PROCESSO N˚: 54-81.2009.8.10.0038
RECLAMANTE: HOSPITAL BOM JESUS LTDA
RECLAMADO: MUNICÍPIO DE JOÃO
LISBOA
SENTENÇA
RELATÓRIO
HOSPITAL BOM JESUS LTDA, já qualificado,
ingressou com a presente ação de despejo c/c cobrança de alugueis e danos
morais contra o Município de João Lisboa/MA, alegando que em 05.01.2004 as
partes entabularam contrato de locação de imóvel urbano e comodato de bens
móveis que o guarneciam pelo preço de R$ 10.000,00 mensais com vencimento em
31.12.2004.
Sucede que o município ficou inadimplente em
relação ao aluguel de dezembro de 2004 e ofereceu ação de consignação em
pagamento depositando em juízo o valor de R$ 4.350,00 (proc. 271/2007) por
entender exagerado o valor do contrato.
Segundo a inicial, o contrato teria expirado em
dezembro de 2004, porém, até o ajuizamento da ação em 30.01.2009, tal prédio
ainda não havia sido devolvido pelo município com todos os seus pertences, o
que implicaria em prorrogação do contrato de locação por prazo indeterminado,
motivo pelo qual cobra a quantia de R$ 645.418,35 atualizada até a data do
ajuizamento da ação a título de alugueis, danos materiais relativamente aos
bens móveis, além de R$ 400.000,00 a título de danos morais.
Às fls. 80-v, consta despacho postergando a
analise da liminar para depois da contestação e determinando a citação do réu.
Às fls. 83, consta certidão informando que
decorreu in albis o prazo de contestação do município.
Às fls. 84, consta despacho determinando a
intimação do autor para especificar eventuais provas.
Às fls. 87-88, o autor requer a declaração de
revelia do réu e julgamento antecipado da lide e de forma contraditória requer
a produção de prova pericial quanto aos danos materiais que alega ter sofrido.
Às fls. 89, foi indeferido o pedido de
gratuidade da justiça.
Às fls. 95-96, houve pedido de reconsideração do
pedido de gratuidade e agravo de instrumento.
Às fls. 143, este juízo deferiu a gratuidade.
Às fls. 146-151, foi decretada a revelia do réu
e indeferida a liminar de despejo.
Às fls. 198-198-v, este juízo deferiu o
requerimento ministerial de fls. 191-194 e designou audiência de instrução.
Às fls. 222 realizou-se audiência preliminar,
não tendo havido conciliação proferiu-se despacho saneador e deferiu-se a
produção de prova pericial requerida pelo autor. Deferiu-se, ainda, o pedido do
MP de juntada aos autos de cópia da sentença que declarou a nulidade dos
decretos que declararam a inexigibilidade de licitação, bem como cópia da Ação
Civil Pública de Improbidade administrativa que condenou os representantes do
autor, dentre outras penas, a devolver o valor recebido a título de alugueis do
contrato que serviu de base para a presente ação de cobrança.
Às fls. 257, foi deferida vistoria no imóvel
para constatar a atual situação do imóvel que abrigou o hospital através do
ICRIM.
ÀS FLS. 259 foi juntada aos autos cópia da
sentença que extinguiu sem resolução do mérito a ação de consignação em
pagamento ajuizada pelo réu em face do autor.
Às fls. 262-276-v foi juntado aos autos cópia da
sentença da Ação Civil Pública nº 204/2002 que declarou a nulidade dos decretos
nº 07/2001, 46/2001 e 60/2001 que autorizaram a inexigibilidade de licitação
para a celebração do contrato de locação objeto da presente demanda.
Às fls. 277-292-v, foi juntado aos autos cópia
da sentença da Ação Civil de Improbidade Administrativa nº 173/2002 ajuizada
pelo MP em face dos representantes do HOSPITAL BOM JESUS LTDA e do prefeito e
secretario de educação às época da celebração do contrato de locação que
condenou todos por ato de improbidade administrativa que causaram prejuízo ao
erário e violaram princípios da administração pública, condenando-os na obrigação de devolver R$ 150.000,00 “referente aos 15
(quinze) meses de alugueis, cada um no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais),
conforme se extrai dos decretos nº 07/2001, 46/2001 e 60/2001”; suspensão
dos direitos políticos por 08 anos, multa civil no valor do dobro do dano
causado ao erário, em sentença que transitou em julgado e que se encontra
pendente de exeução.
