segunda-feira, 10 de março de 2014

SENTENÇA CONDENATÓRIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CONVÊNIO. OFENSA A PRINCÍPIOS E ENRIQUECIMENTO ILÍCITO.

Processo no 871-27.2010.8.10.0066
Ação Civil Pública por Improbidade Administrativa
Autor: Município de Amarante do Maranhão
Réu: José Ribamar de Azevedo

SENTENÇA

Trata-se de AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, promovida pelo MUNICÍPIO DE AMARANTE DO MARANHÃO, em desfavor de JOSÉ RIBAMAR DE AZEVEDO, devidamente qualificados nos autos.
Aduz o autor que o réu, na condição de Prefeito Municipal de Amarante do Maranhão, celebrou um convênio (0046/2001) com a FUNASA/MA. Informa que referido convênio teve vigência durante o mandato do requerido, com início em 22.05.2001 e fim em 25.09.2002.
Afirma que o requerido jamais prestou contas dos recursos recebidos, razão pela qual o Município requerente, agora sob nova administração, poderia se tornar inadimplente junto ao SIAFI e, consequentemente, ser impedido de celebrar qualquer outro convênio com os demais entes federativos.
Com base nisso, pleiteia a condenação da requerida de penalidade prevista no artigo 12, III, da Lei 8.429/92, a saber, o ressarcimento dos danos ao erário.
Juntou os documentos de fls. 08/13.
À fl. 19-v, o oficial de justiça certificou a impossibilidade de notificação do réu, diante do seu falecimento, conforme certidão de óbito de fl. 21.
Às fls. 23, este juízo suspendeu o processo, nos termos do art. 265, I, do CPC, determinando a intimação do autor para requerer a habilitação de eventuais sucessores.
Às fls. 25/27, o Ministério Público requereu a declaração de indisponibilidade dos bens do requerido em valor correspondente ao dano causado ao erário, bem como o levantamento acerca de eventual abertura de inventário, a fim de que o espólio assumisse o pólo passivo da demanda.
Às fls. 28/29, este juízo deferiu a cota ministerial.
Às fls. 46/47, a inventariante requereu sua habilitação nos autos, deferido à fl. 165.
Às fls. 68/93, cumprindo o disposto no art. 556, do CPC, a parte requerida juntou cópia do agravo de instrumento interposto em face da decisão que deferiu a indisponibilidade dos seus bens.
Às fls. 95/97, informações ao TJMA acerca do agravo de instrumento.
Às fls. 98/103, cópia do acórdão que negou seguimento ao agravo de instrumento.
Devidamente notificada (fl.105), a inventariante apresentou manifestação prévia às fls. 108/116, juntado os documentos de fls. 117/216.
Às fls. 220/245, cumprindo o disposto no art. 556, do CPC, a parte requerida juntou cópia de novo agravo de instrumento interposto em face da decisão que deferiu a indisponibilidade dos seus bens.
À fl. 247, cópia da decisão que conheceu e negou a liminar ao recurso.
À fl. 249, este juízo determinou que se oficiasse à FUNASA para que enviasse documentos e prestação de contas relativos ao convênio, os quais foram apresentados às fls. 256/1518.
Às fls. 1519/1521, este juízo afastou as preliminares e rejeitou a manifestação prévia, determinando a citação do réu para contestar a ação.
Às fls. 1529/1558, réu apresentou contestação, onde alegou, preliminarmente, a ausência de interesse de agir, de um lado porque a FUNASA ainda não concluiu a Tomada de Contas Especial e, de outro, porque alega já ter prestado contas do aludido convênio; sustenta, igualmente, a inépcia da inicial, sob os mesmos fundamentos já enfrentados na decisão de fls. 1523/1526. No mérito, requer a improcedência da ação, sustentando que os recursos foram totalmente utilizados em favor do município, não havendo prova do dano sofrido pelo erário; que não há a comprovação de qualquer prática dolosa por parte do réu; que não agiu com má-fé na utilização dos recursos; que é incompetente a FUNASA para realizar a Tomada de Contas Especial, uma vez que o seriam, segunda determina a CF, os TCEs e o TCU; que não houve contraditório e/ou ampla defesa na tomada de contas realizada pela FUNASA, em desrespeito à Constituição, não sendo possível a condenação ao ressarcimento simplesmente com um documento que indica determinado valor, como no caso dos autos; que deveria ser reconhecida a prescrição, ante o longo lapso temporal entre o convênio e procedimento administrativo de prestação de contas, que já acontece há mais de 10 (dez) anos, uma vez que o direito de punir não deve ser eterno;  
Às fls. 1563/1571, o autor apresentou manifestação à contestação, requerendo o afastamento das preliminares e a total procedência da ação.
Às fls. 95-101, o Ministério Público ofertou parecer pela procedência da ação de improbidade, com a consequente condenação do réu ao ressarcimento integral do dano.
É o relatório. Decido.

