração do chamamento das empresas através de convite; 2) A documentação apresentada não foi juntada quando da época da prestação de contas junto ao TCE e nem em sede de pedido de reconsideração; 3) os documentos foram fabricados de uma só vez, os pareceres jurídicos são idênticos e genéricos em todos os processos licitatórios; 4) as atas de julgamento das licitações foram feitas sem a presença de qualquer representante da empresa vencedora.
A isso merece ser adicionado falhas graves verificadas por este juízo, por exemplo, no procedimento licitatório consistente em CONVITE para aquisição de livros didáticos de fls. 3207-3236, onde consta no edital de fls. 3207 que o certame ocorrerá no dia 18.05.2004 às 10h, porém, a empresa supostamente vencedora DPN DISTRIBUIDORA LTDA teria, na oportunidade juntado CERTIDÃO NEGATIVA QUANTO À DIVIDA ATIVA DA UNIÃO emitida em 31.05.2004 às 11:27:43, portanto, posteriormente à data da licitação o que revela a impossibilidade física e cronológica do referido documento existir no dia 18.05.2004, tudo a demonstrar que se tratou de uma montagem do processo licitatório.
                                   Situação semelhante ocorreu no EDITAL DE LICITAÇÃO CARTA CONVITE Nº 97/2004 para aquisição de material de expediente e escolar (fls. 2027-2035) onde consta no edital de fls. 2027 que o certame ocorrerá no dia 06.07.2004 às 16h, tendo o edital sido publicado em 24.06.2004 (fls. 2027), porém, as empresas supostamente convidadas somente obtiveram certificado de registro cadastral junto ao Município de João Lisboa em 01.07.2004, de forma que não poderiam ter sido convidadas em 24.06.2004 o que revela a impossibilidade física e cronológica do referido documento existir no dia 24.06.2004, tudo a demonstrar que se tratou de uma montagem do processo licitatório.

                                   Não fosse o suficiente, observo que ao longo de todos os processos de licitação anexados aos autos, num total de 197 licitações, TODOS os certificados de registro cadastral das empresas participantes das licitações – quase seiscentas no total – foram emitidos e assinados em 05.01.2004 para TODAS AS LICITAÇÕES DO PRIMEIRO SEMESTRE DE 2004 e 01.07.2004 para TODAS AS LICITAÇÕES DO SEGUNDO SEMESTRE DE 2004, o que revela mais um indício de montagem de licitações para justificar as despesas.

Por conseguinte, tenho como imprestáveis os documentos anexados aos autos às fls. 748-3014 para fazer prova da existência dos processos licitatórios imputados como inexistentes pelo Ministério Público, tanto mais levando-se em consideração que os mesmos não foram anexados à prestação de contas junto ao TCE/MA na época própria e nem nos dois pedidos de reconsideração feitos pelo réu nos autos do processo administrativo que tramitou perante aquele órgão de contas e que culminou com a emissão de parecer préivio pela desaprovação das contas e imputação de débito e multa ao referido ex-gestor.
Fixados tais pontos, passo a aferição da ocorrência ou não de dispensa indevida de licitação.
No presente caso, restou evidenciado que o requerido procedeu a  compras que superam em muito àquele limite de dispensa de licitação (R$ 8.000,00) de forma que, diante da inexistência de prévio processo licitatório, tal omissão encontra subsunção no art. 10, VIII da Lei nº 8429/92.

Portanto, restou evidenciado nos autos que a municipalidade de João Lisboa foi lesada no valor de R$ 2.600.121,83 (dois milhões, seiscentos mil, cento e vinte e um reais e oitenta e três centavos), correspondente ao somatório dos valores constantes às fls. 03-17, despesas efetuadas sem licitação válida.

                                   O elemento subjetivo do tipo também restou demonstrado uma vez que agindo como agiu, restou evidenciado o dolo do agente, caracterizado pela livre e consciente vontade de dispensar indevidamente a licitação, mesmo ciente ilegalidade de sua conduta. Ou, no mínimo, sua culpa in eligendo, culpa grave, ao escolher mal as pessoas que colocou em cargos vitais da administração relativamente à análise jurídica do procedimento de licitação.

