Processo n.º 1144-98.2012.8.10.0066
(7652013)
Ação Indenizatória
Requerentes: Eduardo Viana Teixeira e Walkenia de Sousa
Silva
Requerido: Estado do Maranhão
DECISÃO
Trata-se de Ação de Indenização por danos morais e
materiais intentada por EDUARDO VIANA TEIXEIRA e WALKENIA DE SOUSA SILVA em
vista do falecimento da filha recém nascida do casal em hospital do requerido,
bem como ocultação e troca de cadáver c/c pedido de liminar para entrega do
corpo à família para sepultamento.
Aduzem os requerentes que após o nascimento da filha do
casal, BEATRICE SILVA VIANA, nascida viva em 15.04.2012 (fl. 61), esta evoluiu
a óbito em 16.04.2012 (fl. 62) na UTI neonatal do referido hospital.
Informam que após receberem a notícia do falecimento de
sua filha buscaram à 9h da manhã do dia 16.04.2012 receber o corpo da criança
para procederem ao sepultamento, no entanto, lhes teria sido negado acesso ao
corpo de sua filha, tendo inclusive solicitado ao autor que providenciasse a
certidão de óbito da criança sem mesmo ter direito a ver o corpo da criança.
Relatam que tal celeuma infundiu nos requerentes a
esperança de que a criança ainda estivesse viva, e que por volta das 15hs do
dia 16.04.2012 teriam recebido o corpo de um recém-nascido do sexo masculino em
divergência com o sexo da filha do casal.
Ocorre que o corpo de sua filha BEATRICE teria sido
entregue ao casal, Francisco da Silva Sousa e Wéssica Sousa Silva, que a
enterraram em Senador La Rocque como FRANCISCO ÍTALO, também falecido no mesmo
hospital.
Após a constatação do erro, foi procedida a exumação do
cadáver enterrado no cemitério de Senador La Rocque na data de 18.04.2012 e o
corpo encaminhado para o IML para coleta de material para realização do exame
de DNA e laudo de exame cadavérico para fins de atestar a causa mortis.
Propalam que por não haver tecnologia no Estado do
Maranhão para reconhecimento do DNA por meio de biologia molecular, o exame só
foi realizado em dezembro de 2012 no Estado do Amapá, quando constatou-se a
paternidade dos requerentes em relação ao corpo exumado (fls. 97-105).
O IML de Imperatriz deveria proceder ao laudo de exame
cadavérico para atestar a causa mortis
da criança, tendo, no entanto, permanecido inerte até a presente data, segundo
alegam os requerentes.
Afirmam que até a presente data não viram o corpo de sua
filha, desde o nascimento, tempo de internação na UTI, e nem ainda no Instituto
Médico Legal de Imperatriz, onde permanece atualmente, razão pela qual requerem
liminarmente deste juízo a determinação
para que o IML proceda à entrega do Laudo de Exame Cadavérico atestando a causa mortis da criança BEATRICE SILVA
VIANA e a imediata liberação do corpo para seus pais.
Juntaram documentos às fls. 24-113, dentre os quais
destacam-se prontuário de internação da requerente (fls. 39-60), declaração de
nascido vivo (fl.61), declaração de óbito (fl.62), certidão de nascimento
(fl.63), termo de declarações junto à Delegacia de Polícia Civil de Imperatriz
(fls. 81-82;86-89), boletim de ocorrência (fl.91), matéria jornalística acerca
do caso (fl.93) certidão de óbito da criança (fl. 83), exame de DNA (fls.
97-105), ofício do Delegado de Polícia Civil de Imperatriz solicitando
realização de laudo de exame cadavérico (fl. 109).
Vieram os autos conclusos.
É o
relatório. DECIDO.
Para a concessão da liminar
faz-se imprescindível à presença de requisitos previsto em lei, quais sejam, a
prova inequívoca que conduza à verossimilhança da alegação e o fundado receio
de dano irreparável ou de difícil reparação ou o abuso do direito de defesa.
Necessário, ainda, que não haja perigo de irreversibilidade da medida,
consoante previsão do art. 273 do Código de Processo Civil.
Tendo em vista que a medida
acaba por suprimir, de início, o contraditório, deve restar devidamente claro
ao magistrado o preenchimento das exigências legais, o que demanda parcimônia e
equilíbrio na análise do feito, sob pena de banalização da medida.