FUNDAMENTAÇÃO

DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE

Entendo que a presente lide está pronta para julgamento, pois ainda que a questão de mérito seja de direito e de fato, não há necessidade de produção de prova em audiência estando o processo maduro para julgamento a teor do que dispõe o art. 330, I do CPC.
Aliás, a própria jurisprudência pátria é uníssona no sentido de que, casos como esses dos  autos, devem ser decididos de plano pelo magistrado, sem uma dilação probatória. É o que se vê da seguinte decisão do Superior Tribunal de Justiça:
“Presentes as condições que ensejam o julgamento antecipado da causa é dever do juiz, e não mera faculdade, assim proceder.” (STJ – Resp 2.832. RJ. Relator: Min. Sálvio de Figueiredo).


PRELIMINARES

DA PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR

Alega a parte requerida que carece de interesse de agir o autor, por um lado, porque ainda não foi concluída a TCE do Convênio nº. 046/2001 e, por outro, porque as contas do Município de Amarante do Maranhão referentes a esse convênio foram devidamente prestadas.
Sem razão o réu.
Quanto ao primeiro argumento, reitera-se a premissa básica de que as esferas administrativas e judiciais não se confundem, com fundamento no princípio da inafastabilidade da apreciação jurisdicional, consagrado no artigo 5.º, XXXV, da Constituição Federal.
Quanto ao segundo argumento, embora alegue ter realizado a prestação de contas, não o fez de maneira integral, tanto que o referido convênio está sendo objeto de Tomada de Contas Especial. De fato, conforme parecer técnico já expedido pela FUNASA, deixou de prestar contas de valor correspondente a R$ 54.583,02 (cinquenta e quatro mil, quinhentos e oitenta e três reais e dois centavos).
Ressalte-se que a prestação de contas deve ser do valor integral repassado e não apenas de parte dele. Entendimento diferente tornaria inócua a redação do dispositivo, não sendo admissível uma tese baseada em simples jogo de palavras.
De outra banda, diferentemente do que alega, o objetivo da presente ação é o ressarcimento ao erário de qualquer dano que lhe tenha sido causado e não a prestação de contas.
Afasto a preliminar.
DA INÉPCIA DA INICIAL
Essa preliminar já foi devidamente afastada pela decisão de fls. 1523/1526.
MÉRITO


DA PRESCRIÇÃO

Por expressa previsão constitucional, não há prescrição de ações que visem ao ressarcimento de danos ao erário.
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento. grifo nosso.

