Autos
n°. 6642011
Ação de
Reintegração de Posse
Requerente:
GERSON GOMES MARQUES
Requerido:
EDIVALDO LEITÃO GOMES, vulgo “CAÇADOR” E OUTROS
Vistos etc,
GERSON GOMES MARQUES, já qualificado, ajuizou a presente
ação de Reintegração de Posse em desfavor de EDIVALDO LEITÃO GOMES, vulgo
“CAÇADOR” E OUTROS, alegando, em síntese, que é legítimo proprietário do imóvel
descrito à fl. 08 e que foi esbulhado da sua posse.
Afirma que teve sua posse esbulhada por ato praticado
pelos requeridos, pois teriam impedido a entrada de um trator e de seu
tratorista na sua propriedade na data de 10.08.2011.
Aduz ainda que os requeridos passaram a ocupar em fins de
semana um barraco velho que consta da propriedade do requerente, fazendo-o de
abrigo.
Alega que tentou de forma amigável a retirada dos
requeridos de dentro de sua propriedade, tendo restado infrutífera, razão pela
qual ajuizou a presente ação.
Audiência de justificação às fls. 29-30, oportunidade que
tomou-se por termo o depoimento pessoal do autor, tendo a parte requerida
postulado juntada de cópia de sentença de anterior ação possessória ajuizada
pelos requeridos, transitada em julgado, na qual as partes figuram em pólos
invertidos (fls. 32-33).
Decisão Liminar às fls. 35-40 determinando a reintegração
de posse ao autor, sob a condição de pagamento da diferença do ITBI e de custas
em relação ao valor real do imóvel, o que foi cumprido pelo autor (fls. 41-45).
Auto de Reintegração na posse do autor à fl. 49, cumprido
em sua totalidade.
Contestação às fls.52-57 alegando inicialmente que todos
os requeridos detinham a posse pacífica das terras em questão, e que
sobreviviam com a lavroura da mesma.
Ademais, argumentam que são herdeiros de Raimunda Leitão
Gomes, e que tomaram posse da área em litígio desde a década de 1970,
sobrevivendo do trabalho comum entre pais e filhos, e que o ora requerente foi
quem teria na verdade esbulhado os mesmos da posse do imóvel na data de
08.11.2006 tendo originado ação de reintegração de posse registrada sob o
número 1018/2006 neste juízo em desfavor do requerente, tendo sido concedida
liminar e posterior confirmação de reintegração de posse aos ora requeridos,
consoante cópia da sentença anexada às fls. 32-33.
Propalam ainda os ora requeridos que com o falecimento da
matriarca da família, Raimunda Leitão Gomes, o irmão mais instruído dentre os
herdeiros, o primogênito, Sr. Antônio Leitão Gomes, e que habitava na cidade
teve em seu nome titulado a terra, por ter, supostamente, maior esclarecimento
na época da titulação, que não poderia ser feita em nome de todos os irmãos,
tendo posteriormente vendido a mesma terra para o ora requerente.
Destarte, ante a notícia de venda da terra os ora
requeridos ajuízaram em 14.07.2011 ação
de usucapião em desfavor do ora requerente (proc. N.º 522-87.2011.8.10.0066),
no qual afirmam a posse mansa e pacífica do imóvel por mais de 40 (quarenta)
anos.
Relatam que este juízo realizou audiência de justificação
com oitiva apenas do autor, sem colher depoimento de testemunhas e dos próprios
requeridos, tendo os mesmos requerido a juntada de sentença de mérito (fls.
32-33).
Aduzem por fim que o mesmo nunca deteve a posse direta do
imóvel, tendo realizado compra do imóvel enquanto este estava pendente de
litígio judicial.
Os requeridos agravaram a decisão de fls. 35-40, tendo
juntado cópia do agravo às fls. 60-70, que foi deferido no juízo ad quem tendo sido expedido novo mandado
de integração de posse, desta vez, aos requeridos às fls.
Audiência de Instrução às fls. 109-116 com oitiva de
testemunhas.
Alegações finais pelo autor às fls. 119-123, e pelos réus
às fls. 126-127.
Vieram os autos conclusos.
É o relatório. Decido.
A reintegração de posse é o remédio processual adequado à
restituição da posse àquele que a tenha perdido em razão de um esbulho, sendo
privado de seu poder fisico sobre a coisa. Não é suficiente o incômodo;
essencial é que a agressão provoque a perda da possibilidade de controle e
atuação material no bem antes possuido, uma vez que nos termos do art. 926 do
CPC: “o possuidor tem o direito de ser mantido na posse em caso de turbação e
reintegrado no caso de esbulho.”
