Processo no 871-27.2010.8.10.0066
Ação Civil Pública por Improbidade
Administrativa
Autor: Município de Amarante do Maranhão
Réu: José Ribamar de Azevedo
SENTENÇA
Trata-se
de AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, promovida pelo MUNICÍPIO DE AMARANTE
DO MARANHÃO, em desfavor de JOSÉ RIBAMAR DE AZEVEDO, devidamente
qualificados nos autos.
Aduz
o autor que o réu, na condição de Prefeito Municipal de Amarante do Maranhão, celebrou
um convênio (0046/2001) com a FUNASA/MA. Informa que referido convênio teve
vigência durante o mandato do requerido, com início em 22.05.2001 e fim em 25.09.2002.
Afirma
que o requerido jamais prestou contas dos recursos recebidos, razão pela qual o
Município requerente, agora sob nova administração, poderia se tornar inadimplente
junto ao SIAFI e, consequentemente, ser impedido de celebrar qualquer outro
convênio com os demais entes federativos.
Com
base nisso, pleiteia a condenação da requerida de penalidade prevista no artigo
12, III, da Lei 8.429/92, a saber, o ressarcimento dos danos ao erário.
Juntou
os documentos de fls. 08/13.
À
fl. 19-v, o oficial de justiça certificou a impossibilidade de notificação do
réu, diante do seu falecimento, conforme certidão de óbito de fl. 21.
Às
fls. 23, este juízo suspendeu o processo, nos termos do art. 265, I, do CPC,
determinando a intimação do autor para requerer a habilitação de eventuais
sucessores.
Às
fls. 25/27, o Ministério Público requereu a declaração de indisponibilidade dos
bens do requerido em valor correspondente ao dano causado ao erário, bem como o
levantamento acerca de eventual abertura de inventário, a fim de que o espólio
assumisse o pólo passivo da demanda.
Às
fls. 28/29, este juízo deferiu a cota ministerial.
Às
fls. 46/47, a inventariante requereu sua habilitação nos autos, deferido à fl.
165.
Às
fls. 68/93, cumprindo o disposto no art. 556, do CPC, a parte requerida juntou
cópia do agravo de instrumento interposto em face da decisão que deferiu a
indisponibilidade dos seus bens.
Às
fls. 95/97, informações ao TJMA acerca do agravo de instrumento.
Às
fls. 98/103, cópia do acórdão que negou seguimento ao agravo de instrumento.
Devidamente
notificada (fl.105), a inventariante apresentou manifestação prévia às fls. 108/116,
juntado os documentos de fls. 117/216.
Às
fls. 220/245, cumprindo o disposto no art. 556, do CPC, a parte requerida
juntou cópia de novo agravo de instrumento interposto em face da decisão que
deferiu a indisponibilidade dos seus bens.
À
fl. 247, cópia da decisão que conheceu e negou a liminar ao recurso.
À
fl. 249, este juízo determinou que se oficiasse à FUNASA para que enviasse
documentos e prestação de contas relativos ao convênio, os quais foram
apresentados às fls. 256/1518.
Às
fls. 1519/1521, este juízo afastou as preliminares e rejeitou a manifestação
prévia, determinando a citação do réu para contestar a ação.
Às fls.
1529/1558, réu apresentou contestação, onde alegou, preliminarmente, a ausência
de interesse de agir, de um lado porque a FUNASA ainda não concluiu a Tomada de
Contas Especial e, de outro, porque alega já ter prestado contas do aludido
convênio; sustenta, igualmente, a inépcia da inicial, sob os mesmos fundamentos
já enfrentados na decisão de fls. 1523/1526. No mérito, requer a improcedência
da ação, sustentando que os recursos foram totalmente utilizados em favor do
município, não havendo prova do dano sofrido pelo erário; que não há a
comprovação de qualquer prática dolosa por parte do réu; que não agiu com má-fé
na utilização dos recursos; que é incompetente a FUNASA para realizar a Tomada de
Contas Especial, uma vez que o seriam, segunda determina a CF, os TCEs e o TCU;
que não houve contraditório e/ou ampla defesa na tomada de contas realizada
pela FUNASA, em desrespeito à Constituição, não sendo possível a condenação ao
ressarcimento simplesmente com um documento que indica determinado valor, como
no caso dos autos; que deveria ser reconhecida a prescrição, ante o longo lapso
temporal entre o convênio e procedimento administrativo de prestação de contas,
que já acontece há mais de 10 (dez) anos, uma vez que o direito de punir não
deve ser eterno;
Às
fls. 1563/1571, o autor apresentou manifestação à contestação, requerendo o
afastamento das preliminares e a total procedência da ação.