DA COMPETÊNCIA DA FUNASA PARA INSTAURAÇÃO DE TCE

A norma reguladora do processo de Tomada de Contas Especial no TCU é a Instrução Normativa TCU 71/2012, vigente desde 1º de janeiro de 2013, que prevê, em seu art. 2º que “Tomada de contas especial é um processo administrativo devidamente formalizado, com rito próprio, para apurar responsabilidade por ocorrência de dano à administração pública federal, com apuração de fatos, quantificação do dano, identificação dos responsáveis e obter o respectivo ressarcimento.”.
Por sua vez, o art. 4º dispõe que “Esgotadas as medidas administrativas de que trata o art. 3º[1] desta Instrução Normativa sem a elisão do dano, a autoridade competente deve providenciar a imediata instauração de tomada de contas especial, mediante a autuação de processo específico, observado o disposto nesta norma”.
Dessa forma, em regra, a TCE deve ser instaurada pela autoridade competente do próprio órgão ou entidade jurisdicionada (responsável pela gestão dos recursos)
De outro lado, dispõe o art. 11 que “A tomada de contas especial deve ser encaminhada ao Tribunal de Contas da União em até cento e oitenta dias a contar do término do exercício financeiro em que foi instaurada.”
Sendo assim, resta límpida a competência da FUNASA para instaurar a Tomada de Contas Especial e do TCU para julgá-la.
DO ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA QUE VIOLOU PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Primeiramente, impende ressaltar que a improbidade administrativa é um dos maiores males envolvendo a máquina administrativa de nosso país e um dos aspectos negativos da má administração que mais justificam a implementação de um maior controle social. A expressão designa, tecnicamente, a chamada corrupção administrativa, que, sob diversas formas, promove o desvirtuamento da administração pública de seus preceitos basilares de moralidade, legalidade e impessoalidade, ferindo de morte os princípios da Carta Republicana.
O conceito de improbidade é bem mais amplo do que o de ato lesivo ou ilegal em si. É o contrário de probidade, que significa qualidade de probo, integridade de caráter, honradez. Logo, improbidade é o mesmo que desonestidade, falta de probidade.
A Lei Federal nº 8.429/92 disciplina a matéria em questão, estabelecendo que configura improbidade administrativa o ato praticado por agente público que importe (i) enriquecimento ilícito, (ii) prejuízo ao erário e (iii) violação aos princípios da administração pública (arts. 9, 10 e 11 da Lei nº. 8.429/92).
Ressalte-se que o referido diploma legal abrange todas as pessoas nomeadas como agentes públicos, quer integrantes da administração direta, indireta e fundacional, ainda que no exercício da função em caráter transitório ou sem remuneração.
O douto José Afonso da Silva assim descreve:
14. ATOS DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. (...) Cuida-se de uma imoralidade administrativa qualificada pelo dano ao erário e corresponde vantagem ao ímprobo ou a outrem (...). O grave desvio de conduta do agente público é que dá à improbidade administrativa uma qualificação especial, que ultrapassa a simples imoralidade por desvio de finalidade[2].

Como se vê, o renomado constitucionalista destaca a importância do princípio constitucional previsto no art. 37 da Carta Magna na determinação do que seja imoralidade administrativa, lembrando que não basta apenas a ilegalidade para que reste configurada.
Já Maria Sylvia Zanella di Pietro ensina que, para que um ato possa acarretar a incidência das penalidades estabelecidas na Lei de Improbidade Administrativa, são necessários os seguintes elementos:
a) sujeito passivo: uma das entidades mencionadas no art. 1º da Lei nº 8.429;

b) sujeito ativo: o agente público ou terceiro que induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta (arts. 1º e 3º);

c) ocorrência do ato danoso descrito na lei, causador de enriquecimento ilícito para o sujeito ativo, prejuízo para o erário ou atentado contrato os princípios da Administração Pública; o enquadramento do ato pode dar-se isoladamente, em uma das três hipóteses, ou, cumulativamente, em duas ou nas três;

d) elemento subjetivo: dolo ou culpa.[3]