Observe-se que nos termos do art. 10, caput,  da Lei nº 8429/92, o elemento subjetivo do tipo satisfaz-se tanto com o dolo quanto com a culpa.

Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TIPIFICAÇÃO. INDISPENSABILIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO (DOLO, NAS HIPÓTESES DOS ARTIGOS 9º E 11 DA LEI 8.429/92 E CULPA, PELO MENOS, NAS HIPÓTESES DO ART. 10). PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA 1ª SEÇÃO. RECURSO PROVIDO.

(STJ - EREsp: 479812 SP 2007/0294026-8, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Julgamento: 25/08/2010, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 27/09/2010)

Quanto a alegação da defesa de que foram efetuados todos os procedimentos de licitação indicados na inicial, explicito que as razões acima delineadas já demonstram que a documentação apresentada é inidônea para o fim a que se destina, e que se tratam de uma inovação – cheia de falhas que maculam sua credibilidade – e     que houve omissão já que sequer tais documentos constaram da prestação de contas do exercício 2004 do requerido junto ao TCE/MA conforme se verifica do Relatório de Informações Técnicas de fls. 32-51.

                                   Por tais motivos, tenho como demonstrada nos autos a primeira imputação relativa a realização de despesas sem o correspondente procedimento licitatório, configurando o ato ímprobo imputado ao requerido, previsto no art. 10, VIII, da Lei nº 8429/92.

DA AUSÊNCIA DE COMPROVANTES DE DESPESAS


                                   Em sua inicial, imputa o representante ministerial ao réu a conduta de apropriação de recursos públicos referentes ao exercício financeiro do ano de 2004 num total de R$ 343.363,46 (trezentos e quarenta e três mil, trezentos e sessenta e três reais e quarenta e seis centavos) uma vez que teria prestado contas junto ao TCE/MA de 26 (vinte e seis) compras, enumerando as pessoas jurídicas que receberam recursos públicos, sem providenciar as respectivas comprovações de despesas (notas fiscais).
                                  
                                   O art. 9º, XI, da Lei nº 8429/92 dispõe que constitui ato de improbidade administrativa que gera enriquecimento ilícito a incorporação ao próprio patrimônio de valores ou verbas públicas:

Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:
(...)
XI – incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei;

                                   Encontra-se devidamente demonstrada nos autos a partir do Relatório de Informação Técnica nº 007/06 – UTCOG-NACOG e Relatório de Informação Técnica  de Recurso Complementar nº 02/2008 – NACOG/UTCOG, que o referido gestor de contas públicas teve suas contas referentes ao exercício 2004 recebido PARECER PRÉVIO PL-TCE Nº 178/2007 (fls. 85) pela desaprovação e Acórdão PL-TCE nº 325/2007 (fls. 86-87), mantido pelo Acórdão PL-TCE nº 552/2008 (fls. 161) pela desaprovação das contas do exercício 2004, onde todos esses documentos atestam a inexistência de documentos fiscais que comprovem a regularidade das despesas alegadas e não demonstradas pelo réu. Portanto, não consta dos autos, as notas fiscais que comprovem a origem de tais despesas.

                                   Merece relevo as inúmeras oportunidades conferidas ao requerido de fazer prova dessas despesas tanto no curso do processo administrativo nº 3628/2005 - TCE onde o mesmo apresentou dois pedidos de reconsideração, ambos improvidos, quanto no curso do presente processo judicial onde o requerido teve oportunidade de fazer a juntada da referida documentação em sua defesa prévia, resposta escrita e no curso da instrução, porém, não o fez.