Às
fls. 95-101, o Ministério Público ofertou parecer pela procedência da ação de
improbidade, com a consequente condenação do réu ao ressarcimento integral do
dano.
É o relatório. Decido.
FUNDAMENTAÇÃO
DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA
LIDE
Entendo que a
presente lide está pronta para julgamento, pois ainda que a questão de mérito
seja de direito e de fato, não há necessidade de produção de prova em audiência
estando o processo maduro para julgamento a teor do que dispõe o art. 330, I do
CPC.
Aliás,
a própria jurisprudência pátria é uníssona no sentido de que, casos como esses
dos autos, devem ser decididos de plano
pelo magistrado, sem uma dilação probatória. É o que se vê da seguinte decisão
do Superior Tribunal de Justiça:
“Presentes as
condições que ensejam o julgamento antecipado da causa é dever do juiz, e não
mera faculdade, assim proceder.” (STJ – Resp 2.832. RJ. Relator: Min. Sálvio de
Figueiredo).
PRELIMINARES
DA PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE DE
AGIR
Alega
a parte requerida que carece de interesse de agir o autor, por um lado, porque
ainda não foi concluída a TCE do Convênio nº. 046/2001 e, por outro, porque as
contas do Município de Amarante do Maranhão referentes a esse convênio foram
devidamente prestadas.
Sem
razão o réu.
Quanto
ao primeiro argumento, reitera-se a premissa básica de que as esferas
administrativas e judiciais não se confundem, com fundamento no princípio da
inafastabilidade da apreciação jurisdicional, consagrado no artigo 5.º, XXXV,
da Constituição Federal.
Quanto
ao segundo argumento, embora alegue ter realizado a prestação de contas, não o
fez de maneira integral, tanto que o referido convênio está sendo objeto de
Tomada de Contas Especial. De fato, conforme parecer técnico já expedido pela
FUNASA, deixou de prestar contas de valor correspondente a R$ 54.583,02
(cinquenta e quatro mil, quinhentos e oitenta e três reais e dois centavos).
Ressalte-se
que a prestação de contas deve ser do valor integral repassado e não apenas de
parte dele. Entendimento diferente tornaria inócua a redação do dispositivo,
não sendo admissível uma tese baseada em simples jogo de palavras.
De
outra banda, diferentemente do que alega, o objetivo da presente ação é o
ressarcimento ao erário de qualquer dano que lhe tenha sido causado e não a
prestação de contas.
Afasto
a preliminar.
DA INÉPCIA DA INICIAL
Essa
preliminar já foi devidamente afastada pela decisão de fls. 1523/1526.
MÉRITO
DA PRESCRIÇÃO
Por
expressa previsão constitucional, não há prescrição de ações que visem ao
ressarcimento de danos ao erário.
Art. 37. A administração pública
direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 5º - A lei estabelecerá os
prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou
não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas
as respectivas ações de ressarcimento. – grifo nosso.
DA
COMPETÊNCIA DA FUNASA PARA INSTAURAÇÃO DE TCE
A norma reguladora do processo de Tomada de Contas Especial
no TCU é a Instrução Normativa TCU 71/2012, vigente desde 1º de janeiro de 2013,
que prevê, em seu art. 2º que “Tomada de contas especial é um processo
administrativo devidamente formalizado, com rito próprio, para apurar responsabilidade
por ocorrência de dano à administração pública federal, com apuração de fatos,
quantificação do dano, identificação dos responsáveis e obter o respectivo
ressarcimento.”.