Para tanto, há que se provar nos autos a efetiva posse,
direta ou indireta do autor para que se possa reintegra-lo a um status quo ante que é a posse do imóvel,
sob pena de não falar-se em ação de reintegração de posse e sim de imissão na
posse, por tal motivo, cabal é conhecer a definição de posse segundo o Código
Civil, em seu Livro III (Do Direito das Coisas), Título I (Da posse), art.
1.196, in verbis:
Art. 1.196. Considera-se
possuidor todo aquele que tem de fato
o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes à propriedade.
Tal definição é
fundamental para a perseguição de um direito possessório, pois sem posse, como
se poderia falar de ação possessória? Disto provém, portanto, que a ação
possessória só pode prosperar sob o pálio da comprovação da posse, direta ou
indireta.
É necessário atinar que a posse é diferente de
propriedade, na lição de ANTONIO CARLOS MARCATO, “enquanto a propriedade é o
poder de direito sobre a coisa, a posse é o poder de fato, ou seja, a
exteriorização de um direito sobre o bem possuído, importando para sua caracterização,
a utilização econômica da coisa, ainda que exercida in nomine alieno”
Destarte, a posse está mais ligada ao uso de fato, pleno ou
não, de um bem, móvel ou imóvel, do que o título ou registro cartorário do
mesmo, sendo que, eventualmente, pode haver simbiose entre a propriedade
(domínio) e posse (exercício de poder de fato sobre a coisa), o que também pode
não ocorrer simultâneamente, necessariamente.
Assim traçada a definição de posse, resta perseguir no
bojo de uma ação possessória, que é o caso presente, a efetiva posse do autor
para o fim de ser reintegrado na posse da mesma, restando as questões dominiais
para outros foros de debate.
Deste modo, verifico que a prova efetiva da posse é
requisito essencial da ação, restando ser esclarecida mediante análise detida
dos elementos probatórios coligidos ao longo da instrução processual, mormente
testemunhal.
Passo a analisar a presença dos requisitos necessários
para o julgamento da presente ação possessória, nos termos do art. 927 do CPC:
Art. 927. Incumbe
ao autor provar:
I – a sua posse;
II – a turbação ou o
esbulho praticado pelo réu;
III – a data da
turbação ou do esbulho;
IV – a continuação da posse,
embora turbada, na ação de manutenção; a perda da posse, na ação de
reintegração.
Com relação aos pressupostos para a
procedência do pedido na ação de reintegração de posse, enfatiza Arnaldo
Rizzato:
“Três
pressupostos sobressaem: a)deverá o possuidor esbulhado ter exercido uma posse
anterior; b)a ocorrência do esbulho da posse que alguém provoca; c) a perda da
posse em razão do esbulho.“Pratica esbulho quem priva outrem da posse, de modo
violento ou clandestino, ou com abuso de confiança.”
(Direito das Coisas, Forense, 1ª ed., p. 105).
Na ação de reintegração de posse, incumbe ao
autor provar a sua posse, a turbação ou o esbulho praticado pelo réu, a data da
turbação ou do esbulho e a continuação da posse, embora turbada (CPC, art. 927).
QUANTO A POSSE
É necessário registrar que a área em litígio foi ocupada
mansamente e sem oposição durante
mais de 30 (trinta) anos conforme aduz o próprio ex-titular da terra:
Que o depoente foi beneficiado com o título da área em
litígio; Que somente depois desse fato, e passados 02 anos que o depoente já
residia nesta cidade, os pais do depoente vieram para Amarante oriundos de
Chapadinha; Que aos poucos os demais irmãos, (...), também vieram morar na
cidade de Amarante(...) Que os pais do depoente ao chegarem nesta cidade não
tinham aonde morar tendo passado alguns dias com Maria Deusa, mas
posteriormente foram residir na fazenda objeto do presente processo; Que
ninguém pediu autorização para o depoente para irem morar no local; Que aos
poucos os demais irmãos foram chegando e também passaram a residir na área; Que
como se tratava de familiares o depoente não se opôs; (...) Que essa
situação perdurou do final da década de 70 até o ano de 2000; que entretanto
os irmãos do depoente aos poucos foram arrumando suas casas no centro da cidade
e depois de alguns anos os pais do depoente mudaram-se para uma casa na Rua
Coelho Neto: Que entretanto tanto os pais como os irmão do depoente
costumavam passar fins de semana na fazenda(...) que jamais fez qualquer doação
da a´rea para seus pais ou irmãos (...)que antes de efetuar a venda para o SR.