Portanto, a prova anexada aos autos é robusta quanto à ausência de documentos que comprovem as despesas individualizadas na inicial, num total de R$ 343.363,46 (trezentos e quarenta e três mil, trezentos e sessenta e três reais e quarenta e seis centavos), efetivadas com recursos públicos, de forma que inexistindo tal comprovação concluo pelo  desvio e incorporação de tais valores, em proveito próprio pelo requerido, destacando-se que o mesmo os possuía sob sua guarda e responsabilidade em decorrência de ocupar o cargo de prefeito, ordenador de despesas, no exercício de 2004.

A autoria, por sua vez, também restou evidenciada uma vez que a prestação de contas do exercício financeiro de 2004 do município de João Lisboa/MA foi feita pelo requerido que à época ocupava o cargo de prefeito municipal e ordenador de despesas, conforme se verifica do Relatório de Informação Técnica nº 007/06 (fls. 32-51).

                                   O elemento subjetivo do tipo também restou demonstrado uma vez que agindo como agiu, restou evidenciado o dolo do agente, caracterizado pela livre e consciente vontade de incorporar ao seu patrimônio verbas públicas, mediante o apossamento de tais verbas e sua posterior alegação de gastos em despesas que não foram comprovadas nos autos e nem na prestação de conta do requerido junto ao TCE/MA.

Quanto a tese de defesa de que não haveria prova de que tais mercadorias não tenham sido aplicadas em prol da comunidade e que os Relatório de Informação Técnica nº 007/06 – UTCOG-NACOG e Relatório de Informação Técnica de Recurso Complementar nº 02/2008 – NACOG/UTCOG, onde o referido gestor de contas públicas teve suas contas referentes ao exercício 2004 recebido PARECER PRÉVIO PL-TCE Nº 178/2007 (fls. 85) pela desaprovação e Acórdão PL-TCE nº 325/2007 (fls. 86-87), mantido pelo Acórdão PL-TCE nº 552/2008 (fls. 161) pela desaprovação das contas do exercício 2004, seriam imprestáveis para fins de controle externo, pois a competência para julgamento das Contas seria da Câmara Municipal, tal fundamentação é imprestável para afastar eventual subsunção da conduta do requerido ao tipo; quanto a alegação de que não houve aplicação regular dos recursos públicos, as provas dos autos apontam em sentido contrário já que as referidas despesas não foram justificadas e nem comprovadas junto ao TCE ou nos presentes autos; quanto ao elemento subjetivo do tipo, o mesmo já fora explicitado nas razões supra.
Colaciono precedente em situação análoga:

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. RECURSOS PÚBLICOS FEDERAIS (FUNDEF). COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. APLICABILIDADE DA LEI Nº 8.429/92 AOS PREFEITOS. AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. INOBSERVÂNCIA DO PERCENTUAL PREVISTO NO ARTIGO 7º, DA LEI Nº 9.424/96. EMPREGO DE PARCELA DA VERBA PARA O CUSTEIO DE DESPESAS NÃO COMPATÍVEIS COM A SUA DESTINAÇÃO ESPECÍFICA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA NATUREZA DE OUTRAS DESPESAS. DEMAIS IRREGULARIDADES. DOLO/CULPA. DOSIMETRIA DAS SANÇÕES. AJUSTE. 1. A Justiça Federal é competente para apreciar a demanda em que se atribui ao réu a prática de improbidade na aplicação de recursos públicos federais (do FUNDEF). 2. Ficou pacificado, na jurisprudência pátria, que a Lei nº 8.429/92 se aplica aos prefeitos, havendo alusão expressa àqueles que exercem mandatos. A mesma só foi afastada quanto às autoridades elencadas no artigo 102, I, c, da Carta Magna, enquadradas entre os destinatários da Lei nº 1.079/50. A responsabilização, na esfera criminal, não se confunde com a de natureza político-administrativa, que motivou a criação do instituto da Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa. 3. Houve a comprovação da autoria e da materialidade de atos de improbidade, enquadrados nos artigos 10, XI, e 11, "caput", da Lei nº 8.429/92. 4. Confessadamente, não ocorreu a aplicação do percentual mínimo de 60% (sessenta por cento) do Fundo, na forma do artigo 7º, da Lei nº 9.424/96. Não se comprovou em que foi utilizada uma parte dos valores repassados, outra parcela não foi empregada para a finalidade a que se destina o mencionado Fundo e ocorreram outras irregularidades de menor relevância (recursos alusivos ao exercício de 2000 serviram para quitar restos a pagar de 1999 e remanesceu saldo, quanto ao mencionado exercício, em contrariedade à anualidade do Fundo). 5. Restou patente o dolo, mesmo que eventual, na conduta do gestor, ainda que não haja prova de que ele tenha se locupletado do valor desviado. De qualquer sorte, o aludido artigo 10 contempla a possibilidade da condenação, também, quando o agente labora com culpa. 6. A dosimetria da pena merece ajustes, diante do reconhecimento da significativa redução do dano causado ao erário. Ressarcimento limitado aos gastos sem qualquer comprovação (R$ 22.516,77), excluindo-se os valores referentes aos dispêndios irregulares, em desacordo com as normas do FUNDEF, mas constatados. Redução da multa civil para R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Afastamento da perda da função pública e da suspensão dos direitos políticos. 7. Apelação parcialmente provida (TRF-5 - AC: 200983020017628  , Relator: Desembargador Federal Luiz Alberto Gurgel de Faria, Data de Julgamento: 25/04/2013, Terceira Turma, Data de Publicação: 03/05/2013)

PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE IMPROBIDADE. DEFESA. CONVÊNIO. NÃO COMPROVAÇÃO DAS DESPESAS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. GRADAÇÃO NA APLICAÇÃO DAS SANÇÕES. 1. Apresentando o réu manifestação, antes do recebimento da inicial, na segunda instância e contestação na primeira, não há que se falar em cerceamento de defesa. 2. Convênio da Prefeitura com o FNDE.Não comprovação das despesas efetuadas. 2. No nosso ordenamento jurídico, a exigência da culpa, é a regra. A culpa normalmente é exigida para a configuração da responsabilidade. A responsabilidade objetiva se observa em alguns casos, como os previstos na Constituição Federal, arts. 37, § 6º, 225, § 3º, Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.1990), artigo 14, Código Civil, arts. 927, parágrafo único, 932 e 936. 3. Deve haver uma gradação na aplicação das sanções, levando-se em conta a gravidade do ilícito, a extensão do dano e o proveito patrimonial obtido. Pode-se, assim, aplicar uma ou mais sanções. (TRF-1 - AC: 878 PA 2001.39.01.000878-8, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL TOURINHO NETO, Data de Julgamento: 11/03/2008, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: 28/03/2008 e-DJF1 p.218)


No presente caso, porém, a destinação de relevante quantia de verba pública do exercício financeiro de 2004 teve destinação ignorada, uma vez que inexistem comprovantes de despesas, fazendo-se presumir sua indevida incorporação pelo ordenador de despesas.
Por tais razões, tenho por configurado o ato ímprobo imputado ao requerido, previsto no art. 9º, XI, da Lei nº 8429/92.

DISPOSITIVO


Em razão do exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente ação de improbidade administrativa, por ter o réu praticado atos descritos nos artigos 11, caput (1x); art. 10, VIII (1x); art. 9º, XI (1x), todos da Lei 8.429/1992, condenando-o nas seguintes penas:

