terça-feira, 4 de junho de 2013

SENTENÇA. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. ACCESSIO POSSESSIONIS X ATOS MERA TOLERÂNCIA. PROCEDÊNCIA.

Autos n°. 6642011
Ação de Reintegração de Posse
Requerente: GERSON GOMES MARQUES
Requerido: EDIVALDO LEITÃO GOMES, vulgo “CAÇADOR” E OUTROS

Vistos etc,

GERSON GOMES MARQUES, já qualificado, ajuizou a presente ação de Reintegração de Posse em desfavor de EDIVALDO LEITÃO GOMES, vulgo “CAÇADOR” E OUTROS, alegando, em síntese, que é legítimo proprietário do imóvel descrito à fl. 08 e que foi esbulhado da sua posse.
Afirma que teve sua posse esbulhada por ato praticado pelos requeridos, pois teriam impedido a entrada de um trator e de seu tratorista na sua propriedade na data de 10.08.2011.
Aduz ainda que os requeridos passaram a ocupar em fins de semana um barraco velho que consta da propriedade do requerente, fazendo-o de abrigo.
Alega que tentou de forma amigável a retirada dos requeridos de dentro de sua propriedade, tendo restado infrutífera, razão pela qual ajuizou a presente ação.
Audiência de justificação às fls. 29-30, oportunidade que tomou-se por termo o depoimento pessoal do autor, tendo a parte requerida postulado juntada de cópia de sentença de anterior ação possessória ajuizada pelos requeridos, transitada em julgado, na qual as partes figuram em pólos invertidos (fls. 32-33).
Decisão Liminar às fls. 35-40 determinando a reintegração de posse ao autor, sob a condição de pagamento da diferença do ITBI e de custas em relação ao valor real do imóvel, o que foi cumprido pelo autor (fls. 41-45).
Auto de Reintegração na posse do autor à fl. 49, cumprido em sua totalidade.
Contestação às fls.52-57 alegando inicialmente que todos os requeridos detinham a posse pacífica das terras em questão, e que sobreviviam com a lavroura da mesma.
Ademais, argumentam que são herdeiros de Raimunda Leitão Gomes, e que tomaram posse da área em litígio desde a década de 1970, sobrevivendo do trabalho comum entre pais e filhos, e que o ora requerente foi quem teria na verdade esbulhado os mesmos da posse do imóvel na data de 08.11.2006 tendo originado ação de reintegração de posse registrada sob o número 1018/2006 neste juízo em desfavor do requerente, tendo sido concedida liminar e posterior confirmação de reintegração de posse aos ora requeridos, consoante cópia da sentença anexada às fls. 32-33.
Propalam ainda os ora requeridos que com o falecimento da matriarca da família, Raimunda Leitão Gomes, o irmão mais instruído dentre os herdeiros, o primogênito, Sr. Antônio Leitão Gomes, e que habitava na cidade teve em seu nome titulado a terra, por ter, supostamente, maior esclarecimento na época da titulação, que não poderia ser feita em nome de todos os irmãos, tendo posteriormente vendido a mesma terra para o ora requerente.
Destarte, ante a notícia de venda da terra os ora requeridos ajuízaram  em 14.07.2011 ação de usucapião em desfavor do ora requerente (proc. N.º 522-87.2011.8.10.0066), no qual afirmam a posse mansa e pacífica do imóvel por mais de 40 (quarenta) anos.
Relatam que este juízo realizou audiência de justificação com oitiva apenas do autor, sem colher depoimento de testemunhas e dos próprios requeridos, tendo os mesmos requerido a juntada de sentença de mérito (fls. 32-33).
Aduzem por fim que o mesmo nunca deteve a posse direta do imóvel, tendo realizado compra do imóvel enquanto este estava pendente de litígio judicial.
Os requeridos agravaram a decisão de fls. 35-40, tendo juntado cópia do agravo às fls. 60-70, que foi deferido no juízo ad quem tendo sido expedido novo mandado de integração de posse, desta vez, aos requeridos às fls.
Audiência de Instrução às fls. 109-116 com oitiva de testemunhas.
Alegações finais pelo autor às fls. 119-123, e pelos réus às fls. 126-127.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Decido.
A reintegração de posse é o remédio processual adequado à restituição da posse àquele que a tenha perdido em razão de um esbulho, sendo privado de seu poder fisico sobre a coisa. Não é suficiente o incômodo; essencial é que a agressão provoque a perda da possibilidade de controle e atuação material no bem antes possuido, uma vez que nos termos do art. 926 do CPC: “o possuidor tem o direito de ser mantido na posse em caso de turbação e reintegrado no caso de esbulho.”
Para tanto, há que se provar nos autos a efetiva posse, direta ou indireta do autor para que se possa reintegra-lo a um status quo ante que é a posse do imóvel, sob pena de não falar-se em ação de reintegração de posse e sim de imissão na posse, por tal motivo, cabal é conhecer a definição de posse segundo o Código Civil, em seu Livro III (Do Direito das Coisas), Título I (Da posse), art. 1.196, in verbis:
Art. 1.196. Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes à propriedade.
 Tal definição é fundamental para a perseguição de um direito possessório, pois sem posse, como se poderia falar de ação possessória? Disto provém, portanto, que a ação possessória só pode prosperar sob o pálio da comprovação da posse, direta ou indireta.
É necessário atinar que a posse é diferente de propriedade, na lição de ANTONIO CARLOS MARCATO, “enquanto a propriedade é o poder de direito sobre a coisa, a posse é o poder de fato, ou seja, a exteriorização de um direito sobre o bem possuído, importando para sua caracterização, a utilização econômica da coisa, ainda que exercida in nomine alieno
Destarte, a posse está mais ligada ao uso de fato, pleno ou não, de um bem, móvel ou imóvel, do que o título ou registro cartorário do mesmo, sendo que, eventualmente, pode haver simbiose entre a propriedade (domínio) e posse (exercício de poder de fato sobre a coisa), o que também pode não ocorrer simultâneamente, necessariamente.
Assim traçada a definição de posse, resta perseguir no bojo de uma ação possessória, que é o caso presente, a efetiva posse do autor para o fim de ser reintegrado na posse da mesma, restando as questões dominiais para outros foros de debate.
Deste modo, verifico que a prova efetiva da posse é requisito essencial da ação, restando ser esclarecida mediante análise detida dos elementos probatórios coligidos ao longo da instrução processual, mormente testemunhal.
Passo a analisar a presença dos requisitos necessários para o julgamento da presente ação possessória, nos termos do art. 927 do CPC:
Art. 927. Incumbe ao autor provar:
I – a sua posse;
II – a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;
III – a data da turbação ou do esbulho;
IV – a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de reintegração.
Com relação aos pressupostos para a procedência do pedido na ação de reintegração de posse, enfatiza Arnaldo Rizzato:
“Três pressupostos sobressaem: a)deverá o possuidor esbulhado ter exercido uma posse anterior; b)a ocorrência do esbulho da posse que alguém provoca; c) a perda da posse em razão do esbulho.“Pratica esbulho quem priva outrem da posse, de modo violento ou clandestino, ou com abuso de confiança.” (Direito das Coisas, Forense, 1ª ed., p. 105).
Na ação de reintegração de posse, incumbe ao autor provar a sua posse, a turbação ou o esbulho praticado pelo réu, a data da turbação ou do esbulho e a continuação da posse, embora turbada (CPC, art. 927).