Às fls. 322, o autor apresenta quesitos e assistente
técnico.
Às fls. 326, o município apresenta assistente
técnico.
As fls. 340-345, o ICRIM encaminha laudo de
vistoria do imóvel.
Às fls. 351, consta certidão afirmando que mesmo
intimadas as partes deixaram de se manifestar acerca do laudo pericial.
Às fls. 362, consta certidão informando que o
processo de anulação dos decretos transitou em julgado, o processo de
improbidade está em fase de cumprimento de sentença e que tramitou na segunda
Vara desta comarca processo criminal relacionado ao crime de dispensa indevida
de licitação relativa aos fatos aqui apurados, onde os representante do autor
foram condenados, encontrando-se tal condenação pendente de recurso.
Às fls. 463 foi declarada encerrada a instrução
e determinada a abertura de vistas para apresentação de memoriais.
Às fls. 465-470 o autor apresenta alegações
finais em forma de memoriais oportunidade em que sustentou que, em que pese a
declaração judicial transitada em julgado de nulidade dos DECRETOS que
autorizaram a contratação direta do imóvel do autor, restou incontroverso nos
autos que efetivamente houve contratação e prestação de serviços de locação do
empreendimento hospitalar e todos os seus objetos e utensílios indispensáveis à
sua realização empresarial; Que houve efetiva prestação de serviço e que a
afetação da contratação se deu em momento muito posterior à prestação do
serviço estando o município obrigado a efetuar o pagamento do objeto contratual
adimplido, sob pena de enriquecimento ilícito, motivo pelo qual requereu a
procedência da ação; que não houve má-fé por parte do autor e que eventual
má-fé não pode ser presumida; que a empresa confiou na presunção de
legitimidade dos atos administrativos;
O município não apresentou alegações finais,
conforme certidão de fls. 472.
O Ministério Público ofertou parecer às fls.
501-505, oportunidade em que manifestou-se pela perda do objeto em relação ao
despejo; reconhecimento da validade do valor do aluguel em R$ 10.000,00; que o
pagamento do aluguel seja feito até o momento em que o hospital fora
abandonado, ou seja, 12.08.2005 e procedência dos danos materiais.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Decido.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Pretende
o autor através da presente ação o recebimento de alugueis no valor de R$
623.418,35 que não teriam sido pagos pelo município de João Lisboa em que pese
a existência de contrato de locação de imóvel urbano e comodato dos bens móveis
referente ao período de dezembro de 2004 a dezembro de 2008, além de danos
materiais referente ao mobiliário deteriorado e danos morais no valor de R$
400.000,00.
O
município foi revel, mas os efeitos da revelia não se aplicam em sua
integralidade uma vez que o réu é a Fazenda Pública.
Adentrando
ao cerne da questão, passo a análise do contrato de locação celebrado entre as
partes.
A
Requerente anexou às fls. 71-77 Contrato de Locação de Imóvel firmado com o
Requerido, o qual possui como objeto a locação de um prédio situado com seus
acessórios e equipamentos localizado na Rua Bom Jesus, 325, Centro, para funcionar
como Hospital Municipal de João Lisboa, conforme dispõe a cláusula Primeira do
referido instrumento, observemos:
Contrato
de Locação de Imóvel (fl. 64):
CLÁUSULA
PRIMEIRA: O presente contrato tem por objeto a locação de 01 (um) prédio com
seus acessórios e equipamentos, localizado na Rua Bom Jesus, 325, Centro, para
funcionar como Hospital Municipal de João Lisboa, de acordo com as
especificações e detalhamento consignados no anexo nº 01 e 02(...).