Por
sua vez, o art. 4º dispõe que “Esgotadas as medidas administrativas de que
trata o art. 3º[1] desta
Instrução Normativa sem a elisão do dano, a autoridade competente deve
providenciar a imediata instauração de tomada de contas especial, mediante a
autuação de processo específico, observado o disposto nesta norma”.
Dessa
forma, em regra, a TCE deve ser instaurada pela
autoridade competente do próprio órgão ou entidade jurisdicionada (responsável
pela gestão dos recursos)
De outro lado, dispõe o art. 11 que “A
tomada de contas especial deve ser encaminhada ao Tribunal de Contas da União
em até cento e oitenta dias a contar do término do exercício financeiro em que
foi instaurada.”
Sendo assim, resta límpida a
competência da FUNASA para instaurar a Tomada de Contas Especial e do TCU para
julgá-la.
DO
ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUE VIOLOU PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
Primeiramente,
impende ressaltar que a improbidade administrativa é um dos maiores males
envolvendo a máquina administrativa de nosso país e um dos aspectos negativos
da má administração que mais justificam a implementação de um maior controle
social. A expressão designa, tecnicamente, a chamada corrupção administrativa,
que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da administração pública de
seus preceitos basilares de moralidade, legalidade e impessoalidade, ferindo de
morte os princípios da Carta Republicana.
O
conceito de improbidade é bem mais amplo do que o de ato lesivo ou ilegal em
si. É o contrário de probidade, que significa qualidade de probo, integridade
de caráter, honradez. Logo, improbidade é o mesmo que desonestidade, falta de
probidade.
A
Lei Federal nº 8.429/92 disciplina a matéria em questão, estabelecendo que
configura improbidade administrativa o ato praticado por agente público que
importe (i) enriquecimento ilícito, (ii) prejuízo ao erário e (iii) violação
aos princípios da administração pública (arts. 9, 10 e 11 da Lei nº. 8.429/92).
Ressalte-se
que o referido diploma legal abrange todas as pessoas nomeadas como agentes
públicos, quer integrantes da administração direta, indireta e fundacional,
ainda que no exercício da função em caráter transitório ou sem remuneração.
O
douto José Afonso da Silva assim descreve:
14. ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. (...) Cuida-se de
uma imoralidade administrativa qualificada pelo dano ao erário e corresponde
vantagem ao ímprobo ou a outrem (...). O grave desvio de conduta do agente
público é que dá à improbidade administrativa uma qualificação especial, que
ultrapassa a simples imoralidade por desvio de finalidade[2].
Como
se vê, o renomado constitucionalista destaca a importância do princípio
constitucional previsto no art. 37 da Carta Magna na determinação do que seja
imoralidade administrativa, lembrando que não basta apenas a ilegalidade para
que reste configurada.
