sexta-feira, 4 de março de 2011

CARNAVAL E DIREITO AO SOSSEGO

Proc. 170/2011

MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO DE LIMINAR
Impetrante: JOAQUIM PEREIRA DA SILVA E OUTROS
Impetrado PREFEITA MUNICIPAL DE AMARANTE DO MARANHÃO


DECISÃO

JOAQUIM PEREIRA DA SILVA E OUTROS, qualificados às fls. 02-03 dos autos, através e advogado, impetrou o presente mandado de segurança contra ato da PREFEITA MUNICIPAL DE AMARANTE DO MARANHÃO, alegando, em síntese:
Que são idosos e que nessa condição tem direito de vê respeitado o direito ao silêncio, expressado através do seu descanso e sossego;
Que foram surpreendidos com ato administrativo da autoridade impetrada que determinou a realização das festividades do carnaval exatamente nas proximidades das residências dos impetrantes e que as tentativas de contato destes com aquela foram infrutíferas;
Que não é costumeiro a realização de eventos semelhantes no local e que os mesmo costumavam acontecer na praça da cultura, local que a população já teria aprovado e que seria mais aconchegante aos foliões;
Sustentam que possuem direito líquido e certo de não vê realizada as festas no local tendo em vista as diretrizes do Estatuto do Idoso, em especial o disposto no art. 4º,§1º; art. 10§2º e no art. 20 da LEI nº 10741/03.
Requerem concessão de liminar inaudita altera parte com o fim de compelir o município a alterar o local das festividades sustentando o fumus boni iuris nas disposições retro e o periculum in mora diante da proximidade do evento.
Juntaram como prova documental cópias dos documentos pessoais e dos comprovantes de residências.
Às fls. 32, foi indeferida a gratuidade judiciária, tendo os impetrantes procedido ao pagamento das custas processuais às fls. 33.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Decido.
A ação de mandado de segurança consiste em um instrumento constitucional destinado a proteger direito líquido e certo quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder (ação ou omissão) for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público (CF, art. 5º, LXIX):
Art. 5º. Omissis.
(...)
LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso do poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público.”

O controle de atos administrativos pelo Judiciário é mais restrito que aquele que se opera pela própria Administração Pública, pois ao Judiciário somente cabe analisar a legalidade do ato, o fazendo à partir da análise de cada um dos elementos que compõe o ato administrativo impugnado, portanto, somente pode se dar quando se evidencia uma ilegalidade.
Os requisitos do mandado de segurança são direito líquido e certo, que é aquele que pode ser comprovado de plano, por meio de documentos, independentemente da produção de provas, e ato de autoridade, consistente na ação ou omissão do Poder Público, por meio de seus agentes, no exercício de suas funções, incluindo atos de agentes da administração pública direta, indireta (autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista), bem como atos de concessionárias e permissionárias de serviço público e dirigentes de entidades de classe.
O ato da autoridade, dita coatora, começou a exteriorizar-se com a montagem do palco para apresentação de eventos durante o carnaval na cidade de Amarante do Maranhão. A legitimidade dos impetrantes resta evidenciada a partir dos comprovantes de residência anexados aos autos. Resta saber se o ato impugnado é ilegal.
O filósofo francês VOLTAIRE muito sabiamente disse que 'o homem não deve estar sujeito a nada, a não ser às leis.'

Não se olvida que o carnaval é a mais rica expressão folclórica do Brasil, quando quatro dias de folia abraçam a nação de norte a sul.

Lado outro, as cidades, em todo o mundo, são associadas à ubiquidade de ruídos de toda ordem.

Ademais, vivemos no país do carnaval e de inumeráveis manifestações musicais, o que não retira o direito de cada brasileiro descansar e dormir, mas certamente, nessa época do ano, a tradição impõe que sejamos tolerantes com tais manifestações.

É evidente que a vida em sociedade demanda que os seus integrantes tenham tolerância, sob pena de chegarmos à desordem e anarquia.