(grifei)
Referido
contrato previa o prazo de vigência de 12 (doze) meses, correspondentes ao
período de 05 de janeiro de 2004 a 31 de dezembro de 2004, sendo, a partir de
então, prorrogado por prazo indeterminado, segundo tese do autor, invocando
para tal prorrogação a regra do art. 56, § único da Lei nº 8245/91.
Com
efeito, é cediço que aos contratos administrativos, ou seja, àqueles firmados
entre a Administração Pública e o particular, como ocorre no caso em tela,
aplicam-se, em regra, as normas previstas na Lei Nº 8.666, de 21 de Junho de 1993
(que regulamento o art. 37, inciso XXI, da Constituição
Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração
Pública e dá outras providências), a teor do que dispõe o seu art. 54, in verbis:
Art.
54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas
cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes,
supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de
direito privado.
No
entanto, assim não ocorre com o contrato de locação em que o Poder
Público figure como locatário, sendo este regido, predominantemente, por
norma de direito privado, notemos:
Lei
Nº 8.666/93. Art. 62. § 3º
Aplica-se o disposto nos arts. 55 e 58 a 61 desta Lei e demais normas gerais,
no que couber:
I –
aos contratos de seguro, de financiamento, de locação em
que o Poder Público seja locatário, e aos demais cujo
conteúdo seja regido, predominantemente, por norma de direito privado.
Assim,
em condições normais de análise de um feito dessa natureza dever-se-ia concluir
que de fato teria havido uma prorrogação tácita do contrato de locação já que o
locatário permaneceu no imóvel pelo menos até a locação de outro prédio para
funcionar como sede do Hospital Municipal de João Lisboa, o que ocorreu em
12.08.2005 (conforme contrato de locação do HOSPITAL DOM BOSCO, situado na
AVENIDA IMPERATRIZ, 1370, CENTRO, JOÃO LISBOA/MA), de forma que dever-se-ia
reconhecer a inadimplência do município e determinar o pagamento da obrigação
contratual, bem como de eventuais danos materiais.
Sucede
que a análise do presente feito não é tão simplória!
Com
efeito, cumpre destacar que os sucessivos contratos de locação celebrados entre
as partes desde janeiro de 2001 até o fim do mandato do então prefeito
FRANCISCO ALVES DE HOLANDA em 31.12.2004, foram precedidos de DECRETOS
MUNICIPAIS Nº 07/2001, 46/2001 e 60/2001 que por sua vez autorizaram a
contratação direta do imóvel por INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO.
Ocorre
que tais DECRETOS foram anulados judicialmente através da AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº
204/2002 com sentença transitada em julgado sob o fundamento de não terem
atendido ao interesse público, possuindo, assim, vício de finalidade e
motivação falsa.
Da
sentença da referida ação constante às fls. 262-276, que tramitou neste juízo,
verificou-se que no mês de dezembro de 2000, FRANCISCO ALVES DE HOLANDA, que
havia acabado de ser diplomado prefeito da cidade para o período de 2001 a
2004, vendeu para PEDRO ROMERO DE LIRA DANDA e HELIO ALVES DE BEZERRA o
Hospital BOM JESUS LTDA, autor desta ação, pelo valor de R$ 80.000,00.
Contudo,
passado menos de um mês de tal transação, em janeiro de 2001, FRANCISCO HOLANDA
com a participação do então secretario de Saúde à época, DEOCLECIANO AIRES DE
CARVALHO, ao assumir a prefeitura locou em nome do município de João Lisboa,
mediante inexigibilidade de licitação, o mesmo prédio que um mês antes havia
vendido a PEDRO ROMERO DE LIRA DANDA e HELIO ALVES DE BEZERRA, pagando a este o
valor mensal de R$ 10.000,00 – patamar acima do mercado já que a instalação
onde na gestão anterior funcionava o Hospital municipal estava locada por R$
5.000,00 - o que demonstrou que a alienação feita entre as partes era na
verdade uma “venda simulada” em prejuízo do erário público, de forma que a
inexigibilidade de licitação partiu de um pressuposto falso, qual seja, a
inexistência de outro prédio na cidade de João Lisboa em condições de abrigar o
hospital municipal já que o hospital funcionou até o mês de dezembro de 2000 em
outro prédio.