Ao discorrer sobre o elemento volitivo, anota, ainda, a referida autora:
O enquadramento na lei de improbidade exige culpa ou dolo por parte do sujeito ativo. Mesmo quando algum ato ilegal seja praticado, é preciso verificar se houve culpa ou dolo, se houve um mínimo de má-fé que revele realmente a presença de um comportamento desonesto. (...) a aplicação da lei de improbidade exige bom-senso, pesquisa da intenção do agente, sob pena de sobrecarregar-se inutilmente o judiciário com questões irrelevantes, que podem ser adequadamente resolvidas na própria esfera administrativa. A própria severidade das sanções previstas na Constituição está a demonstrar que o objetivo foi de punir infrações que tenham um mínimo de gravidade, por apresentarem conseqüências danosas para o patrimônio público (em sentido amplo), ou propiciarem benefícios indevidos para o agente ou para terceiros. A aplicação das medidas previstas na lei exige observância do princípio da razoabilidade, sob o seu aspecto da proporcionalidade entre meios e fins.[4]

A doutrina direciona-se, portanto, sobre a necessidade de se extrair da conduta um elemento volitivo, rechaçando-se a possibilidade de responsabilidade civil objetiva, decorrente, pura e simplesmente, da infringência à norma jurídica. Em igual sentido, posicionou-se a jurisprudência, a exemplo das ementas abaixo transcritas:

ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. 1. Embora tenha havido discrepância inicial, pacificou a jurisprudência desta Corte em reconhecer que as condutas descritas no art. 11 da Lei de Improbidade dependem da presença do dolo, ainda que genérico. Consequentemente, afasta-se a responsabilidade objetiva dos administradores, não se fazendo necessária a demonstração da ocorrência de dano para a  Administração Pública. Precedentes. 2. Embargos de divergência não providos. (STJ – Primeira Seção. EREsp 917437/MG – Embargos de Divergência em Recurso Especial 2008/0236837-6. Relator: Min. Castro Meira. DJe 22/10/2010).


PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. TIPIFICAÇÃO. INDISPENSABILIDADE DO ELEMENTO SUBJETIVO (DOLO, NAS HIPÓTESES DOS ARTIGOS 9º E 11 DA LEI 8.429/92 E CULPA, PELO MENOS, NAS HIPÓTESES DO ART. 10) PRECEDENTES DE AMBAS AS TURMAS DA 1ª SEÇÃO. RECURSO PROVIDO (STJ - Primeira Seção. EREsp 479812/SP Embargos de Divergência em Recurso Especial 2007/0294026-8 – Relator: Min. Teori Albino Zavascki. DJE 27/09/2010).

De outro viés, anoto ainda que a Administração Pública é informada por vários princípios constitucionais, entre os quais se destaca o da legalidade administrativa, o que implica afirmar que toda ação do agente público deve estar expressamente prevista em lei.
Compulsando os autos, extraio que o requerido JOSÉ RIBAMAR AZEVEDO, na condição de prefeito do município de Amarante do Maranhão, celebrou um convênio (0046/2001) com a FUNASA/MA, cuja vigência se deu entre 22.05.2001 e 25.09.2002, integralmente durante o seu mandato.
Examinando o referido instrumento do convênio, verifico que JOSÉ RIBAMAR AZEVEDO obrigou-se, mediante o recebimento do importe de R$ 724.300,67 (setecentos e vinte e quatro mil e trezentos reais e sessenta e sete centavos), a executar o objeto do convênio. A vigência do convênio era da data da assinatura (22.05.2001) pelo prazo de 14 (quatorze) meses, dentre os quais teria o convenente o prazo de 60 dias para prestação de contas dos recursos recebidos da concedente.
Portanto, diante da inércia do demandado em cumprir com o seu dever constitucional de prestação de contas de parte do valor do referido convênio, correspondente a R$ 54.583,02,  enquanto destinatário de recursos públicos vinculados a finalidade específica, resta evidenciada a vontade livre e consciente do requerido em não fazê-lo, fato que configura o dolo enquanto elemento subjetivo da conduta ímproba que lhe é imputada.
No caso dos autos, dos expedientes de fls. 256/1518, extrai-se que o ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração púbica encontra-se devidamente configurado, uma vez que o requerido, na condição de prefeito municipal de Amarante do Maranhão, deixou de prestar contas referentes ao convênio firmado com a FUNASA, no prazo e nas condições estabelecidos na Cláusula Nona do instrumento do referido convênio (fls. 322/327).
Neste particular, insta pontuar que a Constituição Federal, em seu art.70, fixa o dever genérico de prestação de contas a todo aquele que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens ou valores de natureza pública.
Outrossim, o art. 11, VI da Lei nº. 8.429/92 estabelece que constitui ato de improbidade administrativa deixar de prestar contas no prazo e condições fixados em lei. Vejamos:
Art. 11- Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:
(...)
VI- Deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo.