Portanto resta evidenciado um claro choque de princípios constitucionais onde de um lado temos os impetrantes que pleiteiam o direito ao meio ambiente equilibrado acusticamente, ou seja, ao silêncio que se expressa pelo sossego e descanso e de outro lado o direito de liberdade, lazer e cultura de considerável parte da população que encontra-se ansiosa para extravasar na avenida a sua alegria.

Ambos os direitos possuem proteção constitucional, o primeiro no art. 225, caput da CF e o segundo no art. 5º, II, XIII e XVII da Carta Magna.

Diante de um choque de princípios constitucionais a solução perpassa pelo princípio da ponderação, ou seja, a análise casuística determinará o princípio que irá preponderar no caso concreto sem que haja a anulação do princípio derrotado.
Na resolução da colisão entre princípios constitucionais deve-se levar em consideração as circunstâncias que cercam o caso concreto, para que, pesados os aspectos específicos da situação, prepondere o preceito mais adequado. A tensão se resolve mediante uma ponderação de interesses opostos, determinando qual destes interesses, abstratamente, possui maior peso no caso concreto.
Assim, de um lado está a tradição e manifestação cultural da alegria do povo  brasileiro tão sofrido durante a maior parte do ano e sedento que extravasar na folia de momo indo atrás do trio elétrico, a pé, de trem ou avião, como já dizia o poeta baiano... E do outro está o direito de não ser perturbado em seu sossego, ambos com respaldo constitucional.

Também não se pode deixar de interpretar o carnaval como um ofício, já que no entorno da festa há uma forma de movimentação da economia da cidade, uma oportunidade de lucro para uma imensidão de pessoas que vivem da economia informal em tempos de poucas oportunidades e de concentração de renda.
Da mesma forma não se pode deixar de considerar todos os dispêndios efetivados com o dinheiro público para o planejamento e execução da festa de carnaval.

De outro banda, o interesse privado dos impetrantes não deve se sobressair sobre o interesse público maior da população local que deseja a realização das festividades como manifestação de sua arte, cultura e alegria.

Diante do quadro que se descortina, tenho que neste momento, apenas em um juízo de prelibação, é precipitado inquinar o ato administrativo da autoridade impetrada como ilegal já que inúmeras são as variantes que envolvem sua elaboração, pois se trata de decisão tipicamente discricionária da chefe do executivo local, portanto, permite que a municipalidade por razões de conveniência e oportunidade o elabore e ponha em execução.

Portanto, não vislumbro o malferimento a direito líquido e certo dos impetrantes diante do ato do Chefe do Poder Executivo local, já que não tenho o mesmo como manifestamente ilegal a ensejar a concessão da liminar prevista no art. 7º, III da Lei nº 12015/09:

Art. 7º  Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
(...)
III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.

Ademais, as disposições do Estatuto do Idoso, invocadas pelos impetrantes não guarda a necessária pertinência com a matéria em análise, considerando que a elaboração do mesmo tem o mesmo alicerce do ECA, ou seja, invoca a doutrina da proteção integral e da condição peculiar da pessoa, não havendo notícias da invocação deste último em casos análogos.
Do mesmo modo, a mudança do local de instalação do palco para a Praça da Cultura, acaso deferida, ensejaria a mesma inquietação de outros idosos que acaso, da mesma forma que os impetrantes, preferissem o sossego à folia.
 Feitas tais considerações, entendo ausentes os requisitos do fumus boni iuris, já que não se evidencia clara ofensa a direito líquido e certo dos impetrantes.
Ante o exposto, INDEFIRO A LIMINAR PLEITEADA, notifique-se a autoridade dita coatora, enviando-lhe a segunda via apresentada com as cópias dos documentos, para no prazo de 10 (dez) dias apresentar as informações que entender pertinentes.
Cientifique-se a Procuradoria do Município de Amarante do Maranhão e na sua ausência a prefeita municipal, enviando-lhe cópia da inicial sem os documentos, para que, querendo, ingresse no feito.(art. 7º, II da Lei nº 12016/2009).
Intimem-se.
Ciência ao Ministério Público.

                        Amarante do Maranhão/MA, 04 de março de 2011.


Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular da Comarca de Amarante do Maranhão

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