a)     Pelos atos descritos no art. 11, caput, da Lei 8.429/1992, referentes a APLICAÇÃO DE PERCENTUAL A MENOR NA MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO, CONDENO-O a suspensão dos direitos políticos pelo prazo de três anos, pela gravidade do ato uma vez que ao deixar de aplicar os índice mínimos previstos na legislação constitucional (CF, art. 212), demonstra pouco ou nenhuma preocupação com a qualidade do ensino da Educação Pública municipal; ao pagamento de multa civil no montante correspondente a 20 (vinte) vezes o valor da remuneração percebida pelo prefeito desta urbe no ano de 2004, valor que não é ínfimo e nem exagerado e guarda proporção com a gravidade da conduta perniciosa do agente; e, por fim, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
b)    Pelos atos descritos no art. 10, VIII, da Lei 8.429/1992, referentes a ausência de processo licitatório, a ressarcir ao MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA/MA a quantia correspondente ao prejuízo sofrido pela municipalidade, num total de R$ 2.600.121,83 (dois milhões, seiscentos mil, cento e vinte e um reais e oitenta e três centavos), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, a contar desde a data de cada dispensa indevida de licitação, a teor do art. 398 do CC e das Súmulas n. 43 e 54 do E. STJ. Condeno o réu ainda: à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de cinco anos, pela gravidade do ato que ofendeu o direito a livre concorrência, impedindo-a; ao pagamento de multa civil no montante correspondente a duas vezes o prejuízo sofrido pelo município; e, por fim, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos. Indefiro o pedido de perda dos valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio do réu por não ter restado provado a incorporação dos valores supra ao patrimônio do requerido.
c)     Pelos atos descritos no art. 9º, XI, da Lei 8.429/1992, referentes a AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE DESPESAS, CONDENO-O a ressarcir ao MUNICÍPIO DE JOÃO LISBOA/MA a quantia correspondente ao prejuízo sofrido pela municipalidade, num total de R$ 343.363,46 (trezentos e quarenta e três mil, trezentos e sessenta e três reais e quarenta e seis centavos), corrigidos monetariamente e acrescidos de juros de 0,5% (cinco décimos por cento) ao mês, a contar desde a data de cada pagamento indevido, a teor do art. 398 do CC e das Súmulas n. 43 e 54 do E. STJ. Condeno o réu ainda: à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de oito anos, pela gravidade do ato uma vez que utilizando-se de sua condição de gestor,  apropriou-se indevidamente de verbas públicas; ao pagamento de multa civil no montante correspondente a duas vezes o prejuízo sofrido pelo município; e, por fim, à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos.

Em face do resultado do julgamento, defiro cautelar de indisponibilidade dos bens do requerido, uma vez presentes os requisitos cautelares do fumus boni iuris consistente na real probabilidade de responsabilização civil do réu após o transito em julgado do feito e o periculum in mora, consistente na possibilidade de dilapidação patrimonial, fazendo-se necessária a reserva de bens em montante suficiente para cobrir eventuais prejuízos, sob pena de se tornar ineficaz eventuais condenações contra o requerido motivo pelo qual fixo-a no valor de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), valor aproximado do somatório das condenações para tornar indisponíveis os bens imóveis do réu. Sendo assim, com supedâneo no meu poder geral de cautelar (CPC, art. 798) concedo tutela cautelar atípica para tornar indisponíveis os bens imóveis do requerido, eventualmente existentes nesta comarca e em outras comarcas, para garantir eventual ressarcimento ao erário público, em montante suficiente para suportar o pagamento de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais), valor aproximado do somatório das condenações.

Oficie-se ao cartório de registro de imóveis local,  da Comarca de Imperatriz, Grajaú/MA, São Luís/MA, Dom Elizeu/PA, Ulianópolis/PA, Marabá/PA, Açailandia/MA e Itinga/MA para que averbe à margem dos registros de imóveis eventualmente em nome do réu, a indisponibilidade dos referidos bens.

A liquidação da presente sentença dar-se-a por simples cálculos a cargo do autor.
Tendo em vista a sucumbência do réu, condeno-o ao pagamento das custas processuais. Deixo de condenar em honorários tendo em vista que o autor é o Ministério Público Estadual.

Publique-se, Registre-se e Intimem-se as partes, inclusive o Ministério Público.

Intime-se o Ministério Público.

                                    
João Lisboa/MA, 07 de julho de 2015.

 



Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da 1ª Vara da Comarca de João Lisboa


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