QUANTO A POSSE

É necessário registrar que a área em litígio foi ocupada mansamente e sem oposição durante mais de 30 (trinta) anos conforme aduz o próprio ex-titular da terra:

Que o depoente foi beneficiado com o título da área em litígio; Que somente depois desse fato, e passados 02 anos que o depoente já residia nesta cidade, os pais do depoente vieram para Amarante oriundos de Chapadinha; Que aos poucos os demais irmãos, (...), também vieram morar na cidade de Amarante(...) Que os pais do depoente ao chegarem nesta cidade não tinham aonde morar tendo passado alguns dias com Maria Deusa, mas posteriormente foram residir na fazenda objeto do presente processo; Que ninguém pediu autorização para o depoente para irem morar no local; Que aos poucos os demais irmãos foram chegando e também passaram a residir na área; Que como se tratava de familiares o depoente não se opôs; (...) Que essa situação perdurou do final da década de 70 até o ano de 2000; que entretanto os irmãos do depoente aos poucos foram arrumando suas casas no centro da cidade e depois de alguns anos os pais do depoente mudaram-se para uma casa na Rua Coelho Neto: Que entretanto tanto os pais como os irmão do depoente costumavam passar fins de semana na fazenda(...) que jamais fez qualquer doação da a´rea para seus pais ou irmãos (...)que antes de efetuar a venda para o SR. Gerson nenhum dos irmãos residia na fazenda; Que era comum seus irmãos reunirem-se na fazenda para beberem, comerem e caçarem; que não é veradade que tenha vendido a terra para Gerson de maneira escondida, pois na época conversou com sua irmã Francisca comunicando que venderia para fazr tratamento de saúde seu e de sua filha (...) Que foi Dominguinhos que ofereceu a terra para o Sr. Gerson(...) (Depoimento de ANTONIO LEITÃO GOMES, fl. 111)