Frise-se que o ato de improbidade administrativa em questão se exaure na atuação omissiva do gestor público em deixar de prestar contas no prazo e na forma disciplinados em lei, apresentando-se como ação de natureza formal, a qual se integraliza a despeito de qualquer resultado futuro.
Entretanto, resta devidamente comprovado o dano ao erário, na medida em que jamais apresentou a devida prestação de contas, não se tratando de simples dano hipotético, mas concreto em sua extensão, conforme se extrai das provas coligidas aos autos, mesmo porque não se sabe que destino deu o antigo gestor a estas verbas.
Nesse sentido, as seguintes decisões:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. LEI 8.429/92, ART. 11, VI. ATOS QUE ATENTAM CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DESNECESSIDADE DE OCORRÊNCIA DE PREJUÍZO AO ERÁRIO. - Os atos que atentam contra os princípios da Administração Pública são condutas ímprobas previstas no art. 11 da Lei 8.429/92 e independem de demonstração de dano aos cofres públicos ou enriquecimento ilícito. II - Deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo constitui ato violador dos deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e de lealdade do servidor, que lesam a moralidade administrativa, enquadrando-se na hipótese de improbidade tipificada no inc. VI do art. 11 da Lei 8.429/92. III - Como não houve comprovação de dano aos cofres públicos ou enriquecimento ilícito, o quantum da multa civil deve ser reduzido. IV - Apelo provido em parte apenas para reduzir a multa civil. (TRF1 – Terceira Turma. AC 20051 BA 2003.33.00.020051-9. Relator: Des. Federal Cândido Ribeiro. Julgamento: 03/11/2009)

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA. FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA. REQUISITOS. NÃO CARACTERIZAÇÃO. IMPROCEDÊNCIA. AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N.º 10.628/2002. INCONSTITUCIONALIDADE DE FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO DE CHEFE DO EXECUTIVO MUNICIPAL, NO EXERCÍCIO DO CARGO. NÃO CABIMENTO. COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ATRASO NO PAGAMENTO DOS SALÁRIOS DOS SERVIDORES MUNICIPAIS. AUSÊNCIA DE DIVULGAÇÃO DAS CONTAS NA CÂMARA MUNICIPAL. ARTS. 48 E 49 DA LEI COMPLEMENTAR N.º 101/2000. ATOS DE IMPROBIDADE. ART. 10, CAPUT E ART. 11, II, IV E VI DA LEI N.º 8.429/92. ENQUADRAMENTO. INICIAL. RECEBIMENTO. – (...) III - o atraso no pagamento do funcionalismo público municipal, bem como a ausência total de divulgação da disponibilização das contas perante a Câmara Municipal, são condutas atentatórias aos princípios da administração pública, suficientes para o enquadramento nos arts. 10 e 11, II, IV e VI, da Lei n.º 8.429/92, não exigindo a produção de resultado para restar evidenciada a prática de ato de improbidade. Ação que deve ser recebida para o fato ser devidamente apurado na instrução processual; - ação de improbidade administrativa recebida. (TJMA – Tribunal Pleno. Ação de Improbidade Administrativa 162162004 MA. Relator: Dês. Cleones Carvalho Cunha. Data de Julgamento: 09/12/2004)