Já
Maria Sylvia Zanella di Pietro
ensina que, para que um ato possa acarretar a incidência das penalidades
estabelecidas na Lei de Improbidade Administrativa, são necessários os
seguintes elementos:
a)
sujeito passivo: uma das entidades mencionadas no art. 1º da Lei nº 8.429;
b) sujeito
ativo: o agente público ou terceiro que induza ou concorra para a prática do
ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta
(arts. 1º e 3º);
c)
ocorrência do ato danoso descrito na lei, causador de enriquecimento ilícito para
o sujeito ativo, prejuízo para o erário ou atentado contrato os princípios da
Administração Pública; o enquadramento do ato pode dar-se isoladamente, em uma
das três hipóteses, ou, cumulativamente, em duas ou nas três;
d)
elemento subjetivo: dolo ou culpa.[3]
Ao
discorrer sobre o elemento volitivo, anota, ainda, a referida autora:
O enquadramento na
lei de improbidade exige culpa ou dolo por parte do sujeito ativo. Mesmo quando
algum ato ilegal seja praticado, é preciso verificar se houve culpa ou dolo, se
houve um mínimo de má-fé que revele realmente a presença de um comportamento
desonesto. (...) a aplicação da lei de improbidade exige bom-senso, pesquisa da
intenção do agente, sob pena de sobrecarregar-se inutilmente o judiciário com
questões irrelevantes, que podem ser adequadamente resolvidas na própria esfera
administrativa. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está
a demonstrar que o objetivo foi de punir infrações que tenham um mínimo de
gravidade, por apresentarem conseqüências danosas para o patrimônio público (em
sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para
terceiros. A aplicação das medidas previstas na lei exige observância do
princípio da razoabilidade, sob o seu aspecto da proporcionalidade entre meios
e fins.[4]
A
doutrina direciona-se, portanto, sobre a necessidade de se extrair da conduta
um elemento volitivo, rechaçando-se a possibilidade de responsabilidade civil
objetiva, decorrente, pura e simplesmente, da infringência à norma jurídica. Em
igual sentido, posicionou-se a jurisprudência, a exemplo das ementas abaixo
transcritas:
ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA. 1. Embora tenha havido discrepância inicial, pacificou a
jurisprudência desta Corte em reconhecer que as condutas descritas no art. 11
da Lei de Improbidade dependem da presença do dolo, ainda que genérico.
Consequentemente, afasta-se a responsabilidade objetiva dos administradores,
não se fazendo necessária a demonstração da ocorrência de dano para a Administração Pública. Precedentes. 2.
Embargos de divergência não providos. (STJ – Primeira Seção. EREsp 917437/MG – Embargos
de Divergência em
Recurso Especial 2008/0236837-6. Relator: Min. Castro Meira.
DJe 22/10/2010).
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE
DIVERGÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TIPIFICAÇÃO. INDISPENSABILIDADE DO
ELEMENTO SUBJETIVO (DOLO, NAS HIPÓTESES DOS ARTIGOS 9º E 11 DA LEI 8.429/92 E
CULPA, PELO MENOS, NAS HIPÓTESES DO ART. 10) PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA
1ª SEÇÃO. RECURSO PROVIDO (STJ - Primeira Seção. EREsp 479812/SP Embargos de
Divergência em
Recurso Especial 2007/0294026-8 – Relator: Min. Teori Albino
Zavascki. DJE 27/09/2010).
De outro viés, anoto ainda que a Administração Pública é
informada por vários princípios constitucionais, entre os quais se destaca o da
legalidade administrativa, o que implica afirmar que toda ação do agente
público deve estar expressamente prevista em lei.
Compulsando
os autos, extraio que o requerido JOSÉ RIBAMAR AZEVEDO, na condição de prefeito
do município de Amarante do Maranhão, celebrou um convênio (0046/2001) com a
FUNASA/MA, cuja vigência se deu entre 22.05.2001 e 25.09.2002, integralmente durante
o seu mandato.
Examinando
o referido instrumento do convênio, verifico que JOSÉ RIBAMAR AZEVEDO obrigou-se,
mediante o recebimento do importe de R$ 724.300,67 (setecentos e vinte e quatro
mil e trezentos reais e sessenta e sete centavos), a executar o objeto do
convênio. A vigência do convênio era da data da assinatura (22.05.2001) pelo
prazo de 14 (quatorze) meses, dentre os quais teria o convenente o prazo de 60
dias para prestação de contas dos recursos recebidos da concedente.
Portanto,
diante da inércia do demandado em cumprir com o seu dever constitucional de
prestação de contas de parte do valor do referido convênio, correspondente a R$
54.583,02, enquanto destinatário de
recursos públicos vinculados a finalidade específica, resta evidenciada a
vontade livre e consciente do requerido em não fazê-lo, fato que configura o dolo enquanto elemento subjetivo da conduta
ímproba que lhe é imputada.