Analisando o referido depoimento observo que desde há muito o antigo proprietário, irmão dos requeridos, possuia o imóvel sob litígio e que, por ATO DE MERA PERMISSÃO OU TOLERÂNCIA, deu abrigo aos seus pais e irmão que chegaram a esta cidade oriundos da cidade de Chapadinha/MA.
Segundo o Código Civil, os atos de mera permissão ou tolerância não induzem posse:
Art. 1.208. Não induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade.

A tolerância é um comportamento de inação, omissivo, consciente ou não do possuidor, que, sem renunciar à posse, admite a atividade de terceiro em relação à coisa e não intervém quando ela acontece. Sendo uma mera indulgência, uma simples condescedência, não implica transferência de direitos.
Nos autos há outros indícios de que os requeridos reconheciam no seu irmão ANTONIO LEITÃO o verdadeiro proprietário do imóvel, conforme se observa: 1) do depoimento pessoal do autor GERSON GOMES, onde o mesmo afirma que foi procurado para requerido DOMINGUINHOS lhe oferecendo a área para compra uma vez que ANTONIO LEITÃO, irmão deste, estaria doente em Palmas/TO e endividado nesta cidade (fls. 30), fato também confirmado por PERCILIANO LOPES (fls. 113); 2) é o que se depreende também do depoimento de ANTONIO LEITÃO quando o mesmo oferece a terra com preferencia para a requerida FRANCISCA (SUA IRMÃ) e esta afirma que “iriam vê se dava pra comprar”(fls. 111)
Por outro lado, colho do depoimento da referida testemunha, bem como do próprio registro imobiliário do imóvel em referência que ANTONIO LEITÃO GOMES, de fato alienou o imóvel em referência para o autor, transferindo a posse e propriedade que detinha  com as mesmas qualidade e vícios que existiam à época da alienação, conforme preceitua o art. 1207 do CC:

Art. 1.207. O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.

Portanto, no momento da alienação da propriedade o vendedor transmitiu também ao adquirente, ora autor, a sua posse e a partir de então o autor ficou investido de poderes para ajuizar os interditos prossessórios.
É o que a doutrina chama de ACCESSIO POSSESSIONIS, modo de aquisição derivada da propriedade, a título singular, por ato inter vivos. O adquirente recebe a nova posse, podendo juntá-la ou não, à posse anterior do vendedor. Portanto, não se pode falar em inexistência de posse anterior pelo adquirente.
Compulsando os autos, verifico, ainda, que no momento do cumprimento da liminar concedida por este juízo, o Oficial de Justiça certificou que “no referido imóvel não encontramos nenhum dos requeridos, onde procedemos ao arrombamento da porta principal, recolhendo todos os pertences dos requeridos e deixandos os mesmos no endereço do requerido na Rua Coelho Neto”(fls. 49).
Posteriormente outra certidão do Oficial de Justiça descreve o estado de abandono do imóvel: “a única modificação feita no referido imóvel é uma plantação de milho feita pelo vaqueiro do agravado no lugar onde anteriomente era um curral, segundo informações dos agravantes, a terra encontra-se descuidada, tendo mato em todo o território, até em uma platação de arroz quejá havia no local”(fls. 96).
A testemunha PERCILIANO LOPES LIMA, afirma que possuiu uma propriedade vizinha a área em litígio durante 7 anos e que nesse período nunca observou os requeridos desenvolverem atividade produtiva na terra:
“(...) que adquiriu essa propriedade no ano de 2003 e vendeu no ano de 2010; (...) que observou muitas vezes a “irmandade”, referindo-se aos requeridos, no local especialmente aos finais de semana; Que durante esse periodo nunca observou uma plantação de roça na fazenda; (...) Que não sabe dizer se os itmãos desenvolviam alguma atividade produtiva na fazenda; (...) Que foi o próprio Gerson que informou para o depoente que havia comprado a fazenda e que foi um dos irmão, Domingos, que incentivou a compra (...) “(fls. 113)
Sendo assim, não socorre aos requeridos a alegação de que o autor não tinha posse da área em litígio, pois sendo o mesmo sucessor a título singular de ANTONIO LEITÃO GOMES, adquiriu a posse que aquele ostentava anteriormente.
Também não prospera a alegação de que a posse estava com os requeridos desde o ano de 2006 quando lhes fora deferida uma liminar na ação de reintegração de posse nº 1018/2006 que tramitou neste juízo, uma vez que houve substantiva alteração fática relacionada a aquisição da posse que antes, em 2006, pertencia de fato a ANTONIO LEITÃO GOMES.
Portanto, desde o meu olhar, há prova nos autos de transmissão da posse do vendedor ANTONIO LEITÃO GOMES para o autor GERSON GOMES MARQUES através de negócio jurídico válido e eficaz, capaz de tramitir o domínio e a posse do referido imóvel a este último.