Tais
fatos, por si só, já autorizariam o reconhecimento da nulidade dos contratos de
locação em que se baseia o requerente para cobrar o alugueis, porém, cumpre
destacar que além da declaração judicial de nulidade do procedimento
administrativo de inexigibilidade de licitação e, por relação de
causalidade, dos contratos de locação fulcrados nesse procedimento, PEDRO
ROMERO DE LIRA DANDA e HELIO ALVES DE BEZERRA foram processados e condenados
definitivamente juntamente com o prefeito e secretario de Saúde Municipal à
época por IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA vindo todos a serem condenados na
penas do art. 12 da Lei nº 8429/92 a ressarcir integralmente os valores
recebidos do município de João Lisboa a título de alugueis num total de R$
150.000,00, além de suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 08 anos e
aplicação de multa civil pelo dobro do valor da condenação, num total de R$ 1.198.298,43 em valores
atualizados até 16.12.2014. (fls. 421), encontrando-se tal condenação em
fase de cumprimento de sentença. (fls. 362)
Não
fosse o suficiente, paralelamente às ações civis PEDRO ROMERO DE LIRA DANDA e
HELIO ALVES DE BEZERRA, sócios do hospital demandante, foram processados e condenados criminalmente por delito de dispensa
indevida de licitação prevista no art. 89, § único da Lei nº 8666/93 a uma pena
de 03 anos e 03 meses de detenção e pagamento de multa, nos autos do
processo nº 432-03.2010.8.10.0038, que tramitou na 2ª Vara desta Comarca,
porém, em sede recursal o TJMA em que pese ter reconhecido a autoria e
materialidade delitiva, declarou a extinção da punibilidade de PEDRO ROMERO DE
LIRA DANDA e HELIO ALVES DE BEZERRA ante a configuração da prescrição da
pretensão punitiva, conforme certidão de fls. e de cópia do Acórdão nº
1818422016.
Portanto,
restou sobejamente a má-fé da requerente
que através dos seus representantes legais PEDRO ROMERO DE LIRA DANDA e HELIO
ALVES DE BEZERRA agora apresenta-se como vítima e credor de alugueis.
Assim,
presente a má-fé não se pode falar em enriquecimento ilícito da municipalidade
sendo essa a melhor interpretação do art. 59 e § único da Lei nº 8666/93:
Reconhecida a nulidade de contrato administrativo por
ausência de prévia licitação, a Administração Pública não tem o dever de
indenizar os serviços prestados pelo contratado na hipótese em que este tenha
agido de má-fé ou concorrido para a nulidade do contrato. Realmente, o fato de
um contrato administrativo ter sido considerado nulo por ausência de prévia
licitação não exime, em princípio, a Administração do dever de indenizar o
contratado pelos serviços por ele prestados. Todavia, em consideração ao
disposto no art. 59 da Lei 8.666/1993, devem ser ressalvadas as hipóteses de
má-fé ou de ter o contratado concorrido para a nulidade do contrato. AgRg no
REsp 1.394.161-SC, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 8/10/2013.
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONTRATO
ADMINISTRATIVO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. NULIDADE.
CONTRATANTE QUE DEU CAUSA À INVALIDAÇÃO DO INSTRUMENTO. DEVER DE INDENIZAR
AFASTADO. SÚMULA 83/STJ. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INVIABILIDADE.
SÚMULA 7/STJ. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. NÃO COMPROVAÇÃO. 1. O Tribunal a quo,
em virtude da nulidade de contrato administrativo celebrado sem realização de
procedimento licitatório devido, afastou o dever de indenizar da Administração
ao entender que os agravantes deram causa à invalidação do instrumento. 2. No
tocante à levantada contrariedade ao art. 22 da Lei 8906/94 e ao art. 59 da Lei
8666/93, o acórdão recorrido harmoniza-se com a orientação pacífica do STJ de
que não há o dever de indenizar por parte da Administração nos casos de
ocorrência de má-fé ou de ter o contratado concorrido para a nulidade.