No
caso dos autos, dos expedientes de fls. 256/1518, extrai-se que o ato de
improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração
púbica encontra-se devidamente configurado, uma vez que o requerido, na
condição de prefeito municipal de Amarante do Maranhão, deixou de prestar
contas referentes ao convênio firmado com a FUNASA, no prazo e nas condições
estabelecidos na Cláusula Nona do instrumento do referido convênio (fls. 322/327).
Neste
particular, insta pontuar que a Constituição Federal, em seu art.70, fixa o
dever genérico de prestação de contas a todo aquele que utilize, arrecade,
guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens ou valores de natureza pública.
Outrossim,
o art. 11, VI da Lei nº. 8.429/92 estabelece que constitui ato de improbidade
administrativa deixar de prestar contas no prazo e condições fixados em lei. Vejamos :
Art. 11- Constitui ato de improbidade administrativa que atenta
contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que
viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às
instituições, e notadamente:
(...)
VI- Deixar de prestar contas quando esteja obrigado a
fazê-lo.
Frise-se
que o ato de improbidade administrativa em questão se exaure na atuação
omissiva do gestor público em deixar de prestar contas no prazo e na forma
disciplinados em lei, apresentando-se como ação de natureza formal, a qual se
integraliza a despeito de qualquer resultado futuro.
Entretanto,
resta devidamente comprovado o dano ao erário, na medida em que jamais
apresentou a devida prestação de contas, não se tratando de simples dano
hipotético, mas concreto em sua extensão, conforme se extrai das provas
coligidas aos autos, mesmo porque não se sabe que destino deu o antigo gestor a
estas verbas.
Nesse
sentido, as seguintes decisões:
ADMINISTRATIVO.
PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92, ART. 11, VI. ATOS
QUE ATENTAM CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DESNECESSIDADE DE
OCORRÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. - Os atos que atentam contra os princípios da
Administração Pública são condutas ímprobas previstas no art. 11 da Lei
8.429/92 e independem de demonstração de dano aos cofres públicos ou
enriquecimento ilícito. II - Deixar de prestar contas quando esteja obrigado a
fazê-lo constitui ato violador dos deveres de honestidade, imparcialidade,
legalidade e de lealdade do servidor, que lesam a moralidade administrativa,
enquadrando-se na hipótese de improbidade tipificada no inc. VI do art. 11 da
Lei 8.429/92. III - Como não houve comprovação de dano aos cofres públicos ou
enriquecimento ilícito, o quantum da multa civil deve ser reduzido. IV - Apelo
provido em parte apenas para reduzir a multa civil. (TRF1 – Terceira Turma. AC
20051 BA 2003.33.00.020051-9. Relator: Des. Federal Cândido Ribeiro.
Julgamento: 03/11/2009)
CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA. FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN
MORA. REQUISITOS. NÃO CARACTERIZAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. AÇÃO DE IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N.º 10.628/2002. INCONSTITUCIONALIDADE DE
FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO DE CHEFE DO EXECUTIVO MUNICIPAL, NO EXERCÍCIO
DO CARGO. NÃO CABIMENTO. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
ATRASO NO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS DOS SERVIDORES MUNICIPAIS. AUSÊNCIA DE
DIVULGAÇÃO DAS CONTAS NA CÂMARA MUNICIPAL. ARTS. 48 E 49 DA LEI COMPLEMENTAR
N.º 101/2000. ATOS DE IMPROBIDADE. ART. 10, CAPUT E ART. 11, II, IV E VI DA LEI
N.º 8.429/92. ENQUADRAMENTO. INICIAL. RECEBIMENTO. – (...) III - o atraso no
pagamento do funcionalismo público municipal, bem como a ausência total de
divulgação da disponibilização das contas perante a Câmara Municipal, são
condutas atentatórias aos princípios da administração pública, suficientes para
o enquadramento nos arts. 10 e 11, II, IV e VI, da Lei n.º 8.429/92, não
exigindo a produção de resultado para restar evidenciada a prática de ato de
improbidade. Ação que deve ser recebida para o fato ser devidamente apurado na
instrução processual; - ação de improbidade administrativa recebida. (TJMA –
Tribunal Pleno. Ação de Improbidade Administrativa 162162004 MA. Relator: Dês.