QUANTO A PROVA DO ESBULHO, DA DATA DO ESBULHO E DEMONSTRAÇÃO DA PERDA DA POSSE:

Dispõe o art. 927 do CPC a necessidade do autor do presente procedimento especial demonstrar a turbação ou esbulho praticados pelos réus, a data de sua ocorrência e a prova da perda da posse.
Pois bem, quanto a demonstração do esbulho, ás fls. 09 dos autos repousa um boletim de ocorrência policial, onde o autor relata que “os irmãos do vendedor, após o lote vendido se apossaram da referida propriedade, fazendo ameaças ao comunicante, bem como fazendo disparos de armas de fogo em direção a sede da fazenda do comunicante”.
Colho ainda do depoimento pessoal do autor que “após os serviços de limpeza das divisas, observou que os requeridos adentraram na área adquirida pelo requerente e lá permaneceram sendo que no dia 10.08.2011 o requerente foi impedido de adentrar na área com uma trator para fazer beneficiamento (...) que foi avisado pelo Sr. Orlando que não era para pisar lá dentro da área, pois estava na Justiça e eles era quem mandavam lá dentro (...) que dois requeridos estavam na época no local, sendo que um deles, Edvaldo, portanto uma espingarda (...) (fls. 30)
A data do esbulho por sua vez, deu-se no dia 10.08.2011, quando o autor foi impedido de adentrar o imóvel com suas máquinas e sob ameaça.
A perda da posse restou evidenciada, por atos de grave ameaça, na medida em que os requeridos invocando a condição de posseiros e utlizando-se de arma de fogo, impediram o autor de adentrar o imóvel desde a data do esbulho.
Pelo já exposto e pela convicção formada neste juízo sob o pálio do contraditório entendo que o requerente preencheu os requisitos do art. 927 do CPC.
Assim, entendo que o autor faz jus à proteção possessória pretendida, uma vez que os fatos narrados foram corroborados com o conjunto probatório inserido nos autos dão conta de que houve indevido desapossamento do bem objeto da presente lide por atos de grave ameaça praticados pelos requeridos.
Vale lembrar que em ação de reintegração de posse não cabe a discussão sobre a titularidade do bem, pois o seu legítimo proprietário poderá retomá-lo, a qualquer tempo e na via processual adequada, daquele que eventualmente venha a possuí-lo indevidamente.

DISPOSITIVO

ANTE O EXPOSTO, julgo PROCEDENTE o pedido de reintegração de posse, confirmando a liminar anteriormente concedida, devendo o bem ser restituído definitivamente a GERSON GOMES MARQUES.
Considerando o caráter dúplice das ações possessórias, expeça-se mandado de reintegração definitiva de posse do bem objeto da presente lide em favor do demandante.
Condeno os réus no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que, com amparo no art. 20, § 4º, do CPC, fixo em R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais), porém, dispenso o pagamento tendo em vista que os mesmos são beneficiários da Justiça Gratuita.
Certificado o trânsito em julgado, arquive-se com baixa na distribuição.
P.R.I.C
Amarante do Maranhão, 04 de junho de 2013.

 


Juiz Glender Malheiros Guimarães

Titular da Comarca de Amarante do Maranhão


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