No tocante ao requisito da
relevância do fundamento da demanda, deve ser entendido como a existência de prova inequívoca, capaz de convencer o
juízo da verossimilhança da alegação
contida no pedido, ou seja, suficiente para fazer o magistrado chegar à
conclusão de que as afirmações expostas na petição inicial provavelmente
correspondem à realidade.
Por relevância do fundamento
da demanda, temos que exista prova inequívoca, capaz de convencer o juízo da
verossimilhança da alegação contida no pedido. Ressalte-se, contudo, que a
locução prova inequívoca não pode ser
interpretada de forma rigorosa e absoluta, o que será necessário apenas na fase
do provimento judicial final (sentença), mas sim como a prova suficiente a convencer o juiz de que as
afirmações expostas na petição inicial são passíveis de corresponder à
realidade, hábil a convencer o magistrado da verossimilhança da alegação (Fumaça do Bom Direito).
No que tange ao fundado
receio de dano irreparável ou de difícil reparação, tal requisito, para que
reste configurado, faz-se necessário: a) que seja impossível o retorno ao status quo ante (dano irreparável); b)
que, mesmo sendo possível o retorno ao status
quo ante, a condição econômica do réu não garanta que isso ocorrerá ou os
bens lesados não sejam passíveis de quantificação de maneira a viabilizar a
restituição integral dos danos causados, tal como ocorre com as lesões aos
direitos da personalidade, v.g, a
honra, a integridade moral, o bom nome, entre outros (dano de difícil
reparação).
No caso em análise verifico
que as razões invocadas pela parte autora, são suficientes para concessão de
liminar, restando demonstrados os requisitos do fumus boni iuris e periculum in mora.
A fumaça do bom direito
resta evidenciada diante da obrigação constitucional insculpidas no art. 1º,
III da CF, bem como na legislação infra-constitucional, em especial, no art.
12, caput e parágrafo único do CC e art. 19 da Lei nº 9434/97.
Verifica-se, mediante as informações colhidas no ofício do
delegado responsável pela investigação (fls. 112-113) que, após o parto da
requerente, no Hospital Regional Materno Infantil de Imperatriz, seu nascituro
evoluiu a óbito na UTI neonatal, juntamente com outros dois recém-nascidos, e,
por ocasião da entrega dos corpos dos referidos infantes, houve, supostamente,
erro por parte da direção do Hospital na entrega dos corpos. Após a notícia do
falecimento de sua filha recém-nascida, os requerentes tiveram de receber a
desagradável notícia de que o corpo da mesma havia sido entregue a outro casal,
e, já teria sido sepultada, situação que ensejou a exumação do cadáver da mesma
(fl. 111), tendo ambos passado ainda pela aflição da espera de resultado de
exame de DNA de identificação humana por biologia molecular realizado no Estado
do Amapá (fls. 97/105) somente no mês de dezembro de 2012.
A Carta Magna de nosso ordenamento jurídico trouxe
especial proteção aos direitos fundamentais, tendo explicitado como um dos
Fundamentos da República o princípio da Dignidade da Pessoa Humana, esculpido
no art. 1º, inciso III, da CF/88, e regulamentado em diversas normas
infraconstitucionais:
Art.
1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos
Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos:
(...)
III - a dignidade
da pessoa humana;
Por outro lado, o próprio Código
Civil, em seu art. 12 e parágrafo único, ressalva a possibilidade de proteção a
ser conferida aos direitos da personalidade, mesmo da pessoa morta, por seus
sucessores:
Art. 12. Pode‑se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da
personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções
previstas em lei.
Parágrafo único. Em
se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste
artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral
até o quarto grau.
Analisando os autos,
observo que os autores são genitores de BETRICE SILVA VIANA, nascida no
Hospital Regional de Imperatriz em 15.04.2012 e falecida no mesmo local em 16.04.2012,
sendo que até a presente data, por erro imputável ao Hospital, não recebeu o
corpo de sua filha para velório e sepultamento, havendo informação nos autos de
que o referido corpo encontra-se, ainda hoje, passados 01 ano e 05 meses do
óbito no IML de Imperatriz/MA para confecção de exame cadavérico, motivo pelo
qual pleiteiam os autores liminar para recebimento do corpo da menor.