Cleones Carvalho Cunha. Data de Julgamento: 09/12/2004)
Desta
feita, após a análise acurada dos meios de provas coligidos aos autos,
considero demonstrado, de forma indene de dúvida, que o requerido JOSÉ RIBAMAR
AZEVEDO, na condição de Prefeito Municipal de Amarante do Maranhão, praticou dolosamente
ato de improbidade administrativa consubstanciado em violação a princípios
constitucionais, possuindo sua conduta subsunção ao tipo previsto no art. 11,
VI, da Lei 8.429/1992 e enriquecimento ilícito na medida em que não tendo
prestado contas da integridade do valor conveniado, restou demonstrado que
houve desvio de haveres do ente público no quantum
de R$ 54.583,02 (cinquenta e quatro mil, quinhentos e oitenta e três reais e
dois centavos), conforme se verifica no parecer de fls. 1450/1452) e decisão
administrativa de fl. 1457.
Por
fim, não há que se falar em ofensa ao contraditório e à ampla defesa, uma vez
que o réu teve acesso a todos os documentos produzidos no processo de Tomada de
Contas Especial, bem como a oportunidade de se manifestar em relação a eles.
DAS
PENALIDADES APLICÁVEIS À ESPÉCIE:
A Lei 8.429/92 impôs penalidades para aquelas pessoas
que, na qualidade de agente público, pratiquem atos de improbidade
administrativa.
Referidas penalidades estão previstas no artigo 12, I, II
e III da LIA e são: (i) o ressarcimento do dano; (ii) multa civil; (iii) perda
dos valores ilicitamente incorporados ao patrimônio do agente, (iv) perda da
função pública; (v) proibição de contratar com o poder público e (vi) suspensão
dos direitos políticos.
Assim sendo, verificada a conduta ímproba e desonesta de
agente público na condução de interesses públicos, caberá ao Judiciário a
aplicação das reprimendas designadas no citado artigo 12 da Lei 8.429/92.
Entrementes, não se pode desconhecer que as penalidades
deverão ser aplicadas obedecendo a parâmetros de proporcionalidade entre a
natureza do ato de improbidade e a extensão do dano causado à coletividade, sob
pena de serem inquinadas de inconstitucionais.
Na hipótese em apreço, verifico que o prejuízo causado à
coletividade se mostrou extremamente grave, uma vez que o requerido JOSÉ
RIBAMAR AZEVEDO deixou de prestar contas dos valores recebidos em razão do
convênio firmado com a FUNASA, no prazo e nas condições estabelecidos.
A conduta engendrada pelo réu redunda em desrespeito aos
princípios da Administração Pública e enriquecimento ilícito, ganhando
dimensões ainda maiores quando se observa que o caso dos autos envolve o
município de Amarante do Maranhão, localidade extremamente pobre e desassistida
pelo Poder Público, sobretudo no que pertine à saúde indígena.
Por outro lado, estando o réu falecido, não poderão os
seus sucessores sofrer as penalidades que a ele deveriam ser aplicadas,
considerando-se o seu caráter personalíssimo (princípio da intranscendência das
penas), à exceção das penas de ressarcimento ao erário, por expressa previsão
constitucional e legal (art. 5º, XLV, CF e art. 8º, da LIA), quando deverão ser
estendidas aos sucessores, até o limite do valor da herança.
Nesse sentido:
PROCESSO
CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - FALECIMENTO DO RÉU
(EX-PREFEITO) NO DECORRER DA DEMANDA - HABILITAÇÃO DA VIÚVA MEEIRA E DEMAIS
HERDEIROS REQUERIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - POSSIBILIDADE - ARTS. 1055 E SEGUINTES DO CPC - ART. 535 DO CPC.