Incidência da Súmula 83/STJ 3. A pretensão recursal - afastar a tese de que a
invalidade do contrato é imputável aos agravantes - esbarra no reexame dos
aspectos fáticos da lide, vedado ao STJ, nos termos de sua Súmula 7. 4. O
dissídio jurisprudencial deve ser comprovado, cabendo a quem recorre demonstrar
as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos confrontados, com
indicação da similitude fático-jurídica entre eles. Ausente in casu a paridade
entre os acórdãos confrontados, uma vez que o acórdão recorrido analisou a
controvérsia com base no fato de que os agravantes contribuíram para a nulidade
do contrato, enquanto os arestos paradigmáticos tratavam de situações em que
ficou configurada a boa-fé do contratante, hipótese afastada nos presentes
autos. 5. Agravo Regimental não provido. (STJ - AgRg no REsp: 1394161 SC
2013/0228949-1, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 08/10/2013, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe
16/10/2013)
Há
entendimento pacífico no STJ de que, ainda que o contrato realizado com a
Administração Pública seja nulo, por ausência de prévia licitação, o ente
público não poderá deixar de efetuar o pagamento pelos serviços prestados ou
pelos prejuízos decorrentes da administração, desde que comprovados, ressalvada
a hipótese de má-fé ou de ter o contratado concorrido para a nulidade.
Nesse sentido colaciono inúmeros precedentes atuais
do STJ:
PROCESSUAL
CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. AÇÃO
POPULAR. CONTRATAÇÃO DE ADVOGADO SEM LICITAÇÃO. NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO. SÚMULA
7⁄STJ. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA.
(...)
7.
Ademais, a análise da alegação de que foram atendidos os requisitos
para a contratação sem licitação demandaria, na hipótese dos autos, reexame dos
elementos fático-probatórios do acórdão recorrido, o que esbarra no óbice da
Súmula 7⁄STJ.
8.
Quanto à pretensão de que seja afastada a condenação ao ressarcimento do valor
pago, friso que o art. 49 do Decreto-Lei 2.300⁄1986 e o art. 49 da Lei
8.666⁄1993, mencionados no Memorial, não foram suscitados nas razões recursais.
Com relação ao art. 22 da Lei 8.906⁄1994 (Estatuto da OAB), além de carecer de
prequestionamento, não assegura o pagamento de honorários advocatícios
convencionados por meio de contratação ilegal.
9. O fato de ter sido prestado o serviço não afasta o prejuízo,
sobretudo porque a ausência de licitação obsta a concorrência e, com isso, a
escolha da proposta mais favorável. Seria inócua a declaração da nulidade do
contrato sem o necessário ressarcimento do valor indevidamente pago.
10.
Além disso, considerando a premissa fática do acórdão recorrido, é evidente que
o dispensável valor gasto com a ilegal contratação acarretou prejuízo ao
Erário, que deve ser ressarcido. A leitura do voto-condutor não permite
verificar a boa-fé do contratado, estando consignado que "o trabalho
desenvolvido pelo advogado contratado mais se aproxima de exercício de
fiscalização e de cobrança, o que poderia e deveria ser realizado por servidor
concursado do Município".
11. Ad argumentandum, de acordo com o art. 59 da Lei 8.666⁄1993,
a declaração de nulidade de contrato acarreta a desconstituição dos seus
efeitos jurídicos. A ressalva ao direito à indenização pelos serviços prestados
somente se aplica quando demonstrada a inequívoca boa-fé do contratado.
Precedentes do STJ.
12.
A divergência jurisprudencial deve ser comprovada, cabendo a quem recorre
demonstrar as circunstâncias que identificam ou assemelham os casos
confrontados, com indicação da similitude fática e jurídica entre eles.