Em análise apenas
preliminar dos fatos e provas anexos à inicial, verifico que a conduta de
retardar injustificadamente a entrega do corpo da menor BEATRICE SILVA VIANA
aos genitores para sepultamento além de ofender direitos da personalidade da de cujus que não teve, até hoje, direito
a um sepultamento digno, em tese, também configura crime previsto no art. 19 da
Lei nº 9434/97:
Art. 19. Deixar
de recompor cadáver, devolvendo‑lhe
aspecto condigno, para sepultamento ou deixar de entregar ou retardar sua
entrega aos familiares ou interessados:
Pena – detenção, de
seis meses a dois anos.
Portanto, nada
justifica a recalcitrância do requerido, através de seus prepostos, em
especial, o diretor do ICRIM de Imperatriz/MA em entregar o corpo da menor para
a família lhe dar um sepultamento digno, despedindo-se de uma vez por todas de
todas as dores que vem sofrendo em decorrência da situação de indefinição que
se formou.
Ademais, estando
provada, desde meados do mês de dezembro de 2012, data do recebimento do laudo
do exame de DNA (fls. 97-105) a real identidade da menor, em que pese a troca
ocorrida na maternidade, não há razões que justifiquem o retardamento na
entrega do corpo à família.
Assim, resta demonstrada, pela documentação acostada, a
fumaça do bom direito dos autores.
O perigo da demora, também restou evidenciado uma vez que,
com o passar do tempo, inobstante as atuais técnicas de conservação de
cadáveres, deteriorar-se ainda mais o corpo da filha dos requerentes, que
jamais viram ou tiveram acesso, em direta violação ao princípio da dignidade
humana, impondo aos autores desnecessário sofrimento, fato que, em tese, também
configura um delito.
ANTE
O EXPOSTO, DEFIRO A LIMINAR para determinar que o
ESTADO DO MARANHÃO, através do INSTITUTO MÉDICO LEGAL DE IMPERATRIZ,
proceda a elaboração e entrega do Laudo Cadavérico que identifique a causa
mortis da menor BEATRICE SILVA VIANA, solicitado pela Delegacia de Polícia
Civil de Imperatriz, com cópia do mesmo para a família da extinta, bem como cópia
a ser remetida a este Juízo, NO PRAZO DE 10 DIAS, sob pena de multa diária no
valor de R$ 500,00, nos termos do art. 461, §3º do CPC.
Concedo, ainda, LIMINARMENTE
TUTELA INIBITÓRIA no sentido de fazer cessar o ilícito que vem sendo
perpetrado contra a personalidade da de
cujus BEATRICE SILVA VIANA, determinando que o ESTADO DO MARANHÃO, através
do ICRIM de IMPERATRIZ proceda no mesmo prazo de 10 dias à entrega do corpo da
menor para os autores para que os mesmos possam velar e sepultar o corpo de sua
filha de forma digna, sob pena de prisão do DIRETOR DO IML DE IMPERATRIZ pelo crime do art. 19 da LEI nº
9434/97, além de multa diária no valor de R$ 500,00, nos termos do art. 461,
§3º do CPC.
NOTIFIQUE-SE O DIRETOR DO ICRIM DE IMPERATRIZ para
ciência e para que dê efetivo cumprimento à presente decisão.
Notifique-se o DELEGADO REGIONAL DE IMPERATRIZ para
ciência.
Defiro os benefícios da Justiça Gratuita;
Cite-se e intime-se o ESTADO DO MARANHÃO, para, cumprimento
da liminar e para querendo, oferecer resposta no prazo de 60 (sessenta) dias.
Decorrido o prazo, com ou sem resposta do requerido,
dêem-se vistas ao Ministério Público.
Cumpra-se.
Amarante do Maranhão/MA, 16 de Setembro de 2013
Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular
da Comarca de Amarante do Maranhão
ótima a sentença, serviu de parâmetro para eu estudar. Muito grato pela disponibilização que o Senhor realiza neste site. Ótimo trabalho!
ResponderExcluirObrigado, Vinicius! Bons estudos
ResponderExcluirO diretor do IML deve ter se apavorado quando leu o dispositivo!
ResponderExcluir