sexta-feira, 23 de março de 2012

SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. ESTUPRO. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS

Processo n.º 210/2007
Autor: Ministério Público Estadual
Réu: CESÁRIO DE ARAÚJO PEREIRA

S E N T E N Ç A


I- RELATÓRIO

O Ministério Público Estadual, através de seu representante legal, no uso de suas atribuições legais e constitucionais, ofereceu denúncia em face de CESÁRIO DE ARAÚJO PEREIRA, qualificados às fls. 02, como incurso nas sanções do art. 213, caput c/c art. 224, a,  todos do Código Penal Brasileiro, com arrimo nos fatos que seguem.
Consta do inquérito que instrui a presente ação que o denunciado no mês de dezembro de 2003, por duas vezes manteve conjunção carnal com a adolescente Neidiane Santos da Silva, 12 anos de idade (conforme certidão de fls. 11), conforme positiva o Laudo de Exame de Corpo de Delito às fls. 10, quando esta passava alguns dias em sua casa.
Narra a peça administrativa que quando a acriança estva deitada em uma rede na casa do acusado, este aproximou-se já nu e de pênis ereto e ali manteve conjunção carnal com a mesma, positivada como já dito alhures.

A denúncia foi recebida no dia 23.06.2004, fls. 33
O denunciado foi citado e interrogado às fls. 40-42, oportunidade em que negou os fatos que lhes são imputados, imputando-os a um terceiro chamado Antonio, padrasto da menor.
Às fls. 44-45, foi apresentada defesa prévia, onde pugnou pela improcedência da denúncia e arrolou testemunhas.
Às fls. 46 foi designada audiência de instrução.
Às fls. 56, foi ouvida uma testemunha de acusação.
Audiência de continuação às fls. 70-78, oportunidade em que foram ouvidas três testemunhas de acusação e quatro de defesa.
Às fls. 75, a acusação requereu a título de diligências a reinquirição da vítima tendo em vista que durante a instrução surgiram fatos novos (existência de outras pessoas que residiam na casa do acusado). A defesa por sua vez requereu a acareação entre a mãe da vítima e o acusado tendo em vista as divergências em seus depoimentos.
Às fls. 86, procedeu-se à acareação, a qual restou inexitosa, pois tanto a testemunha CICERA DOS ANJOS SANTOS quanto o acusado mantiveram suas versões acerca dos fatos, a primeira afirmando que o casal pediu que permitisse que a vítima fosse morar na residência em companhia dos mesmos e o acusado que insistiu que foi a testemunha que pediu para que os mesmos cuidassem da vítima pois o então padrasto desta não a aceitava na casa. Deliberou-se pela reinquirição da vítima.
Às fls.91, a vítima fora reinquirida oportunidade em que sustentou que o estupro em duas oportunidades.

O Ministério Público Estadual apresentou alegações escritas às fls. 92-100, pugnando pela procedência da pretensão acusatória, com a conseqüente condenação do réu nas penas do art. 217-A do CPB, sustentando para tanto.

A defesa, por seu turno, em alegações finais sustenta a insuficiência de provas, afirma a contradição de datas que teriam ocorrido os delitos; que os depoimentos são contraditórios quanto ao momento em que a menor teria revelado as relações sexuais (um semana após ou cinco meses depois de deixar a casa do acusado); que seria impossível a esposa do acusado não ouvir os pedidos de socorro da vítima; que nova contradição foi verificada no depoimento da vítima que a princípio negou que as testemunhas Walisson e Wenderson morassem na casa, depois afirmou que foram morar depois de um ano que ela estava lá e que quando fora violentada os mesmos ainda não moravam no local, reafirmando que foi embora depois de um mês do segundo estupro, mas ao mesmo tempo afirma que afirma que morou em companhia do acusado, Fátima, Walisson e Wenderson por aproximadamente dois anos.

 É o relatório, passo a decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO.

Finda a instrução somente dúvidas remanesceram quanto à autoria do fato delituoso e quanto à efetiva contribuição do acusado para a perpetração do delito.

A MATERIALIDADE está comprovada, a partir dos exames periciais de corpo de delito de fls. 12-13, o qual confirma o desvirginamento da vítima na data do exame, qual seja, 10.03.2004.

A AUTORIA, entretanto, não restou plenamente caracterizada, pois finda a instrução, dos autos somente emanam indícios de que o réu tenha sido o autor do delito, indícios que somente emanam do depoimento da vítima.
Observe-se, entretanto, que a palavra da vítima, em que pese deva ser valorada de maneira especial, especialmente nos delitos contra a dignidade sexual, durante toda a instrução processual mostrou-se vacilante e, por vezes, causou-me perplexidade.