Indispensável a transcrição de trechos do relatório e do voto dos acórdãos
recorrido e paradigma, realizando-se o cotejo analítico entre ambos, com o
intuito de bem caracterizar a interpretação legal divergente. O desrespeito a
esses requisitos legais e regimentais (art. 541, parágrafo único, do CPC e art.
255 do RI⁄STJ) impede o conhecimento do Recurso Especial, com base na alínea
"c" do inciso III do art. 105 da Constituição Federal.
13.
Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (REsp 448442⁄MS,
SEGUNDA TURMA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, j. 24.9.2010).
CONTRATO
FIRMADO COM MUNICÍPIO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. AÇÃO POPULAR. ANULAÇÃO.
INDENIZAÇÃO PELOS SERVIÇOS PRESTADOS. AUSÊNCIA DE BOA-FÉ. POUCA RELEVÂNCIA DOS
SERVIÇOS. SÚMULA 7⁄STJ.
I
- Este Superior Tribunal de Justiça tem jurisprudência firmada no sentido de
que a indenização pelos serviços prestados à Administração em decorrência de
contrato nulo deve-se lastrear na boa-fé do contratante. Precedentes: REsp nº
928.315⁄MA, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 29⁄06⁄2007; REsp nº 707.710⁄MG, Rel.
Min. TEORI ALBINO ZAVASCKI, DJ de 07⁄11⁄2005; REsp nº 579.541⁄SP, Rel. Min.
JOSÉ DELGADO, DJ de 19⁄04⁄2004; AgRg no REsp nº 303.730⁄AM, Rel. Min. PAULO
MEDINA, DJ de 02⁄12⁄2002.
II - Na hipótese, além de
refutar a boa-fé da contratante, o acórdão estadual destacou a pouca relevância
dos serviços prestados à Administração.
III
- Dessarte, é inadmissível o recurso especial, tendo em conta a necessidade de
revolvimento fático-probatório para se concluir em sentido inverso ao exposto
pelo acórdão estadual. Incidência da súmula 7⁄STJ.
IV
- Agravo regimental improvido.
(AgRg
no Ag 1134084⁄SP, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, PRIMEIRA TURMA, DJe
29⁄06⁄2009).
ADMINISTRATIVO
– AÇÃO DE COBRANÇA – PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE PUBLICIDADE – NULIDADE DO
CONTRATO ADMINISTRATIVO POR AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO – ART. 59, PARÁGRAFO ÚNICO DA
LEI 8.666⁄93.
1. Segundo a jurisprudência
desta Corte, embora o contrato administrativo cuja nulidade tenha sido
declarada não produz efeitos, a teor do art. 59 da Lei 8.666⁄93, não está
desonerada a Administração de indenizar o contratado pelos serviços prestados
ou pelos prejuízos decorrentes da administração, desde que comprovados,
ressalvada a hipótese de má-fé ou de ter o contratado concorrido para a
nulidade.
2.
Procedência da ação de cobrança que se mantém.
3.
Recurso especial improvido.
(REsp
928.315⁄MA, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJ 29⁄06⁄2007 p.
573).
Ademais, após analisar a causa de pedir da presente
demanda, bem como as sentenças das duas ações civis, constantes às fls.
257-276v e 277-292v, além do acordão da apelação criminal respectiva constante
às fls. , constato sem qualquer margem de dúvidas que o autor, por seus
representantes, agiu em conluio com os prefeito e secretario de saúde para
causar prejuízo ao erário, tendo concorrido
ativamente para nulidade do contrato administrativo.
Inicialmente, é de suma importância salientar que,
em tese, um contrato considerado nulo, não exime a Administração do dever de
indenizar o contratado, ou seja, não o exime de receber a contraprestação que
lhe é devida.
Nulidades, ainda mais na esfera administrativa, não
podem gerar efeitos, mesmo que tenha havido a realização de labor. O art. 182
do Código Civil é regra que, por seu caráter geral e subsidiário a todos os
ramos jurídicos, deve ser lembrada.
Certo que a boa-fé do administrado deva ser
tutelada para evitar enriquecimento indevido. Não é este, todavia, o caso!