1.
Não pode o jurisdicionado escolher quais fundamentos devem ser utilizados pelo
magistrado, que pauta-se na persuasão racional para "dizer o
direito." Não-violação dos arts. 535, 165 e 458, II, do CPC.
3. Ao requerer a
habilitação, não pretendeu o órgão ministerial imputar aos requerentes crimes
de responsabilidade ou atos de improbidade administrativa, porquanto
personalíssima é a ação intentada.
4.
Estão os herdeiros legitimados a figurar no pólo passivo da demanda,
exclusivamente para o prosseguimento da pretensão de ressarcimento ao erário
(art. 8º, Lei 8.429/1992). Recurso
especial improvido (STJ - REsp 732777 MG
2005/0040770-0 – SEGUNDA TURMA – Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS – Julg.
05/11/2007)
No que diz respeito à sanção de ressarcimento
integral do dano, deve ser ressaltado que, para sua aplicação, nos termos do
que preceitua o art. 21, I, segunda parte, da Lei de Improbidade Administrativa[5], é
necessária a efetiva comprovação de dano ao patrimônio público.
Assim,
havendo nos autos provas contundentes da existência de prejuízos ao patrimônio
público, consubstanciadas no parecer técnico emitido pela FUNASA, órgão
responsável por analisar a prestação de contas do convenente, que concluiu pela
ausência da prestação de contas no valor de R$ 54.583,02 (cinquenta e quatro
mil, quinhentos e oitenta e dois reais e dois centavos), a aplicação da pena de
ressarcimento é medida que se impõe, muito embora não esteja a TCE concluída, por
entender inexistir óbice à aplicação desta pena, uma vez que não poderia o
judiciário estar vinculado a eventual conclusão de procedimento administrativo
para que pudesse efetivar a prestação jurisdicional.
DISPOSITIVO:
ANTE O EXPOSTO, julgo procedente a presente ação e, em
consequência, CONDENO o ESPÓLIO DE
JOSÉ RIBAMAR AZEVEDO ao ressarcimento do valor de R$ 54.583,02 (cinquenta e
quatro mil, quinhentos e oitenta e três reais e dois centavos) por violação
à norma capitulada no art. 11, VI da Lei 8.429/92, à luz das argumentações
acima aduzidas, verba que deverá ser revertida ao Município de Amarante do
Maranhão (Súmulas nº 208 e 209, STJ). Sobre o valor da condenação incidirá
juros de 1% a.m. e correção pelo INPC a contar da data do evento danoso, ou
seja, prazo final da prestação de contas.
Intime-se o autor, através de seu representante legal.
Notifique-se o Ministério Público Estadual.
Oficie-se à Câmara Municipal de Amarante do Maranhão,
através de sua Presidente, dando ciência da presente decisão para os fins de
direito.
Condeno, ainda, o réu em custas e despesas processuais e
honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 724,00 (setecentos e vinte e
quatro reais), nos termos do art. 20, §4º do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Amarante do Maranhão, 07 de Março de 2014.
Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular
da Comarca de Amarante do Maranhão
[1]
Art. 3º Diante da omissão no dever de prestar contas, da não comprovação da
aplicação de recursos repassados pela União mediante convênio, contrato de
repasse, ou instrumento congênere, da ocorrência de desfalque, alcance, desvio
ou desaparecimento de dinheiro, bens ou valores públicos, ou da prática de ato
ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano ao Erário, a autoridade
competente deve imediatamente, antes da instauração da tomada de contas especial,
adotar medidas administrativas para caracterização ou elisão do dano,
observados os princípios norteadores dos processos administrativos.
[2] DA SILVA, José
Afonso. Comentário
contextual à Constituição. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.348.
[4] Idem. p.823.
[5] Art. 21, LIA - A aplicação das sanções
previstas nesta lei independe:
I
- da
efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de
ressarcimento.
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