Com efeito, observo que nas duas oportunidades em que fora ouvida a vítima sustentou a ocorrência de violência sexual imputando-a ao acusado, inclusive descrevendo o modus operandi, porém, é curioso como a mesma no depoimento de fls. 72, afirma que residia na casa do acusado em companhia tão-somente deste e de sua esposa FÁTIMA e que a segunda relação sexual teria ocorrido três dias após a primeira, tendo ido embora um mês depois da segunda violência sexual:
“(...) que o acusado tirou a roupa da declarante e a estuprou; que a declarante era criança, não sabia o que era sexo e nunca tinha visto um pênis ereto; que ao amanhecer percebeu que a sua rede estava toda suja de sangue; (...) que o acusado foi até a rede da declarante em uma segunda oportunidade, tendo novamente mantido relações sexuais(...) que a declarante foi embora da casa aproximadamente um mês após a segunda relação sexual (...) que a casa era isolada e a declarante não brincava com outras crianças, pois no local só morava o casal e a declarante (...)

Já durante a instrução surgiu informação de que no local moravam duas outras crianças, os irmãos Walisson e Wenderson, motivo pelo qual a mesma foi reinquirida às fls. 91, oportunidade em que a mesma retificou seu depoimento para confirmar a presença dos irmãos citados e afirmar que morou em companhia do acusado, Fátima, Walisson e Wenderson por um período de dois anos e que os abusos teriam ocorrido antes da chegada dos irmãos, fato que novamente revelou inconsistência uma vez que em seguida afirma que foi embora da casa um mês depois do segundo abuso sexual:

“(...) que morou aproximadamente uns três anos na casa do acusado e de D. Fátima; que na casa também moravam Walisson e Wenderson; que quando foi morar com o casal este últimos não moravam no local só passando a fazê-lo depois de aproximadamente um ano; (...) que quando sofreu os abusos Walisson e Wenderson ainda não moravam na casa (...) que confirma que foi embora da casa aproximadamente  um mês após o segundo abuso sexual sofrido; que confirma que morou aproximadamente dois anos em companhia de Cesário, Fátima, Walisson e Wenderson; que afirma que quando sofreu os abusos Walisson e Wenderson não moravam na casa (...)

 Enfim, a prova colacionada durante a instrução processual não revelou a segurança necessária que autorize a expedição de um decreto condenatório contra o acusado, uma vez que o mesmo nega as imputações e a vítima não mantém uma versão uniforme sobre os fatos que imputa ao requerido.

As outras testemunhas ouvidas somente afirmam o que a vítima lhes confidenciou e também apresentam versões disformes a testemunha ROSA SILVA, FLS. 56, afirma que somente soube da ocorrência de uma relação sexual; a testemunha CÍCERA SANTOS, fls. 71, afirma que ocorreram três relações sexuais; as testemunhas WALISSON DA SILVA e WENDERSON DA SILVA, FLS. 77-78, moradores da mesma casa, afirmam desconhecer que acusado tenha praticado qualquer tipo de violência sexual contra a vítima.

Conforme sabemos, meros indícios são insuficientes para autorizarem a condenação de um indivíduo, de forma que somente havendo indícios, o caminho natural de um processo criminal garantista deve ser a absolvição.

O acusado em seu interrogatório às fls. 41-42, nega a imputação dos fatos constantes da denúncia:
“que não é verdadeira a imputação que lhe é feita; que estão inventando isto para proteger Antonio, padrasto da vítima que teria abusado dela; (...) (interrogatório de CESÁRIO DE ARAÚJO PEREIRA, fls. 41-42)


                                   De acordo com as provas colacionadas na instrução criminal, o que se verifica são meros indícios que apontam para o acusado, porém, os mesmos são baseados tão somente no depoimento da vítima que por sua vez mostrou-se vacilante e contraditório e, nessas condições, desde o meu olhar , não autoriza uma condenação.

                                   Não nego que é possível que o réu tenha efetivado o delito em tela, porém, não havendo a certeza diante do quadro probatório constante dos autos, entendo que a dúvida deve ser operar em favor do acusado.

Em verdade o Estado não conseguiu êxito na persecução penal, de modo que se injusto se mostra a denúncia contra o acusado, não menos injusto é querer que ele seja condenado por um delito, onde não se tem certeza de sua autoria.

Não se infere dos autos suporte probatório a macular a versão apresentada pelo acusado.  As provas colhidas no curso da instrução não infirmam a versão do acusado de forma que a mesma merece credibilidade.

Também não houve outras pessoas que presenciaram o fato e o imputaram ao réu.

Parco, portanto, o conjunto probatório apresentado em desfavor do réu, não restando outra opção a este juízo, senão a prolação de sentença absolutória em relação ao presente delito, nos termos do art. 386, IV CPP.


III – DISPOSITIVO.

ANTE O EXPOSTO, julgo IMPROCEDENTE a denúncia e por conseqüência ABSOLVO o réu CESÁRIO DE ARAÚJO PEREIRA, já qualificado, da imputação de delito prevista no art. 213, caput, c/c art. 224, a  do CPB, por insuficiência de provas, nos termos do art. 386, IV do CPP.

Transitado em julgado a presente decisão, proceda-se à baixa, observando-se as formalidades legais e de praxe.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
           
Amarante do Maranhão/MA, 20 de março de 2012.


Juiz Glender Malheiros Guimarães
Titular da Comarca de Amarante do Maranhão


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