Aqui, para usar de eufemismo, houve pelo menos
culpa grave, à qual se equipara o dolo.
Ora, como dito, um Município não é parceiro para
"negócios". A Fazenda Pública está imunizada pela indisponibilidade.
Quem quiser fazer fortuna, deverá rumar pelos ajustes privados.
Expor o Poder Público a um contrato não precedido
indevidamente de licitação, com valor correspondente ao dobro do que contratado
até então, tendo por objeto a locação de um imóvel que o prefeito acabara de
vender – e onde funcionava o Hospital Bom Jesus Ltda - aos demandantes menos de um mês antes da
posse do prefeito para em seguida locá-lo ao município, é grave o que
demonstra a ilegalidade da contratação realizada, bem como a necessidade do
reconhecimento judicial de sua nulidade. O que se vislumbra aqui é o ato ímprobo,
ilegal, atroz, que merece ser efetivamente tolhido, perseguido, punido,
reformado e não ratificado.
Não se discorda de forma alguma da necessidade e
dever moral-legal da administração indenizar os atos, serviços e obras
prestadas e realizadas pelos contratados, quando observados os princípios
constitucionais e quando de boa-fé. Não é o caso do autos.
O demandante era sabedor
da ilicitude, tendo firmado contrato
de compra e venda do imóvel, menos de um mês antes (11.12.2000) com o candidato
eleito prefeito, para em seguida celebrar contrato de locação por preço muito
acima do praticado no mercado.
Sabedor da ilegalidade do contrato o demandante não
pretendeu rescindi-lo, contestando todos os feitos do Ministério Público
Estadual. Deixe-se claro que o demandante era totalmente conivente com as
irregularidades, tanto que seus representantes legais o “compraram” em
11.12.2000 para em 01.01.2001 locá-lo, com dispensa indevida de licitação para
o próprio vendedor-prefeito, agora representante legal do município.
DISPOSITIVO
ANTE O EXPOSTO e o que mais dos autos consta, JULGO
IMPROCEDENTE A PRESENTE AÇÃO por reconhecer abominável má-fé dos representantes
legais do HOSPITAL BOM JESUS LTDA, ora demandante, tanto durante a fase de
tratativas quanto durante a própria execução do presente contrato, não sem
antes externar toda a minha perplexidade em perceber que mesmo sendo devedor de
mais de R$ 1.000.000,00 do município, oriundo do mesmo fato, conforme sentença
transitada em julgado por Ação de Improbidade Administrativa, o demandante
ainda se propõe a cobrar em juízo eventuais efeitos do contrato nulo e
celebrado de má-fé, em claro prejuízo ao erário municipal e, por consequência,
extingo o processo, com resolução do mérito, nos termos do art. 487, I, CPC.
Que país é esse?
Condeno o autor em custas e despesas processuais e
honorários advocatícios no percentual de 10% sobre o valor do proveito
econômico da causa, porém a suspendo a exigibilidade do pagamento, por ser
beneficiária da justiça gratuita.
P. R. I.
João
Lisboa/MA, 19 de setembro de 2016.
Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular da 1ª
Vara da Comarca de João Lisboa
Que país é esse?
ResponderExcluirDr Glender, parabéns pela sentença, e que sua conduta possa servir de exemplo e inspiração àqueles que lutam contra a improbidade (especialmente) na Administração.
Meu pai e eu somos advogados em São Paulo, e passei a acompanhar o blog recentemente, surpreso com o fato de que Vossa Excelência é titular na mesma cidade em que meu pai nasceu. Parabéns e força nos trabalhos!
Obrigado, Erick! Sucesso pra voce e seu pai. A luta contra improbidade é ardua e dura. Sigamos!
ExcluirDigna de aplausos a r.sentença! Parabéns pelo zelo com que exerce a magistratura e também pela Inteligência enquanto administrador da Justiça!
ResponderExcluirObrigado, Dra. Suellen!
ExcluirExcelente detida analise para um desfecho correto, salvo a condenação em custas, despesas e honorários advocatícios, infelizmente afastada pela gratuidade da justiça.
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