Gerson nenhum dos irmãos residia na fazenda; Que era comum seus irmãos
reunirem-se na fazenda para beberem, comerem e caçarem; que não é veradade
que tenha vendido a terra para Gerson de maneira escondida, pois na época
conversou com sua irmã Francisca comunicando que venderia para fazr tratamento
de saúde seu e de sua filha (...) Que foi Dominguinhos que ofereceu a terra
para o Sr. Gerson(...)
(Depoimento de ANTONIO LEITÃO GOMES, fl. 111)
Analisando o referido depoimento observo que desde há
muito o antigo proprietário, irmão dos requeridos, possuia o imóvel sob litígio
e que, por ATO DE MERA PERMISSÃO OU
TOLERÂNCIA, deu abrigo aos seus pais e irmão que chegaram a esta cidade
oriundos da cidade de Chapadinha/MA.
Segundo o Código Civil, os atos de mera permissão ou
tolerância não induzem posse:
Art. 1.208. Não
induzem posse os atos de mera permissão ou tolerância assim como não autorizam
a sua aquisição os atos violentos, ou clandestinos, senão depois de cessar a
violência ou a clandestinidade.
A tolerância é um comportamento de inação, omissivo,
consciente ou não do possuidor, que, sem renunciar à posse, admite a atividade
de terceiro em relação à coisa e não intervém quando ela acontece. Sendo uma
mera indulgência, uma simples condescedência, não implica transferência de
direitos.
Nos autos há outros indícios de que os requeridos reconheciam no seu irmão ANTONIO LEITÃO
o verdadeiro proprietário do imóvel, conforme se observa: 1) do
depoimento pessoal do autor GERSON GOMES, onde o mesmo afirma que foi procurado
para requerido DOMINGUINHOS lhe oferecendo a área para compra uma vez que
ANTONIO LEITÃO, irmão deste, estaria doente em Palmas/TO e endividado nesta
cidade (fls. 30), fato também confirmado por PERCILIANO LOPES (fls. 113); 2) é
o que se depreende também do depoimento de ANTONIO LEITÃO quando o mesmo
oferece a terra com preferencia para a requerida FRANCISCA (SUA IRMÃ) e esta
afirma que “iriam vê se dava pra comprar”(fls. 111)
Por outro lado, colho do depoimento da referida
testemunha, bem como do próprio registro imobiliário do imóvel em referência
que ANTONIO LEITÃO GOMES, de fato alienou o imóvel em referência para o autor,
transferindo a posse e propriedade que detinha
com as mesmas qualidade e vícios que existiam à época da alienação,
conforme preceitua o art. 1207 do CC:
Art. 1.207. O
sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao sucessor
singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais.
Portanto, no momento da alienação da propriedade o
vendedor transmitiu também ao adquirente, ora autor, a sua posse e a partir de
então o autor ficou investido de poderes para ajuizar os interditos
prossessórios.
É o que a doutrina chama de ACCESSIO POSSESSIONIS, modo
de aquisição derivada da propriedade, a título singular, por ato inter vivos. O
adquirente recebe a nova posse, podendo juntá-la ou não, à posse anterior do
vendedor. Portanto, não se pode falar em inexistência de posse anterior pelo
adquirente.
Compulsando os autos, verifico, ainda, que no momento do
cumprimento da liminar concedida por este juízo, o Oficial de Justiça
certificou que “no referido imóvel não
encontramos nenhum dos requeridos, onde procedemos ao arrombamento da porta
principal, recolhendo todos os pertences dos requeridos e deixandos os mesmos
no endereço do requerido na Rua Coelho Neto”(fls. 49).
Posteriormente outra certidão do Oficial de Justiça
descreve o estado de abandono do imóvel: “a
única modificação feita no referido imóvel é uma plantação de milho feita pelo
vaqueiro do agravado no lugar onde anteriomente era um curral, segundo
informações dos agravantes, a terra encontra-se descuidada, tendo mato em todo
o território, até em uma platação de arroz quejá havia no local”(fls. 96).