Desta feita, após a análise acurada dos meios de provas coligidos aos autos, considero demonstrado, de forma indene de dúvida, que o requerido JOSÉ RIBAMAR AZEVEDO, na condição de Prefeito Municipal de Amarante do Maranhão, praticou dolosamente ato de improbidade administrativa consubstanciado em violação a princípios constitucionais, possuindo sua conduta subsunção ao tipo previsto no art. 11, VI, da Lei 8.429/1992 e enriquecimento ilícito na medida em que não tendo prestado contas da integridade do valor conveniado, restou demonstrado que houve desvio de haveres do ente público no quantum de R$ 54.583,02 (cinquenta e quatro mil, quinhentos e oitenta e três reais e dois centavos), conforme se verifica no parecer de fls. 1450/1452) e decisão administrativa de fl. 1457.
Por fim, não há que se falar em ofensa ao contraditório e à ampla defesa, uma vez que o réu teve acesso a todos os documentos produzidos no processo de Tomada de Contas Especial, bem como a oportunidade de se manifestar em relação a eles.

DAS PENALIDADES APLICÁVEIS À ESPÉCIE:

A Lei 8.429/92 impôs penalidades para aquelas pessoas que, na qualidade de agente público, pratiquem atos de improbidade administrativa.
Referidas penalidades estão previstas no artigo 12, I, II e III da LIA e são: (i) o ressarcimento do dano; (ii) multa civil; (iii) perda dos valores ilicitamente incorporados ao patrimônio do agente, (iv) perda da função pública; (v) proibição de contratar com o poder público e (vi) suspensão dos direitos políticos.
Assim sendo, verificada a conduta ímproba e desonesta de agente público na condução de interesses públicos, caberá ao Judiciário a aplicação das reprimendas designadas no citado artigo 12 da Lei 8.429/92.
Entrementes, não se pode desconhecer que as penalidades deverão ser aplicadas obedecendo a parâmetros de proporcionalidade entre a natureza do ato de improbidade e a extensão do dano causado à coletividade, sob pena de serem inquinadas de inconstitucionais.
Na hipótese em apreço, verifico que o prejuízo causado à coletividade se mostrou extremamente grave, uma vez que o requerido JOSÉ RIBAMAR AZEVEDO deixou de prestar contas dos valores recebidos em razão do convênio firmado com a FUNASA, no prazo e nas condições estabelecidos.
A conduta engendrada pelo réu redunda em desrespeito aos princípios da Administração Pública e enriquecimento ilícito, ganhando dimensões ainda maiores quando se observa que o caso dos autos envolve o município de Amarante do Maranhão, localidade extremamente pobre e desassistida pelo Poder Público, sobretudo no que pertine à saúde indígena.
Por outro lado, estando o réu falecido, não poderão os seus sucessores sofrer as penalidades que a ele deveriam ser aplicadas, considerando-se o seu caráter personalíssimo (princípio da intranscendência das penas), à exceção das penas de ressarcimento ao erário, por expressa previsão constitucional e legal (art. 5º, XLV, CF e art. 8º, da LIA), quando deverão ser estendidas aos sucessores, até o limite do valor da herança.
Nesse sentido:
PROCESSO CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - FALECIMENTO DO RÉU (EX-PREFEITO) NO DECORRER DA DEMANDA - HABILITAÇÃO DA VIÚVA MEEIRA E DEMAIS HERDEIROS REQUERIDA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO - POSSIBILIDADE - ARTS. 1055 E SEGUINTES DO CPC - ART. 535 DO CPC.
1. Não pode o jurisdicionado escolher quais fundamentos devem ser utilizados pelo magistrado, que pauta-se na persuasão racional para "dizer o direito." Não-violação dos arts. 535, 165 e 458, II, do CPC.
2. A questão federal principal consiste em saber se é possível a habilitação dos herdeiros de réu, falecido no curso da ação civil pública, de improbidade movida pelo Ministério Público, exclusivamente para fins de se prosseguir na pretensão de ressarcimento ao erário.
3. Ao requerer a habilitação, não pretendeu o órgão ministerial imputar aos requerentes crimes de responsabilidade ou atos de improbidade administrativa, porquanto personalíssima é a ação intentada.
4. Estão os herdeiros legitimados a figurar no pólo passivo da demanda, exclusivamente para o prosseguimento da pretensão de ressarcimento ao erário (art. , Lei 8.429/1992). Recurso especial improvido (STJ - REsp 732777 MG 2005/0040770-0 – SEGUNDA TURMA – Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS – Julg. 05/11/2007)