A testemunha PERCILIANO LOPES LIMA, afirma que possuiu
uma propriedade vizinha a área em litígio durante 7 anos e que nesse período
nunca observou os requeridos desenvolverem atividade produtiva na terra:
“(...)
que adquiriu essa propriedade no ano de 2003 e vendeu no ano de 2010; (...) que
observou muitas vezes a “irmandade”, referindo-se aos requeridos, no local
especialmente aos finais de semana; Que durante esse periodo nunca observou uma
plantação de roça na fazenda; (...) Que não sabe dizer se os itmãos
desenvolviam alguma atividade produtiva na fazenda; (...) Que foi o próprio
Gerson que informou para o depoente que havia comprado a fazenda e que foi um
dos irmão, Domingos, que incentivou a compra (...) “(fls. 113)
Sendo assim, não socorre aos requeridos a alegação de que
o autor não tinha posse da área em litígio, pois sendo o mesmo sucessor a
título singular de ANTONIO LEITÃO GOMES, adquiriu a posse que aquele ostentava
anteriormente.
Também não prospera a alegação de que a posse estava com
os requeridos desde o ano de 2006 quando lhes fora deferida uma liminar na ação
de reintegração de posse nº 1018/2006 que tramitou neste juízo, uma vez que
houve substantiva alteração fática relacionada a aquisição da posse que antes,
em 2006, pertencia de fato a ANTONIO LEITÃO GOMES.
Portanto, desde o meu olhar, há prova nos autos de
transmissão da posse do vendedor ANTONIO LEITÃO GOMES para o autor GERSON GOMES
MARQUES através de negócio jurídico válido e eficaz, capaz de tramitir o
domínio e a posse do referido imóvel a este último.
QUANTO A PROVA DO ESBULHO, DA DATA DO ESBULHO E
DEMONSTRAÇÃO DA PERDA DA POSSE:
Dispõe o art. 927 do CPC a necessidade do autor do
presente procedimento especial demonstrar a turbação ou esbulho praticados
pelos réus, a data de sua ocorrência e a prova da perda da posse.
Pois bem, quanto a demonstração do esbulho, ás fls. 09
dos autos repousa um boletim de ocorrência policial, onde o autor relata que
“os irmãos do vendedor, após o lote vendido se apossaram da referida
propriedade, fazendo ameaças ao comunicante, bem como fazendo disparos de armas
de fogo em direção a sede da fazenda do comunicante”.
Colho ainda do depoimento pessoal do autor que “após os serviços de limpeza das divisas,
observou que os requeridos adentraram na área adquirida pelo requerente e lá
permaneceram sendo que no dia 10.08.2011 o requerente foi impedido de adentrar
na área com uma trator para fazer beneficiamento (...) que foi avisado pelo Sr.
Orlando que não era para pisar lá dentro da área, pois estava na Justiça e eles
era quem mandavam lá dentro (...) que dois requeridos estavam na época no
local, sendo que um deles, Edvaldo, portanto uma espingarda (...) (fls. 30)
A data do esbulho por sua vez, deu-se no dia 10.08.2011, quando
o autor foi impedido de adentrar o imóvel com suas máquinas e sob ameaça.
A perda da posse restou evidenciada, por atos de grave
ameaça, na medida em que os requeridos invocando a condição de posseiros e
utlizando-se de arma de fogo, impediram o autor de adentrar o imóvel desde a
data do esbulho.
Pelo já exposto e pela convicção formada neste juízo sob
o pálio do contraditório entendo que o requerente preencheu os requisitos do
art. 927 do CPC.
Assim, entendo que o autor faz jus à proteção
possessória pretendida, uma vez que os fatos narrados foram corroborados com o
conjunto probatório inserido nos autos dão conta de que houve indevido desapossamento do bem objeto da presente lide por
atos de grave ameaça praticados pelos requeridos.
Vale lembrar que em ação
de reintegração de posse não cabe a discussão sobre a titularidade do bem, pois
o seu legítimo proprietário poderá retomá-lo, a qualquer tempo e na via
processual adequada, daquele que eventualmente venha a possuí-lo indevidamente.
DISPOSITIVO
ANTE O EXPOSTO, julgo
PROCEDENTE o pedido de reintegração de posse, confirmando a liminar
anteriormente concedida, devendo o bem ser restituído definitivamente a GERSON
GOMES MARQUES.
Considerando o caráter
dúplice das ações possessórias, expeça-se mandado de reintegração definitiva de
posse do bem objeto da presente lide em favor do demandante.
Condeno os réus no pagamento das custas
processuais e honorários advocatícios, que, com amparo no art. 20, § 4º, do
CPC, fixo em R$ 678,00 (seiscentos e setenta e oito reais), porém, dispenso o
pagamento tendo em vista que os mesmos são beneficiários da Justiça Gratuita.
Certificado o trânsito em julgado, arquive-se com baixa
na distribuição.
P.R.I.C
Amarante do Maranhão, 04 de junho de 2013.
Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular da Comarca de Amarante do Maranhão
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