No que diz respeito à sanção de ressarcimento integral do dano, deve ser ressaltado que, para sua aplicação, nos termos do que preceitua o art. 21, I, segunda parte, da Lei de Improbidade Administrativa[5], é necessária a efetiva comprovação de dano ao patrimônio público.
Assim, havendo nos autos provas contundentes da existência de prejuízos ao patrimônio público, consubstanciadas no parecer técnico emitido pela FUNASA, órgão responsável por analisar a prestação de contas do convenente, que concluiu pela ausência da prestação de contas no valor de R$ 54.583,02 (cinquenta e quatro mil, quinhentos e oitenta e dois reais e dois centavos), a aplicação da pena de ressarcimento é medida que se impõe, muito embora não esteja a TCE concluída, por entender inexistir óbice à aplicação desta pena, uma vez que não poderia o judiciário estar vinculado a eventual conclusão de procedimento administrativo para que pudesse efetivar a prestação jurisdicional.
DISPOSITIVO:

ANTE O EXPOSTO, julgo procedente a presente ação e, em consequência, CONDENO o ESPÓLIO DE JOSÉ RIBAMAR AZEVEDO ao ressarcimento do valor de R$ 54.583,02 (cinquenta e quatro mil, quinhentos e oitenta e três reais e dois centavos) por violação à norma capitulada no art. 11, VI da Lei 8.429/92, à luz das argumentações acima aduzidas, verba que deverá ser revertida ao Município de Amarante do Maranhão (Súmulas nº 208 e 209, STJ). Sobre o valor da condenação incidirá juros de 1% a.m. e correção pelo INPC a contar da data do evento danoso, ou seja, prazo final da prestação de contas.
Intime-se o autor, através de seu representante legal.
Notifique-se o Ministério Público Estadual.
Oficie-se à Câmara Municipal de Amarante do Maranhão, através de sua Presidente, dando ciência da presente decisão para os fins de direito.
Condeno, ainda, o réu em custas e despesas processuais e honorários advocatícios, os quais fixo em R$ 724,00 (setecentos e vinte e quatro reais), nos termos do art. 20, §4º do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intime-se.
Amarante do Maranhão, 07 de Março de 2014.

Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da Comarca de Amarante do Maranhão




[1] Art. 3º Diante da omissão no dever de prestar contas, da não comprovação da aplicação de recursos repassados pela União mediante convênio, contrato de repasse, ou instrumento congênere, da ocorrência de desfalque, alcance, desvio ou desaparecimento de dinheiro, bens ou valores públicos, ou da prática de ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte dano ao Erário, a autoridade competente deve imediatamente, antes da instauração da tomada de contas especial, adotar medidas administrativas para caracterização ou elisão do dano, observados os princípios norteadores dos processos administrativos.
[2] DA SILVA, José Afonso. Comentário contextual à Constituição. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.348.
[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 22.ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 813.
[4] Idem. p.823.
[5] Art. 21, LIA - A aplicação das sanções previstas nesta lei independe:
I - da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento.

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